Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0726023
Nº Convencional: JTRP00040994
Relator: MARIA GRAÇA MIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
INCIDENTE
QUALIFICAÇÃO
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
Nº do Documento: RP200801220726023
Data do Acordão: 01/22/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 262 - FLS 144.
Área Temática: .
Sumário: O incidente de intervenção principal provocada não é admissível no incidente de qualificação da insolvência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (1ª Secção), do Tribunal da Relação do Porto:
*
I – No âmbito do apenso B (ao processo de insolvência que corre termos no .º Juízo, do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, sob o nº…/05.5TYVNG, onde é insolvente B………., Ldª) de qualificação de insolvência, em que é requerente C………., S.A ., veio D………., S.L., na qualidade de credora devidamente reconhecida nos referidos autos, deduzir incidente de intervenção de terceiros principal espontânea, de acordo com o estatuído nos artºs 320º e segs, do C.P.C., onde alega ter um interesse idêntico ao da referida requerente e, assim, pede a sua admissão como associada da C………., S.A. e que a insolvência em causa seja qualificada como culposa.

Oportunamente, sobre o requerido recaiu despacho que o indeferiu nos seguintes termos: “O prazo para o exercício do pedido em apreço terminou 15 dias após a realização da Assembleia de apreciação do relatório, isto é, em 28/3/06. Donde, ... é intempestivo o requerimento em apreço. Tão pouco pode a Requerente, por recurso ao incidente ... conseguir o intempestivo exercício de um direito cujo prazo deixou precludir. De facto, não pode considerar-se que o presente incidente é “um processo de partes” de forma a poder ver-se a associação de um novo credor ao pedido de qualificação como uma intervenção espontânea – cfr. art.º 320º, nº1 a) e b). Antes no presente incidente os credores “alegam por escrito o que tiverem por conveniente”, não havendo uma verdadeira acção, com partes e formulação de pedido.”

Deste despacho a Requerente D………., S.L., veio agravar, tendo apresentado as respectivas alegações onde, nas conclusões refere que:

A) Os trâmites do incidente pleno de qualificação da insolvência decorrem dos artºs 36º, al.i), 188º e 189º, do C.I.R.E.
B) O n.º 1, do art.º 188º dispõe que as alegações de qualquer interessado para efeito da qualificação da insolvência como culposa devem ser apresentadas até 15 dias após a realização da assembleia de apreciação do relatório do administrador da insolvência.
C) A Recorrente não apresentou as referidas alegações, mas fê-lo um outro credor – a C………., S.A..
D) O incidente de intervenção principal espontânea requerido pela Agravante, é admissível, nos termos do dispositivos inicialmente invocados, quando: fundado em litisconsórcio voluntário, a todo o tempo enquanto não estiver definitivamente julgada a causa; fundado em coligação, enquanto o interveniente puder deduzir a sua pretensão em articulado próprio.
E) Ora, tanto num caso como no outro, a Recorrente estava em tempo para a dedução do incidente, não se encontrando precludido o seu direito, contrariamente àquilo que entendeu o Tribunal a quo.
F) Na verdade o requerimento de intervenção deu entrada em juízo no dia 9 de Janeiro de 2007.
G) A Agravante foi notificada, na sua qualidade de interessada, através de carta expedida no dia 17/5/07 para, querendo, apresentar a sua resposta à oposição deduzida pela insolvente, em cumprimento quer do principio do contraditório previsto no art.º 3º, do C.P.C., quer da previsão constante do nº6, do art.º 188º, CIRE.
H) Assim sendo, o prazo para o exercício do direito de intervir no incidente de qualificação da insolvência, recorrendo para o efeito a uma figura do processo civil, não se encontra precludido/esgotado.
I) Se o Recorrente pode responder à oposição da insolvente mesmo não tendo feito uso da faculdade que lhe é reconhecida pelo art.º 188º, nº1, então não faz sentido considerar precludido o seu direito de participar/intervir no incidente de qualificação da insolvência, associando-se a um credor que o tenha feito.
J) Acresce que o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como uma das suas finalidades a liquidação do património de um devedor insolvente com vista à repartição do produto obtido pelos credores.
K) Tendo os credores um papel nuclear neste processo especial e, sendo, para além do mais, convertidos em proprietários económicos da empresa, é a sua vontade que comanda todo o processo;
L) Não é, assim, razoável sustentar-se a preclusão de um direito fundamental reconhecido aos credores na medida em que isso será ir contra a ratio legis subjacente a todo o processo de insolvência.
M) Não obstante o processo de insolvência poder ser concebido como um processo sem partes, a verdade é que dificilmente lhe serão aplicáveis as disposições gerais dos processos de jurisdição voluntária constantes dos artºs 1409º a 1411º, do C.P.C.
N) O que leva a concluir que a remissão feita no CIRE para a aplicação subsidiária do CPC deve ser entendida em toda a sua extensão, incluindo a parte referente aos incidentes da instância.
O) Ao ser indeferida tal pretensão, violaram-se as disposições dos artºs 320º a 324º, do CPC e 1º, 11º, 17º e 188º, do CIRE, pelo que a decisão deve ser revogada.

Não há contra-alegações a considerar.

Foi proferido despacho de sustentação que manteve a decisão recorrida.

II – Corridos os vistos, cumpre decidir.

Como é sabido, o âmbito do recurso afere-se pelas conclusões das alegações do/a recorrente (artºs 684º, nº3, 690º, nº3, 660º, nº2 e 713º, nº2, todos do CPC). Logo, só as questões colocadas em tais conclusões há que conhecer, ressalvando as de conhecimento oficioso.

Essas proposições, nestes autos, resumem-se a uma questão que é a de saber se: - no âmbito do incidente pleno de qualificação da insolvência, é admissível o incidente da instância previsto nos artºs 320º e segs. do CPC., requerido pelo interessado que não usou da possibilidade conferida pelo nº1, do art.º 188º.

Com interesse para a decisão há que ter em conta os factos acima referidos, que nos escusamos de repetir.

Debrucemo-nos, então, sobre o suscitado.

A aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ao processo de insolvência, em tudo o que não contrarie as disposições do C.I.R.E., decorre do estabelecido pelo art.º 17º, deste último Código (a que pertencem os demais normativos a citar, desde que desacompanhados de outra indicação) e funciona para qualquer momento processual, nomeadamente para os incidentes contemplados neste diploma, desde que se revele a necessidade da sua aplicação e não entre em colisão com o regime especial neste previsto.

Com efeito, o processo de insolvência é um processo de execução, embora universal, que tem por objectivo, uma vez liquidado o património do devedor declarado insolvente, a repartição desse produto pelos seus credores ou, conseguir a satisfação destes, através da concretização de um plano de insolvência, nomeadamente baseado na recuperação da empresa integrada na massa insolvente (art.º 1º). Daí que, havendo necessidade de recorrer aos normativos contidos no C.P.C., serão os aplicáveis aos processo executivo, em principio, os mais adequados, embora se reconheça que, no processo de insolvência, existem fases processuais de cariz declaratório, pelo que, se for caso disse, há que lançar mão dos preceitos aplicáveis a esta forma de processo, sem nunca perder de vista o comando contido na última parte do art.º 17º. Ou seja, desde que não contrariem o que se mostra regulado pelo diploma que directamente lhe é aplicável – o C.I.R.E.

A tramitação do incidente pleno de qualificação de insolvência vem expressa e especialmente regulado nos artºs 188º a 190º, conjugados com o disposto nos art.º 132º, a 139º (com as devidas adaptações), sendo o seu conteúdo revelador de uma preocupação e procura de auto – suficiência.

Assim, os actos processuais que integram esse incidente devem seguir e respeitar os ditames a que tais normativos aludem, havendo na sua estrutura uma lógica facilmente apreensível e que desemboca na prolação da respectiva sentença que qualificará a insolvência (art.º 189º), como culposa ou como fortuita, com as consequências daí resultante.

A acrescentar a tudo isso e, ainda, indo ao encontro da lógica processual encontrada para o incidente de qualificação da insolvência, verifica-se que o mesmo é declarado aberto pelo juiz na sentença de declaração da insolvência (artº36º, al.i) e qualquer interessado tem a faculdade de alegar, por escrito, o que entender ser relevante no sentido de ver a insolvência ser considerada culposa, nos termos contemplados pelo nº1 do art.º 188º. Tais alegações são importantes, mas, como já se disse, não são obrigatórias. No entanto, compreende-se que tenham de preceder o parecer do administrador, dado que, a este, caberá apreciar o conteúdo delas, dando-lhe ou não relevância para a elaboração da sua proposta que, por sua vez, seguirá com vista ao Ministério Público (nºs 2 e 3, deste mesmo normativo).

Ao encadeamento lógico o cronológico compreensível destes actos, que têm prazos a respeitar, tal como nos citados preceitos vem fixado, haverá, ainda, que lembrar o estabelecido pelo art.º 9º, segundo o qual, o incidente de qualificação da insolvência reveste carácter urgente, característica que, naturalmente, não é compatível com o recurso ao incidente da instância regulado pelos artºs 320º a 324º, do CPC. Mais, este destina-se, por parte do interveniente, a fazer valer um direito próprio paralelo ao do autor ou do réu, pressupondo, sempre, um interesse litisconsorcial e, assim, vocacionado para processos que contenham tais entidades, o que não é o caso.

De tudo isto, há a concluir que o incidente de intervenção de terceiros principal espontânea, previsto pelos normativos supra citados, não é admissível no incidente de qualificação da insolvência.

Assim, torna-se manifesto que, o presente recurso, carece de fundamento, não havendo censura a fazer ao despacho recorrido.
*

III- Nestes termos, acordam em julgar o agravo não provido e, consequentemente, mantém-se o despacho recorrido.

Sem custas.
*

Porto, 22 de Janeiro, de 2008
Maria da Graça Pereira Marques Mira
António Guerra Banha
Anabela Dias da Silva