Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0656583
Nº Convencional: JTRP00039820
Relator: CURA MARIANO
Descritores: INVENTÁRIO
PARTILHA
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: RP200612040656583
Data do Acordão: 12/04/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 282 - FLS 67.
Área Temática: .
Sumário: I - Deve ser liminarmente indeferido o requerimento para instauração de inventário se a requerente, admitindo embora a existência de outros bens pertencentes à herança, apenas visa a partilha de um deles, “in casu”, um imóvel.
II - Os herdeiros são titulares de um direito a que se refere a um conjunto patrimonial no seu todo e não a qualquer direito, mesmo a título de quota, sobre bens determinados desse conjunto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº …./06.1TBMTS, do .º Juízo Cível de Matosinhos
Rec. nº 6583/06 – 5 (Agravo)
Relator: João Cura Mariano
Adjuntos: Rafael Arranja
Maria do Rosário Barbosa

Requerente: B……….

Inventariada: C……….
*
A requerente propôs processo de inventário, por morte da inventariada, pedindo que se procedesse à partilha apenas de um imóvel que integra a herança daquela.
Foi proferido despacho, indeferindo liminarmente o requerimento inicial, com fundamento em que não é admissível a partilha de um único bem da herança.
Deste despacho recorreu a requerente, com os seguintes fundamentos:
“- O douto despacho não especificou a fundamentação de direito sobre que recaiu o despacho de indeferimento liminar da petição inicial.
- Conheceu da existência de bens que não são objecto da relação de bens, nem a recorrente alegou que fazem parte da herança.
- É nulo, com fundamento no disposto nas alíneas a) e d) do nº 1 do artigo 668° do Código de Processo Civil.
- O douto despacho não se pronuncia sobre o direito da recorrente, nem sobre lei que determine que esse direito não possa ser reconhecido ou realizado coercivamente em JUÍZO.
- A recorrente goza de presunção legal do direito que invoca pelo que a esse direito há-de corresponder o direito de acção para o fazer valer em juízo.
- O direito da recorrente consiste na posição a uma herança ilíquida e indivisa, quanto a um bem imóvel, pelo que tendo uma comunhão hereditária pode a ela por fim em processo de inventário.
- O inventário como processo de por fim à comunhão hereditária em que a recorrente tem uma posição a um bem imóvel é adaptado à sua pretensão de por fim a essa comunhão hereditária.
- O douto despacho viola, além de outras disposições legais, sem esquecer o artigo 20° da Constituição da República, o disposto nos artigos 2° nº 2, 1236° e 1237° do Código de Processo Civil, 2101º nº 1, 2102° e 2024° do Código Civil”.
Concluiu pela revogação do despacho recorrido e sua substituição por outro que ordene o prosseguimento dos termos do inventário.
Foi proferido despacho de sustentação da decisão recorrida.
*
1. Do objecto do recurso
Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da agravante, cumpre apreciar as seguintes questões?
- A decisão recorrida é nula, por falta de fundamentação jurídica e por ter conhecido de questões que não podia apreciar?
- Tendo a requerente direito a quota indivisa em herança, tem o direito de requerer processo de inventário para partilhar um bem dessa herança?

2. Da nulidade da decisão recorrida
Apesar da agravante alegar que a decisão recorrida é nula, por verificação das circunstâncias referidas nas alíneas a) e d) do nº 1, do artº 668º, do C.P.C., a indicação da primeira alínea resulta de mero lapso de escrita, pretendendo-se denunciar antes os vícios previstos nas alíneas b) e d) do referido antigo, atenta a argumentação aduzida.
Quanto à falta de fundamentação jurídica (alínea b), do nº 1, do artº 668º, do C.P.C.), é por demais evidente que a agravante não tem qualquer razão, uma vez que a decisão recorrida encontra-se clara e profusamente sustentada do ponto de vista jurídico, num raciocínio lógico e didáctico, pelo que não se verifica o vício apontado.
No que respeita ao conhecimento de questões proibidas (alínea d), do nº, 1, do artº 668º, do C.P.C.), invoca a agravante que o despacho recorrido conheceu da existência de outros bens da herança, sem que o pudesse fazer neste momento, em que ainda nem sequer se procedeu à relação de bens.
Não tem razão, uma vez que a decisão recorrida limitou-se a constatar que a requerente, na sua petição inicial, dizia claramente que apenas pretendia a partilha de um único bem da herança, “não tendo qualquer interesse nos demais bens que possam integrar a herança da inventariada”, dado que se “verificam sérios inconvenientes na partilha de outros bens”.
A decisão recorrida não reconheceu a existência de outros bens da herança além do referido imóvel, tendo-se limitado a constatar a pretensão expressa da requerente de partilhar apenas esse imóvel, independentemente da herança integrar outros bens além dele.
É possível apreciar liminarmente o mérito do pedido formulado, analisando os fundamentos invocados por quem o deduz (artº 234º - A, nº 1, do C.P.C.), pelo que não se conheceu de questão que não fosse admissível apreciar, não se verificando também a nulidade prevista na alínea d), do nº 1, do artº 668º, do C.P.C..
*
2. Da inadmissibilidade de inventário para partilha de um bem duma herança
A posição de titular duma quota duma herança confere-lhe o direito de requerer a sua partilha (artº 2101º), fazendo cessar uma situação de indivisão.
A herança é um conjunto de elementos patrimoniais, activos e passivos, pertencentes a certa pessoa falecida na data da sua morte, constituindo um património autónomo [1].
Os herdeiros são titulares de um direito que se refere a esse conjunto patrimonial no seu todo, e não a qualquer direito, mesmo a título de quota, sobre bens determinados desse conjunto [2].
Daí que, não existindo quaisquer direitos dos herdeiros sobre os bens concretos e individualizados da herança, não pode ser requerida a partilha isolada desses bens. Esta tem de se reportar ao conjunto de todos os bens que integram a herança, sendo esse o direito que é conferido pelo citado artº 2101º, do C.C..
É certo que nada obsta a que os interessados duma herança, por acordo, vão efectuando uma partilha gradual dos bens da herança, assim como a omissão de bens numa partilha não determina a sua anulação, podendo qualquer herdeiro requerer uma partilha adicional dos bens omitidos (artº 2122º, do C.C.).
Contudo, no primeiro caso, estamos perante um acto autocompositivo da situação de indivisão de um património hereditário, o qual se for efectuado em processo de inventário poderá justificar a utilização da figura prevista no artº 665º, do C.P.C., e no segundo caso apenas é legitimada uma situação de omissão, por falta de conhecimento da existência dos bens omitidos [3].
Ora, com a propositura do presente processo de inventário pretende-se desencadear um processo heterotutelar para divisão de um determinado bem duma herança, impondo-se essa divisão aos demais co-titulares da herança, apesar de se admitir como possível a existência de outros bens nesse património autónomo. Nem estamos perante a prática de acto autocompositivo, nem existe uma situação de falta de conhecimento da existência de outros bens na herança além daquele que se pretende partilhar isoladamente.
Não sendo possível exigir a partilha de bens concretos duma herança, conferindo apenas o artº 2101º, do C.C., o direito de exigir a partilha do património global que integra a herança, e pretendendo a requerente a partilha de apenas um único bem da herança por morte de C………., apesar da possibilidade de existirem outros bens integrantes desse património autónomo, esta sua pretensão não é legalmente admissível, pelo que a mesma é manifestamente improcedente, devendo ser liminarmente indeferida, nos termos do artº 234º - A, nº 1, do C.P.C..
Por estas razões deve improceder o recurso interposto pela requerente, confirmando-se a bem fundamentada decisão recorrida.
*
DECISÃO
Pelo exposto, não se concede provimento ao agravo interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
*
Custas do recurso pela agravante.
*
Porto, 4 de Dezembro de 2006
João Eduardo Cura Mariano Esteves
José Rafael dos Santos Arranja
Maria do Rosário Marinho Ferreira Barbosa

______________________________
[1] Vide, neste sentido, OLIVEIRA ASCENSÃO, em “Direito civil. Sucessões”, pág. 470 e seg., da ed. de 1981, da Coimbra Editora, GOMES DA SILVA, em “Direito das sucessões”, pág. 125 e seg., da ed. pol., da A.A.F.D.L., de 1978, e CARVALHO FERNANDES, em “Lições de direito das sucessões”, pág. 307 e seg. da ed. de 1999, da Lex.
[2] Vide, neste sentido CARVALHO FERNANDES, em “Lições de direito das sucessões”, pág. 309, da ed. de 1999, da Lex.
[3] Vide, neste sentido, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, em “Código Civil anotado”, vol. VI, pág. 199, da ed. de 1998, da Coimbra Editora.