Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP00040909 | ||
| Relator: | CARLOS MOREIRA | ||
| Descritores: | INQUÉRITO JUDICIAL ERRO NA FORMA DO PROCESSO | ||
| Nº do Documento: | RP200712190724895 | ||
| Data do Acordão: | 12/19/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | REVOGADA A DECISÃO. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 260 - FLS 149. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Só há erro na forma do processo quando o autor, para fazer valer a sua pretensão, usa de forma de processo inadequada. II - Mesmo que exista erro, o requerimento inicial não deve ser indeferido liminarmente, antes devendo ser aproveitado, determinando-se que se siga a tramitação processual adequada. III - O regime previsto nos arts. 1479º e segs do CPC e no art. 67º do CSC não são incompatíveis: será este, especial, o regime a seguir, sem prejuízo de poder ser colmatado ou complementado pela tramitação daquele, de carácter geral. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO 1. B………., instaurou contra C………., Lda, D………., E………., F………. e G………., autos de inquérito judicial. Concluiu pedindo, invocando o disposto no artº 1479º e segs do CPC e artºs 67º e 216º do Código das Sociedades Comerciais, que seja ordenado o solicitado inquérito Judicial nos vários e concretos aspectos por ele concretizados no final do seu requerimento inicial. Para tanto e em síntese, alegou que os réus se recusam a informá-lo das actividades da sociedade, designadamente no que concerne à apreciação anual da sua situação, com a análise do balanço, demonstração de resultados, relatório de gestão e contas do exercício de 2003. Citados os requeridos não deduziram oposição. 2. No prosseguimento dos autos foi proferida, em sede de despacho saneador, decisão que não ordenou a realização do solicitado inquérito judicial. 3. Inconformado apelou o requerente. Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: A) Atentos os factos invocados pelo requerente apelante entende o mesmo inexistir a incompatibilidade invocada, da douta sentença. Na verdade, o artigo 67º, do C.S.C. prevê e regula duas situações diferentes: a primeira é a falta de apresentação de contas; a segunda é a falta de aprovação de contas. Ora basta atentar nos artigos 10º, 19º, 20º, 21º, 22º e 23º da petição inicial para facilmente constatar que o requerente invoca de forma expressa a falta de apresentação de contas por parte dos requeridos gerentes da sociedade requerida. B) Se dentro do prazo de 3 meses a contar da data do encerramento do exercício anual, ou do prazo de 5 meses a contar da mesma data quando se trate de sociedades que devam apresentar contas consolidadas ou que apliquem o método de equivalência patrimonial, a gerência da sociedade não apresentar o relatório da gestão e as contas do exercício, nem o fizerem nos 2 meses seguintes ao termo daquele dos mencionados prazos (art.º 67º. – 1), pode qualquer sócio requerer ao Tribunal que proceda a inquérito social, previsto nos artigos 1479.º e seguintes do C.P.C., indicando, para tanto, os pontos de facto que considere de interesse averiguar e requerendo as providências que repute convenientes. C) Ora, foi precisamente o que fez o requerente, conforme resulta do artigo 32º da p.i.. Sucede que, tendo sido recebida a petição, foi, por douto despacho ordenada a citação dos requeridos. Com tal citação pretendia-se obter a audição dos requeridos no sentido de se conhecer as razões invocadas por estes e a procedência das mesmas para a falta de apresentação do relatório de gestão e/ou contas. D) Se fundadas, caberia ao Meritíssimo Juiz fixar um prazo, para que eles requeridos as apresentassem (1ª parte do n.º 2 do art.º 67). Se, ao invés, considerar infundadas as razões aduzidas para aquela falta de apresentação, o Juiz nomeará um gerente, ao qual incumbirá, em exclusivo, de, no prazo que lhe for fixado, elaborar relatório de gestão, as contas de exercício, e os demais documentos de prestação de contas, previstos na lei, e de os submeter à apreciação do órgão competente da sociedade, seguindo-se a ulterior tramitação. E) Não se vislumbra em que medida existe incompatibilidade, uma vez que por determinação expressa do n.º 3º do 1479.º do C.P.C., quando o inquérito tem por fundamento a não apresentação pontual do relatório de gestão, contas do exercício e demais documentos de prestação de contas, seguir-se-ão os termos previstos no art.º 67º do C.S.C.. F) Por seu turno, entende o requerente que não é pelo facto de ter solicitado para além de apresentação do relatório de contas, a prestação e o fornecimento de informações sobre determinados assuntos sociais, que deixa de ser ajustado o inquérito judicial. G) Da alegação do requerente ora apelante, bem como pelos documentos juntos constata-se que o recurso ao inquérito judicial não é imotivado nem se baseia em mera suspeita de irregularidades, mas sim em factos concretos que revelam a insuficiência da informação. H) Assim, ainda que se entenda que existe erro na forma do processo, o que aqui apenas por mera hipótese de raciocínio se concebe, o erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que se revelem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei (art.º 199 n.º 1 do C.P.C.), não devendo, porém, aproveitar-se os actos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do Réu (n.º 2 do mesmo artigo). I) Ora, no caso em apreço, sendo o inquérito o meio processual adequado para pedir contas aos gerentes da sociedade Ré, sempre era possível aproveitar a petição inicial, pelo que se impunha decisão diversa da proferida. J) Tal decisão era também imposta pelo princípio da adequação formal, tal como o preceitua o artigo 265º-A do C.P.C., quando a tramitação prevista na lei não se adequar às especificidades da causa, deve o Juiz, oficiosamente, determinar a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações, o que simplesmente não aconteceu na situação sub judice, sendo que, nesta medida a douta decisão violou a sobredita disposição legal, bem como os artigos 1479º do C.P.C. e 67º do C.S.C.. 4. Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte: Deve, ou não, ser indeferido - por existência de erro na forma do processo - o inquérito judicial peticionado e fundado nos artºs 67º do CSC e 1479º e sgs. do CPC, devido à existência de incompatibilidade processual formal entre estas duas ordens de preceitos. 5. Os factos a atender são os resultantes do relatório supra. 6. Apreciando. 6.1. O Sr. Juiz a quo fundamentou a sua decisão no seguinte discurso argumentativo: «Estipula o n°1, do art. 1479°, do C.P.C., que “o interessado que pretenda a realização de inquérito judicial á sociedade, nos casos em que a lei o pernita, alegará os fundamentos do pedido de inquérito, indicará os pontos de facto que interesse averiguar e requererá as providências que repute convenientes. Por sua vez prescreve o nº2 do artº 1480º, do referido diploma que se for ordenada a realização de inquérito à sociedade, o juiz fixará os pontos que a diligência deve abranger, nomeando o perito ou peritos que deverão realizar a investigação, aplicando-se o disposto quanto á prova pericial”. Acrescenta o nº1 do artº 1482º do referido diploma que “concluído o inquérito, o relatório do investigador e notificado ás partes; e, realizadas as demais diligências necessárias, o juiz profere decisão, apreciando os pontos de facto que constituíram os fundamentos do inquérito”. … Estipula. por sua vez, o n° 1, do art. 67º do C.S.C.. que “se o relatório de gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas não forem apresentados nos dois meses seguintes ao termo do prazo fixado no artigo 65º n°5, pode qualquer sócio requerer ao tribunal que se proceda a inquérito.”. Acrescenta o n°2, do referido preceito e diploma, que “o juiz ouvidos os gerentes considerando procedentes as razões invocadas por estes para a falta de apresentação das contas, fixará um prazo adequado segundo as circunstâncias, para que eles as apresentem: no caso contrário nomeará um gerente administrador ou director exclusivamente encarregado de, no prazo que lhe for fixado, elaborar o relatório de gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas previstos na lei e de os submeter ao órgão competente da sociedade. Se este órgão for a assembleia geral pode a pessoa judicialmente nomeada convocá-la. No caso em apreço, atenta a causa de pedir e os pedidos formulados constata-se que o requerente instaurou o presente inquérito judicial ao abrigo do disposto no art. 1479°, do C.P.C. e no art. 67° do CS.C. (cf. artigos 8.°, 21°, 22.°, 32.°, ai. c)). Todavia, impunha-se que o requerente definisse precisamente se pretendia instaurar o inquérito judicial ao abrigo do disposto nos art°s. 1479º do C.P.C., ou dos art°s. 67° e segs., do C.S.C., dado as respectivas tramitações não serem compatíveis. Com efeito, um dos princípios fundamentais do nosso processo civil é o da legalidade das formas processuais segundo o qual os termos do processo são fixados na lei. Como corolário deste princípio temos a regra de que a cada pedido deve corresponder a forma processual adequada segundo a natureza daquele, não tendo as partes (nem o juiz) a liberdade de optar por qualquer outra (cfr., Prof. Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil, págs. 386-7). O erro na forma do processo é determinado ou aferido pelo confronto entre a pretensão que o autor formula e pretende fazer valer e o meio processual que escolhe para esse fim (cfr. Ac. da RL de 08/01/ 1982, Sum. in B.M.J. 319”, 323). Ora nos artºs. 67° e segs., do C.S.C., regula-se a tramitação processual desta espécie de Inquérito, a qual constitui processo especial diverso do inquérito previsto nos art”s. 1479° e segs., do CP.C. e que tem finalidade algo diferente e tramitação manifestamente incompatível (cf., neste sentido, Ac. da R.L., de 1/12/1992, in C.J-, tomo V, págs. 148 a 150 ), daí que atenta a forma corno está configurado o inquérito judicial não se justifica o prosseguimento dos autos. Assim sendo, atento o estado dos autos e com ordem a evitar a prática de actos inúteis. Impõe-se, desde já, proferir decisão. Nos termos vistos e face ao exposto, não ordeno a realização do solicitado inquérito Judicial.» Vejamos. Como se alcança do teor do preâmbulo do DL. 329-A/95 de 12 de Dezembro, com a reforma introduzida por este diploma pretendeu-se que: «O direito de acesso aos tribunais envolverá… a eliminação de todos os obstáculos injustificados à obtenção de uma decisão de mérito…privilegiando-se assim claramente a decisão de fundo sobre a mera decisão de forma». Para este efeito: «Ter-se-á de perspectivar o processo civil como um modelo de simplicidade e concisão, apto a funcionar como um instrumento, como um meio de ser alcançada a verdade material pela aplicação do direito substantivo e não como um esteriótipo autista que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a justiça, afinal o que os cidadãos apenas pretendem quando vão a juízo». Este entendimento está presentemente plasmado em vários normativos legais, como sejam o artº 265º do CPC o qual e em resumo, confere ao juiz poderes para providenciar pelo andamento regular e célere do processo, ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, o que pode passar pela promoção oficiosa das diligências pertinentes para a regularização da instância e pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, o artº 265-A que impõe ao juiz, nos casos em que a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa, as adaptações e a prática de actos que melhor se ajustem ao fim de certo processo, atento o pedido nele formulado e o artº 266º que impõe que os intervenientes processuais cooperem entre si, podendo o juiz ouvir as partes, convidando-as a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que julgue pertinentes. Daqui decorre, desde já, e contrariamente ao que parece transparecer da decisão recorrida, que o princípio da legalidade atinente à forma do processo e ao seu ritualismo, não deve ser interpretado ou perspectivado de um modo absoluto e dogmático, mas antes plástica e atomisticamente, atentas as circunstancias de cada caso concreto e sempre com a interiorização dos fitos primordiais que se pretendem atingir com a legislação adjectiva, quais sejam a obtenção da justiça material, a qual apenas pode ser conseguida com a prolação de decisão de mérito, a prolactar, de preferência, no mais curto lapso de tempo e com a máxima contenção em termos de dispêndios materiais e humanos. Certo que é pelo pedido formulado que se aquilata do acerto ou do erro da forma de processo escolhida pelo autor. Isto é, o critério de aferição da propriedade ou impropriedade da forma de processo reside em apurar se o pedido formulado se harmoniza com o fim para que foi estabelecida a forma processual empregue pelo autor. Só havendo erro na forma do processo quando este não se coaduna com o pedido formulado na acção.– cfr. Acs. da RL de 29.04.2004, 13.07.2005 e do STJ de 14.12.2006, dgsi.pt, p.2821/2004-2, p.6322/2005-6 e.p.06B3684, respectivamente. Porém, só há erro na forma do processo quando o autor para, fazer valer a sua pretensão, usa de uma forma de processo palmarmente inadequada – cfr. Ac. do STJ de 30.06.1988, p.07639. Ou seja, tanto no despacho inicial como em momento posterior, o erro na forma de processo só exclui o aproveitamento da petição inicial quando esta, nos seus aspectos formais e substanciais, for, de todo, desajustada ao tipo processual que deva ser seguido. Não se verificando tal, e mesmo que ocorra o referido erro, o requerimento inicial não deve ser indeferido liminarmente, antes deve o Tribunal aproveitá-lo, determinando que se siga a tramitação processual adequada em conformidade com o prescrito no artigo 199.º do Código de Processo Civil – cfr Acs. do STJ de 28.10.1993 e da Relação de Lisboa de 21.09.2006, dgsi.pt, p.084286 e p. 4926/2006-8. 6.2. No caso vertente não assiste, meridianamente, razão ao Sr. Juiz a quo. Em primeiro lugar, e contrariamente ao por ele expendido, as tramitações do artºs 1479º e sgs. do CPC e do artº 67º do C.S. Com. não são incompatíveis. Tal resulta desde logo da inserção sistemática do artº 1479º que está incluído na secção XVII e na subsecção I, as quais têm, respectivamente as epígrafes “Exercício de Direitos Sociais” e “Do Inquérito Judicial à Sociedade”. Aquela tramitação do artº 1479º é a tramitação geral na qual a tramitação do artº 67º, como especial, se inclui. Assim, será esta a tramitação a seguir, em tudo o que nela esteja regulado, sem prejuízo de poder ser colmatada ou complementada por aquela prevista no artº 1479º - neste sentido, cfr. Abílio Neto, Código das Sociedades Comerciais, 3ª ed. p.234. (Questão diferente é a relação entre o artº 67º e o artº 1014º do CPC que prevê a prestação de contas. Aqui sim, aquele preceito substituiu, in totum, este. De tal modo que a prestação de contas da gerência da sociedade comercial apenas pode ser exigida ao abrigo daqueloutro). Em segundo lugar, mesmo que se verificasse tal incompatibilidade e uma vez que o requerente fundamentou, juridicamente – e bem, como se viu - a sua pretensão tanto no artº 67º como no artº1479º, uma de duas, no que concerne à actuação do Sr. Juiz: Ou mandava seguir o processo de acordo com a tramitação que entendesse adequada, pois que, porque de jure novit cúria, ao juiz compete sempre a última palavra sobre a aplicação e interpretação do direito. Ou, por apelo aos princípios da cooperação e/ou do inquisitório – cfr. artºs 265º nº1 e 266º do CPC – mandava notificar o requerente para esclarecer a sua posição e optar pelo regime jurídico pertinente. O que, aliás, deveria fazer logo em sede de despacho liminar e não em sede de despacho saneador. O que não se verificou, antes pelo contrário, pois que como se alcança a fls. 83, naquele despacho ordenou a citação dos requeridos. Sendo certo que, em todo o caso, logo neste despacho inicial deveria ser decidido mesmo no sentido em que o fez posteriormente e ora colocado em crise, pois que, se o seu entendimento vingasse, a tramitação entretanto decorrida se revelaria inútil e causadora de despesas improfícuas. Em terceiro lugar mesmo que se verificasse o erro na forma do processo, sempre a petição e mesmo os actos posteriores – citação – poderiam ser aproveitados para qualquer das tramitações do CSCom. ou do CPC – se autónomas e estanques fossem, que não são como se viu - pois que ambos os preceitos, pelo menos até esta fase do processo, admitem o mesmo acto e visam a mesma finalidade, a saber, o nº2 do artº 67º estatui que: «o Juiz ouve os gerentes, administradores ou directores…» e o nº2 do artº 1479º prescreve que: «são citados para contestar, a sociedade e os titulares de órgãos sociais…». Não havendo assim necessidade de anular qualquer acto já que os praticados poderiam ser aproveitados para qualquer tramitação. Finalmente sempre se dirá que se o vício que se pretendeu constatar na primeira instância existisse, ele seria apenas fundamento para uma decisão processual formal: absolvição da instância – artº 288º nº1 al. b) do CPC - e não de uma decisão de fundo: indeferimento do pedido, como foi feito. O que não é a mesma coisa e de somenos em termos jurídico formais, pois que acarreta consequências diversas – cfr. vg. artº 289º do CPC. 7. Deliberação. Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso e, consequentemente, na revogação da decisão, ordenar o prosseguimento dos autos de acordo com a ritologia prevista no artº 67º do Código das Sociedades Comerciais. Custas pela parte vencida a final. Porto, 2007.12.19. Carlos António Paula Moreira Maria da Graça Pereira Marques Mira António Guerra Banha |