Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0830243
Nº Convencional: JTRP00041095
Relator: DEOLINDA VARÃO
Descritores: CIRE
CRÉDITOS LABORAIS
COMPETÊNCIA
APENSAÇÃO DE PROCESSOS
Nº do Documento: RP200802140830243
Data do Acordão: 02/14/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 749 - FLS. 6.
Área Temática: .
Sumário: I – A declaração de insolvência tem efeitos processuais consistentes na apensação (arts. 85º, nº1, 86º, nº/s 1 e 2 e 89º, nº2), na impossibilidade de instauração (arts. 88º, nº1 e 89º, nº1) e na suspensão (arts. 87º, nº1 e 88º, nº1, todos do CIRE) de certas acções.
II – Não é obstáculo à instauração das acções a que se reporta o art. 146º do CIRE que o crédito cuja verificação se pretende seja emergente de relações jurídicas que, a serem debatidas em sede própria, correriam em tribunais de competência especializada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B………………… e C……………… instauraram acção com forma de processo sumário, por apenso aos autos de insolvência, contra MASSA INSOLVENTE DE D……………………., LDª, CREDORES DA MASSA INSOLVENTE de D…………….. Ldª e contra o devedor insolvente E……………………...
Pediram a verificação e reconhecimento de créditos resultantes de retribuições em atraso e de indemnização por despedimento, emergentes dos contratos de trabalho que tinham com a requerida D……………., a qual foi declarada insolvente nos autos principais em 27.10.06.
Por despacho de fls. 68 e seguintes, foi declarada a incompetência em razão da matéria do tribunal e foram os requeridos absolvidos da instância.
Os requerentes recorreram, sustentando, nas suas conclusões, a competência em razão da matéria do tribunal recorrido.
Não houve contra-alegações.
O Mº Juiz sustentou o despacho.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.
Os elementos com interesse para a decisão do recurso são os que constam do ponto anterior.
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III.
A questão a decidir - delimitada pelas conclusões da alegação dos agravantes (artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC) – é a da competência do tribunal recorrido para o conhecimento da presente acção.

A declaração de insolvência tem, além do mais, efeitos processuais, que são todos aqueles que atingem processos que, sendo exteriores ao processo de insolvência e podendo, inclusivamente, envolver pessoas distintas do devedor, são relevantes para a massa insolvente.
Tais efeitos têm subjacente o princípio da par conditio creditorum e dirigem-se, basicamente, a impedir que algum credor possa impedir, por via distinta do processo de insolvência, uma satisfação mais rápida ou mais completa, em prejuízo dos restantes credores[1].

Esses efeitos processuais consistem na apensação (artºs 85º, nº 1, 86º, nºs 1 e 2 e 89º, nº 2 do CIRE – Diploma a que pertencem todas as normas adiante citadas sem menção de origem), na impossibilidade de instauração (artºs 88º, nº 1 e 89º, nº 1) e na suspensão (artºs 87º, nº 1 e 88º, nº 1) de certas acções.

Diz o artº 85º, nº 1 que, declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para aos fins do processo.

O normativo citado teve como fonte o artº 154º do CPEREF, que, por sua vez, teve origem no artº 1198º do CPC, e visa atrair para o processo de insolvência todas as acções em que se debatam interesses patrimoniais do insolvente, por forma a satisfazer com um único processo a totalidade dos créditos de todos os credores, em obediência ao princípio acima enunciado.

A apensação de acções depende do requerimento do administrador de insolvência e a oportunidade de apensação é aferida, não só em função da conveniência para a liquidação, como em função da conveniência para os fins do processo, alargando-se assim o âmbito de aplicação do preceito relativamente ao regime anterior[2].

Oficiosamente, apenas são apensadas ao processo de insolvência as acções em que se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente, como se refere no nº 2 do artº 85º, e que, tal como anteriormente o nº 3 do artº 175º do CPEREF, tem um âmbito de aplicação diferente, visando a salvaguarda dos bens do devedor.

Como bem se faz notar no Ac. da RL de 18.10.06[3], resulta da própria redacção do nº 1 do artº 85º, que se refere a “todas as acções”, que a competência em razão da matéria não é obstáculo à apensação das acções ao processo de insolvência. Este argumento é reforçado pelo disposto no nº 3 do artº 86º, que permite a apensação de processos de insolvência de devedores relacionados entre si nos termos dos nºs 1 e 2, ainda que os processos corram termos em tribunais com diferente competência especializada em razão da matéria.

O nº 3 do artº 128º impõe a necessidade de reclamar todos os créditos no processo de insolvência, sem excluir aqueles que estejam a ser exigidos em processos apensados ao processo de insolvência nos termos do nº 1 do artº 85º. Aquele preceito é inovador em relação ao direito anterior, que expressamente dispensava a reclamação de créditos exigidos em processos apensados à falência (artº 188º, nº 4 do CPEREF).

Se o credor não reclamou o seu crédito dentro do prazo fixado na sentença declaratória de insolvência (cfr. artº 128º, nº 1), dispõe ainda de uma oportunidade para pedir o seu reconhecimento através da instauração da acção prevista no artº 146º, desde que se verifique o condicionalismo previsto no nº 2 daquele preceito: a) que o crédito seja posterior à declaração de insolvência ou, sendo anterior, que o credor não tenha sido avisado nos termos do artº 129; b) que a acção seja instaurada no prazo de um ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência, ou no prazo de três meses seguintes à respectiva constituição, caso termine posteriormente.
Como salientam Carvalho Fernandes e João Labareda[4], a acção interposta nos termos do artº 146º não constitui já uma fase do processo de insolvência, ainda que com estrutura própria. Reveste, realmente, a natureza de acção autónoma em que o reclamante assume a posição de autor e a massa insolvente, os credores e o devedor a posição de réus.
Aquela acção destina-se apenas à verificação do crédito e não à sua graduação[5]. Adaptando ao processo de insolvência o que se escreveu no Ac. desta Relação de 07.11.05[6] a propósito da acção prevista no artº 205º do CPEREF, diremos que se é certo que a sentença que declara a insolvência é título universal para com base nele os credores do insolvente reclamarem os seus créditos, já na acção de insinuação tardia, o credor – ainda que legitimado à acção por aquela sentença – tem de discutir em acção autónoma a verificação do crédito, bem podendo suceder que sucumba em tal pretensão.
Do exposto se conclui que, se para a apensação das acções a que se reporta o nº 1 do artº 85º não é obstáculo que algumas delas corram termos perante tribunais de competência especializada, por maioria de razão não é obstáculo à instauração das acções a que se reporta o artº 146º que o crédito cuja verificação se pretende seja emergente de relações jurídicas que, a serem debatidas em sede própria, seriam da competência daqueles tribunais.
O princípio que está subjacente a ambas as normas é o mesmo que já acima enunciámos: em qualquer dos casos, visa-se a execução universal do património do devedor no processo de insolvência, colocando todos os credores em igualdade de circunstâncias.
Acolhendo aquele princípio, o artº 148º estabelece uma regra de competência por conexão, determinando que as acções a que se reporta o artº 146º correm por apenso aos autos de insolvência.

No caso dos autos, os requerentes pretendem a verificação de créditos emergentes de contratos de trabalho que tinham com a insolvente, pelo que o meio próprio para tal é a acção prevista no artº 146º, desde que reúnam os requisitos previstos no nº 2 daquele normativo.
Por força do disposto no artº 148º, o tribunal competente para tal acção é o tribunal onde corre o processo de insolvência, ao qual a referida acção terá de ser apensada.
Procedem assim inteiramente as conclusões dos agravantes, pelo que terá de ser dado provimento ao agravo, determinando-se o prosseguimento dos presentes autos no tribunal recorrido, por ser o competente.

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IV.
Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido e, em consequência:
- Declara-se que o 1º Juízo do Tribunal Judicial da Régua é competente para conhecer da presente acção, determinando-se o seu prosseguimento por apenso aos autos de insolvência nº ………/06, que ali correm termos.
Sem custas.
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Porto, 14 de Fevereiro de 2008

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[1] Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência, 2ª ed., 45.
[2] Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, I, 356.
[3]www.dgsi.pt.
[4] Obra citada, 493.
[5] Cfr. Pedro Macedo, Manual do Direito das Falências, II, 360, a propósito da acção então regulada no artº 1241º do CPC.
[6] www.dgsi.pt.