Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0817506
Nº Convencional: JTRP00042156
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: ARMA PROIBIDA
ARMA BRANCA
Nº do Documento: RP200902040817506
Data do Acordão: 02/04/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 566 - FLS. 106.
Área Temática: .
Sumário: Não é arma proibida uma navalha de ponta e mola cuja lâmina tem 8,5 cm de comprimento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: (proc. n º 7506/08-1)
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Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
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I- RELATÓRIO
Nos autos de processo comum (Tribunal Colectivo) nº …/07.5SJPRT, a correr termos na .ª Vara Criminal do Porto, foi proferido acórdão, em 18/09/2008 (fls. 81 a 92), constando do dispositivo o seguinte:
“Em face do exposto e sem necessidade de maiores considerações, o Tribunal Colectivo decide:
Julga a acusação do Ministério Público inteiramente procedente por provada e, em consequência:
1) condena o arguido B………. pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º2 al. e), 202º, al. e) 22º e 23º todos do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão;
2) Condena o arguido B………. pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2º, nº 1, al. ar), 3º, nº 2, al. e) e 86º, al. d), todos da Lei 5/2006, de 23.2 na pena de 4 (quatro) meses de prisão.
3) condena o arguido B………. na pena única de 12 (doze) meses de prisão efectiva, (aqui se englobando as penas parcelares aplicadas em 1 e 2).
4) Mais vai o arguido condenado em 5 UC de taxa de justiça e nas custas do processo, fixando-se a procuradoria em 1/3 daquela taxa, ao que acresce 1% da taxa de justiça fixada a favor do CGT – Dec. Lei 423/91 e atribuindo-se os honorários da tabela à Ilustre defensora, a adiantar pelo CGT.
5) após trânsito, remeta certidão deste Acórdão ao processo 634/05.7gbamt, do 3º jc, do Tribunal Judicial de Amarante.
6) Boletim ao registo criminal.
7) notifique e deposite.
(…)”
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Não se conformando com esse acórdão, o arguido B………. interpôs recurso (fls. 98 a 112), formulando as seguintes conclusões:
“1- O arguido foi condenado na pena de 10 meses de prisão pelo crime de furto qualificado na forma tentada e 4 meses de prisão pelo crime de detenção de arma proibida.
2- Operado o cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 12 meses de prisão efectiva.
3- Afigura-se ao arguido que as penas parcelares que lhe foram aplicadas pecam por exagero, atenta, por um lado, a moldura penal dos crimes em apreço e, por outro lado, a prova produzida em sede de audiência de julgamento, que foi dada como provada, bem como toda a demais que foi carreada para os autos, nomeadamente o relatório social, mostra-se insuficiente.
4- Entende o arguido que a punição que lhe deve ser aplicada deverá conter-se, quanto ao crime de furto qualificado na forma tentada, nos 5 meses de prisão, e
5- pela pena de multa quanto ao crime de detenção de arma proibida.
6- Em qualquer caso, a pena de prisão deverá ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade e pela sujeição do mesmo a uma medida de carácter probatório.
7- Se assim não se entender, então deverá a execução da pena de prisão ser suspensa pelo período de 3 anos, cumulada com uma medida de carácter probatório.
8- Ao contrário do que foi entendido pelo Tribunal a quo, salvo o devido respeito, afigura-se-nos que a pena efectiva que foi aplicada ao arguido não cumpre com uma das suas finalidades, qual seja a da reintegração do arguido na sociedade.
9- pelo que o acórdão recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que aplique ao arguido uma das sanções supra referidas.
10- Em abono deste entendimento, cumpre tecer algumas considerações factuais com relevo para a decisão da causa.
11- Desde logo o arguido não compareceu à audiência de julgamento, tendo sido julgado na sua ausência.
12- Sob o título “Enquadramento jurídico-penal” o tribunal a quo dá como provado que “… o arguido sabia que a detenção de tal arma era proibida e como tal criminalmente punida”.
13- Salvo o devido respeito, a esta conclusão não podia o tribunal a quo chegar, posto que nenhuma prova foi produzida neste sentido, mormente pelo facto do arguido ter sido julgado na sua ausência.
14- Embora o tribunal tenha dado como provado que o arguido tinha na sua posse uma navalha de ponta e mola e um canivete, não resultou provado que o mesmo os tenha usado para os fins de penetrar no imóvel pertencente ao ofendido.
15- Antes pelo contrário, o que ficou provado é que o arguido tinha tais instrumentos no bolço das calças, de onde lhe foram retirados pelo agente da PSP chamado ao local.
16- Muito menos usou tais objectos quando foi interceptado pelo ofendido que o impediu de sair de casa e chamou a polícia.
17- Desta realidade retira-se ou podem retirar-se várias conclusões, uma das quais, a de que o arguido não tem instintos homicidas, sequer agressivos.
18- De contrário, quando foi interceptado pelo ofendido, teria usado tais instrumentos para agredir ou intimidar este com o objectivo de fugir do local e não ser apanhado.
19- Realidade que não se verificou, tendo o arguido permanecido calmo e sem esboçar qualquer tipo de agressividade para com o ofendido, esperando a chegada das autoridades policiais.
20- Retira-se, ainda, a conclusão que o arguido não constitui uma ameaça que se possa considerar relevante para a sociedade na eventual prática de crimes violentos.
21- Foi dado como provado que o arguido, aquando da prática dos factos constantes da acusação, era toxicodependente.
22- Que se submeteu a diversas tentativas de desintoxicação, mas que resultaram infrutíferas.
23- Esta realidade denota, antes do mais, vontade por parte do arguido de deixar o mundo da droga.
24- O que por si só é de enaltecer e valorar positivamente.
25- Mas que o tribunal a quo não lhe deu a importância e relevância devida para a escolha da medida da pena.
26- Tanto mais que, desde o mês de Julho de 2008, o arguido iniciou o tratamento à toxicodependência no C………. (CRI) de Viseu, onde se desloca mensalmente e cumpre, desde Julho, um programa diário de substituição à base de metadona na extensão de saúde de ………. .
27- Esta factualidade demonstra bem a vontade que o arguido tem de deixar a dependência da droga.
28- Não se afigura à defesa que a reclusão do arguido em estabelecimento prisional contribua positivamente para a sua recuperação e ressocialização, antes a poderá agravar.
29- Conforme se alcança do Relatório Social junto aos autos, quanto à sua situação jurídico-penal, o arguido “… encara com preocupação, temendo que uma eventual condenação em meio prisional, possa gerar mal-estar junto dos progenitores que o têm auxiliado no processo de tratamento da toxicodependência”.
30- Esta realidade é sintomática da vontade e determinação com que o arguido está a tentar deixar a droga.
31- Apesar de não ter emprego, certo é que o arguido ajuda os pais no amanho das terras e tem conhecimentos e capacidade para desempenhar várias funções laborais.
32- Vive com seus pais em condições que podem potenciar a sua inserção na sociedade.
33- No Relatório Social é afirmado que “Na eventualidade do arguido vir a ser condenado no âmbito deste processo e ponderando a actual moldura penal, existem condições suficientes para o mesmo ser sujeito a uma medida de carácter probatório (com especial ênfase na manutenção do tratamento a nível da toxicodependência) e com a supervisão da Direcção Geral de Reinserção Social, se o tribunal o tiver por conveniente.”
34- Esta conclusão e sugestão é sintomática de que o arguido poderá e deverá ser punido com uma medida não privativa de liberdade.
35- Dando-lhe a oportunidade de levar até ao fim o tratamento à toxicodependência e, ao mesmo tempo, permitir-lhe a sua completa inserção no meio social e laboral.
36- Estando mais que provado que a toxicodependência constitui factor principal para a delinquência, enclausurar o arguido com 28 anos de idade em instituição prisional não se afigura a medida mais adequada no caso concreto.
37- E, como é também por demais sabido, não têm sido as prisões que têm reabilitado toxicodependentes.
38- Em muitos casos até potenciam a dependência da droga.
39- Tal como na maior parte dos casos acabam por não reabilitar e preparar os reclusos para o mundo laboral e para a convivência em sociedade, antes são conduzidos para as malhas da criminalidade, posto serem vistos como criminosos ou ex-criminosos, não lhes sendo facilitada minimamente a possibilidade de conseguirem trabalho e de iniciar uma vida inserida nas comunidades.
40- Face a estas realidades, afigura-se ao arguido que as considerações e conclusões que o tribunal a quo tece e tira sobre a suspensão da execução da pena e sobre a substituição da pena por prestação de trabalho a favor da comunidade, não devem merecer acolhimento no caso concreto.
41- As exigências de prevenção geral no caso sub judice são perfeitamente asseguradas com pena não privativa de liberdade. E,
42- a prevenção especial com vista a satisfazer as exigências de socialização e reintegração na comunidade do arguido são melhor conseguidas com pena não privativa de liberdade do que a sua clausura em estabelecimento prisional.
43- Face ao exposto, resulta erro notório na apreciação da prova por parte do tribunal a quo – ut. al. c) do nº 2 do art. 410 do Código Penal.”
Termina pedindo o provimento do recurso.
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Respondeu o Ministério Público (fls. 117 a 122), pugnando pelo não provimento do recurso.
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Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (fls. 128 e 129), concluindo pelo não provimento do recurso.
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Foi cumprido o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
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No acórdão sob recurso foram considerados provados os seguintes factos:
“1. No dia 25 de Julho de 2007, pelas 11h20, o arguido dirigiu-se à residência do ofendido D………., sita na Rua………., nº …, ………., no ………., no Porto.
2. O arguido levava consigo, no interior das calças que trazia vestidas, uma navalha de ponta e mola de abertura lateral e mecanismo de segurança com estrutura em metal e aplicações no cabo em madeira castanha e metal doirado com 21 cm de comprimento, dos quais 8,5 cm correspondem à lamina em aço, instrumento que sabia ser de detenção e porte proibidos.
3. Levava ainda um canivete multiusos de 8,5 cm de comprimento, sendo que destes 4 cm eram em lâmina de aço, instrumentos adequados à abertura de fechaduras.
4. Uma vez no local, o arguido trepou o muro que divide a residência do ofendido das demais residências contigua àquela, assim logrando aceder ao seu quintal.
5. Em seguida, dirigiu-se à porta traseira da residência do ofendido e aproveitando o facto da mesma se encontrar apenas fechada com o trinco, logrou introduzir-se no seu interior, sem o seu consentimento ou conhecimento e contrariamente à vontade do ofendido.
6. Após percorrer várias divisões da mencionado habitação resolveu lançar mão e fazer sua uma carteira em pele no valor de € 5,00, contendo no seu interior a quantia de € 110,00 em notas e moedas do Banco Central Europeu, pertencente ao pai do D………. .
7. No momento em que o arguido se preparava para abandonar a mencionada residência na posse da referida carteira foi interceptado pelo ofendido que o impediu de sair e chamou a policia.
8. Agiu o arguido livre, voluntária e conscientemente ao actuar da forma sobredita bem sabendo que retirava do interior da residência do ofendido, onde havia entrado sem conhecimento e contra vontade deste, quantia monetária que sabia não lhe pertencer e que o fazia contra vontade daquele, com intuito de a fazer sua, só não tendo logrado alcançar os seus intentos por ter sido atempadamente descoberto e impedido pelo ofendido D………. .
9. Agiu livre, voluntária e conscientemente ao deter a mencionado navalha no bolso das calças que trazia vestidas, bem sabendo que se tratava de arma de uso e porte proibidos.
10. Mais sabia o arguido que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
11. os objectos referidos em 6. foram recuperados.

No que concerne às condições pessoais do arguido provou-se que:
12. O arguido é o mais novo de cinco irmãos, um dos quais já falecido.
Cresceu em contexto económico favorável, resultante de receitas auferidas pelos progenitores enquanto proprietários de prédios agrícolas onde cultivavam vinha, oliveiras e amendoeiras.
O relacionamento intra-familiar era positivo, predominando uma relação afectiva forte entre o arguido e o irmão mais velho, B………. que acompanhava ao estrangeiro frequentemente na actividade de transporte de veículos pesados.
Porém, a morte deste irmão ocorrida ainda na adolescência do arguido causou-lhe forte instabilidade emocional, tendo iniciado pouco tempo depois os consumos de estupefacientes.
Nesse período abandonou a frequência da escola, sem concluir o 7º ano de escolaridade.
As primeiras experiências laborais ocorreram no sector agrícola em quintas da região duriense, transitando posteriormente para o sector da construção civil, como manobrador de máquinas em Viseu e em Lisboa.
Durante alguns anos o seu modo de subsistência foi alternando de forma descontínua, entre campanhas da fruta em França e rentabilização das suas competências como manobrador de máquinas em obras públicas na Suíça e em Portugal.
Nos últimos cinco anos o seu estilo de vida degradou-se, agravando os consumos de drogas, com várias tentativas infrutíferas de desintoxicação, entregando-se esporadicamente a arrumar carros em Amarante e no Porto, para obter receitas para a aquisição de estupefacientes.
À data dos factos o arguido residia com os progenitores em ………., ausentando-se com frequência da casa dos pais para o Porto onde adoptava um modo de vida desestruturado, associado a intensos consumos de heroína e cocaína sob a forma fumada e injectada.
Actualmente, o arguido integra o agregado dos pais, na sua residência com condições de comodidade e dispondo de infra estruturas básicas.
Não tem trabalho certo.
Restringe o seu quotidiano à ajuda dos pais ocasional na exploração dos terrenos agrícolas, dependendo a sua subsistência daqueles.
Ao nível afectivo, o arguido tem uma filha com sete anos de idade a residir em França, fruto de uma relação esporádica já finda, com quem não mantém contactos há vários anos.
Em Junho iniciou tratamento de toxicodependência no C………. em Viseu, onde se desloca mensalmente, e cumpre desde Julho programa diário de substituição à base de metadona na extensão de saúde de ………. .
Na comunidade, o arguido tem uma imagem negativa, conotado com consumos de drogas e práticas desviantes dai decorrentes.
A única actividade profissional conhecida é na agricultura, nos terrenos dos pais, sendo esta ocasional.
É reconhecida alguma incapacidade aos pais para transmitirem regras de comportamento ao arguido.
O arguido cumpriu 266 dias de prisão à ordem do …/04.7 no EPR de Lamego no período compreendido entre 14.2.2006 a 6.11.2006.
Tem pendentes em fase de inquérito os processos nºs ../07.1gasjp e ../08.0gasjp.
Encara a situação jurídico penal com preocupação, temendo que uma eventual condenação em meio prisional possa gerar um mal estar junto dos progenitores que o têm auxiliado neste processo de tratamento de desintoxicação.
O arguido adquiriu competências como manobrador de máquinas que não soube rentabilizar em resultado dos hábitos aditivos que foi acumulando ao longo dos anos ao nível da toxicodependência.
Tem poucas habilitações académicas.
Tem apoio dos pais, que são agricultores por conta própria, com quem reside e trabalha, carecendo de fonte de subsistência que lhe permita autonomização.
A sua inserção na comunidade apresenta-se desgastada em face dos vários ilícitos que cometeu e também por causa da passagem pelo estabelecimento prisional, vigorando por parte dos progenitores uma excessiva permissividade.
Existem condições para o arguido ser condenado a uma medida de carácter probatório com supervisão da Direcção Geral de RI.

Quanto aos antecedentes criminais do arguido resultou provado que:
13. do certificado de registo criminal junto aos autos e referente ao arguido consta que:
- por factos praticados em 3.12.1999 foi o arguido julgado e condenado no âmbito do PCS que correu termos com o numero ../99, no Tribunal de S. João da Pesqueira e condenado como autor de um crime de furto qualificado na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de pte 350$00, num total de PTE 70.000$00.
-por factos praticados em 29.6.997 foi julgado no âmbito do pcs ../99, no TSJP e condenado em pena de multa pela autoria de um crime de furto simples.
-por facto praticados em 19.1.2004 foi o arguido julgado no âmbito do PCS …/04.7 que correu termos no .º JC do TPR e condenado pela autoria de um crime de falsidade de depoimento ou declaração na pena de 400 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, num total de € 1.200,00.
- por factos praticados em 6.7.2005 foi julgado no âmbito do PC …/05.7gbamt, que correu termos no .º JC do TJA e condenado pela autoria de um crime de furto qualificado na forma tentada na pena de dois anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de três anos.”

Quanto aos factos dados como não provados consignou-se o seguinte:
“a. que a carteira tivesse o valor de € 35,00.
b. que a carteira e quantia monetária fossem pertença do ofendido D………. .”

Da respectiva motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto, fez-se constar o seguinte:
“A convicção do tribunal fundou-se no conjunto da prova produzida com recurso às regras de experiência comum, nomeadamente:
- nas declarações do ofendido D………. que, de forma isenta, imparcial e coerente confirmou ter encontrado o arguido no interior da sua residência com a carteira do seu pai, no valor de €5,00 e no seu interior a quantia de € 110,00.
- Mais esclareceu que o arguido não danificou nada, tendo acedido ao interior da sua residência pela porta das traseiras que habitualmente ficava apenas fechada com o trinco, tendo para o efeito saltado o muro que separa o seu quintal do terreno dos vizinhos.
- nas declarações de E………., agente da PSP que foi chamado ao local pelo ofendido D………. e confirmou que o arguido se encontrava no interior da residência acompanhado do ofendido. Mais esclareceu que encontrou uma navalha de ponta e mola e um canivete multiusos no bolso das calças que o arguido trazia vestidas.
- foram tidos em conta os autos de noticia – fls. 3, de apreensão, a fls. 6 e de exame e avaliação a fls. 22.
- O certificado de registo criminal junto a fls. 61 e bem assim o relatório social a fls. 61 e ss.

Quanto aos factos não provados:
- Assentaram nas declarações do ofendido D………. que, de forma convincente, por desinteressada e coerente, esclareceu em sede de audiência de julgamento o valor da carteira, referindo ser de € 5,00 e que a mesma pertencia ao seu pai, bem assim como a quantia que se encontrava no seu interior.”

Quanto à fundamentação da medida da pena consignou-se:
“A moldura abstracta está balizada entre 1 (um) mês e 64 (sessenta e quatro) meses de prisão (ex vi da atenuação especial cominada pelo cit. art. 23º-2 do Cód. Penal e do disposto nas alíneas a) e b) do nº 1 do art. 73º do mesmo diploma), está em conformidade com os critérios de determinação da pena concreta enunciados no art. 71º, nºs 1 e 2, do Cód. Penal.
2. O crime de detenção de arma proibida é punido com pena de prisão ate 3 anos ou pena de multa ate 360 dias.
Porque prevê este tipo pena alternativa, cumpre, desde logo, escolher a pena aplicável, de acordo com os critérios do artigo 70º, do Código Penal.
Em conformidade com este artigo, a escolha da pena deve ser feita dando preferência à pena não privativa da liberdade sempre que esta se mostre suficiente para promover a recuperação social do delinquente e satisfaça as exigências de prevenção do crime.
Em função deste critério, tendo em conta que a detenção de armas é cada mais frequente, sendo que os efeitos que dai resultam são nefastos, gerando grande insegurança na comunidade, sem descurar que o arguido tem já varias condenações criminais, entende o tribunal que apenas a pena de prisão satisfaz cabalmente as exigências de reprovação e prevenção do crime.
Feita a opção pela pena de prisão, cabe determinar em concreto a pena para cada crime.
Nos termos do artigo 40º do Código Penal, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (n.º1). Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
As finalidades da punição são, pois, as consideradas no citado artigo 40º do Código Penal: protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade. Estas finalidades são complementares no sentido de que não se excluem materialmente, havendo sempre que encontrar um justo equilíbrio na sua ponderação (cfr. Ac. do S.T.J de 10-12-1997, Proc.º n.º 916/97, 3ª secção).
Com a determinação que sejam tomadas em consideração as exigências de prevenção geral procura dar-se satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em conta, de igual modo, a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos.
E com o recurso à vertente da prevenção especial almeja-se satisfazer as exigências da socialização do agente, com vista à sua reintegração na comunidade (Ac. do S.T.J. de 4-7-1996, Col. de Jur.- Acs. do S.T.J., ano IV, tomo 2, pág. 225).
A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente: entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (Ac. do S.T.J. de 15-10-1997, Proc.º n.º 589/97, 3ª secção).
É também esta, em síntese, a lição do Prof. Figueiredo Dias (“O Código Penal Português de 1982 e a sua reforma”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Fasc. 2-4, Dezembro de 1993, págs. 186-187).
Dando concretização aos vectores enunciados, o n.º 2 do artigo 71º do Código Penal enumera, exemplificativamente, uma série de circunstâncias atendíveis para a graduação e determinação concreta da pena, que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente.
Assim, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, será feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção - artigo 71º, n.º1 do Código Penal).
Estas últimas, revelam-se muito acentuadas na vertente da prevenção geral. Situações como estas criam na sociedade uma forte sensação de insegurança, sendo violado o que mais seguro pretendem que seja, a sua casa.
Serão igualmente tidas em consideração todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele Ter-se-á, assim, em consideração:
o grau de ilicitude do facto aferido desde logo pelo valor não muito elevado das coisas furtadas;
- embora o grau de censura ético-jurídica de que o arguido é merecedor seja, aparentemente, elevado, atenta a circunstância de já ter sido condenado pela prática de crimes da mesma natureza, e não obstante lhe ter sido dado um voto de confiança, suspendendo a execução da pena de prisão, o mesmo voltou a reincidir, impõem-se atender ao facto de, à data do crime, ser toxicodependente, o que faz, necessariamente, diminuir aquele grau de censura, porquanto tal circunstância diminui a capacidade de determinação livre da vontade.
- a intensidade do dolo - o arguido agiu com dolo directo
- Acresce o facto dos objectos terem sido recuperados, de nada ter sido danificado.
Ainda o arguido estar actualmente em tratamento de desintoxicação.
Tudo devidamente ponderado, fazendo uso de um critério de razoável proporcionalidade e sem esquecer que, e na esteira do que foi defendido por Beleza dos Santos, mas sempre actual, “a tranquilidade pública só deverá considerar-se convenientemente restabelecida quando a pena for um justo castigo, um adequado meio de intimidação e um conveniente processo de regeneração do delinquente” (Rev. de Leg. e Jur., ano 78º, pág. 26), afigura-se necessária e adequada a pena de 10 (dez) meses de prisão para o crime de furto qualificado tentado e 4 (quatro) meses de prisão para a detenção de arma proibida.
Em cumulo jurídico das penas a pena única de 12 (doze meses) de prisão.
Da Suspensão da execução da pena.
O artigo 50º do Código Penal atribui ao tribunal o poder-dever de suspender a execução da pena de prisão não superior a cinco anos, sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo e prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido (cfr. Figueiredo Dias, “Velhas e novas questões sobre a pena de suspensão da execução da pena”, Rev. de Leg. e Jur. ano 124º, pág. 68).
Como justamente se salientou no Ac. do S.T.J. de 8-5-1997 (Proc.º n.º 1293/96) “ factor essencial à filosofia do instituto da suspensão da execução da pena é a capacidade da medida para apontar ao próprio arguido o rumo certo no domínio da valoração do seu comportamento de acordo com as exigências do direito penal, impondo-se-lhe como factor pedagógico de contestação e auto-responsabilização pelo comportamento posterior; para a sua concessão é necessária a capacidade do arguido de sentir essa ameaça, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer a vontade de delinquir”.
No caso do arguido B………., considerando por um lado que o mesmo teve já varias condenações por crimes contra o património, tendo inclusivamente beneficiado da suspensão da execução de pena de prisão por factos praticados antes dos ora em apreciação, e cuja decisão foi por este antes conhecida e tal não se mostrou suficiente para o afastar da pratica de novos delitos.
Ao que cresce que o arguido não tem trabalho regular, ajudando os pais ocasionalmente na agricultura, não tem meios de subsistência que lhe permitam autonomizar-se, factos que não permitem formular um juízo de prognose favorável, razão pela qual não se suspende a execução da pena, devendo o arguido cumprir pena efectiva.
Substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade:
De acordo com o artigo 58.º, n.º 1, do Código Penal[1] – a pena de prisão de medida não superior a 2 anos pode [e deve] ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade “sempre que [o tribunal] concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Trata-se de um poder-dever que vincula o tribunal a apreciar a aplicação desta medida sempre que se mostrem preenchidos os pressupostos legais da sua admissão – ver acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Junho de 2007 No caso vertente apenas a pena de prisão satisfaz as necessidades de prevenção que como supra referimos são elevadas.”
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II- FUNDAMENTAÇÃO
O recurso interposto pelo arguido, demarcado pelo teor das suas conclusões (art. 412 nº 1 do CPP), suscita a apreciação das seguintes questões:
1ª - Apurar se ocorre qualquer dos vícios previstos no art. 410 nº 2 do CPP, mormente o do erro notório na apreciação da prova;
2ª - Ponderar se as penas, individuais e única, aplicadas ao recorrente são excessivas.
Passemos então a apreciar cada uma das questões colocadas no recurso aqui em apreço.
1ª Questão
Invoca o recorrente que se verifica o vício previsto no art. 410 nº 2-c) do CPP por o tribunal a quo ter dado como provado, quanto à navalha de ponta e mola que lhe foi apreendida, que “sabia que a detenção de tal arma era proibida e como tal criminalmente punida”, uma vez que não foi produzida qualquer prova nesse sentido, sendo certo que o julgamento foi feito na sua ausência.
Por isso conclui (embora de forma pouco clara, mas de todo o modo perceptível) que, nesse aspecto, houve erro notório na apreciação da prova produzida em julgamento.
Pois bem.
Dispõe o art. 410 nº 2 do CPP:
Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
Assim, os vícios do art. 410 nº 2 do CPP (que são de conhecimento oficioso[2]), têm forçosamente de resultar do texto da decisão recorrida na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo possível, para a sua demonstração, o recurso a elementos externos à decisão, como sucede no caso de “declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo no julgamento”[3].
O erro notório na apreciação da prova (art. 410 nº 2-c) do CPP) “constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio. A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da "experiência comum". Na dimensão valorativa das "regras da experiência comum" situam-se, por seu lado, as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta.”[4]
Ora, compulsado o texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, este Tribunal da Relação detecta erro notório na apreciação da prova, não só quanto à questão suscitada pelo recorrente (uma vez que, pela legislação em vigor à data dos factos não se poderia considerar aquela navalha de ponta e mola como arma proibida, como adiante melhor se explicará), como também erro na análise do CRC do arguido (uma vez que apenas sofreu 3 e não 4 condenações como foi dado como provado, invocando-se, na fundamentação de facto, a análise do CRC do arguido).
É certo que o recorrente não impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do art. 412 nº 3 e 4 do CPP, no entanto, este Tribunal dispõe dos elementos necessários para, nos termos dos arts. 428 e 431-a) do CPP, corrigir o vício apontado nas vertentes indicadas.
Vejamos então.
a) Quanto à natureza da arma branca (navalha) detida pelo arguido
Consta da decisão proferida sobre a matéria de facto apurada (além do mais) que, em 25/7/2007, o arguido detinha “uma navalha de ponta e mola de abertura lateral e mecanismo de segurança com estrutura em metal e aplicações no cabo em madeira castanha e metal doirado com 21 cm de comprimento, dos quais 8,5 cm correspondem à lamina em aço, instrumento que sabia ser de detenção e porte proibidos” (ponto 2 dos factos dados como provados), que “agiu livre, voluntária e conscientemente ao deter a mencionado navalha no bolso das calças que trazia vestidas, bem sabendo que se tratava de arma de uso e porte proibidos” (ponto 9 dos factos dados como provados) e que também tinha conhecimento “que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei” (ponto 10 dos factos dados como provados).
No entanto, da legislação que regulamenta o novo regime das Armas e suas Munições, aprovada pela Lei nº 5/2006, de 23/2 (em vigor à data dos factos), não se pode concluir que a navalha em questão seja de detenção e porte proibidos.
Com efeito, segundo a definição constante do art. 2, n.º 1, alínea l) da citada Lei nº 5/2006, «Arma branca» é “todo o objecto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante ou perfurante de comprimento igual ou superior a 10 cm ou com parte corto-contundente, bem como destinado a lançar lâminas, flechas ou virotões, independentemente das suas dimensões”.
Por sua vez, no art. 2 nº 1-ar) da mesma Lei, a «Faca de abertura automática ou faca de ponta e mola» é definida como sendo “a arma branca composta por um cabo ou empunhadura que encerra uma lâmina, cuja disponibilidade pode ser obtida instantaneamente por acção de uma mola sob tensão ou outro sistema equivalente”.
Ou seja, nem todo o objecto ou instrumento portátil que seja dotado de uma lâmina (como é o caso da navalha em questão nos autos), mesmo possuindo sistema de abertura automática ou dispositivo dito de “ponta e mola”, pode ser classificado como “arma branca proibida” susceptível de integrar o crime previsto no art. 86 nº 1-d)[5] da citada Lei nº 5/2006.
Mesmo antes da entrada em vigor da Lei nº 5/2006, não obstante a divisão jurisprudencial que se gerou nessa matéria (sobre a proibição ou não de armas brancas sem disfarce), nem todas as armas brancas eram consideradas proibidas.
Entendia-se (na tese que fez vencimento e veio a ser adoptada no Ac. do fixação nº 4/2004[6]), já no domínio do Código Penal na versão aprovada pelo DL nº 400/82, de 23/9, que no que respeita à detenção, uso e porte de armas brancas, eram proibidas (nos termos do art. 260 desse código) aquelas que caíam no âmbito do art.3 nº1-f) do DL nº 207-A/75, de 17/4[7], ou seja, as que tinham disfarce[8].
Por isso, nessa tese também se defendia que o art.3 nº1-f) do cit. DL 207-A/75 não abrangia as armas brancas sem disfarce.
De resto, havia igualmente jurisprudência que, fazendo apelo ao art. 9 do Regulamento aprovado pelo DL 37.313 de 21/2/49 (agora expressa e totalmente revogado pelo art. 118-a) da Lei nº 5/2006) para encontrar um critério objectivo para o efeito, concluía que as armas brancas que se deviam considerar englobadas no art. 3 nº 1-f) do cit. DL 207-A/75 (também agora revogado expressa e totalmente pelo art. 118-c) da Lei nº 5/2006) eram as que tivessem uma lâmina com 15 ou mais centímetros de comprimento, medidas do rebordo do cabo.
Devido à referida divisão nessa matéria, foi então publicado o Ac. do STJ nº 4/2004 que fixou jurisprudência no seguinte sentido: «Para efeito do disposto no artigo 275.º nº 3 do Código Penal, uma navalha com 8,5 cm ou 9,5 cm de lâmina só poderá considerar-se como arma branca proibida, nos termos do artigo 3.º, n.º1, alínea f) do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril, se possuir disfarce e o portador não justificar a sua posse.»
Ora, o legislador, conhecedor da referida jurisprudência, resolveu introduzir um critério objectivo na definição de “arma branca”, para efeitos da Lei nº 5/2006, assim exigindo que esse tipo de arma fosse dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante ou perfurante de comprimento igual ou superior a 10 cm.
Obviamente que sempre que se referiu, em qualquer disposição da Lei nº 5/2006, a “arma branca” teve presente a definição que fez constar do art. 2 nº 1-l) do mesmo diploma legal.
Aliás, só assim se pode compreender a técnica legislativa utilizada no diploma em questão, quando inicialmente apresentou uma série de definições de conceitos utilizados no regime estabelecido relativo a Armas e Munições.
Dessa forma tornou coerente a nova regulamentação sobre essa matéria, uniformizando conceitos e definições que forneceu nas primeiras normas, assim criando uma adequada harmonia no novo regime adoptado para Armas e Munições.
Por isso, as referências a “arma branca” constantes dos arts. 86 nº 1-d) e 2 nº 1-ar) da citada Lei nº 5/2006, tiveram em atenção a definição que consta do art. 2 nº 1-l) da mesma lei.
Nessa medida, considerando desde logo a dimensão da lâmina (8, 5 centímetros, portanto inferior a 10 centímetros) da navalha que o arguido detinha é manifesto que não pode a mesma ser classificada como “arma branca proibida”, susceptível de integrar o crime que, nessa matéria, lhe era imputado.
De resto, não se mostra suficientemente caracterizado, em termos objectivos, em que consistia o mecanismo considerado tipo “ponta e mola” uma vez que simultaneamente foi dado como provado que a navalha era de “abertura lateral e mecanismo de segurança” (o que contraria o sistema de ponta e mola, o qual é activado accionando uma mola sob tensão que faz “disparar” instantaneamente do interior do cabo e na mesma direcção deste a lâmina, que fica assim de imediato - de surpresa, permitindo a sua utilização insidiosa com uma só mão que agarra a navalha e pode encobrir o cabo - disponível): isso significa igualmente que os factos dados como provados não são suficientes para integrar sequer a definição constante do art. 2 nº 1-ar) da citada Lei nº 5/2006.
E, não sendo aquela navalha de detenção e porte proibidos, há flagrante erro notório na apreciação da prova quando o tribunal deu como provado que o arguido sabia que a sua detenção, uso e porte eram proibidos e que tinha conhecimento de que essa sua conduta era igualmente proibida e punida por lei.
Assim, por erro notório na apreciação da prova (art. 410 nº 2-c) do CPP), elimina-se da decisão proferida quanto aos factos dados como provados essa matéria susceptível de integrar o dolo no que se refere à posse, detenção e uso da mencionada navalha, a qual passa a constar dos factos não provados.

b) Quanto a antecedentes criminais
Deu-se como provado (ponto 13) que do certificado de registo criminal junto aos autos, referente ao arguido consta que:
- por factos praticados em 3.12.1999 foi o arguido julgado e condenado no âmbito do PCS que correu termos com o numero ../99, no Tribunal de S. João da Pesqueira e condenado como autor de um crime de furto qualificado na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de pte 350$00, num total de PTE 70.000$00.
-por factos praticados em 29.6.997 foi julgado no âmbito do pcs 64/99, no TSJP e condenado em pena de multa pela autoria de um crime de furto simples.
-por facto praticados em 19.1.2004 foi o arguido julgado no âmbito do PCS 140/04.7 que correu termos no .º JC do TPR e condenado pela autoria de um crime de falsidade de depoimento ou declaração na pena de 400 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, num total de € 1.200,00.
- por factos praticados em 6.7.2005 foi julgado no âmbito do PC …/05.7gbamt, que correu termos no .º JC do TJA e condenado pela autoria de um crime de furto qualificado na forma tentada na pena de dois anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de três anos.”
No entanto, compulsado esse mesmo CRC do arguido junto aos autos (fls. 61 a 64), verifica-se (como, aliás, é salientado pelo Ministério Público na resposta ao recurso) que o arguido sofreu 3 e não 4 condenações.
Com efeito, houve erro notório na apreciação dessa prova documental, o que ressalta do próprio texto da decisão sob recurso, visto que a primeira e segunda condenações ali referidas são a mesma (o erro cometido resultou não só de a data de 3/12/1999 se reportar à sentença e não aos factos como se fez constar da decisão sob recurso, como também da circunstância do nº de processo ter sofrido alteração, sendo certo que o segundo boletim se refere ao despacho que julgou extinta, pelo pagamento, a pena de multa em que o arguido fora condenado).
Impõe-se, pois, alterar o teor do ponto 13 da matéria de facto dada como provada, modificação esta que é possível, atentos os poderes de cognição da Relação e o disposto no art. 431-a) do CPP, visto que do processo consta o respectivo elemento de prova (CRC de fls. 61 a 64) que lhe serviu de base.
Assim, atento o disposto nos arts. 428 e 431-a) ambos do CPP, modifica-se a matéria de facto constante do ponto 13 dos factos dados como provados na sentença sob recurso, nos seguintes termos:
“13- O arguido sofreu as seguintes condenações:
- no Processo Comum (singular) nº 47/99 (o qual posteriormente assumiu o nº ../99.8TBSJP), que correu termos no Tribunal de S. João da Pesqueira, por sentença de 3/12/1999, o arguido foi condenado como autor de um crime de furto, cometido em 29.6.1997, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 350$00, total de 70.000$00, tendo sido por despacho de 8/5/2006 declarada extinta a pena pelo pagamento efectuado em 25/9/2002;
- no Processo Comum (singular) nº …/04.7TAPRG, que correu termos no .º Juízo do Tribunal de Peso da Régua, por sentença de 12/5/2005, o arguido foi condenado como autor de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, cometido em 19.1.2004, na pena de 400 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, ou seja no total de € 1.200,00, tendo sido por despacho de 20/11/2006 extinta a pena de multa em que foi condenado, a qual foi convertida em 266 dias de prisão subsidiária, pelo seu integral cumprimento;
- no Processo Comum (Colectivo) nº …/05.7GBAMT, que correu termos no .º Juízo do Tribunal de Amarante, por acórdão de 1/6/2006, o arguido foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, cometido em 6.7.2005, na pena de dois anos e oito meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de três anos.”
Efectuadas as modificações apontadas e, uma vez que não ocorrem quaisquer outros vícios aludidos no art. 410 nº 2 do CPP, nem qualquer nulidade de conhecimento oficioso, considera-se, com as alterações introduzidas, definitivamente fixada a decisão proferida sobre a matéria de facto.
2ª Questão
Como resulta do que já se deixou dito sobre a detenção e posse da referida navalha, dado que essa conduta do arguido não é penalmente censurável, é revogada a decisão recorrida quanto à condenação relativa ao crime de detenção de arma proibida (o que implica que o arguido seja absolvido desse crime por, nessa parte, ser improcedente a acção penal), razão pela qual deixa de subsistir a pena aplicada de 4 meses de prisão, bem como a pena única (12 meses de prisão) determinada.
Assim, a questão colocada pelo recorrente, quanto à medida da pena, apenas será ponderada relativamente à condenação que subsiste relativa ao crime de furto qualificado tentado por si cometido em autoria material.
Argumenta o recorrente que, pela prática desse crime, lhe deve ser aplicada a pena de 5 meses de prisão, a qual deverá ser substituída por Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade cumulativamente com a sujeição a medida de carácter probatório ou, se assim não se entender, deverá a sua execução ser suspensa pelo período de 3 anos com a obrigação de se sujeitar a medida de carácter probatório.
Para tanto sustenta que o tribunal a quo não ponderou uma das finalidades da pena, a saber, a da reintegração do arguido na sociedade, uma vez que não valorizou devidamente os seus propósitos de abandonar a dependência da droga, tanto mais que desde Julho de 2008 se encontra a fazer tratamento diário à toxicodependência e tem contado com o apoio dos pais para esse efeito, os quais ajuda no amanho de terras, o que mostra a sua vontade de inserção social, não obstante estar desempregado.
Acrescenta que a reclusão em estabelecimento prisional (como decidido pelo Colectivo) não contribui para a sua reinserção nem o vai reabilitar para o mundo laboral e para a convivência em sociedade, razão pela qual as exigências de prevenção geral e de prevenção especial são, neste caso, ainda asseguradas com a aplicação de uma pena não privativa de liberdade.
Importa, por isso, ponderar se a pena de 10 meses de prisão que lhe foi aplicada pelo referido crime de furto qualificado tentado é excessiva e, bem assim, se deve ou não ser substituída por outra pena não detentiva ou detentiva (neste caso portanto diferente da prisão em estabelecimento prisional) que satisfaça as finalidades da punição.
Para tanto, importa ter em atenção que, as finalidades da pena são, nos termos do artigo 40 do Código Penal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade[9].
Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para, de seguida, escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida[10].
Nos termos do artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele.
Diz Figueiredo Dias[11], que “só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. (...) Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.”
Mais à frente[12], esclarece que “culpa e prevenção são os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena em sentido estrito”.
Acrescenta, também, o mesmo Autor[13] que, “tomando como base a ideia de prevenção geral positiva como fundamento de aplicação da pena, a institucionalidade desta reflecte-se ainda na capacidade para abranger, sem contradição, o essencial do pensamento da prevenção especial, maxime da prevenção especial de socialização. Esta (…) não mais pode conceber-se como socialização «forçada», mas tem de surgir como dever estadual de proporcionar ao delinquente as melhores condições possíveis para alcançar voluntariamente a sua própria socialização (ou a sua própria metanoia); o que, de resto, supõe que seja feito o possível para que a pena seja «aceite» pelo seu destinatário - o que, por seu turno, só será viável se a pena for uma pena suportada pela culpa pessoal e, nesta acepção, um pena «justa». (…) A pena orientada pela prevenção geral positiva, se tem como máximo possível o limite determinado pela culpa, tem como mínimo possível o limite comunitariamente indispensável de tutela da ordem jurídica. É dentro destes limites que podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial - nomeadamente de prevenção especial de socialização - os quais, deste modo, acabarão por fornecer, em último termo, a medida da pena. (…) E é ainda, em último termo, uma certa concepção sobre a ordem de legitimação e a função da intervenção penal que torna tudo isto possível: parte-se da função de tutela de bens jurídicos; atinge-se uma pena cuja aplicação é feita em nome da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada; limita-se em seguida esta função pela culpa pessoal do agente; para se procurar atingir a socialização do delinquente como forma de excelência de realizar eficazmente a protecção dos bens jurídicos”.
Uma vez determinada a pena concreta, sendo aplicada pena de prisão, consoante o seu quantum, impõe-se ao tribunal determinar se é caso de a substituir por uma pena não detentiva ou por uma pena detentiva prevista na lei.
Com efeito, as penas de substituição “podendo substituir qualquer uma das penas principais concretamente determinadas (…) se não são, em sentido estrito, penas principais (porque o legislador não as previu expressamente nos tipos de crime) …[são] penas que são aplicadas e executadas em vez de uma pena principal (penas de substituição)”[14].
Ora, considerando a moldura abstracta (pena de prisão de 1 mês até 5 anos e 4 meses) prevista para o crime de furto qualificado tentado p. e p. nos arts. 22, 23, 73, 203 nº 1 e 204 nº 2-e) do CP, cometido em autoria material pelo arguido/recorrente, o Colectivo aplicou a pena de 10 meses de prisão efectiva, tendo apenas afastado a possibilidade da suspensão da sua execução e a substituição por Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade.
Como o crime em questão foi cometido em 25/7/2007 e, entretanto (em 15/9/2007), entraram em vigor as alterações introduzidas pela Lei nº 59/2007, de 4/9, há que ter em atenção o disposto no art. 2 nº 4 do CP.
Vejamos então.
Para fundamentar o quantum da pena de prisão (10 meses) aplicada pelo mencionado crime tentado, o tribunal da 1ª instância ponderou as exigências de prevenção, que considerou “muito acentuadas” na vertente da prevenção geral (pela “forte sensação de insegurança” que criam na sociedade), o grau de ilicitude dos factos (aferido pelo valor “não muito elevado” das coisas que tentou furtar), a intensidade do dolo (dolo directo), a ausência de prejuízos (tendo sido os objectos em questão recuperados sem danos), os antecedentes criminais (condenações que sofreu pela prática de crimes da mesma natureza, que considerou serem três) e a situação pessoal do arguido (concretamente à data dos factos ser toxicodependente e actualmente estar em tratamento de desintoxicação).
Olhando para as circunstâncias do caso concreto, verifica-se que a ilicitude dos factos é média (mesmo considerando o valor das coisas que tentou furtar), sendo elevada a intensidade do dolo com que actuou (uma vez que o crime foi cometido com dolo directo).
Importa, igualmente, atender ao modo de actuação do arguido (que se insere dentro do procedimento “habitual” do respectivo tipo de ilícito penal cometido) e às consequências da sua conduta, sendo certo que os bens em questão (carteira no valor de € 5,00 e quantia de € 110,00 que se encontrava no seu interior) foram de imediato recuperados sem danos.
Para além disso, embora tendo como limite a medida da sua culpa, há que ter em atenção a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes, tanto mais que à data dos factos em questão, já tinha antecedentes criminais por crimes contra o património (duas condenações, sendo uma em pena de multa e outra em pena de prisão suspensa na sua execução), o que revela uma certa adequação da personalidade aos factos aqui em apreço.
Ou seja, apesar de limitadas pela culpa pessoal do arguido, são prementes e elevadas as razões de prevenção geral positiva (tutela do bem jurídico protegido e reforço da confiança da comunidade na validade da norma violada) e de prevenção especial (carência de socialização), uma vez que o recorrente (que já não é primário) revela ter uma personalidade desconforme ao direito e adequado aos factos típicos que cometeu.
Por outro lado, importa ponderar as condições pessoais de vida do arguido (descritas nos factos dados como provados), as quais também mostram que tem uma personalidade ainda recuperável, sendo de valorar positivamente o seu esforço no sentido de mudar de vida e de se reintegrar pessoal e socialmente (o que é evidenciado pelo esforço no tratamento de desintoxicação de drogas e pela colaboração que tem prestado aos pais, ainda que de forma ocasional, na agricultura).
Também não se pode esquecer que o arguido (nascido em 29/7/1980, como resulta da sua identificação que consta da decisão sob recurso) tinha à data dos factos 26 anos de idade, contando hoje com 28 anos, o que revela igualmente que é ainda um jovem, o que associado ao seu actual empenho no sentido da sua recuperação, facilita e torna mais provável o êxito na sua reinserção social.
Assim, considerando os factos apurados, tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa do arguido, as exigências de prevenção geral positiva e a sua carência de socialização, atentos ainda os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, concorda-se com a pena individual de 10 (dez) meses de prisão aplicada pelo crime de furto qualificado tentado cometido em autoria material pelo recorrente.
Impõe-se, agora, determinar se é caso de substituir essa pena de dez meses de prisão por uma pena não detentiva ou por uma pena detentiva prevista na lei.
De recordar que, perante a notificação que para o efeito lhe foi feita (por mera cautela face às alterações decorrentes da entrada em vigor da Lei nº 59/2007, de 4/9), o recorrente declarou prestar consentimento para o caso de eventualmente lhe vir a ser aplicada pena de substituição distinta da por si proposta (fls. 135 e 136).
Assim, à luz do CP na versão anterior à Lei nº 59/2007 de 4/9 (ou seja, à luz do regime vigente à data do cometimento do crime aqui em apreço), havia que ponderar se estavam reunidas as condições para substituir aquela pena de dez meses de prisão por medidas não detentivas (uma vez que, então, não era possível, atento o quantum da pena de prisão, a substituição por medidas detentivas, já atinentes à execução da pena de prisão fixada, como o regime de prisão por dias livres e o regime de semidetenção).
Entre as medidas não detentivas havia então que ponderar, a suspensão da execução da prisão, v.g. sujeita ao cumprimento de obrigações e/ou de regras de conduta ou até complementada com o regime de prova (arts. 50 a 54 do CP) ou a prestação de trabalho a favor da comunidade (art. 58 do CP).
No caso concreto, o tribunal da 1ª instância (não obstante ter aplicado a pena única de 1 ano de prisão que, já vimos, não subsiste) indicou sumariamente a razão pela qual concluiu que não lhe era possível efectuar um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena de prisão e a razão pela qual também não podia substituir aquela pena por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Tendo presente a pena de dez meses de prisão aqui imposta e visto o disposto no art. 2 nº 4 do CP, vejamos então qual o regime penal que concretamente se mostra mais favorável ao arguido.
Regime penal em vigor à data dos factos em questão (anterior à Lei nº 59/2007)
O tribunal da 1ª instância concluiu que não lhe era possível efectuar um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena de prisão.
A sua fundamentação assentou, essencialmente, na circunstância de o arguido ter antecedentes criminais, designadamente por crimes patrimoniais, tendo já beneficiado de uma condenação em pena de prisão suspensa na sua execução, a qual se mostrou insuficiente uma vez que o não afastou da prática de novos crimes (o que se evidencia com o cometimento do crime em apreço nestes autos).
Com efeito, o arguido antes da prática dos factos aqui em apreço, além das referidas 2 condenações em pena de multa que sofreu (sentenças de 3/12/1999 e de 12/5/2005, a primeira das quais por crime de furto), foi também condenado em 1/6/2006, por crime de furto qualificado tentado na pena de 2 anos e 8 meses de prisão suspensa por 3 anos e, em vez de procurar levar uma vida conforme ao direito, cometeu em 25/7/2007 o crime de furto qualificado tentado aqui em apreço.
Ou seja, o arguido, revelou insensibilidade pelas advertências que lhe haviam sido feitas nas condenações anteriores (particularmente quando beneficiou da suspensão da execução da pena de prisão de 2 anos e 8 meses), pois, essas penas que lhe foram aplicadas não o afastaram, nem o inibiram da prática do crime aqui em apreço.
Aquelas condenações anteriores não tiveram o efeito dissuasor que era de esperar, revelando o arguido uma personalidade adequada aos factos cometidos.
O arguido mostrou, pois, ter uma personalidade que não se deixa influenciar positivamente por aquele tipo de penas que anteriormente lhe foram impostas, uma vez que voltou a delinquir.
A substituição da pena 10 meses de prisão aqui aplicada por suspensão da sua execução (com ou sem condições ou mesmo com sujeição ao regime de prova) mostra-se, pois, ineficaz.
Tão pouco a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, por si só (tal como prevista no art. 58 do CP na versão anterior à Lei nº 59/2007, de 4/9), realizava de forma adequada e suficiente, neste caso concreto (atenta a natureza do crime cometido pelo arguido e sua personalidade), as finalidades da punição, em particular as exigências de prevenção especial que se fazem sentir.
Com efeito, tendo o arguido cometido o crime aqui em apreço, numa altura em que era “toxicodependente de drogas”, não existia uma expectativa séria e razoável de que essa pena (desacompanhada de apoio, na vertente profissional e a nível de acompanhamento do tratamento de desintoxicação que iniciou em Junho de 2008, apesar de tentativas anteriores infrutíferas) viesse a realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Daí que, não fosse possível formular um juízo de prognose positivo, favorável, à substituição da pena de 10 meses de prisão por medidas não detentivas.
Em conclusão: à luz do CP na versão anterior à Lei nº 59/2007 de 4/9, impunha-se a aplicação da pena de 10 meses de prisão efectiva.

Regime penal em vigor após a reforma introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4/9
A citada Lei nº 59/2007 (que alterou o Código Penal)[15] veio diversificar as penas alternativas e/ou substitutivas da pena de prisão e da sua execução, alargando também o âmbito de aplicação das já existentes (artigos 43 a 60), desde que verificados os respectivos pressupostos, o que pode contribuir, de forma efectiva, para uma melhor reinserção do condenado[16].
Visou o legislador, melhor e mais eficazmente, prevenir a pequena e a média criminalidade, como sucede no caso destes autos.
Teve presente que a pena de prisão é hoje uma das principais causas da chamada crise da política criminal (“A prisão agrava as tendências anti-sociais, cria no preso hostilidade contra a sociedade, constituindo um importante factor criminógeno”)[17], precisamente por causa da sua possível ineficácia junto da pequena e da média criminalidade.
Assim, o legislador de 2007, através da diversificação das penas substitutivas da prisão e do alargamento da possibilidade de aplicação das já existentes, também deu mais um passo no sentido de viabilizar, a execução, na prática judiciária, do princípio da preferência pelas reacções não detentivas, já consignado, desde 1995, no artigo 70 do CP.
Em termos abstractos, hoje em dia, a pena de dez meses de prisão pode ser, por um lado, substituída por multa (art. 43 nº 1 do CP), pode ser suspensa na sua execução (art. 50 do CP), v.g. sujeita ao cumprimento de obrigações e/ou de regras de conduta ou até complementada com o regime de prova (arts. 50 a 54 do CP) ou ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade acompanhada ainda da aplicação de regras de conduta adequadas a promover a respectiva integração social (art. 58 nº 1 e 6 do CP, dependendo de aceitação do condenado) e, por outro lado, pode ser executada em regime de permanência na habitação (art. 44 do CP, se o condenado consentir), em prisão por dias livres (artigo 45 do CP) ou em regime de semidetenção (art. 46 do CP, dependendo da aceitação do condenado).
Ora, no caso dos autos não se consegue justificar a substituição da pena de dez meses de prisão por multa (art. 43 nº 1 do CP), uma vez que, tal como resulta dos antecedentes criminais do arguido, as duas penas de multa anteriores que sofreu foram ineficazes para o afastar da criminalidade.
De igual modo, as razões já acima adiantadas para afastar a suspensão da execução da pena de prisão (com condições ou mesmo com sujeição ao regime de prova), mantêm-se válidas, sendo aqui aplicável o mesmo raciocínio (para o qual remetemos), não obstante a versão actual dos artigos 50 a 54 do CP.
As alterações introduzidas ao regime penal (na versão actual), quanto à pena de Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade, v.g. admitindo a possibilidade de complementarmente serem impostas regras de conduta (as previstas a titulo exemplificativo no art. 52 nº 1 a 3 do CP), vieram adequar e promover aplicação desta pena de substituição, com a finalidade de melhor contribuir para a reintegração social do arguido na sociedade.
Como acima já foi adiantado, no caso dos autos, a substituição da pena de 10 meses de prisão por Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade apenas se mostra justificada, adequada e viável desde que complementada com a imposição/obrigação de o arguido continuar a cumprir o tratamento de desintoxicação de drogas que iniciou em Junho de 2008, sujeitando-se à supervisão da Direcção Geral de Reinserção Social (como aliás foi sugerido no relatório social de fls. 73 a 76), aí encontrando uma estrutura de apoio no seu processo de ressocialização (designadamente, a nível do acompanhamento e manutenção desse tratamento que está a fazer e, na vertente profissional, se necessário com a frequência de cursos de formação e especialização).
Com efeito, são razões de prevenção especial (olhando às carências de socialização do arguido)18], que justificam que se possa ainda dar preferência à pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, desde que complementada com aquelas regras de conduta, apoiadas e fiscalizadas pelos serviços de reinserção social (arts. 58 nº 6 e 52 nº 3 e 4 do CP).
Olhando ao “conteúdo socialmente positivo” da prestação de trabalho a favor da comunidade compreende-se essa opção: só abandonando o consumo de estupefacientes por um lado e trabalhando por outro, é que o arguido poderá melhor apreender que o êxito para a sua reintegração social depende igualmente do seu empenho nessas duas vertentes.
Com a adesão do arguido (que até propôs e aceitou a aplicação desta pena de substituição complementada com medida de carácter probatório), tornou-se mais séria e segura a expectativa de alcançar a sua socialização por esta via, o que torna esta pena de substituição preferível no caso dos autos (atenta a necessidade de socialização do arguido - prevenção especial), mostrando-se, ao mesmo tempo, “ainda compatível com a tutela do ordenamento jurídico”.
O esforço sério do arguido no sentido de mudar de vida (evidenciado pelo tratamento de desintoxicação de drogas que já iniciou), aliado à sua idade ainda jovem e ao apoio que tem contado dos pais, a quem também já vai ajudando (ainda que ocasionalmente) na agricultura (actividade que os pais exercem), mostram que dispõe de condições para alcançar a sua reinserção social ainda em liberdade, desde que acompanhado pelos serviços de Reinserção Social, nos termos indicados.
A prisão efectiva, opção do Tribunal Colectivo, não contribui para a almejada reinserção social do arguido, visto o efeito estigmatizante que lhe é associado, a que não são alheios os seus efeitos negativos, v.g. a nível social, laboral, familiar e pessoal.
Não se pode esquecer que a pena de prisão é encarada como a ultima ratio, sendo preocupação do legislador e obrigação do Estado contribuir para a própria socialização do arguido.
Na medida em que ainda é possível (face ao novo regime de punição) aplicar ao arguido uma pena de substituição não privativa da liberdade (que, aliás, se impõe face ao disposto no art. 18 nº 2 da CRP), compreende-se que esta é a melhor e mais adequada forma de alcançar todas as finalidades da punição.
Nos termos do art. 58 nº 1 a 3 do CP, entendemos mostrar-se normativamente adequado efectuar a substituição da pena de 10 meses de prisão por 300 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, sendo essa correspondência a que neste caso melhor garante a ressocialização do arguido.
Em conclusão: tendo presente o caso dos autos e a referida alteração introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4/9, julga-se adequado e ajustado (por se mostrar “ainda comunitariamente suportável à luz da necessidade de tutela de bens jurídicos e da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada”[19]) substituir a pena de 10 meses de prisão por 300 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade (art. 58 CP), complementada (arts. 58 nº 6 e 52 nº 3 e 4 do CP) com a imposição de nesse período de tempo (enquanto cumprir a prestação de trabalho a favor da comunidade determinada) o arguido continuar a cumprir o tratamento de desintoxicação de drogas que iniciou em Junho de 2008, sujeitando-se ainda à supervisão da Direcção Geral de Reinserção Social, aí encontrando uma estrutura de apoio no seu processo de ressocialização (designadamente, a nível do acompanhamento e manutenção desse tratamento que está a fazer e na vertente profissional, se necessário com a frequência de cursos de formação e especialização).
A 1ª instância providenciará pela execução da pena aqui imposta, dando cumprimento ao disposto no art. 496 nº 1 e 3 do CPP.
Não há dúvidas, pois, que o regime penal actual é mais favorável ao arguido, razão pela qual, nos termos do art. 2 nº 4 do CP, se opta pelo mesmo.
Assim, altera-se a decisão recorrida nos moldes acima assinalados.
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III- DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação, em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido, alterando-se o acórdão proferido pela 1ª instância, nos moldes acima assinalados, ou seja:
- Revoga-se a condenação pelo crime de detenção de arma proibida, p. e p. nos artigos 2º, nº 1-ar), 3º, nº 2-e) e 86º-d) da Lei nº 5/2006, de 23/2 (sendo consequentemente o arguido absolvido desse crime por, nessa parte, ser improcedente a acção penal), ficando igualmente sem efeito o cúmulo jurídico de penas efectuado; e,
- Nos termos dos arts. 58 e 52 nº 3 e 4 do CP na versão actual (regime pelo qual se opta, nos termos do art. 2 nº 4 do CP, por ser o mais favorável ao arguido) substitui-se a pena de 10 (dez) meses de prisão, imposta pelo crime de furto qualificado tentado, por 300 (trezentas) horas de Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade, complementada com a imposição de, nesse período de tempo (enquanto cumprir a prestação de trabalho a favor da comunidade determinada), o arguido B………. continuar a cumprir o tratamento de desintoxicação de drogas que iniciou em Junho de 2008, sujeitando-se ainda à supervisão da Direcção Geral de Reinserção Social, aí encontrando uma estrutura de apoio no seu processo de ressocialização (designadamente, a nível do acompanhamento e manutenção desse tratamento que está a fazer e na vertente profissional, se necessário com a frequência de cursos de formação e especialização).
A 1ª instância providenciará pela execução da pena aqui imposta, dando cumprimento ao disposto no art. 496 nº 1 e 3 do CPP.
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Sem custas.
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(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária – art. 94 nº 2 do CPP)
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Porto, 4/2/2009
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias
Jaime Paulo Tavares Valério

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[1] Redacção introduzida pela Lei 59/007, de 4.9 por ser o regime mais favorável ao permitir a substituição de penas de prisão ate dois anos por prestação de trabalho a favor da comunidade.
[2] Ver jurisprudência fixada pelo STJ no acórdão nº 7/95, publicado no DR I-A de 28/12/1995, com a qual se concorda.
[3] Cf., entre outros, Ac. do STJ de 19/12/1990, BMJ nº 402/232ss.
[4] Assim, entre outros, Ac. do STJ de 13/7/2005, proferido no processo nº 2122/05, relatado por Henriques Gaspar (consultado no site do ITIJ – Bases Jurídicas Documentais).
[5] Dispõe o art. 86 (detenção de arma proibida) da referida Lei nº 5/2006:
1- Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou exportação, usar ou trouxer consigo:
(…)
d) - Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do nº 7 do artigo 3º, armas lançadoras de gases, bastão eléctrico, armas eléctricas não constantes da alínea b) do nº 7 do artigo 3º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, munições, bem como munições com os respectivos projécteis expansivos, perfurantes, explosivos ou incendiários, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias.
(…)”
[6] Ac. de fixação de jurisprudência do STJ nº 4/2004 publicado no DR Iª Série-A de 13/5/2004.
[7] O art.3 nº1-f) do cit. DL 207-A/75, de 17/4, tornava proibidas as seguintes modalidades de armas:
- armas brancas com disfarce;
- armas de fogo com disfarce;
- outros instrumentos sem aplicação definida, que possam ser usados como arma letal de agressão, não justificando o portador a sua posse.
[8] Conferir Ac. do STJ de 7/6/1993, CJ 1993 de Ac. do STJ, III, 192.
[9] Anabela Rodrigues, «O modelo da prevenção na determinação da medida concreta da pena», in RPCC ano 12º, fasc. 2º (Abril-Junho de 2002), p. 155, refere que o art. 40 CP condensa “em três proposições fundamentais, o programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos; de que a culpa é tão só um limite da pena, mas não seu fundamento; e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena”.
[10] Neste sentido, v.g. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Noticias, 1993, p.198.
[11] Figueiredo Dias, ob. cit., p. 72.
[12] Figueiredo Dias, ob. cit., p. 214.
[13] Figueiredo Dias, "Sobre o estado actual da doutrina do crime”, RPCC, ano 1º, fasc. 1º (Janeiro-Março de 1991), p. 29.
[14] Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, p. 91.
[15] Quando citamos a referida Lei nº 59/2007 temos, ainda, em atenção a Declaração de Rectificação nº 102/2007, DR I Série de 31/10/2007.
[16] Sobre as penas de substituição, já tendo em atenção a Lei nº 59/2007, ver também Maria João Antunes, “Alterações ao Sistema Sancionatório” e Jorge Baptista Gonçalves, “A Revisão do Código Penal: alterações ao sistema sancionatório relativo às pessoas singulares”, Revista do CEJ, 1º semestre 2008, nº 8 (especial), pp. 7 a 14 e 15 a 40.
[17] Angel Calderon e Jose António Choclan, Manual de Derecho Penal, I, parte general, Barcelona: Deusto Juridico, 2005, p. 407.
[18] Maria João Antunes, “Substituição da prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade (Tribunal Judicial da Comarca de Braga, processo nº 488/2000 – 3ª secção), RPCC ano 11º, fasc. 4º (Outubro-Dezembro de 2001), p. 709.
[19] Jorge Figueiredo Dias, ob. cit., p. 231.