Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0433984
Nº Convencional: JTRP00037271
Relator: SALEIRO DE ABREU
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
TRIBUNAL COLECTIVO
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RP200410210433984
Data do Acordão: 10/21/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO COMPETÊNCIA.
Decisão: DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA.
Área Temática: .
Sumário: Em processo de expropriação por utilidade pública, basta uma das partes requerer a intervenção do tribunal colectivo para que esta aconteça.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
No processo de expropriação litigiosa a correr termos com o nº .../01 no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de V. N. de Famalicão, em que é expropriante o IEP – Instituto das Estradas de Portugal, e são expropriados B.............. e marido C.............., expropriante e expropriados interpuseram recurso da decisão arbitral, defendendo os expropriados a fixação de uma indemnização de esc. 34.310.000$00.

No requerimento de interposição do recurso, os expropriados arrolaram testemunhas e requereram a intervenção do tribunal colectivo.

Em 26.01.2004, o M.mo Juiz daquele 3º Juízo, após ordenar a notificação das partes “nos termos e para os efeitos do disposto no art. 64º do Cód. das Expropriações”, mandou que, oportunamente, se remetessem os autos ao M.mo Juiz de Círculo, atenta a requerida intervenção do tribunal colectivo.

Em 13.04.2004, o Sr. Juiz do Círculo Judicial de V. N. de Famalicão proferiu despacho em que:
- indeferiu a inquirição das testemunhas arroladas pelos expropriados no seu requerimento de interposição de recurso (por considerar tal diligência “meramente dilatória ou impertinente”); e
- indeferiu “a requerida intervenção do tribunal colectivo (ou do juiz de círculo que a ele presidiria” e ordenou que os autos fossem de novo conclusos “ao Ex.mo Juiz titular”.

Ambos os despachos transitaram em julgado.
Os expropriados vieram, então, requerer a resolução do conflito negativo de competência que se suscitou entre o juiz do 3º Juízo Cível e o juiz de Círculo da comarca de V. N. de Famalicão.

Notificados os juízes em conflito para responderem, nada disseram.

O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de a competência dever ser atribuída ao Sr. Juiz do referido 3º Juízo Cível.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II.
A questão a decidir consiste em saber se, em processo de expropriação por utilidade pública, de valor superior à alçada da Relação, em que a parte recorrente haja requerido, no acto de interposição do recurso, a intervenção do tribunal colectivo, o processamento e conhecimento do recurso da arbitragem, e designadamente a prolação da sentença, competem aos juízos cíveis ou ao juiz de Círculo.

Dispõe o art. 58º do Código das Expropriações (de 1999), que “no requerimento da interposição do recurso da decisão arbitral, o recorrente deve expor logo as razões da discordância, (...), requerer a intervenção do tribunal colectivo (...) e dar cumprimento ao disposto no art. 577º do código de Processo Civil”.

A intervenção do tribunal colectivo - que julgaria as questões de facto, competindo ao seu presidente, além do mais, proferir a sentença final (arts. 106º, al. b) e 108º, nº 1, c) da lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais) – depende apenas, pois, de dois requisitos fundamentais: que o valor da causa seja superior ao valor da alçada da Relação; e que a intervenção seja efectivamente requerida no acto de interposição do recurso.
Ora, no caso em apreço, verificam-se os dois referidos requisitos.
Assim sendo, e como se disse, a competência para o julgamento da questões de facto recai sobre o tribunal colectivo, devendo a sentença ser proferida pelo respectivo presidente.

Discorda-se, assim, do argumento avançado pelo Sr. Juiz de Círculo para rejeitar a intervenção do tribunal colectivo e a sua competência (enquanto presidente desse tribunal) para a prolação da sentença.
O facto de não haver testemunhas a inquirir não constitui obstáculo àquela intervenção, dado que o julgamento das questões de facto não assenta, ou pode não assentar, apenas em prova testemunhal. Há outros meios de prova que podem ser apreciados (v. g. prova documental, pericial), ou mesmo realizados (v. g., inspecção judicial) pelo tribunal colectivo), sendo certo que, no processo expropriativo, é obrigatória a avaliação (prova pericial), a qual é apreciada livremente pelo tribunal (art.s 389º do Cód. Civil e 591º do Cód. Proc. Civil), apreciação que, presuntivamente, será melhor assegurada por um tribunal colectivo do que por um tribunal singular.

Discorda-se, igualmente, do entendimento (seguido, entre outros, pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto) segundo o qual “a intervenção do tribunal colectivo só ocorrerá se houver consenso, se ambas as partes o tiverem requerido”, atento o disposto no art. 646º, nº 1 do CPC, na redacção dada pelo DL nº 183/2000, de 10.8.
Entendemos, com efeito, não ser aplicável, ao processo de expropriação, o citado normativo.

Como se escreveu no acórdão desta Relação, proferido em 23.10.2003, in proc. nº 3984/03, desta 3ª Secção, em que foi relator o aqui adjunto Des. Oliveira Vasconcelos, “trata-se manifestamente de um preceito inserido na tramitação do processo comum ordinário”, que “não deve ser aplicado ao processo expropriativo”.
Também no acórdão do STJ, de 25.9.2003, in agravo nº 1856/7ª Secção, se escreveu:
“(...) no processo civil, em geral, o critério decisivo de intervenção do colectivo deixou de ser objectivamente o valor da causa em litígio, mas a manifestação da vontade das partes (das duas partes), requerendo a intervenção; no processo especial de recurso da arbitragem expropriativa, bastará, aí, a solicitação de uma só das partes”.
E mais adiante insiste-se: “No processo expropriativo, como vimos, basta a manifestação de vontade de uma das partes (...), sem estar dependente do acordo da outra”.

Conclui-se, portanto, que, in casu, recaindo a competência para o julgamento da matéria de facto sobre o tribunal colectivo, ao Sr. Juiz do Círculo caberá a prolação da sentença (o qual, de resto, até já se teve como competente para indeferir a inquirição das testemunhas arroladas...).
Assim também já decidiu esta Relação, em recente acórdão (de 15.7.2004, in proc. nº 1642/04-3ª secção), em questão idêntica (conflito negativo de competência suscitado entre os juízes do 4º Juízo Cível e de Círculo de V. N. de Famalicão).

III.
Nestes termos, acorda-se em deferir a competência para os posteriores termos do processo ao Ex.mo Juiz de Círculo da Comarca de V. N. de Famalicão.
Sem custas.

Porto, 21 de Outubro de 2004
Estevão Vaz Saleiro de Abreu
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos
José Viriato Rodrigues Bernardo