Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP00035227 | ||
| Relator: | EMÍDIO COSTA | ||
| Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO RESPONSABILIDADE PELO RISCO LIMITE DA INDEMNIZAÇÃO SEGURO OBRIGATÓRIO AUTOMÓVEL DIRECTIVA COMUNITÁRIA | ||
| Nº do Documento: | RP200302180320097 | ||
| Data do Acordão: | 02/18/2003 | ||
| Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
| Tribunal Recorrido: | TJ OLIVEIRA AZEMÉIS | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | . | ||
| Decisão: | . | ||
| Área Temática: | . | ||
| Legislação Nacional: | CCIV66 ART508 N1. DL 522/85 DE 1985/12/31 ART6. | ||
| Sumário: | I - Em relação aos sinistros cobertos pela responsabilidade civil automóvel, a legislação não pode prever limites máximos de indemnização que sejam inferiores aos montantes mínimos do seguro obrigatório, independentemente de a responsabilidade se basear na culpa ou no risco. II - Por isso, o artigo 508 n.1 do Código de Processo Civil está tacitamente revogado pelo artigo 6 do Decreto-Lei n.522/85, de 31 de Dezembro. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO Fátima....., por si e na qualidade de legal representante de seu filho menor Hugo.....; e Ricardo..... intentaram, no Tribunal Judicial de....., a presente acção com processo ordinário contra: - Fundo de Garantia Automóvel, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia total de Esc. 32.340$00, acrescida dos juros de mora legais, a partir da citação. Alegaram, para tanto, em resumo, que, no dia 20/2/98, ocorreu um acidente de viação que vitimou Américo....., marido da 1.ª e pai dos demais Autores; que é de presumir que o Américo, com prudência e atenção, conduzia o seu veículo motorizado pela metade direita da faixa de rodagem, tendo em conta o seu sentido de marcha, onde terá sido embatido por um veículo desconhecido que circulava em sentido contrário; que desse embate lhe resultaram lesões que lhe provocaram a morte, tendo os Autores sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais que pretendem ver ressarcidos. Contestou o Ré, impugnando a generalidade dos factos alegados, por não serem do seu conhecimento, aduzindo que a indemnização peticionada se lhe afigura exagerada. Proferiu-se o despacho saneador, consignaram-se os factos tidos como assentes e elaborou-se a base instrutória, sem reclamações. Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual se respondeu à matéria da base instrutória, também sem reclamações. Finalmente, verteu-se nos autos sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou o Réu a pagar aos Autores a quantia global de Esc. 14.500.000$00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença. Inconformados com o assim decidido, interpuseram, sucessivamente, recurso o Réu e os Autores, os quais foram admitidos como de apelação e efeito suspensivo. Alegaram, oportunamente, os apelantes, os quais finalizaram as suas alegações com a seguinte síntese conclusiva: A – O Réu 1.ª - “As directivas comunitárias reconhecem aos seus destinatários liberdade de escolha de meios para satisfação do resultado que impõem e não gozam de efeito directo, atendendo à teleologia da figura, à vontade dos outorgantes dos tratados constitutivos da comunidade e às nítidas diferenças de regime existente entre estas e os regulamentos; 2.ª - Aquilo que decorre da directiva 84/5/CEE , é unicamente a obrigação de criação de um organismo que tenha por missão reparar, pelo menos dentro dos limites da obrigação de seguro, os danos materiais ou corporais causados por veículos não identificados ou relativamente aos quais não tenha sido satisfeita a obrigação de segurar; 3.ª - A directiva em causa é relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e não à harmonização do direito privado; 4.ª - Os Estados-membros gozam de liberdade para, dentro do limite máximo decorrente da obrigação de seguro e com respeito pelo princípio do pagamento da indemnização, estabelecer as condições de efectivação da indemnização quer com base no risco ou na culpa; 5.ª - Em todo o caso, não é reconhecido efeito directo horizontal às directivas, isto é, das normas da directiva não resultam obrigações para os particulares ou outros entes diversos do Estado; 6.ª - Na verdade, as directivas não são objecto de publicação obrigatória (cfr. o artigo 254.º, n.º 1 do Tratado de Roma), e, por outro lado, os destinatários e sujeitos das obrigações impostas pelas directivas são os estados membros, não podendo os particulares ou entes equiparados a estes serem obrigados directamente por elas; 7.ª - Violar-se-ia o princípio da protecção da confiança se as entidades privadas ou públicas fossem objecto de condenação em função do não cumprimento de obrigações por parte do Estado ou sem que o Estado tivesse criado regras de direito interno que os vinculasse; 8.ª - O recorrente não é destinatário da directiva em causa, não tem a qualidade jurídica de estado membro da União Europeia, a sua actuação rege-se pelo direito privado, é responsável subsidiário, substituindo um particular no pagamento da indemnização e está equiparado às entidades seguradoras, não podendo tratar-se desigualmente os lesados que beneficiem destas ou do recorrente; 9.ª - Considerar, como a faz a sentença sob recurso, que a responsabilidade pelo risco não é aplicável, é interpretação que colide com os dados de direito comunitário que acima se elencaram, de tal modo que o Tribunal acaba por admitir, por essa via, aquilo que o próprio direito comunitário não reivindica para si, ou seja, o efeito directo horizontal das directivas; 10.ª - Tendo em conta a matéria de facto considerada provada, conclui-se que a responsabilidade deve situar-se dentro dos limites do risco, aplicando-se o art.º 508.º do Código Civil e limitando-se a condenação do recorrente ao valor do dobro da alçada da relação vigorante à data do acidente (19.951,91 Euros – Esc. 4.000.000$00); 11.ª - Ao não se interpretar e aplicar da forma acima assinalada o Tribunal a quo violou o artigo 1.º e 21.º do Dec. Lei n.º 522/85, de 31/12 e os artigos 249.º e 254.º n.º 1, do Tratado de Roma, o artigo 9.º e 508.º do Código Civil”. B – Os Autores 1.ª - “Os elementos constantes dos autos, impõem um(a) resposta, ainda que parcialmente, diversa ao ponto 28 da Base Instrutória, insusceptível de ser afastada por qualquer outro meio de prova; 2.ª - Deverá por isso a resposta dada ser alterada no sentido que se propõe: “O falecido Américo conduzia o seu veículo motorizado pela metade direita da faixa de rodagem da supra referida estrada, dando uma curva para a direita em direcção a......; Consequentemente, 3.ª - Por violação do disposto no art.º 13.º n.º 1 do C. da Estrada, deve o condutor desconhecido do veículo não identificado, ser considerado o único e exclusivo culpado na produção do acidente; 4.ª - Os montantes arbitrados pela perda do direito à vida, sofrimento do falecido Américo e danos não patrimoniais aos AA. são, no apelo aos princípios da equidade, manifestamente, exíguos; 5.ª - A indemnização global pela perda do direito à vida e dano moral do falecido Américo, deverá ser fixada em pelo menos 50.000 Euros; 6.ª - E a indemnização, a cada um dos AA. pelos danos não patrimoniais padecidos, fixada em 20.000 Euros; 7.ª - Foram violados os art.ºs 349.º, 566.º n.º 3 do C. Civil e art.º 13.º n.º 1 do C. da Estrada”. Nenhum dos apelados apresentou contra-alegação. ............... O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, nos termos do disposto nos artºs 684º, n.º3, e 690º, n.º 1, do C. de Proc. Civil. De acordo com as apresentadas conclusões, as questões a decidir por este Tribunal são as de saber, em relação ao recurso do Réu, se a indemnização a arbitrar aos Autores está sujeita ao limite imposto pelo art.º 508.º do C. Civil; e, no tocante ao recurso dos Autores, se é de alterar a resposta ao quesito 28.º da base instrutória, devendo, por via dessa alteração, ser considerado único culpado pelo acidente o condutor do veículo desconhecido; e se devem ser alterados os montantes da indemnização atinentes aos danos pela perda do direito à vida e sofrimento do falecido, bem como os não patrimoniais sofridos por cada um dos Autores. Foram colhidos os vistos legais. Cumpre decidir. ............... OS FACTOS Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos: 1.º - A Autora Fátima..... foi casada no regime de comunhão de adquiridos com Américo.....; 2.º - Américo..... faleceu no estado de casado em primeiras núpcias com a 1.ª Autora sem deixar testamento ou qualquer disposição de última vontade; 3.º - Ricardo..... e Hugo..... são filhos de Américo..... e de Maria de Fátima Gomes Almeida; 4.º - Américo..... faleceu no dia 25 de Fevereiro de 1998, com 40 anos de idade; 5.º - No dia 20 de Fevereiro de 1998, pela 1 hora da madrugada, o falecido Américo saiu da sua residência com destino a...... para iniciar o seu turno de trabalho na firma “L....., S.A”; 6.º - Fazendo-se transportar no seu veículo motorizado matrícula ..-OVR-..-..; 7.º - Habitualmente, o falecido Américo saía da sua residência em direcção à freguesia de S. Martinho da Gândara, daí prosseguindo para o..... e aí tomando a estrada que liga esta freguesia à cidade de.....; 8.º - Nesse dia, por volta da 1,30 horas da madrugada, o veículo motorizado referido foi encontrado na berma direita da estrada, atento o seu sentido de marcha; 9.º - Mais propriamente, numa curva à direita, logo a seguir ao cruzamento do.....; 10.º - Nas circunstâncias de tempo referidas no item 8.º, escassos metros para o lado do local onde se encontrava a motorizada, estava caído o corpo do falecido Américo na berma direita da estrada, considerando sempre o sentido de marcha...../.....; 11.º - Desse local foi transportado em ambulância dos Bombeiros Voluntários de..... para o Hospital de..... seguindo depois para o Hospital de Santo António, no Porto; 12.º - Onde, em consequência directa e necessária das lesões sofridas no sinistro, veio a falecer; 13.º - O aro metálico da roda da frente do veículo motorizado ficou metido para dentro, o aro do farol da frente completamente amolgado, o vidro do pára-brisas partido e a estrutura deste amolgada; 14.º - E a forqueta do lado esquerdo estava empenada da frente para trás; 15.º - A estrada onde se deu o acidente é ladeada por pinhais; 16.º - No local onde se encontrava o veículo motorizado e nas suas proximidades, não existiam paredes, muros, barreiras ou qualquer outro obstáculo sólido; 17.º - Na altura do sinistro, a berma direita da estrada naquele local, era ladeada por um pequeno morro de terra vegetal em talude (declive); 18.º - Na terra, não existiam quaisquer vestígios que denunciassem ter a mesma sido objecto de qualquer impacto; 19.º - No local onde foi encontrado o veículo motorizado não existia qualquer árvore junto á berma da estrada; 20.º - As árvores mais próximas distavam alguns metros da berma da estrada; 21.º - Sem que alguma dessas árvores apresentasse sinais de ter sido embatida; 22.º - O aro do veículo motorizado é cromado; 23.º - Nesse aro ficaram vestígios de tinta branca de outro veículo; 24.º - O falecido Américo apresentava, após o sinistro, fractura com infiltração sanguínea dos topos ósseos e tecidos adjacentes do terço inferior dos ossos do antebraço esquerdo; 25.º - E lesões traumáticas crâneo-encefálicas resultantes de violento traumatismo contundente; 26.º - O veículo motorizado encontrava-se na berma direita da estrada; 27.º - Pelo menos, vestígios de sangue e vidros encontravam-se no lado direito da faixa de rodagem, próximo do ciclomotor, tendo em conta o sentido de marcha do falecido Américo; 28.º - Em nenhum outro ponto da estrada existiam vestígios do acidente, nomeadamente, vidros; 29.º - No local onde se encontrava o veículo motorizado, na altura do sinistro a estrada tinha a largura de 5,30 metros; 30.º - O falecido Américo era um condutor prudente; 31.º - A pessoa que interveio no sinistro, deixou o Américo entregue ao seu sofrimento; 32.º - O falecido Américo conduzia o seu veículo motorizado, na supra referida estrada, dando uma curva para a direita em direcção a.....; 33.º - Tendo aí colidido com um veículo automóvel ou motorizado não identificado que circulava em sentido contrário; 34.º - O falecido Américo era uma pessoa saudável e normalmente robusta; 35.º - E dedicada ao trabalho; 36.º - Tendo grande apego à vida; 37.º - E vivendo em perfeita harmonia com a sua esposa e filhos; 38.º - Sendo por eles acarinhado; 39.º - O Américo após ter sido encontrado nas circunstâncias referidas nos itens 8.º, 9.º e 10.º, foi posteriormente encontrado pelos bombeiros que o socorreram dezenas de metros para a frente daquele local; 40.º - Onde então estava caído na berma da estrada; 41.º - Com desespero e pressentindo a morte e a separação definitiva dos seus entes queridos; 42.º - Os AA. amavam o falecido Américo, votando-lhe carinho e afeição; 43.º - Tendo-se sentido muito chocados com a notícia da morte; 44.º - Não conseguindo esquecer o marido e pai; 45.º - Nas épocas festivas, nomeadamente, Natal e Páscoa, sentem com dor a sua falta; 46.º - O falecido Américo trabalhava na sociedade “L....., L.da”, mediante uma remuneração mensal base de cerca de Esc. 82.400$00; 47.º - A que acresciam diuturnidades e prémio de zelo, de cerca de Esc. 2.500$00 e Esc. 3.000$00 mensais, respectivamente; 48.º - E acrescido de subsídio nocturno e ajudas de custo de valores vaiáveis, próximos de Esc. 75.000$00 ou Esc. 80.000$00; 49.º - Sendo com tal salário e com o salário da esposa que o casal fazia face às despesas de educação e alimentação dos seus filhos; 50.º - O Autor Hugo frequenta no Centro de Formação Profissional em....., o Curso Técnico Intermédio de Programação, CNC; 51.º - Para despesas de alimentação, vestuário e educação, o A. Hugo, em média mensal, usufruía Esc. 20.000$00 do salário do seu pai; 52.º - Estando privado da mesma desde a data do sinistro. ............... O DIREITO A – Recurso do Réu O apelante Fundo de Garantia Automóvel (F.G.A.) não questiona a responsabilidade que sobre si recai de reparar os danos emergentes do acidente dos autos. Responsabilidade essa que flui directamente do preceituado no art.º 21.º, n.ºs1 e 2, al. a), do Dec. Lei n.º 522/85, de 31/12. O que o F.G.A. pretende, com o presente recurso, é ver limitada a sua responsabilidade ao montante de Esc. 4.000.000$00, por força do disposto no art.º 508.º do Código Civil. A questão que ora se coloca – a de saber se este preceito se encontra revogado – tem sido, recentemente, objecto de análise, quer na doutrina quer na jurisprudência. Nos acórdãos desta Relação proferidos nos Recursos 1438/01, 3.ª Secção, e 165/02, 2.ª Secção, ao que pensamos, ainda não publicados, e que aqui seguimos de perto, considerou-se que aquele art.º 508.º se mostra revogado tacitamente. Aliás, o aqui relator interveio como Adjunto naquele segundo acórdão. Dispõe-se no referido art.º 508.º, n.º 1, que a indemnização por morte está limitada ao dobro da alçada da Relação. 1. O art. 1.º, n.ºs 1 e 2, da Segunda Directiva 84/5/CEE do Conselho, de 72.04.24, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitante ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, dispõe: 2. O seguro referido no n.º 1 do art.º 3.º da Directiva 72/166/CEE deve, obrigatoriamente, cobrir os danos materiais e os danos corporais. Sem prejuízo de montantes de garantia superiores eventualmente estabelecidos pelos Estados-Membros, cada Estado-Membro deve exigir que os montantes pelos quais este seguro é obrigatório, se situem, pelo menos, nos seguintes valores: 350.000 ECUs, relativamente aos danos corporais, quando haja apenas uma vítima, devendo tal montante ser multiplicado pelo número de vítimas, sempre que haja mais que uma vítima em consequência do mesmo sinistro; 100. 000 ECUs por sinistro, relativamente a danos materiais, seja qual for o número de vítimas. (...) Nos termos do art.º 5.º da referida directiva, com a redacção que lhe foi dada pelo Anexo I, Parte IX, F, que tem como epígrafe “Seguros”, do Acto relativo às condições de adesão do Reino Unido e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados (JO 1985 L 302, p.23, 218): 1. Os Estados-Membros alterarão as suas disposições nacionais para darem cumprimento à presente directiva o mais tardar até 31 de Dezembro de 1987. (...) 2. As disposições alteradas nos termos acima referidos serão aplicadas o mais tardar em 31 de Dezembro de 1988. Por derrogação ao n.º 2: a) O Reino da Espanha, a República Helénica e a República Portuguesa dispõem do período até 31 de Dezembro de 1995 para aumentarem os montantes das garantias até aos montantes previstos no n.º 2 do art.º 1. Se fizerem uso dessa faculdade, os montantes de garantia devem, em relação aos montantes previstos no referido artigo, atingir: - uma percentagem superior a 16% o mais tardar em 31 de Dezembro de 1988; - uma percentagem de 31%, o mais tardar em 31 de Dezembro de 1992 Consoante se declarou no Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) de 00.09.14, resulta desta Directiva, assim como da Primeira e Terceiras Directivas, que os Estados-Membros estão obrigados a garantir que a responsabilidade civil aplicável segundo o seu direito nacional esteja coberta por um seguro e que este seguro deve respeitar os montantes mínimos de garantia fixados nos art.ºs 1.º, n.º 2, e 5.º, n.º 3, na redacção que lhe foi dada pela segunda Directiva. Por conseguinte e conforme se diz naquele acórdão, “em relação aos sinistros cobertos por esta responsabilidade civil, a legislação não pode prever limites máximos de indemnização inferiores a esses montantes mínimos”, independentemente da responsabilidade ser baseada na culpa ou no risco. Em matéria de reenvio prejudicial - como foi o caso do acórdão referido, fruto de interpelação do Tribunal de Setúbal - a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça cria para os tribunais nacionais uma autêntica proibição de interpretação desconforme (veja-se, neste sentido, o acórdão do STJ de 01.03.01, relatado pelo Sr. Conselheiro Neves Ribeiro, ao que sabemos, ainda não publicado). Na verdade, o Juiz nacional não só fica obrigado a interpretar o seu direito interno de modo a torná-lo conforme às disposições de uma directiva não transposta, como fica impedido de optar por uma solução de interpretação desconforme à directiva, na medida em que seja possível formar duas ou mais soluções de interpretação possíveis. Com efeito, não é possível uma solução de interpretação contra legem, ou seja, que não tenha nos textos da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso – cfr. art.º 9.º, n.º 2, do C. Civil. Concluindo, pode-se dizer que através da via acima referida e tendo em conta a força interpretativa dos seus acórdãos, o Tribunal de Justiça atinge o mesmo resultado a que se chegaria com a aplicação imediata da Directiva às relações entre particulares. Voltando à questão que nos ocupa e tendo em conta a força interpretativa referida, é patente que do confronto do referido art.º 508.º, n.º 1, com os artigos da Segunda Directiva acima assinalados - interpretados, como se disse, em termos de que neles não se faz qualquer distinção entre responsabilidade civil baseada na culpa e responsabilidade pelo risco - resulta claramente uma contradição entre aquela norma com estes artigos. Na verdade, enquanto na norma referida se estabelece um limite máximo para a responsabilidade civil baseada no risco, na Directiva mencionada apenas se estabelecem limites mínimos. A questão que se coloca consiste, pois, em saber o que resulta dessa contradição. A obrigação de transposição da segunda Directiva 84/5/CEE, em prazos definidos, consta de um tratado internacional devidamente ratificado pelo Estado Português: o Acto Relativo às Condições de Adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa às Adaptações dos Tratados, publicado em suplemento ao DR I Série, de 18.09.85. Em cumprimento dessa Directiva e dos prazos de transposição fixados no Acto de Adesão, o art.º 6.º do Dec. Lei n.º 522/85, de 31/12, na sua redacção original, estabeleceu um capital obrigatoriamente seguro de 3.000.000$00, sucessivamente aumentado por diversos diplomas posteriores. Todos estes diplomas referem, nos seus preâmbulos, a necessidade de transposição para o direito interno dos capitais estabelecidos na Segunda Directiva. Assumem, assim, expressamente, a sua função de transposição da directiva aqui em discussão. Ora, considerando que o regime de seguro obrigatório de responsabilidade civil tanto se aplica às situações de responsabilidade subjectiva como às situações de responsabilidade objectiva e vigora em todos os acidentes de viação, desde logo se torna evidente um problema de incompatibilidade entre o art.508.º, n.º 1, do Código Civil e o aludido art.6.º do Dec. Lei n.º 522/85. Duas soluções de interpretação se afiguram possíveis: ou o art.º 508.º é uma norma especial em relação ao aludido art.º 6.º do Dec. Lei n.º 522/85 ou, então, este revogou tacitamente aquele outro. Ambas as soluções são viáveis, pois têm um mínimo de correspondência na lei. Ora, tendo em conta que, como se disse, existe a obrigação de a interpretação ter de ser feita conforme as Directivas Comunitárias, os tribunais portugueses têm de optar por uma solução que torne o direito nacional conforme aos art.ºs 1.º, n.º 2, e 5.º, n.º 3, da segunda Directiva. E essa interpretação não pode deixar de ser a de que o art.º 508.º, n.º 1, está tacitamente revogado pelo art.º 6.º do Dec. Lei n.º 522/85. Tal interpretação obedece, além do mais, aos requisitos estabelecidos no n.º 1 do art.9.º do Código Civil: reconstitui o pensamento legislativo, que seria a transposição correcta da Segunda Directiva; cumpre o objectivo de unidade do sistema jurídico, pois o direito comunitário é objecto de recepção automática e incondicional na nossa ordem jurídica e pondera as circunstâncias em que a lei foi elaborada, de integração de Portugal no espaço comunitário. Tanto mais que, conforme refere Mota Campos “in” Direito Comunitário, 4.ª ed. vol. II, p. 128 “impõe-se aos Estados acatar a obrigação de resultado prescrita pela directiva comunitária - o que implica o cumprimento da obrigação de comportamento que para eles se traduz no dever de aplicar esse acto na ordem interna ou, como é corrente dizer-se em linguagem comunitária, o dever de proceder à sua transposição. Nem sempre, porém, se impõe ao Estado adoptar disposições formais de transposição, constantes de diploma legislativo ou regulamentar. A liberdade de escolha da forma do instrumento jurídico abarca também a liberdade quanto ao conteúdo como acto interno, desde que isso não prejudique a finalidade visada, ou seja, a realização do objectivo prescrito pela Directiva”. A este propósito, refere o citado autor, o acórdão do TJCE de 87.04.09, em que se diz que “resulta do terceiro parágrafo do art.º 189.º do Tratado que a transposição de uma Directiva para o direito interno não exige necessariamente uma repetição formal e textual das suas disposições numa disposição legal expressa e específica, podendo, em função do seu conteúdo, ser suficiente para tanto um contexto jurídico legal, desde que este assegure efectivamente plena aplicação da Directiva de modo suficientemente claro e preciso, afim de que, no caso de a Directiva se destinar a criar direitos aos particulares, os beneficiários tenham a possibilidade de conhecer plenamente os seus direitos e de os invocar, se for caso disso, perante os órgãos jurisdicionais nacionais”. Concluímos, deste modo, que o art.º 508.º, n.º 1, do Código Civil, se encontra tacitamente revogado pelo art.º 6.º do Dec. Lei n.º 522/85. Mas a responsabilidade objectiva por acidentes de viação “não é ilimitada no sentido de nela valer o princípio geral da reparação integral do dano, e o dever de obediência não pode ser afastado a pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo (art.º 8.º, n.º 2, do Código Civil). Mas, se não pode derrogar-se, por desrazoável, injusto e injustificado, o princípio da responsabilidade limitada pelos danos provenientes dos riscos próprios dos veículos (...), o intérprete já tem o dever de não se cingir à letra da lei e de reconstituir o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que o preceito foi elaborado e as condições específicas do tempo em que é aplicado (art.º 9.º, n.º 1, do Código Civil). A esta luz revela-se incontornável ponderar a legislação sobre seguro obrigatório automóvel e montantes mínimos nela fixados, em ordem à sua articulação harmónica e visão integrada com o art.º 508.º do Código Civil” (Calvão da Silva, in R.L.J., Ano 134.º, 3924/3925, 112 e segs., em anotação ao Ac. do S.T.J. de 1/3/01). Como refere este autor (loc. cit., 121), “porque o seguro não se encontra no vácuo e tem objecto – a cobertura da responsabilidade civil –, seria um non-sens a fixação de limites máximos de indemnização inferiores aos montantes mínimos do seguro obrigatório: a primeira subverteria o sentido e fim dos segundos como montantes mínimos, melhor, montantes suficientes de garantia das vítimas. Pelo que os montantes mínimos e reputados suficientes de seguro obrigatório automóvel, estabelecidos por sucessivos Decretos-Leis em transposição da Directiva, são também os limites máximos de indemnização para efeitos do art.º 508.º do Código Civil, a partir do momento em que os valores nele previstos ficaram abaixo daqueles”. Deste modo, como refere o mesmo autor (loc. cit., 124), “Portugal introduziu já no seu ordenamento jurídico as modificações suficientes para cumprimento da transposição da Directiva 84/5/CEE enquanto obrigação de resultado (cfr. art.º 10.º do Tratado CE). E é dessas normas nacionais de transposição que resulta o direito de o lesado em acidente de viação ser indemnizado até 120.000.000$00 pela seguradora do lesante, sem que esta na acção directa contra ela intentada (art.º 29.º do Dec. Lei n.º 522/85) possa eximir-se a pagar mais do que os montantes máximos previstos na letra do art.º 508.º do Código Civil. Não se trata, portanto, de um alegado efeito directo horizontal da Directiva 84/5/CEE (...)”. Improcedem, assim, as conclusões do apelante, pelo que, neste ponto, nada há a alterar à sentença recorrida. ............... B – Recurso dos Autores Os apelantes pretendem que esta Relação altere a resposta ao quesito 28.º da base instrutória. Vejamos. Este quesito tem a seguinte redacção e obteve como resposta (fls. 186-v.º): 28.º - O falecido Américo, com prudência e atenção, conduzia o seu veículo motorizado pela metade direita da faixa de rodagem, tendo em conta o seu sentido de marcha? Resposta: Provado apenas que o falecido Américo conduzia o seu veículo motorizado, na supra referida estrada dando uma curva para a direita, em direcção a...... O que os apelantes pretendem é que este Tribunal dê como provado que o Américo conduzia o seu veículo “pela metade direita da faixa de rodagem, tendo em conta o seu sentido de marcha”. Referem que os elementos constantes do processo impõem essa resposta afirmativa. Mas sem razão. A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se, para além do mais que aqui não interesse, os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas. Os apelantes estribam-se no facto de se ter provado que o veículo motorizado onde seguia o infortunado Américo se encontrar na berma direita da estrada, atento o seu sentido de marcha, e de existirem vestígios de sangue e vidros também no mesmo lado direito da faixa de rodagem (v. itens 26.º, 27.º e 28.º). Ora, estes factos, só por si, não permitem afirmar com segurança que o Américo conduzia o seu veículo pela metade direita da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha. As testemunhas inquiridas não presenciaram o acidente e o outro interveniente é desconhecido. Além disso, não há certeza de que o sangue e os vidros encontrados no local pertenciam ao Américo e ao veículo por si conduzido. Assim, este Tribunal considera como assentes os factos dados como provados na 1.ª instância. Os apelantes questionam também os montantes das indemnizações arbitradas pela perda do direito à vida e sofrimento do falecido, bem como os não patrimoniais sofridos por cada um dos Autores. Como compensação pela perda da vida do falecido, peticionaram os Autores a quantia de 10.000.000$00, enquanto pelo danos não patrimoniais por ele sofridos pediram a quantia de 5.000.000$00. E, a título de danos não patrimoniais próprios, peticionaram 7.500.000$00, para a Autora (viúva), e 4.000.000$00, para cada um dos Autores (filhos). A sentença recorrida fixou pela perda da vida o montante de 5.000.000$00; pelo sofrimento da vítima o de 1.500.000$00; e pelos danos não patrimoniais de cada um dos Autores 2.000.000$00, para a viúva, e 2.500.000$00, para cada um dos filhos. Fixou também a quantia de 1.000.000$00 a título de danos patrimoniais ao filho Hugo....., mas, nesta parte, a sentença recorrida não foi questionada. Em matéria de reparação de danos, estabelece o artº 562º do C. Civil o seguinte princípio geral: “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Em anotação a este preceito, escreveram Pires de Lima e Antunes Varela (C. Civil Anotado, vol. 1º, 576): “Estabelece-se neste artigo, como princípio geral quanto à indemnização, o dever de se reconstituir a situação anterior à lesão, isto é, o dever de reposição das coisas no estado em que estariam, se não se tivesse produzido o dano (princípio da reposição natural). Assim, um automóvel danificado deve ser consertado, o muro destruído deve ser levantado, o objecto subtraído deve ser entregue ou restituído em género, se se tratar de coisa fungível. Neste aspecto, tem-se claramente em vista o dano real ou concreto (a perda ou deterioração da coisa, a violação do bom nome, etc.). A indemnização por outra forma, como seja em dinheiro (artº 566º) ou em renda (artº 567º), tem carácter excepcional, embora seja a forma mais vulgar de indemnizar, por impossibilidade de reconstituir o estado anterior à lesão”. De entre os danos, estão aqui em causa os de natureza não patrimonial. Nos termos do artº 496º, n.º 1, do C. Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (artºs 494º e 496º, n.º 3, do C. Civil). A questão de determinação do montante do dano é uma questão de justiça material do caso. Em termos técnicos, é um problema de equidade que a nossa lei admite como fonte de direito. A equidade é definida – desde Aristóteles – como a justiça do caso concreto. Aquele artigo 496º não enumera os casos de danos não patrimoniais que justificam uma indemnização. Diz apenas que devem merecer, pela sua gravidade, a tutela do direito. Cabe, portanto, ao tribunal, em cada caso, dizer se o dano é ou não merecedor da tutela jurídica (v. Pires de Lima e Antunes Varela, C.C. Anotado, vol. 1º, 4.ª ed., 499). A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado (v. Das Obrigações em geral, vol. 1º, 9.ª ed., 628). A sentença recorrida considerou serem merecedores da tutela do direito os danos não patrimoniais em causa. E não restam dúvidas de que assim é, o que, aliás, não é objecto de controvérsia. Apenas estão em causa os montantes da indemnização arbitrados, que os apelantes pretendem ver elevados para 50.000 Euros, para reparação da perda da vida e sofrimento da vítima, e 20.000 Euros, para reparação dos danos não patrimoniais sofridos por cada um dos Autores. Tudo visto e ponderado, há que reconhecer que se nos afigura algo exíguo o montante arbitrado na sentença para ressarcir o dano correspondente à supressão da vida da vítima. Face à matéria provada, designadamente que o Américo tinha 40 anos de idade, era pessoa saudável e com grande apego à vida, tem-se como mais adequada a quantia de 35.000 Euros para ressarcir esse dano. Já o valor de 1.500.000$00 (7.481,97 Euros), para ressarcir o dano do sofrimento da vítima, entre a data do acidente a da morte, se nos afigura ajustado, pelo que se manterá. Quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelos Autores, não vemos razão para diferenciar a viúva e os filhos. Na verdade, o falecido vivia em perfeita harmonia com a esposa e filhos, sendo por eles acarinhado. Todos amavam o falecido, tendo por ele carinho e afeição. E todos se sentiram muito chocados com a notícia da morte do Américo, sentido com dor a sua falta. Tudo visto e ponderado, pensamos que a quantia de 2.500.000$00 (12.469,95 Euros), arbitrada na sentença aos filhos da vítima, se mostra adequada para ressarcir cada um dos Autores. Deste modo, tem a herança do falecido Américo a receber a quantia de 42.481,97 Euros (35.000+7.481,97); os Autores Fátima..... e Ricardo..... a quantia de 12.469,95 Euros, cada um; e o Autor Hugo..... a quantia de 17.457,93 Euros (12.469,95+4.987,98). Sobre estas quantias acrescem juros, conforme decidido na sentença recorrida, nesta parte não impugnada. Procede, pois, em parte, o recurso dos Autores. ............... DECISÃO Nos termos expostos, decide-se: 1 – Julgar improcedente a apelação do Réu; e 2 – Julgar parcialmente procedente a apelação dos Autores, pelo que se revoga em parte a sentença recorrida, condenando-se o Réu a pagar à herança do falecido e a cada um dos Autores as quantias supra referidas, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, a contar da data da sentença da 1.ª instância. Custas, em primeira instância, pelos Autores, na medida do respectivo decaimento, sendo as do recurso por eles interposto também da sua responsabilidade, na proporção de ½ (sem prejuízo do apoio judiciário concedido); o Réu F.G.A. está delas isento (art.º 29.º, n.º 11, do Dec. Lei n.º 522/85). Porto, 18 de Fevereiro de 2003 Emídio José da Costa Henrique luís de Brito Araújo Fernando Augusto Samões (Com a seguinte declaração de voto: 1. Afigura-se-me que nada há a pagar à herança do falecido pela simples razão de que esta não é parte na acção e porque entendo que se trata de direitos de indemnização – pela perda do direito à vida e pelo suprimento da vítima – atribuídos directamente às pessoas referidas no nº.2 do art. 496 do C.Civil, a quem cabe em conjunto (sobre as teses em confronto acerca da titularidade do direito de indemnização por aqueles danos não patrimoniais, cfr. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 1971, págs. 83 a 87, que defende que tais direitos de indemnização cabem primeiramente ao “de cujus” e depois se transmitem sucessivamente para os seus herdeiros, Vaz Serra, RLJ, ano 103, pág. 172 e Leite de Campos, em A Indemnização do dano por morte, 1980, pág. 54, que sustentam que tais direitos após terem cabido ao “de cujos” se transmitem sucessivamente para as pessoas mencionadas no nº.2 do artº 496 do C.Civil; e Antunes Varela, das Obrigações em Geral, 6ª ed., pág.583; Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, vol. II, 1974, pág. 65, digo vol. I, 3ª ed., págs. 298 e segs. e Pereira Coelho, Direito das Sucessões, vol. II, 1974, pág. 65, para quem esses direitos de indemnização são adquiridos directa e originariamente pelas pessoas indicadas no n.2 do citado art. 496º, não havendo, por isso, lugar a transmissão sucessória. 2. Parece-nos que os factos provados constantes dos nºs. 8º, 10º, 13º, 14º, 23º, 25º, 26º, 27º, 28º, 32º e 33º, todos conjugados, permitam concluir que a colisão entre os dois veículos ocorreu na mão de trânsito do Américo (cfr. artºs 349 e 351º do C. Civil). Assim sendo, a culpa na eclosão do acidente foi do condutor do veículo desconhecido. Por isso, não teria aqui aplicação o art. 508º, nº1 do C. Civil que respeita à responsabilidade pelo risco. 3. De qualquer modo, entendo que este artigo não deve considerar-se revogado. Esta norma abrange não só a responsabilidade pelo risco em acidentes de viação, mas também outras actividades e situações a que não é aplicável o art. 6º do D.L. nº 522/85. E aplicando só à matéria dos acidentes de viação a revogação, estar-se-ia a particularizar a norma e a violar o carácter geral e abstracto das leis consagrado constitucionalmente. Temos sérias reservas quanto à aplicabilidade directa e ao efeito directo horizontal das directivas, no estádio actual do Direito Comunitário. Embora haja quem aponte nesse sentido, quer na doutrina quer na jurisprudência, e apesar de ser essa a solução desejável, creio não ser o entendimento mais ajustado à natureza e fim daquele acto comunitário, o qual vincula apenas o Estado – membro destinatário quanto ao resultado a alcançar (art. 249 do Tratado de Amsterdão). Nem tem sido esse o entendimento dominante na Jurisprudência Comunitária a partir do acórdão Marshall. A maioria entende que a possibilidade de invocação de uma norma de uma directiva por via do efeito directo é excluída quando esteja em causa a sua invocação por um particular contra outro particular, negando-se assim o efeito directo horizontal, contraposto ao efeito directo vertical (cf. Maria João Palma, Breves Notas Sobre a Invocação das Normas das Directivas Comunitárias, págs. 13 e 45; Cruz Vilaça, Justiça Administrativa nº 30 e Acs. STJ de 1/10/96 e desta Relação de 26/6/2001, in http.www.dgsi.pt nº convencionado, respectivamente, JSTJ 30636 e JTRP 31603). A decisão de TJCE proferida numa questão prejudicial, referida na fundamentação do presente acórdão, com o devido respeito por opinião contrária, não tem aqui aplicação, sendo uma mera interpretação do alcance da 2ª directiva, que deverá ser acolhida pelo Estado Português por forma a harmonizar a legislação de seguros, também para os casos de responsabilidade pelo risco. Trata-se de uma orientação dirigida ao Estado para legislar sobre essa matéria por forma a prever a transferência da responsabilidade pelo risco no mesmo montante de responsabilidade por factos ilícitos (cfr. Ac. desta Relação de 14/3/2002, CJ XXVII, II, págs. 183 a 189). 4. Não obstante estes pontos de discordância, voto a decisão, com excepção da referência à “herança do falecido”.) |