Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
452/08.0TTVFR.P1
Nº Convencional: JTRP00043546
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: RECURSO DE AGRAVO
ALTERAÇÃO DO CPC
Nº do Documento: RP20100208452/08.0TTVFR.P1
Data do Acordão: 02/08/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) - LIVRO 96 - FLS 25.
Área Temática: .
Sumário: I - Encontrando-se o recurso de agravo expressamente previsto no Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo DL 480/99, de 9/11 (na versão anterior à introduzida pelo DL 295/2009, de 13/10), e não tendo o referido Código sido alterado pelo DL 303/2007, de 27/4 (que reformou o regime de recursos em processo civil), o agravo manteve-se, continuando a existir.
II - O agravo que tenha por objecto apreciar da inadmissibilidade, invocada pelo autor/trabalhador, de produção de prova sobre o conteúdo de mensagens abrangidas pelo direito de reserva e confidencialidade consagrado no art. 21º do Código do Trabalho (na redacção da lei 99/2003, de 27/8), sobe imediatamente (art. 84º, n.º 2 do CPT), uma vez que a sua retenção, implicando a produção de prova, o tornaria absolutamente inútil já que produziria o efeito (divulgação do que é confidencial) que a lei pretendeu preservar ao consagrar tal direito.
III - O conteúdo das mensagens, de natureza pessoal, enviadas ou recebidas pelo trabalhador, ainda que em computador da empresa, estão abrangidas pelo direito de reserva e confidencialidade consagrado no art. 21º do Código do Trabalho (2003) não podendo, em consequência e sem o consentimento do trabalhador, ser utilizado para fins disciplinares, nem produzida prova, designadamente testemunhal, sobre tal conteúdo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 452/08.0TTVFR.P1 Agravo
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 280)
Adjuntos: Des. André da Silva
Des. Machado da Silva (Reg. nº 1355)



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:


I. Relatório:

B………. intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra C………., Ldª, pedindo, no que importa ao recurso, que seja declarada a ilicitude do despedimento e a ré condenada nas consequências legais dai decorrentes.
Para tanto, alegou, em síntese, que os factos imputados na nota de culpa e decisão de despedimento assentaram, como a própria ré diz em tais peças, no conteúdo das mensagens pessoais trocadas, por correio electrónico, entre o A. e uma colega (D……….), o que constitui violação da confidencialidade de tais mensagens e do disposto no art. 21º, nº 1, do Código do Trabalho e nos arts. 18º, 26º, nº 1 e 34º, nºs 1 e 4 da CRP e que as transcrições das mesmas feitas no processo disciplinar assentam em prova ilegal e nula.

A Ré contestou, concluindo no sentido da improcedência da acção e alegando, para além do mais que não importa ao recurso, que o A. foi despedido com justa causa face ao conteúdo injuriosos, difamatório e conspirativo das mensagens trocadas entre o A. e a referida colega por correio electrónico e utilizando o computador da empresa e que “a leitura do e-mail é um meio de prova como qualquer outro”, nada impedindo que seja pela ré utilizado para fins disciplinares.
Juntou ainda a ré o processo disciplinar, de onde consta a transcrição do conteúdo das referidas mensagens.

O A. respondeu à contestação, a qual foi tida por não escrita por inadmissibilidade legal e, notificado da junção do processo disciplinar, impugnou as “transcrições quanto à sua genuinidade” e invocou a violação do direito à reserva e confidencialidade das comunicações pessoais.

Proferido despacho saneador com dispensa da selecção da matéria de facto e iniciada a audiência de discussão e julgamento, no seu decurso (aquando do início da inquirição da testemunha E………., arrolada pela ré e indicada também à matéria dos artºs 5 e 6 da contestação), o A. requereu “que não seja admitida prova testemunhal sobre o teor dessas comunicações e que não sejam atendidos quaisquer outros meios de prova que visem a mesma finalidade”. Para tanto referiu que, como a ré reconhece, se tratam de comunicações electrónicas de natureza pessoal e invocou os arts. 34º e 32º, nº 8, da CRP, 21º, nº 1, do CT e 192º e 194º do Cód. Penal e a nulidade das provas obtidas através de abusiva intromissão da correspondência e telecomunicações.
Após resposta da Ré, no sentido do indeferimento do requerido, a Mmª Juíza proferiu o seguinte despacho: “ Como os ilustres Mandatários tem já conhecimento uma vez que o teor das exposições que antecedem mais não são do que elementos já alegados nos articulados, a questão de fundo deste julgamento prende-se com a matéria que é objecto de posições doutrinais e jurisprudenciais divergentes. Assim e como também é do conhecimento dos mesmos, o julgamento deve ter a amplitude necessária às diversas soluções plausíveis de direito. Por outro lado o carácter ou natureza pessoal ou não das mensagens em causa dependem de apreciação e prova pelo Tribunal que tem que fazer uma análise dos mesmos.
Tendo no entanto em conta que o próprio teor dos documentos se encontra impugna o Tribunal terá antes de mais de apurar se as afirmações imputadas ao Autor foram pelo mesmo proferidas e posteriormente analisar do seu carácter pessoal.
Pelo exposto e mais uma vez e atentas as diversas soluções plausíveis de direito não pode o Tribunal coarctar os meios de prova das partes, pelo que se indefere o requerido.”.

Inconformado, veio o A. interpor recurso de agravo do mencionado despacho, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
1ª – A R. alega como justa causa de despedimento do A. a troca de mensagens pessoais entre este e a ex-colega de trabalho D………. através de correio electrónico e de endereços de domínio privado, com recurso a computador da empresa, mensagens essas a que a R. acedeu, leu, usou e divulgou na ausência e sem o conhecimento e autorização do A. e ou da referida ex-colega de trabalho.
2ª - A R. imputou ao A. o teor das mensagens pessoais referidas na conclusão anterior reproduzindo na nota de culpa e na decisão de despedimento mensagens pessoais que diz serem reprodução fiel das mensagens trocadas pelo A. e pela ex-colega de trabalho através de correio electrónico.
3ª – A R. pretende produzir em julgamento prova, designadamente, testemunhal, sobre o teor dessas mensagens pessoais a que acedeu pela forma já descrita, prova que foi admitida com o fundamento de que só desse modo o Tribunal poderá ter em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito e como provada a matéria de facto que lhe permita aquilatar da licitude ou ilicitude dessa devassa e divulgação das referidas mensagens.
4ª – Contrariamente ao que parece suposto no douto despacho recorrido, o Tribunal, ainda antes da produção de qualquer prova, sabe que o "thema probandum" da R. é a justa causa tal como a R. a configurou sucessivamente na nota de culpa e na decisão de despedimento, que se dão aqui por reproduzidas.
5ª – O douto despacho recorrido incorre, salvo o devido respeito, num erro lógico, pois o que a R. pretende provar o Tribunal já sabe o que é e a R. não poderá provar mais que o que alegou, isto é, no final da prova, na melhor das hipóteses para a R. o Tribunal poderá concluir que é sua convicção que corresponde à verdade o que a R. alegou, mas, embora correspondendo à verdade, não poderá ser dado como provado, pois foi tal quadro fáctico seria obtido com recurso a prova nula.
6ª – A questão colocada pelo A. no seu requerimento impõe uma decisão imediata sobre se a R. pode ou não produzir prova sobre os factos que invoca e aos quais acedeu pelos meios e nas circunstâncias que alega e o Tribunal conhece.
7ª – Com os dados conhecidos nos autos a produção de prova sobre o teor das mensagens pessoais aqui em causa é nula e inadmissível. Na verdade,
8ª – As comunicações por correio electrónico de natureza pessoal são invioláveis, sendo garantidos o sigilo das comunicações e o direito de reserva e confidencialidade relativamente ao conteúdo das mensagens de natureza pessoal, sendo nulas as provas produzidas através de violação destes princípios (artºs 34º,nº 1 e 32º, nº 8 da CRP e 21º, nº 1 do CT).
9ª – Nas mensagens imputadas ao A. não são tratados assuntos profissionais da empresa R., tratando-se apenas de comentários e desabafos trocados na esfera particular e intima da troca de mensagens pessoais que fazia com a colega de trabalho, sendo visível a intenção e a vontade de manter tais comentários e desabafos nessa esfera privada de natureza reservada e inviolável.
10ª – As mensagens imputadas ao A. pela R. são pessoais e o seu carácter pessoal era imediatamente evidente, como evidente era que tais mensagens foram trocadas entre endereços de domínio privado e, embora sabendo isso, a R. acedeu a essas mensagens, leu-as, divulgou-as e reproduziu-as.
11ª — É inadmissível que a R. possa sobre tais mensagens produzir qualquer prova em julgamento, devendo, por isso, ser revogado o douto despacho recorrido e substituído por outro que proíba a R. de fazer prova sobre tais mensagens pessoais imputadas ao A. na nota de culpa e na decisão de despedimento.
12ª — O douto despacho recorrido viola o disposto nos artºs 34°, nº 1 e 32º, nº 8 da CRP e no artº 21º,nº 1 do Código do Trabalho.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido e determinando-se que a R. não poderá produzir prova sobre as mensagens pessoais que imputa ao A. na decisão de despedimento.

A Ré contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
A) O Recurso interposto é legalmente inadmissível, nos termos da alteração do CPC introduzida pelo DL 303/2007, de 24 de Agosto, que "acabou" com os Agravos;
B) Não há motivo para atribuir ao Recurso efeito suspensivo, pois a sua retenção não só não o torna inútil, como não lhe causa qualquer prejuízo,
C) mais não sendo do que lima tentativa de obter decisão sobre o mérito da causa sem discussão e julgamento da mesma;
D) Acresce que o julgamento já começou, e a atribuição de eventual efeito suspensivo, é susceptível de violar o princípio da continuidade da audiência.
E) Nesta fase processual, o Tribunal não sabe quem é o autor das mensagens, e tem de sabê-lo, por forma a apurar se as afirmações imputadas ao autos foram pelo mesmo proferidas e posteriormente analisar do seu carácter pessoal, como bem sustenta o despacho recorrido.
F) O Tribunal não pode "coartar os meios de prova das partes", em homenagem ao princípio dispositivo, pois cabe a estas o Vóminim litis"
Termos em que deve ser mantido o douto despacho recorrido, com as legais consequências.

A Exmª Srª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido do provimento do recurso, parecer sobre o qual, notificadas, apenas a ré respondeu, dele discordando.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Matéria de Facto Provada
Encontra-se assente o que consta do precedente relatório e, ainda, com relevância para o presente recurso, o seguinte:
1. O A., aos 18.09.2007, foi admitido ao serviço da Ré para trabalhar sob as ordens e instruções desta, tendo ambos celebrado o denominado “Contrato sem termo” que consta do documento que constitui fls. 31 a 33 dos autos.

2. No âmbito de procedimento disciplinar que a Ré instaurou ao A., aquela deduziu e comunicou-lhe a nota de culpa, datada de 11.03.2008, que consta do documento que constitui fls. 36 a 39 dos autos, na qual e no que importa ao recurso, se refere o que se passa a transcrever:
«A gerência da “C………. (…), instaura contra o trabalhador B………., (…) e contra a trabalhadora D……….o, (…), o presente processo disciplinar, com os seguintes fundamentos:

(…)

Desde, pelo menos 30 de Janeiro até 29 de Fevereiro do corrente ano, que os arguidos vêm trocando centenas de mensagens pessoais, por via electrónica, no K………., utilizando os computadores da empresa que esta disponibilizou como ferramentas de trabalho.

O arguido B………. utiliza o endereço electrónico ………. e a arguida D………. o endereço electrónico ………. .

Até aqui tudo bem, pois embora se esperasse encontrar mensagens de teor profissional ou comercial, não de cariz pessoal, a empresa tem suficiente abertura para tolerar uma prática que é quase generalizada no nosso universo empresarial.

A questão é outra, e bem mais grave: é que os arguidos dedicam-se a injuriar os gerentes, seus familiares e os colegas de trabalho, vem como a conspirarem em prejuízo da empresa, ao mesmo tempo que admitem desempenhar as suas funções sem o zelo e a diligência a que estão obrigados, o que é inaceitável, senão mesmo chocante!

Entre outras e ao acaso, devido à sua abundância, escolhemos as seguintes expressões:
“Mas quem foi o filho da puta que levantou essa merda”; “Foi a F……….”; “Covarde de merda”; “Tu tens acesso privilegiado à papelada, sacas sem darem conta, depois vamos compilar tudo e levar a um advogado”; “quando a F………. não tiver tas à vontade que eu distraio a outra”; “Tens que ter alguma veia vingativa, queria que dissesses eu vou trama-lo deixa comigo, eu hei-de encontrar uma prova para ter nas mãos e o emboscar”; “espero que antes de saíres de lá consigas o que te estou dizendo, pois eu não sei nada disso e não tenho muita lata para mexer em nada”; “Não te preocupes que eu arranjo só se não estiver lá”; “e se tu saísses mesmo de lá podes sempre accionar uma queixa em tribunal e levas as provas, isso é contigo, mas eu não deixaria nunca passar isso em branco”; “claro que não”; “ele já te fez sofrer o que o diabo não faria”; “merece pagar caro”; “se fez muito”; então pronto”; “fique atenta”; “eu perdi parte de minha vida” “e da minha alegria”; espero que consigas sinceramente… também espero que se conseguires de-lhe o troco, não saia de graça e faça como a G………., sair aparentemente de bem, para depois dude-lo”; “ele foi um demónio que me apareceu na vida”; “odeio-o profundamente”; “se foi então ve se guarda isso para se vingar depois e não ir abaixo”; “deixa de ser besta”; “odiar não chega, tens que ter uma meta, uma orientação o de tentar emboscá-lo”; “Nada mais”; “ok”; tenho que tentar distrair”; “tudo bem”; “eu me distraio pensando no que vou fazer com aquela merda”.
“a D. H………. disse que ela vinha a semana toda”; “caga nela”; “não ensines, perguntas a ela como se faz, fode-a”;
“Eu faço cada vez menos, só o indispensável, cada dia o odeio mais;”
“Andei a porrada com o patrão, he he he verbalmente”; “O cara (patrão) é um imbecil, analfabeto e parolo e pensa que é bom fodeu-se”.
“a filha do I………. me mandou uma mensagem a perguntar que horas é pra ir amanhã, pode?
“como se ela não soubesse”; “Respondo ou mando-a à merda?”; “Responde, temos de ser cínicos” “aí eu digo que o patrão não era quem eu pensava…é um imbecil”
“Só é estranho a velha não ir”; “mostre desprezo por ele se ele vier”; “se tu se fizesse de boazinha, medricas e baixar as calças, ele vai te segurar cá dentro”; “Ela hoje parece um jardim”; “ela é cega nisto”; “tas a ver o FDP (filho da puta); “já viste o fdp (filho da puta” que até a ida dos homens ao médico disse à Engª”; “é a táctica desse fdp (filho da puta) para deixar a gente mal”; “esse fdp (filho d aputa) deveria ter metade da minha dor, já ficava em casa”; “mas ó cabrão não acontece nada”; “é tão ruim que nem essas coisas querem nada com ele”; “já falou de novo com a besta”; “já”; “ele até parece normal, mas é fita, é o advogado que o manda às vezes dizer algo”».

Aqui se dão como inteiramente reproduzidas todas as outras expressões, de igual jaez, e que constam das mensagens documentadas nos autos, para prova do alegado e atento o princípio da economia processual.

(…)”

3.O A. respondeu à nota de culpa nos termos constantes do documento que constitui fls. 42 a 45 dos autos, na qual, para além do mais, invoca a “violação da confidencialidade das mensagens trocadas” e dos arts. 21º, nº 1, do CT e 18º, 26º, nº 1, e 34º, nºs 1 e 4 da CRP.

4. A ré, por carta datada de 09.04.2008, e que consta do documento de constitui fls. 46 a 50,comunicou ao A. a decisão de despedimento, com invocação de justa causa, com fundamento na prática, imputada ao A., da factualidade descrita na nota de culpa (à excepção do que constava do seu art. 8º).
*
III. Do Direito:

1. À excepção das questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é, nos termos do disposto nos artºs 684º, nº 3 e 685º-A do CPC (na versão introduzida pelo DL 303/07, de 24.08), aplicáveis ex vi do disposto nos artºs 1º, nº 2, al. a) e 87º do CPT, delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente.
Assim, a questão a apreciar consiste em saber se a Ré não pode produzir prova, designadamente testemunhal, sobre o teor das comunicações electrónicas que imputou ao Autor na nota de culpa e na decisão de despedimento.

Previamente, importa, no entanto, apreciar das questões da alegada inadmissibilidade do recurso de agravo e do efeito do recurso suscitadas pela Recorrida nas contra-alegações.

2. Da inadmissibilidade do agravo

Diz a Recorrida na conclusão 1ª das suas contra-alegações, que o recurso interposto é legalmente inadmissível nos termos da alteração do CPC introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08, que “acabou” com os agravos.
Não lhe assiste razão.
Antes de mais, importa referir que ao caso não são aplicáveis as alterações recentemente introduzidas ao Código Processo do Trabalho (CPT) pelo DL 295/2009, de 13.10, as quais entraram em vigor aos 01.01.2010, apenas se aplicando às acções que se iniciem após esta data (cfr. arts. 6º e 9º). E, daí, que a questão deva ser apreciada tendo em conta a redacção do CPT vigente à data da instauração da acção.
É certo que o DL 303/2007, de 27.04, que é aplicável aos processos instaurados após 01.01.2008 (cfr. arts. 11º, nº 1, e 12º, nº 1, do DL 303/2007), veio reformar o regime de recursos do processo civil, acabando com o então recurso de agravo, passando a prever, apenas, a apelação, nas situações referidas no art. 691º, nºs 1 e 2, e, quanto às demais decisões proferidas pelo tribunal de 1ª instância, preceituando que poderão ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final (ou do despacho referido na al. l) do nº 2).
Acontece que, nos termos do art. 1º, nºs 1 e 2, al. a), do CPT, aprovado pelo DL 480/99, de 09.11, o processo do trabalho é regulado pelo Código de Processo do Trabalho e, só nos casos omissos, lhe será aplicável a legislação processual comum civil que directamente os previnam, diploma aquele que dispõe de normas próprias em matéria de recursos na jurisdição laboral, incluindo sobre o agravo (arts. 84º, 85º e 86º).
Ora, o DL 303/2007, não procedeu à revogação expressa das normas do CPT que regulam o regime dos recursos, assim como não introduziu qualquer modificação expressa a tais normas.
Por outro lado, não se nos afigura poder entender-se que a reforma processual civil operada pelo citado diploma haja revogado ou modificado, tacitamente, as normas do processo laboral. Este constitui um normativo próprio, dotado de autonomia relativamente ao processo civil e prosseguindo objectivos próprios, não podendo ser considerado como legislação avulsa, designadamente para efeitos do disposto no art. 4º do DL 303/2007[1]. Trata-se, pois, de legislação autónoma e especial, que, naquilo que nele esteja expressamente previsto, não poderá ser revogado por lei geral (art. 7º, nº 3, do Cód. Civil), tanto mais quando esta é de aplicação meramente subsidiária.
Aliás, nem essa parece ter sido a intenção do legislador. Com efeito, e como diz António Santos Abrantes Geraldes, in “A reforma dos recursos introduzida pelo Dec-Lei nº 303/2007 e os seus reflexos no Código de Processo do Trabalho”, Prontuário de Direito do Trabalho, CEJ, nºs 74/75, págs. 159 e segs, numa da últimas versões do Projecto de Decreto-Lei, sequencial à Lei de Autorização Legislativa nº 6/2007, de 2.2., previa-se a adaptação do CPT às alterações a que seria sujeito o CPC, o que, no entanto, se gorou, “por razões não declaradas, porventura relacionadas com a carência de autorização legislativa e com a necessidade de audição das associações sindicais ou com a simples ideia de deixar para outra ocasião a revisão global dos recursos em matéria laboral.”
Assim, e como entende o mencionado autor, in ob. citada (pág. 166/167), consideramos igualmente que o novo regime processual civil não prejudica a regulamentação que especificamente consta do CPT, a que prioritariamente se deverá continuar a recorrer, revertendo para o CPC apenas em situações de lacuna legis.
Resta acrescentar que esse tem sido o entendimento desta Relação quanto à manutenção dos recursos de agravo na jurisdição laboral.
Improcede, assim, a invocada inadmissibilidade legal do recurso.

3. Do efeito do recurso

O A. requereu que o agravo subisse imediatamente, nos próprios autos, e com efeito suspensivo, “porquanto a sua retenção o tornaria inútil, pois, se ficasse retido, produzir-se-ia o efeito (produção de prova) que o A. entende que, à luz da lei ordinária e da CRP, não deverá ocorrer”, momento de subida e efeito esses que foram os fixados pelo tribunal a quo, do que discorda a Recorrida por entender que: a retenção do recurso não o tornaria inútil, nem lhe causa prejuízo sério; o recurso constitui uma tentativa de obter decisão sobre o mérito da causa sem discussão e julgamento da mesma; a sua retenção violaria o princípio da continuidade da audiência.
Vejamos.

3.1. Dispõe o art. 83º, nº 4, do CPT que tem efeito suspensivo o agravo que suba imediatamente.
Por sua vez, os agravos que sobem imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, são os elencados no art. 84º, quais sejam os referidos no seu nº 1, subindo ainda imediatamente aqueles cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.
Como refere Fernando Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 6ª Edição, a págs. 306, a salvaguarda da utilidade do recurso impõe igualmente a sua subida imediata, sempre que da sua retenção já não adviessem vantagens para o agravante, por a revogação da decisão recorrida não provocar quaisquer efeitos práticos. Tal acontecerá, como a jurisprudência tem acentuado, apenas quando a retenção do recurso o torne absolutamente inútil para o recorrente, e não por qualquer outra razão, como a economia processual ou a perturbação que possa causar no processo onde foi interposto. A simples inutilização de actos processuais já praticados, em consequência do provimento do agravo, não justifica a sua subida imediata, uma vez que esses actos podem ser sempre renovados.
No caso, está em causa a admissibilidade, ou não, de produção de prova sobre determinados factos (os referidos nos arts. 5, 6 e 7 da nota de culpa), importando apreciar se a retenção do agravo o tornaria absolutamente inútil (sendo certo que a situação não cabe em nenhuma das alíneas do nº 1 do citado art. 84º).
Por regra, a retenção do recurso de decisão da 1ª instância que admita, ou não, determinado meio de prova ou, tal como no caso, admita que determinado facto seja objecto de produção de prova, não o tornaria absolutamente inútil, sendo certo que do provimento do agravo apenas decorreria a (eventual) inutilização e repetição de actos processuais.
Afigura-se-nos, porém, que o caso tem contornos diferentes.
Com efeito, o que está em causa é o despacho que admitiu a produção de prova sobre os factos imputados ao A. nos arts. 5, 6 e 7 da nota de culpa. Nestes artigos a Ré imputa ao A. afirmações por este alegadamente feitas em correspondência electrónica de natureza pessoal trocada entre ele e uma sua colega de trabalho. Defendendo o A. tratar-se de mensagens de natureza pessoal, opondo-se à sua utilização e divulgação e invocando o direito ao sigilo das comunicações e à reserva e confidencialidade quanto ao conteúdo dessas mensagens (arts. 34º, nº 1 e 32º, nº 8, da CRP e 21º, nº 1, do CT) e estando assente, como está e adiante o demonstraremos, a sua natureza pessoal, entendemos que a retenção do recurso teria como consequência a utilização e divulgação, designadamente na audiência de discussão e julgamento, dessa matéria. Ora, a ser assim, tal determinaria, para além da mera questão da nulidade da prova e de inutilização de actos processuais, o efeito contrário ao que é salvaguardado pelas normas que tutelam os referidos direitos. Ou seja, retido o recurso, mesmo que ele viesse posteriormente a ser julgado procedente e anulada a prova, já o conteúdo das mensagens, que não deveria ser revelado, teria sido utilizado e divulgado, mormente na audiência de discussão e julgamento. A retenção do recurso teria, ou poderia ter, como resultado um efeito prático oposto ao que se quis alcançar com a salvaguarda do sigilo e reserva das comunicações.
Entendemos, assim, que o recurso foi admitido com o momento de subida e efeito adequados (arts. 84º, nº 2 e 83, nº 4, do CPT), assim improcedendo, também nesta parte, a questão prévia suscitada pela Ré.

4. Se a Ré não pode produzir prova, designadamente testemunhal, sobre o teor das comunicações electrónicas que imputou ao Autor na nota de culpa e na decisão de despedimento.

Como decorre do que acima dissemos, está em causa, no presente recurso, saber se é, ou não, admissível a produção de prova relativamente ao que consta dos nºs 5, 6 e 7 da nota de culpa.
Quanto ao nº 5 tem ele natureza meramente conclusiva, assentando no que se refere nos nºs 6 e 7. Destes, por sua vez, constam a transcrição de determinadas passagens das supostas mensagens trocadas entre o A. e a sua colega por correio electrónico.

4.1. Ao caso, são aplicáveis as considerações tecidas no douto Acórdão do STJ de 05.07.2007, in www.dgsi.pt, Processo 07S043[2], que perfilhamos e que, por isso, passaremos a transcrever:
“Está em causa saber se o envio do e.mail pela A., melhor até, se o conteúdo dele, integra ou não justa causa de despedimento, o que passa, além do mais, pela interpretação do regime legal que tutela o correio electrónico.
As novas tecnologias da informação invadiram a vida das nossas sociedades, incluindo o mundo laboral, trazendo consigo uma vasta gama de benefícios na área da informação e da comunicação, mas também riscos e perigos vários, nomeadamente no que respeita aos direitos da personalidade.
Instrumentos indispensáveis à inovação e crescimento das economias, o seu advento, implantação e enorme crescimento ditaram o aparecimento de normas legais reguladoras de vários dos seus aspectos e, certamente, imporão a crescente implantação de outras, face a especificidades próprias, em relação ao regime legal geral, cuja regulamentação em relação a muitos desses pontos se mostra inadequada, insuficiente ou de difícil concretização.
Disso nos dão conta a doutrina e a jurisprudência nacionais e estrangeiras.
No caso que nos ocupa, estão em causa aspectos que se ligam à tutela dos direitos de personalidade de trabalhadores e empregadores, nomeadamente da defesa da sua privacidade e da confidencialidade das suas mensagens, e bem assim da sua integridade moral e direito ao bom nome.
Ora, a esse respeito, importa reter as seguintes normas:
O n.º 1 do art.º 34º da Constituição da República Portuguesa estabelece, em sede de direitos, liberdades e garantias pessoais, que “o domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis”.
Estabelecendo, por sua vez, o n.º 4 desse art.º que “é proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal”.
Sendo ainda de atender ao art.º 18º da Constituição que, no que aqui interessa, preceitua:
“1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
Em harmonia com o princípio do n.º 1 do art.º 34º e com a norma do n.º 1 do art.º 26º, segundo o qual, no que aqui interessa, “a todos são reconhecidos os direitos .... à reserva da intimidade da vida privada e familiar ...”, veio o art.º 21º do Código do Trabalho dispor assim:
“1. O trabalhador goza do direito de reserva e confidencialidade relativamente ao conteúdo das mensagens de natureza pessoal e acesso à informação de carácter não profissional que envie, receba ou consulte, nomeadamente através do correio electrónico.
2. O disposto no número anterior não prejudica o poder de o empregador estabelecer regras de utilização dos meios de comunicação na empresa, nomeadamente do correio electrónico” (6).
A interpretação deste preceito, com a eventual compatibilização dos aludidos direitos do trabalhador com os direitos do empregador e fixação dos limites de uns e outros não se mostra tarefa fácil.
Afigura-se-nos útil, por isso, pela novidade da regulamentação legal e pela ausência de jurisprudência nacional publicada sobre o tema, referir algumas das posições perfilhadas na doutrina.
Em anotação a esse art.º, pode ler-se no “Código do Trabalho Anotado” de Pedro Romano Martinez e outros (7):
«Afirma-se como princípio geral o de que são proscritas ao empregador intrusões ao conteúdo das mensagens de natureza não profissional que o trabalhador envie, receba ou consulte a partir ou no local de trabalho, independentemente da forma que as mesmas revistam. Assim, tanto é protegida a confidencialidade das tradicionais cartas missivas, como a das informações enviadas ou recebidas através da utilização de tecnologias de informação e de comunicação, nomeadamente do correio electrónico. No mesmo sentido, os sítios da internet que hajam sido consultados pelo trabalhador e as informações por ele recolhidas gozam da protecção do presente artigo, bem como as comunicações telefónicas que haja realizado a partir do local de trabalho.
Neste contexto, retira-se do preceito sob anotação que o empregador ou quem o represente não pode aceder a mensagens de natureza pessoal que constem da caixa de correio electrónico do trabalhador. A visualização de tais mensagens, que apenas se justifica em casos esporádicos, deve ser feita na presença do trabalhador ou de quem o represente e deve limitar-se à visualização do endereço do destinatário ou remetente da mensagem, do assunto, data e hora do envio. O controlo do correio electrónico da empresa deve realizar-se de forma aleatória e não persecutória e ter como finalidade a promoção da segurança do sistema e a sua performance. No mesmo sentido, o empregador não deve controlar os sítios da internet que hajam sido consultados pelos trabalhadores. Em regra, o controlo dos acessos à internet deve ser feito de forma não individualizada e global e não persecutória. Na mesma linha argumentativa, conclui-se que é vedado ao empregador, com recurso às centrais telefónicas, aceder a comunicações ou promover a utilização de dispositivos de escuta, armazenamento, intercepção e vigilância das mesmas.
O n.º 2 do preceito visa repor um justo equilíbrio entre a tutela do direito à confidencialidade de que goza o trabalhador, por um lado, e a liberdade de gestão empresarial, no polo oposto. A reserva da intimidade da vida privada do trabalhador não prejudica a possibilidade de o empregador estabelecer regras de utilização dos meios de comunicação e das tecnologias de informação e de comunicação manuseados na empresa, nomeadamente através da imposição de limites, tempos de utilização, acessos ou sítios vedados aos trabalhadores. O preceito em causa não estabelece a forma pela qual tais regras devem ser concebidas e comunicadas. Também neste caso (à semelhança do disposto no n.º 3 do preceito anterior) vigora o princípio do consensualismo: qualquer meio utilizado será lícito, desde que se revele adequado para que se torne possível o seu conhecimento por parte dos trabalhadores da empresa. Admite-se, porém, que o regulamento da empresa se afigure o meio por excelência a adoptar para o efeito» (Fim de transcrição).

Júlio Gomes aborda a problemática dos direitos de personalidade dos trabalhadores e do uso de meios informáticos na empresa (correio electrónico e internet), em “Direito do Trabalho”, I, “Relações Individuais de Trabalho”, 2007, nomeadamente a págs. 367 a 385.
Alerta para os riscos e perigos, para os trabalhadores e também para os empregadores, da utilização dos meios informáticos na empresa e refere a necessidade de conciliar a defesa dos direitos à reserva e confidencialidade do trabalhador com direitos também eles fundamentais do empregador, como o direito à propriedade privada e à liberdade de iniciativa e de empresa, que justificam medidas de controlo por parte do empregador, medidas que, além de necessárias, hão-de ser proporcionais e adequadas.
Faz depois uma abordagem da situação doutrinária e jurisprudencial em vários países, após o que refere que é aconselhável a elaboração do que designa por “carta das tecnologias da informação”, ao menos nas empresas de certa dimensão, em que se definam, com precisão as modalidades de utilização autorizadas dos sistemas de informação e de comunicação da empresa, mormente a Internet e o correio electrónico, estabelecendo, designadamente, se proíbe tal utilização para conexões pessoais ou se as admite e em que termos.
E, neste domínio, escreve, a dado passo:
«Quanto ao correio electrónico parece oportuno que a obrigação de distinguir correctamente correio pessoal e profissional conste do regulamento interno da empresa, obrigando-se o trabalhador a não qualificar informações profissionais como pessoais e vice-versa. A empresa deve poder presumir que não é pessoal todo o correio que o trabalhador não tenha expressamente qualificado como tal. Devem prever-se mecanismos para situações de ausência dos trabalhadores – férias e sobretudo suspensões do contrato por doença e licenças – em que pode ser necessário, sob pena de informações importantes não poderem ser recebidas em tempo útil, aceder ao correio electrónico: convém que os trabalhadores interessados sejam previamente alertados para essa possibilidade e, preferencialmente, tenham dado o seu consentimento prévio. Afora os casos de ausência do interessado, deve prever-se que a abertura excepcional do correio electrónico de um trabalhador, quando motivada por fortes indícios de violação das regras de utilização dos meios informáticos, e mesmo que referida a correio não classificado como pessoal, seja feita na presença do próprio interessado e de um representante dos trabalhadores» (Fim de transcrição).
Mais adiante, abordando o art.º 21º do CT, escreve, de alguma forma sintetizando a sua posição:
«O direito de reserva e confidencialidade é garantido ao trabalhador relativamente ao conteúdo das mensagens de natureza pessoal que envie e receba, bem como relativamente ao acesso a informação de carácter não profissional que consulte (o que abrange a navegação na Internet). Por seu turno, o n.º 2 estabelece que o disposto no n.º 1, “não prejudica o poder de o empregador estabelecer regras de utilização dos meios de comunicação na empresa, nomeadamente do correio electrónico”.
Parece-nos resultar deste último preceito que o empregador pode, entre nós, e como já dissemos, proibir, por exemplo, e ressalvados casos excepcionais, o uso de correio electrónico para fins pessoais; como pode atribuir a cada trabalhador dois endereços, um para uso pessoal e outro para uso profissional; pode, igualmente, proibir, aos trabalhadores o acesso à Internet ou permiti-lo com certos condicionalismos (só a certas horas, por um certo período de tempo diário ou semanal, com proibição de acesso a certos sites ou portais). Relativamente ao n.º 1, sublinhe-se que o direito de reserva apenas está garantido quanto às mensagens de natureza pessoal: o preceito não dispensa, pois, a delicada distinção entre mensagens de natureza pessoal e profissional. Os mesmos princípios se aplicam, aliás, a todo o tipo de correspondência: se durante o período de férias do trabalhador, se recebe na empresa um carta, de um cliente, fornecedor, ou das Finanças, endereçada ao “responsável pelo sector de vendas X” ou ao “director dos serviços de contabilidade”, mesmo que a designação das funções exercidas pelo trabalhador venha seguida do seu nome, parece-nos que o empregador poderá abri-la, sobretudo se tiver razões para pensar que se impõe responder com alguma urgência. A questão que se coloca é, quanto a nós, a de saber se o empregador podia legitimamente acreditar que a mensagem tinha natureza profissional e se havia uma justificação para que não fosse o trabalhador a responder-lhe (porque, por exemplo, o mesmo se encontrava suspenso preventivamente, ausente em parte incerta ou, talvez até, simplesmente, porque o seu contrato de trabalho a termo caducaria em breve, para dar alguns exemplos). Transpondo esta ideia para o correio electrónico, parece-nos que o empregador poderá abrir as mensagens que pode legitimamente acreditar que não são pessoais. Tal será o caso, designadamente, se não tiver autorizado o uso do correio electrónico para fins pessoais (se do contexto da mensagem não resultar, apesar disso, que é efectivamente pessoal – seja porque foi mesmo qualificada como tal pelo trabalhador, seja porque tal resulta do assunto ou, porventura, do remetente ou do destinatário que é, por exemplo, a mulher do trabalhador) ou se tiver criado dois endereços, um para utilização profissional e outro para uso pessoal, relativamente àquele. Parece já impor-se maior cautela quando o empregador autorize o uso “promíscuo” do correio electrónico» (Fim de transcrição).

Joana Vasconcelos, também citada na sentença, escreve, por seu turno (8):
"Pode o empregador ler os e-mails pessoais do trabalhador?
"Não, em caso algum. A nossa lei garante, sem mais, o direito à reserva e à confidencialidade de quaisquer mensagens de natureza pessoal – cartas, faxes, correio electrónico, sms, telefonemas, etc. – que o trabalhador envie ou receba no local de trabalho, ainda que utilizando meios de comunicação pertencentes ao empregador.
As mesmas reservas e confidencialidade são asseguradas relativamente a informação não profissional que o trabalhador receba ou consulte – por ex., via Internet – no local de trabalho.
Esta garantia não cede nem nas situações em que a recepção ou envio de mensagens, ou o acesso a informação não profissional contrarie regras definidas pelo empregador quanto à utilização de meios de comunicação e de tecnologias de informação, e constitua infracção disciplinar. Quando tal suceda, o empregador pode controlar, por ex., o remetente ou o destinatário de mensagens de correio electrónico e o seu assunto, de modo a aferir o seu carácter pessoal, mas nunca o seu conteúdo, tal como pode verificar quais os sites a que trabalhador acedeu, mas não o conteúdo da pesquisa efectuada ou da informação neles obtida.(...)
(…) Pode o empregador proibir a utilização do correio electrónico da empresa para mensagens pessoais?"
Sim. O empregador pode, em geral, estabelecer regras quanto à utilização de meios de comunicação – telefone, fax; telemóvel; correio electrónico - e de tecnologias de informação – ligações à Internet pertencentes à empresa, designadamente proibindo ou restringindo a sua utilização para fins pessoais dos trabalhadores a quem são atribuídos. O desrespeito de tais regras pelo trabalhador constitui infracção disciplinar.
A existência de tais regras - e, sobretudo, o controlo do seu respeito pelos trabalhadores - não afecta, em caso algum, o direito à reserva e à confidencialidade que a nossa lei garante relativamente a mensagens pessoais e à informação não profissional que o trabalhador receba, consulte ou envie, designadamente através de correio electrónico. Mais exactamente, o empregador não pode aceder ao conteúdo de tais mensagens ou de tal informação, nem mesmo Quando esteja em causa investigar e provar a eventual infracção disciplinar decorrente do incumprimento de tais regras de utilização”.

E Amadeu Guerra (9), cuja posição também vem transcrita na sentença, escreve:
“A verdade é que, tal como defendemos, também a letra do art.º 21 afasta a possibilidade de a entidade empregadora ter acesso ao conteúdo de mensagens de natureza pessoal, não se vislumbrando que haja qualquer disposição legal que – mesmo no âmbito de processo disciplinar em curso (v.g. por desconfiança de revelação de segredos comerciais) – permita perscrutar o referido conteúdo. Por isso, a única via para o acesso ao conteúdo passa pelo consentimento do trabalhador."
(…)

Este o quadro factual a atender.
E, perante ele, e à semelhança do que fez a sentença, há que qualificar a mensagem enviada pelo e.mail como de natureza pessoal (ou privada) – não profissional, portanto – e, como tal, submetida, em princípio, à previsão do art.º 21º do CT.
Na verdade, tratou-se, como o teor do mail revela claramente, de uma vulgar comunicação entre 2 amigas, (…) em que não se veicula ou se pede ou está em causa qualquer informação de serviço ou outro aspecto que se ligue à execução de qualquer das prestações inerentes à execução do contrato de trabalho, por parte quer da autora, quer da destinatária, Dr.ª DD, ou qualquer assunto atinente ao processo produtivo ou comercial da empresa.
(…)
E, como se disse na sentença, não são apenas as comunicações relativas à vida familiar, afectiva, sexual, saúde, convicções políticas e religiosas do trabalhador, e mencionadas no art.º 16º, n.º 2 do CT (10), que revestem a natureza da comunicações de natureza pessoal, nos termos e para os efeitos do art.º 21º.
Como aí se referiu, a definição de natureza particular da mensagem obtém-se por contraposição à natureza profissional da comunicação, relevando, para tal, antes de mais, a vontade dos intervenientes da comunicação, ao postularem, de forma expressa ou implícita, a natureza profissional ou privada das mensagens que trocam.
O art.º 21º do CT situa-se no âmbito da tutela da confidencialidade do conteúdo das mensagens de natureza pessoal, enquanto que o art.º 16 visou uma finalidade distinta, a de estabelecer os limites que se impõem a ambas as partes quanto à possibilidade de recolha e divulgação de informações, no âmbito da relação laboral, v.g., aquando do início dessa relação.
E não é pela circunstância dos intervenientes se referirem a aspectos da empresa que, por essa simples razão, a comunicação assume desde logo um carácter profissional, legitimando a sua intercepção pelo empregador. E de igual modo, como os autores defendem, de forma pacífica, não é o facto de os meios informáticos pertencerem ao empregador que afasta a natureza privada da mensagem e o legitima a aceder ao seu conteúdo.
Podemos assentar, assim, que a mensagem enviada por e.mail tem natureza pessoal, sendo, por outro lado, que nenhum dos dados de facto apurados permite concluir que a autora tenha tido a intenção de lhe retirar o carácter reservado, confidencial que lhe quis atribuir, alargando-o ao conhecimento de terceiros, que não a Dr.ª DD, nomeadamente a outros colegas de trabalho ou a elementos de órgãos sociais da R..
(…)
Como resulta do n.º 2 do art.º 26º do CT e tem sido sublinhado pela doutrina (11) - que, aliás, já o entendia antes – o empregador pode, senão proibir, em absoluto, o uso do correio electrónico pelos seus trabalhadores para fins privados, seguramente impor limites a esse uso, v.g. estabelecendo tempos de utilização, temas e endereços vedados, etc..
No caso, não vem provado que a ré tenha usado da faculdade prevista no n.º 2 desse art.º, regulando a utilização do correio electrónico para fins privados ou pessoais dos seus trabalhadores.
O que, como sublinhou a sentença, exclui a possibilidade de se concluir pela verificação de infracção disciplinar pela A., a esse título, por eventual envio do mail fora das condições permitidas pela R..
Sendo que, como vimos, cabia a esta a alegação e prova dos respectivos factos, como integradores de uma possível justa causa de despedimento.
Diga-se, aliás, que a própria posição da ré, no processo disciplinar e na presente acção, não foi no sentido de que fosse vedada tal utilização.
Ela insurgiu-se e continua a insurgir-se sim e tão-somente contra o conteúdo da mensagem, que tem como desrespeitosa dos superiores hierárquicos nela mencionados.
(…)
Nesse contexto, e porque não está demonstrado que o e.mail viesse marcado com qualquer referência formal que revelasse a sua natureza pessoal, admite-se, sem rebuço, que “representante” da ré pudesse aceder ao mesmo, convencido que se tratava de mensagem profissional, referente a assuntos da empresa.
Mas, no caso, esse facto não é, a nosso ver, de molde a retirar a sua natureza pessoal e a consequente tutela de confidencialidade que os preceitos citados, v.g. o n.º 1 do art.º 21º, lhe atribui.
Não o consente os termos amplos e não restritivos em que esse preceito se exprime (“o trabalhador goza do direito de reserva e confidencialidade relativamente ao conteúdo das mensagens de natureza pessoal ... – o sublinhado é nosso).
Na verdade, nada no preceito parece revelar que a falta de marca prévia, expressa e formal, da “pessoalidade” da mensagem, afaste a tutela aí prevista.
A nosso ver, acontece é que essa confidencialidade há-de operar, pela própria natureza das coisas, em momento e termos diversos, sem prejudicar o trabalhador.
Tendo alguém da ré (no caso, o Director de Divisão do Após Venda), mesmo que de boa fé, acedido ao mail, a natureza pessoal deste e a sua inerente confidencialidade, impunham-lhe que desistisse da leitura do seu conteúdo logo que se apercebesse dessa natureza e, em qualquer caso, que não divulgasse esse conteúdo a terceiros.
Essa obrigação legal resulta, tanto quanto entendemos, da própria natureza e finalidade da tutela constitucional e ordinária.
Relembremos que o n.º 1 do art.º 34º da Constituição tutela como direito pessoal o sigilo da correspondência e de outros meios de comunicação privada, estabelecendo que são invioláveis, o que significa que a lei só os pode restringir nos casos expressamente previstos na Constituição, e com as restrições necessárias à salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (n.º 2 do seu art.º 18º).
Ora, não vislumbramos norma constitucional nem norma ordinária emitida ao seu abrigo que, no caso em apreço, retire a tutela da confidencialidade à mensagem pessoal enviada pela A..
E o próprio art.º 194º, n.ºs 2 e 3 do Cód. Penal confirma a acima apontada obrigação legal, ao incriminar quem, no que respeita a telecomunicações que não lhe sejam dirigidas, e sem consentimento, se intrometa no seu conteúdo, ou dele tome conhecimento ou divulgue o respectivo conteúdo (12) (13).
E, assim, a apontada tutela impedia, como bem sublinhou a sentença, que o envio da mensagem, ou melhor até, que o envio da mensagem com aquele conteúdo pudessem constituir o tema ou objecto do processo disciplinar, com base no conhecimento que dela teve o Eng. EE e subsequente divulgação por ele feita, dando conhecimento ao Vice Presidente do Conselho de Administração da R..
Revela-o também o disposto no art.ºs 32º, nº 8 da Constituição, ao estabelecer, em sede de garantias em processo criminal, que “são nulas todas as provas obtidas mediante abusiva intromissão na correspondência ou nas telecomunicações” (14).
Nesse sentido, veja-se o ac. n.º 241/02 do Tribunal Constitucional, de 29.05.2002, no DR, II, de 23.7.2002, pág. 12825, que julgou inconstitucional a norma da al. b) do n.º 3 do art.º 559º do CPC, por infracção ao disposto nos arts. 26º, n.º 1 e 34º, n.ºs 1 e 4 da Constituição, quando interpretada no sentido de que, em processo laboral, podem ser pedidas por despacho judicial, aos operadores de telecomunicações informações relativas aos dados de tráfego e à facturação detalhada de linha telefónica instalada na morada de uma parte, sem que enferme de nulidade a prova obtida com a utilização dos documentos que veiculam aquelas informações.
E pode ler-se, a propósito, no seu sumário:
«I. O sigilo das telecomunicações, garantido nos termos do art. 34º, n.º 1 da Constituição, abrange não só o conteúdo das telecomunicações, mas também o “tráfego” como tal (espécie, hora, duração, intensidade de utilização).
II. A proibição de ingerência nas telecomunicações, para além de vedar a escuta, intercepção ou vigilância de chamadas, abrange, igualmente, os elementos de informação com elas conexionados, designadamente os elementos técnicos que acompanham qualquer mensagem de correio electrónico e que permitem, em conjunto, proceder à identificação do computador do qual partiu a mensagem, mas não já a autoria da própria mensagem.
(...)
VI. Quando é a própria inviolabilidade das telecomunicações que está em causa, nunca a dispensa de confidencialidade poderia justificar a ordem de prestação de informações constantes dos sistemas informáticos de operadores de telecomunicações, maxime em processo de natureza cível.
VII. A infracção à proibição constitucional de ingerências nas telecomunicações há-de ter nos processos cíveis e em matéria de prova a mesma sanção radical prevista na Constituição em sede de “garantias do processo criminal: a nulidade» (15).
Só assim se garante uma efectiva tutela da confidencialidade ou se minimizam os inconvenientes de uma sua violação, mormente se tal violação se repercutir em matérias ligadas a aspectos sancionatórios, como é o caso do processo disciplinar.

Do exposto resulta que o Director de Divisão de Após Venda da ré, pessoa estranha à comunicação de natureza pessoal feita pela A. à sua amiga Dr.ª DD, mesmo que a ela tivesse acedido de boa fé, não podia tê-la divulgado, inclusive a outro elemento dos corpos sociais da R., nem esta podia, com base nessa divulgação, instaurar o processo disciplinar contra a A. e que veio a culminar no despedimento desta, com invocação de justa causa.
Tratou-se de uma divulgação ilícita pelo referido Director e do recurso pela R. a prova nula, por isso inatendível.”.

A situação em apreço é, no essencial, idêntica à abordada no transcrito acórdão, pelo que não poderemos deixar de dar razão ao A.
Com efeito, a natureza pessoal, e não profissional, do teor das mensagens trocadas entre o A. e sua colega é evidente, sendo a própria Ré quem expressamente o refere, e aceita, no art. 4º da nota de culpa. Aliás, essa natureza decorre do suposto conteúdo dessas mensagens que a Ré transcreve no art. 7º da nota de culpa e nos documentos de fls. 123 a 272. E, face à doutrina constante do citado acórdão, a essa natureza não obsta o carácter eventualmente ofensivo ou difamatório do conteúdo das mensagens imputadas (o que vale também para a natureza “conspirativa”), não sendo esses os factores determinantes da sua natureza pessoal ou profissional. Com efeito, o conteúdo dessa correspondência, ainda que visando os representantes da Ré, não tem por objecto a execução de qualquer tarefa que, no âmbito do contrato de trabalho, estivesse cometida ao A., assim como não se insere no âmbito da execução da prestação laboral. E, por outro lado, nada é alegado na nota de culpa ou na contestação no sentido de que o A. Tivesse, expressa ou tacitamente, configurado essa correspondência como profissional de modo a induzir a Ré nesse sentido. De todo o modo, ainda que assim não fosse, depois do início da sua leitura e da constatação de que não se tratava de assunto de natureza profissional, impunha-se à Ré que cessasse a intromissão nessa correspondência, suspendendo a sua leitura.
E à natureza pessoal também não obsta a circunstância de algumas das mensagens poderem ter sido enviadas dos computadores da Ré, sendo que, igualmente, não é essa a circunstância que determina tal natureza. Por outro lado, o que está em causa na nota de culpa não é a utilização, para fins pessoais do A., de equipamento informático da Ré, sendo aliás de salientar que em lado algum da nota de culpa a Ré alega ter proibido ou dado instruções quanto à utilização pessoal do seu equipamento informático. E, como se sabe, não poderão ser invocados, como fundamento de despedimento, outros factos que não os constantes da nota de culpa (art. 415º, nº 3, do Código do Trabalho). Tal como a Ré configurou, na nota de culpa, a justa causa de despedimento, o que está em causa é, apenas, o conteúdo das mensagens trocadas entre o A. e a sua colega, que a Ré entende terem carácter ofensivo, difamatório e “conspirativo”. Ora, o conteúdo dessas mensagens que a Ré transcreve e imputa ao A., não tem natureza profissional, estando o seu acesso coberto pelo direito, nos termos das disposições legais citadas, à confidencialidade, o que impede, perante a falta de autorização do A., quer o acesso, pela Ré, ao seu conteúdo, quer a sua divulgação a terceiros e, por consequência, impede também que sobre a factualidade em questão seja produzida prova, mormente testemunhal, que, a ter lugar, seria nula.
Resta referir que, ao contrário do afirmado no despacho recorrido, se nos afigura irrelevante que o teor das supostas transcrições haja sido impugnado pelo A., não se vendo, para analisar do seu carácter pessoal, qualquer necessidade de apurar se as afirmações imputadas foram ou não por ele proferidas.
Com efeito, trata-se de uma “falsa questão”. Impugnado o despedimento, o que está em causa é a apreciação da justa causa tal como a Ré a configurou sucessivamente na nota de culpa e na decisão de despedimento. Ora, a natureza pessoal das mensagens trocadas entre o A. e a sua colega emerge dos próprios factos imputados pela Ré ao A. na nota de culpa e decisão de despedimento. Como e bem salienta o Recorrente “o que a Ré pretende provar o Tribunal já sabe o que é e a Ré não poderá provar mais do que o que alegou, isto é, no final da prova, na melhor das hipóteses para a Ré o Tribunal poderá concluir que é sua convicção que corresponde à verdade o que a R. alegou, mas, embora correspondendo à verdade, não poderá ser dado como provado, pois foi tal quadro fáctico seria obtido com recurso a prova nula.” (cfr. conclusões 4ª e 5ª)

Destarte, procedem as conclusões do recurso.
*
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que, deferindo o requerido pelo Autor na sessão de 02.06.2009 da audiência de discussão e julgamento, não admita a produção de prova testemunhal sobre o teor das comunicações electrónicas que lhe foram imputadas pela Ré na nota de culpa e na decisão de despedimento e não devendo, também, ser atendidos quaisquer outros meios de prova que visem o teor dessas comunicações.

Custas pela Recorrida.

Porto, 08.02.10
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
Luís Dias André da Silva
José Carlos Dinis Machado da Silva


_________________________
[1] Cfr. Albino Mendes Baptista, A Reforma dos Recursos e o Processo do Trabalho, in Temas de Direito do Trabalho e de Direito Processual do Trabalho, Petrony, pág. 256.
[2] Que o A. também juntou a fls. 52 a 74 dos autos.


__________________________
(6) - É de lembrar ainda que, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art.º 194º do Código Penal, quem, sem consentimento, se intrometer no conteúdo de telecomunicação ou dele tomar conhecimento, ou divulgar o conteúdo de telecomunicações que não lhe sejam dirigidas incorre na pena de prisão até 1 ano ou na pena de multa até 240 dias.
(7) - 5ª Edição, págs. 129 e 130.
(8) - “O Contrato de Trabalho. 100 Questões”, 2004, págs. 91 a 93.
(9) - “A Privacidade no Local de Trabalho – As Novas Tecnologias e o Controlo dos Trabalhadores Através de Sistemas Automatizados. As Alterações do Código do Trabalho”, pág. 392.
(10) - Dispõe o referido art.º 16º: “1. O empregador e o trabalhador devem respeitar os direitos de personalidade da contraparte, cabendo-lhes, designadamente, guardar reserva quanto à intimidade da vida privada. 2. O direito à reserva da vida da intimidade da privada abrange quer o acesso, quer a divulgação de aspectos atinentes à esfera íntima e pessoal das partes, nomeadamente relacionados com a vida familiar, afectiva e sexual, com o estado de saúde e com as convicções políticas e religiosas”.
(11) - Vejam-se, por exemplo, Romano Martinez, Júlio Gomes e Joana Vasconcelos, acima citados.
(12) - Dispõe o referido art.º 194º:”1. Quem, sem consentimento, abrir encomenda, carta ou qualquer outro escrito que se encontre fechado e lhe não seja dirigido, ou tomar conhecimentos, por processos técnicos, do seu conteúdo, ou impedir, por qualquer modo, que seja recebido pelo destinatário, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias. 2. Na mesma pena incorre quem, sem consentimento, se intrometer no conteúdo de telecomunicação ou dele tomar conhecimento. 3. Quem, sem consentimento, divulgar o conteúdo de cartas, encomendas, escritos fechados, ou telecomunicações a que se referem os números anteriores, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias”.
(13) - Sobre a reserva pelo destinatário de cartas-missivas confidenciais e sobre o uso pelo destinatário de cartas-missivas não confidenciais, vejam-se, respectivamente, os art.ºs 75º e 76º e o art.º 78º do Cód. Civil.
(14) - Lembre-se que o n.º 4 do art.º 34º da Constituição permite a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação nos casos previstos na lei em matéria de processo criminal.
(15) - Insere-se na linha desta asserção, a al. b) do n.º 3 do art.º 519º do Cód. de Proc. Civil, segundo o qual é legítima a recusa das pessoas, sejam ou não partes na causa, em colaborar na descoberta da verdade se a respectiva obediência importar intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência e nas telecomunicações (sublinhado nosso).
(…)


______________________________
SUMÁRIO

I - Encontrando-se o recurso de agravo expressamente previsto no Cód. Processo de Trabalho, aprovado pelo DL 480/99, de 09.11. (na versão anterior à introduzida pelo DL 295/2009, de 13.10), e não tendo o referido Código sido alterado pelo DL 303/2007, de 27.04 (que reformou o regime de recursos em processo civil), o agravo manteve-se, continuando a existir.

II -O agravo que tenha por objecto apreciar da inadmissibilidade, invocada pelo Autor/trabalhador, de produção de prova sobre o conteúdo de mensagens abrangidas pelo direito de reserva e confidencialidade consagrado no art. 21º do Código do Trabalho (na redacção da Lei 99/2003, de 27.08), sobe imediatamente (art. 84º, nº2, do CPT), uma vez que a sua retenção, implicando a produção de prova, o tornaria absolutamente inútil já que produziria o efeito (divulgação do que é confidencial) que a lei pretendeu preservar ao consagrar tal direito.

III - O conteúdo das mensagens, de natureza pessoal, enviadas ou recebidas pelo trabalhador, ainda que em computador da empresa, estão abrangidas pelo direito de reserva e confidencialidade consagrado no art. 21º do Código do Trabalho (2003), não podendo, em consequência e sem o consentimento do trabalhador, ser utilizado para fins disciplinares, nem produzida prova, designadamente testemunhal, sobre tal conteúdo.