Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0534960
Nº Convencional: JTRP00038460
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: INSOLVÊNCIA
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP200511030534960
Data do Acordão: 11/03/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: I- Os factos referidos no artigo 20º, nº1, do CIRE constituem meros índices da situação de insolvência do requerido a que respeitam, tal como definida no artº 3º CIRE-- a qual tem de ficar demonstrada no processo.
II- Estabeleceu ali o legislador presunções iuris tantum de verificação da situação de insolvência do devedor. Pelo que feita a prova pelo requerente do(s) facto(s) contido(s) nas alíneas ali referidas, ficará o requerido com o ónus da prova da sua situação de solvência.
III- Embora tais factos devam ser apreciados objectivamente pelo julgador, não deve haver especiais exigências de prova.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO:

No ...º Juízo do Tribunal Judicial de Matosinhos veio o B........, SA, requerer a declaração de insolvência de C........ - proc. Nº ..../04.8TBMTS--, alegando estarem verificados os respectivos pressupostos (artº 20º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas-- CIRE).

A fls. 10 o Mmº Juiz convidou o requerente a “concretizar os factos referidos nos arts. 5º e 6º da petição inicial, juntar documentos comprovativos do alegado no artigo 4º do mesmo articulado, bem como dar cumprimento ao disposto no art. 23º, n.º 2, als. b) a d) ou no n.º 3 do mesmo artigo”.

Veio, então, o requerente apresentar o requerimento de fls. 20 e segs., cujo teor se dá por reproduzido, juntando com o mesmo duas cópias de certidões judiciais (fls. 23 e 25) e ainda certidão de nascimento do requerido.

É, então, proferido o despacho de fls. 28 e verso, no qual, por se entender que o requerente “não satisfez nenhuma das apontadas condições legais” para ser decretada a insolvência do requerido, se indeferiu o pedido de declaração de insolvência formulado nos autos.

Inconformado com tal despacho, veio o requerente dele interpor recurso, recebido como agravo (fls. 34), apresentando alegações que remata com as seguintes

“CONCLUSÕES
1) O estado de insolvência, por vezes, existe! E quando assim é, entendeu o legislador que a pessoa ou entidade que dele padece ASSIM DEVERÁ SER DECLARADO, a bem da segurança e certeza do comércio.

2) Sendo ainda certo que o objectivo primeiro do legislador ao consagrar o novo regime da Insolvência foi satisfazer, «pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores...» (...) dotando estes dos meios idóneos para fazer face à insolvência dos seus devedores, enquanto impossibilidade de pontualmente cumprir obrigações vencidas».

3) E quando o legislador usou no art. 20º, nº1 a expressão «verificando-se algum dos seguintes factos (...)», significa que não é preciso verificar-se mais que um daqueles factos indiciadores. BASTA UM!!

4) Por outro lado, quando nos referimos à forma e conteúdo (requisitos) da Petição de Insolvência podemos falar de três "grupos" distintos de requisitos.

5) O dos requisitos que se exigem ao Requerente que é simultaneamente o Apresentante (devedor).

6) O dos Requisitos que se exigem independentemente de quem seja o Requerente e

7) O dos requisitos que, NA MEDIDA DO POSSÍVEL, se exigem ao Requerente que é Credor (ou outro dos enunciados no art. 20º do CIRE).

8) Nomeadamente, serão requisitos que só exigem, NA MEDIDA DO POSSÍVEL, os previstos nas als. b), c) e d), do art. 23º, nº 2 do CIRE.

9) "NA MEDIDA DO POSSÍVEL", pois como refere a própria letra da lei, concretamente o nº 3 do referido art. 23º, «Não sendo possível ao requerente fazer as indicações e junções referidas no número anterior, solicita que sejam prestadas pelo próprio devedor».

10) Então, elementos como a "identificação dos cinco maiores credores do devedor", a "identificação do regime de bens do casamento e a identificação do cônjuge do devedor" ou a "junção do registo civil do devedor" são elementos que só NA MEDIDA DO POSSÍVEL se poderão exigir ao Requerente/Credor.

11) E concretamente, a "identificação dos cinco maiores credores do devedor" é o requisito de mais difícil obtenção por parte de um simples credor, para não dizer impossibilidade prática.

12) Isto porque A RELAÇÃO DOS CINCO MAIORES CREDORES DE UM DEVEDOR (seja pessoa singular, seja pessoa colectiva) NÃO SÃO INFORMAÇÕES QUE SEJAM DO DOMÍNIO PÚBLICO, PELO QUE UM CREDOR NÃO TEM OBRIGAÇÃO, NEM MESMO OS MEIOS, PARA OBTER TAL DETALHE DA VIDA DE UM TERCEIRO QUE LHE SEJA DEVEDOR.

13) No caso do Requerimento de Insolvência que o ora recorrente apresentou nos presentes autos contra um seu devedor alegou, desde logo, que o Requerido tinha avalizado duas livranças, vencidas em 29/Agosto/2002 e 28/Fevereiro/2002, no valor de € 5.186,85 e € 25.555,39, respectivamente.

14) Mais alegou que contra o Requerido corriam duas execuções no Tribunal de Matosinhos, concretamente no ..º Juízo Cível, Proc. ...../02 e ..º Juízo Cível, Proc. ..../03.5TBMTS, para cobrança dos títulos de crédito acima referidos.
15) Juntou Certidões Judiciais Relativas às Execuções atrás referidas, na sequência de ter sido convidado pelo Tribunal para tal.

16) Por outro lado, juntou Certidão da Conservatória do Registo Civil do devedor, dando cumprimento ao art. art. 23º, nº 2, als. d); justificou a não indicação do nome do Cônjuge e Regime de Bens (art. 23º, nº 2, als. c)) com o facto do devedor ser separado, o que resulta do Registo de Nascimento do devedor e justificou a não indicação dos cinco maiores credores do devedor por estas não serem informações do domínio público, pelo que o recorrente não tinha obrigação, nem mesmo os meios, para obter tal detalhe da vida do devedor.

17) Mas quanto a este último ponto o recorrente lançou mão ao expediente que a lei põe ao seu dispor no art. 23º, nº 3, ou seja, REQUEREU QUE O DEVEDOR FOSSE NOTIFICADO PARA PRESTAR AOS AUTOS AS INFORMAÇÕES ACERCA DA IDENTIFICAÇÃO DOS SEUS CINCO MAIORES CREDORES.

18) Salvo o devido respeito, tendo o recorrente alegado como fez, a razão de não conseguir obter tal detalhe da vida do devedor, justificava-se o uso do expediente previsto no art. 23º, 3 do CIRE.
19) Com a junção das Certidões Judicias o recorrente provou o que, salvo melhor opinião, devia ter provado, nomeadamente, que tinha movido as execuções que alegara ter movido contra o devedor, que as quantias em dívida eram as das livranças que alegou e cuja cópia juntou à Petição de Insolvência e que as mesmas se encontravam por pagar.

20) Sucede que o ora recorrente foi também convidado pelo Tribunal para concretizar o alegado nos arts. 5º e 6º da Petição Inicial. No entanto, estes artigos são a utilização das expressões utilizadas pelo legislador para condensar o que o recorrente tinha alegado antes, designadamente, nos arts. 1º, 2º, 3º e 4º da Petição de Insolvência e logo, a concretização estava feita.

21) Acresce que CONSIDEROU O TRIBUNAL RECORRIDO QUE o recorrente não alegou outras dívidas do devedor para além das que tem para com o próprio recorrente, o que salvo o máximo respeito pelo Tribunal recorrido isto é quanto basta, pois o devedor até poderia dever a quantia inscrita em uma só das livranças dos autos e não dever mais nada a ninguém que isso só por si não é caso para indeferir a Petição de Insolvência.

22) Isto porque o único pressuposto objectivo para a declaração de Insolvência é própria insolvência que (...) consiste na impossibilidade de cumprir obrigações vencidas, como refere Ponto 19 do Preâmbulo do CIRE.

23) E assim, não incumbência imperativa do recorrente alegar dívidas do requerido a terceiros, já que A EXIGÊNCIA DE TAL REQUISITO É INVIABILIZAR, NA PRÁTICA E À PARTIDA, A ESMAGADORA MAIORIA DOS PEDIDOS DE INSOLVÊNCIA FORMULADOS PELOS CREDORES.

24) Indo-se contra o espírito da lei, que visa, justamente, proteger os credores.

25) Não há, pois, qualquer razão para o Tribunal recorrido indeferir a Petição de Insolvência apresentada pelo ora recorrente.

Termos em que e nos mais que Vossas Excelências doutamente se dignarem suprir dentro do Vosso Mais Alto Saber e Critério, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se na íntegra o douto despacho recorrido e em conformidade, deve a Petição de Insolvência dos presentes autos ser remetida para o Tribunal recorrido a julgar e correr os seus normais termos até final. Assim se fará JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foram colhidos os vistos.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. AS QUESTÕES:
Tendo presente que:
- O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

a única questão a apreciar consiste em saber se, face ao alegado no requerimento inicial com o aditamento resultante do convite formulado a fls. 10, havia razões para o indeferimento liminar do pedido de declaração de insolvência do requerido.

II. 2. FACTOS PROVADOS:

Os supra relatados - sem prejuízo de referência a outros que se venha a entender útil ao longo da explanação.

III. O DIREITO:

Dispõe o art 20º, n.º 1 do C.I.R.E-- correspondente, com muitas modificações, ao artº 8º do CPEREF--.:
"A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos seguintes factos:
a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas;
b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade do devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;
c) Fuga do titular da empresa (…)”;
“d) Dissipação, abandono, liquidação apressada (…)”I;
“e) Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito de exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor;”.

Anotando que parece haver sobreposição entre os fundamentos das alíneas a) e g) referidos, diga-se, desde já, que os factos referidos neste artigo constituem meros índices da situação de insolvência, tal como definida no artº 3º CIRE, a qual tem de ficar demonstrada no processo.

A definição de insolvência vem definida no citado artº 3º, nos seguintes termos:
“É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas” - que corresponde com modificações ao artº 3º do CPEREF.
Não cremos que a questão da obrigação estar vencida seja relevante, uma vez que a insolvência acarreta a perda do benefício do prazo (ut artº 780º do C. Civil).

O que se impõe averiguar é, então, se da factualidade alegada pelo requerente resulta, de forma indiciária, a verificação de uma impossibilidade do requerido “de cumprir as suas obrigações vencidas”.
Impõe-se ver, assim, se os factos alegados no requerimento inicial preenchem qualquer dos pressupostos ou requisitos indiciadores da insolvência mencionados no artº 20º CIRE.

Com interesse para o caso sub judice temos apenas, obviamente, as alíneas a), b) e e).

Quanto à alínea a) - “Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas”:
O que o requerente alega é tão só e apenas que estão suspensos os pagamentos das dívidas …ao requerente.
De facto, nos artigos da petição inicial - além da alegação das palavras da própria lei (veja-se, v.g., arts. 5º e 6º)--, apenas e só se alega que o requerente é credor do requerido de dívidas tituladas por duas livranças e que, apesar de instaurada execução para o seu pagamento, “o requerido nada pagou até à data”, bem assim que “sabe o Requerente que o Requerido nenhuns bens penhoráveis tem em seu nome”.
Nada mais vem alegado, ou documentado, que sustente a comprovação do vertido naquela alínea a).
Assim, a factualidade alegada não preenche o disposto nesta alínea.

Quanto à alínea b):
Valem aqui as considerações vertidas a respeito da anterior alínea.
Na verdade, o facto de o devedor ter deixado de cumprir uma a sua obrigação de pagamento ao requerente não traduz a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.
É que, podem as demais obrigações do devedor para com terceiros- não alegadas, aliás--ter sido pontualmente cumpridas, seja com bens dele, seja com bens ou dinheiro de terceiro(s).
Desconhece-se, por outro lado, as circunstâncias em que tal incumprimento ocorreu.
Como tal, a factualidade alegada também não preenche o disposto nesta alínea b).

Quanto à alínea e):
Aqui, sim, cremos que mal andou o despacho recorrido.
Efectivamente, o que nesta alínea refere é a “Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito de exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor”.
Documentado está, de facto, que o Requerente, credor do requerido, moveu contra este duas execuções para liquidação das dívidas tituladas nas duas livranças de € 5.186,85 e € 25.555,39, vencidas, respectivamente, em 29.08.2002 e 28.02.2003 (cfr. fls. 5 e 6).
Documentado está, ainda, que, não obstante tais execuções terem sido logo instauradas (em 2002 e 2003), até à data da certificação de fls. 23 e 25 nada logrou receber o exequente.

Ora, escreveu-se no despacho recorrido que “das certidões judiciais que ofereceu resulta apenas que o exequente não recebeu até à data qualquer importância para pagamento total ou parcial da quantia em dívida, não se podendo concluir que tal situação resulta da insuficiência de bens penhoráveis, não revelando o teor narrativo das mesmas que se haja sequer tentado a penhora em bens do devedor, sendo certo que em ambas as execuções são vários os executados.”.
Não aceitamos tais asserções, salvo o devido respeito.
Efectivamente, por um lado, parece evidente que, sendo as execuções de 2002 e 2003, respectivamente, ou foi já requerida, sem êxito, a penhora de bens, ou, se o não foi é porque à partida já se sabia que seria uma diligência infrutífera por ausência de bens penhoráveis.
Ora - sem embargo de poder o requerente vir a juntar eventual nova certidão comprovativa, designadamente, de ter sido requerida a penhora de bens do requerido--, o certo é que logo no requerimento inicial (artº 4º ) o requerente explicou a razão porque, ou não foi requerida a penhora de bens do executado/requerido, ou, tendo-a feito, “não recebeu até à data qualquer importância para pagamento total ou parcial da quantia em dívida” (certificado a fls.23 e 25).
Ali se escreveu, de facto, que “… o requerido nenhuns bens penhoráveis tem em seu nome, facto esse que apurou na sequência de diversas diligências levadas a cabo no âmbito das execuções acima referidas e também das demais diligências extrajudiciais com esse mesmo objectivo, pelo que por essa forma continua o requerente impedido de satisfazer o seu crédito” - sublinhado nosso.
Ou seja, ali vem claramente alegada matéria factual integrante da previsão da alínea e) do artº 20º do CIRE:” Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito de exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor “ - facto esse que, como vimos, embora constituindo mero índice da situação de insolvência, tal como definida no artº 3º CIRE, permite o prosseguimento dos autos, a fim de o requerente fazer a sua cabal demonstração ou prova no processo, também com recurso à prova testemunhal arrolada (fls. 4).

É claro que o facto de as execuções terem sido movidas, também, contra outros executados nada releva, pois foram-no, seguramente, “contra o devedor”, ora requerido.

Assim sendo, como a lei se basta com “algum” dos factos contidos nas diversas alíneas do artº 20º do CIRE (cfr. nº1, fine), é patente que o requerente alegou factos suficientes para que a acção devesse prosseguir os seus regulares termos, não se justificando o indeferimento do petitório inicial

Já no que tange ao convite ao cumprimento do disposto no artº 23º, nº2, als. b) a d), ou no nº 3 do CIRE, nada há a censurar à actuação do Requerente, pois aceita-se como normal que o requerente não estivesse em condições de informar quais os 5 maiores credores do Requerido, motivo porque solicitou que este fosse notificado para vir aos autos prestar a identificação daqueles credores (fls. 22).
Efectivamente, parece evidente que o Requerente apenas deve satisfazer os requisitos contidos nas als. b) a d) do artº 23º do CIRE na medida do possível. É que, atenta a sua natureza, por vezes é praticamente impossível ao requerente indicar os respectivos elementos, o que, ao contrário, está ao perfeito alcance do devedor/requerido. Designadamente, a relação dos cinco maiores credores de um devedor (pessoa singular ou colectiva) não são informações que sejam do domínio público, pelo que - como, aliás, bem refere o agravante - um credor não tem obrigação, nem mesmo os meios, para obter tal detalhe da vida de um terceiro que lhe seja devedor. E assim sendo, ao abrigo do princípio da cooperação determinado no artº 519º do CPC, deve o devedor facultar ao tribunal (e ao requerente) tais elementos.

Já quanto aos demais requisitos vertidos nas aludidas alíneas do artº 20º do CIRE, é ónus do Requerente fazer, circunstanciadamente, as descrição dos factos que os integram, por forma a que dali se possa concluir que o Requerido se encontra “em situação de insolvência” por se encontrar “impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.
Como vimos, cremos que foi feita suficiente descrição do fundamento vertido na dita al. e), o que, após a produção da demais prova arrolada, permitirá ao requerente o possível deferimento da sua pretensão.

Cremos, por outro lado, que os factos vertidos nas alíneas do artº 20º do CIRE presumem a situação de insolvência do(s) requerido(s) a que respeitam.
No entanto, se é certo que tais factos devem ser apreciados objectivamente pelo julgador, não deve haver especiais exigências de prova.
É que - como acentuavam Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, CPEREF Anotado, Quid Juris Ed., em anotação ao anterior artº 8º-- “É preciso não perder de vista a circunstância de estarmos aqui em presença de comportamentos alheios aos requerente, que ele naturalmente não domina”.
Assim, estabelecendo ali o legislador presunções iuris tantum de verificação da situação de insolvência do devedor, parece que feita a prova pelo requerente do facto contido na dita alínea e) do CIRE, ficará o requerido com o ónus da prova da sua situação de solvência, como se deduz do artº 30º, nº 4 do mesmo diploma legal [Cfr. CIRE, Anotado, de A. Raposo Subtil, Matos Esteves, Maria José Esteves e Luís M. Martins, Vida Económica, 2004, anotação ao artº 20º, a pág. 96].

Na procedência das conclusões das alegações, impõe-se, por isso, revogar o despacho recorrido a fim de que o mesmo seja substituído por outro que determine o prosseguimento do processo de insolvência.

CONCLUINDO:
Os factos referidos no artigo 20º, nº1, do CIRE constituem meros índices da situação de insolvência do requerido a que respeitam, tal como definida no artº 3º CIRE-- a qual tem de ficar demonstrada no processo.
Estabeleceu ali o legislador presunções iuris tantum de verificação da situação de insolvência do devedor. Pelo que feita a prova pelo requerente do(s) facto(s) contido(s) nas alíneas ali referidas, ficará o requerido com o ónus da prova da sua situação de solvência.
Embora tais factos devam ser apreciados objectivamente pelo julgador, não deve haver especiais exigências de prova.

IV. DECISÃO:

Termos em que acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que determine o prosseguimento do processo de insolvência.

Sem custas.
Porto, 03 de Novembro de 2005
Fernando Baptista Oliveira
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves