Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0456103
Nº Convencional: JTRP00037486
Relator: PINTO FERREIRA
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
PRAZO
CADUCIDADE
CONHECIMENTO OFICIOSO
Nº do Documento: RP200412130456103
Data do Acordão: 12/13/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: Na fase introdutória dos embargos de terceiro o juiz pode conhecer, oficiosamente, da tempestividade da sua apresentação em juízo, devendo rejeitá-los, por extemporâneos, se analisada a prova, se convencer que foram deduzidos mais de 30 dias após o conhecimento, pelo embargante, do acto que este considera ofensivo do seu direito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório

B.........., L.da, por apenso à execução ordinária movida por C......... e Outros, deduziu embargos de terceiro contra a penhora efectuada sobre um bem – uma grua -, que alega ser sua propriedade, sendo que apenas em 26 de Março teve conhecimento da penhora.
Ouvidas as testemunhas, são rejeitados os embargos por extemporâneos, com fundamento em que a embargante teve conhecimento da penhora há mais de 30 dias antes da data da entrada em juízo da petição.
Inconformada, recorre a embargante.
Recebido o recurso, apresentam-se alegações e sustenta-se o despacho agravado.
Colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do recurso.
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II – Fundamentos do recurso

O âmbito dos recursos é limitado pelo teor das conclusões – artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do CPC -, donde a justificação da sua transcrição que, no caso concreto, foram:

1- Nesta fase adminicular o M. Juiz "a quo" não pode oficiosamente indagar sobre o prazo ou a tempestividade da dedução de embargos de terceiro. Porque matéria não subtraída à livre disponibilidade das partes, é ao embargado que cabe alegar e provar a intempestividade de tal dedução. Neste particular foi violado ou incorrectamente interpretado o art.333° e art.343°/2, ambos do Cód. Civil. E bem assim, a este propósito, a douta decisão é nula porque conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento cfr.art.668°/1-d, "2ª parte" C.P.C.;
2- Os depoimentos testemunhais produzidos devem merecer toda a credibilidade, dado que, para deles discordar e não os tomar como bons, deviam ter merecido uma análise crítica e fundamentada no Tribunal "a quo", situação que não se verificou. Foi violado o disposto no art.659°13 C.P.C.;
3- As certidões juntas dos autos .../2002, nada provam sobre a data ou o momento em que a embargante teve conhecimento da penhora da grua no âmbito e à ordem do presente processo.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, ordenando-se, em consequência, a substituição do despacho por outro que se pronuncie no sentido da tempestividade da dedução dos embargos de terceiro da ora embargante/recorrente.
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III – Factos provados

Consideraram-se, indiciariamente assentes, os seguintes factos:

1- Foi penhorada, nos autos de execução principais, a 14/3/2003, uma grua, marca ........, de 1972, tipo 215 C n.º ....., referência ....;
2- Em 10/9/2002, o executado deu à embargante, e entre outras coisas, a grua aludida em 1, como forma de pagamento de um dívida, no montante de 7.500,00€ (cfr. documento junto a fls. 4 (doc. 1) destes autos);
3- A embargante tomou conhecimento da penhora há mais de 30 dias antes da data de entrada da pi de embargos em juízo;
4- A embargante não foi demandada na execução.
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IV – O Direito

A primeira questão a saber consiste em se determinar se, na fase introdutória do recebimento dos embargos de terceiro pode o juiz oficiosamente indagar e conhecer da tempestividade ou não dos embargos e, em segundo lugar, se exige para tal conhecimento que haja a alegação e prova pelo executado da sua extemporaneidade.

É sabido que os embargos de terceiro tal como se encontram figurados na lei processual têm uma tramitação própria, desdobrando-se em duas fases, sendo uma introdutória que exige um juízo sumário da sua admissibilidade, devendo o embargante oferecer prova sumária e indicar a data do conhecimento da penhora e oferecer logo as provas – art. 353º n.º 2 – e uma fase contraditória com a notificação ao embargado para contestar – art. 357º n.º 2 -, seguindo-se os termos do processo ordinário ou sumário, conforme o valor.
Nesta primeira fase, fase introdutória, verificamos ainda que, anterior à audição da parte contrária, existe um despacho liminar que se deve limitar ao caso de caducidade do direito de embargar por fora do prazo do art. 353º n.º 2 (sublinhado nosso), falta de legitimidade do art. 351º n.º 1 ou de manifesta improcedência do pedido do art. 234º-A n.º 1 e após a prova, sumária, um despacho, de recebimento ou rejeição dos embargos, com emissão de um juízo de probabilidade, em que dirá se existirá ou não a probabilidade séria da existência do direito invocado – Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 1º, pág. 622 e Remédio Marques, Curso e Processo Executivo Comum, pág. 294 -.
Lopes de Rego, Comentários ao CPC, vol. I, 2º ed., pág. 328, fazendo natural apelo ao fixado no art. 265º do CPC, considera que perante a nova fisionomia do princípio do inquisitório e de direcção do processo pelo juiz, deixam de subsistir limites relativamente às provas a produzir – se necessário oficiosamente – e a apreciar para decidir liminarmente da viabilidade dos embargos.
Salvador da Costa, Incidentes da Instância, pág. 195 entende que, por força do art. 354º do CPC, a petição de embargos deve ser liminarmente indeferida se não for apresentada em tempo, sendo o seu conhecimento oficioso, dado que se está perante uma excepção do direito de acção, constituindo uma excepção à regra do n.º 2 do art. 330º do CC.
Por Ac. R. Porto de 17-02-2000, Sumários de Acórdãos do TRP, n.º 9, 979, fixa que instaurados os embargos de terceiro depois de decorridos 30 dias após o conhecimento da penhora, os mesmos devem ser indeferidos liminarmente, por intempestivos, sendo tal facto de conhecimento oficioso.
Ora, no caso dos autos, o tribunal ordenou a inquirição das testemunhas e após a sua inquirição é que conclui que os embargos são intempestivos, pelo que os rejeitou.
Os embargos deram entrada em juízo a 16 de Abril de 2004 e a embargante alegou que tomara conhecimento dos embargos em 26 de Março de 2004, sendo certo que o tribunal concluiu, após inquirição das testemunhas, que a embargante tivera conhecimento da penhora há mais de 30 dias antes da data da entrada da petição de embargos.
Tal despacho é proferido ainda na fase introdutória, fase na qual o art. 354º do CPC impõe que se efectue um juízo de mera probabilidade acerca da existência do direito.
Ora, o juiz pode e deve rejeitar os embargos quando haja motivo de indeferimento liminar cujos elementos para tal ainda se não encontravam perfeitos aquando do despacho liminar e, perante a prova adminicular, considere que o direito caducou ou se convença da não existência de probabilidade séria desse direito invocado pelo embargante.
Portanto, se na fase introdutória, sem intervenção do embargado, se o juiz formula a sua convicção sumária sobre a tempestividade da apresentação da petição de embargos, não aquando do despacho liminar mas apenas com a inquirição de testemunhas, na posse agora de elementos certos e seguros para determinar se a apresentação e ou não tempestiva, confrontando-a com a data da diligência judicial e o art. 353º n.º 2 do CPC e uma vez que se considera, nesta fase, de conhecimento oficioso, deve rejeitar os embargos com tal justificação. Ao juiz compete, nesta fase, essencialmente conhecer da qualidade de terceiro do embargante e o direito por ele invocado – art. 354º do CPC -.
E esta eventual rejeição dos embargos terá os meros efeitos fixados no art. 355º do CPC.
Agora, na denominada fase contraditória, após emitir um juízo de probabilidade, com base na prova sumária efectuada, receber os embargos e em que se seguirão os termos do processo ordinário ou sumário de declaração, conforme o valor dos embargos – art. 357º n.º 1 -, já o conhecimento da tempestividade ou não dos embargos não pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal mas antes e apenas será conhecida com alegação de tal circunstância pelo embargado, cabendo-lhe, então, o ónus de prova de demonstração da sua extemporaneidade – art. 343º n.º 2 do CC -.
Pode-se, então, concluir que, em embargos de terceiro, na fase adminicular, o juiz pode oficiosamente indagar sobre o prazo ou a tempestividade de embargos de terceiro.

Por fim, refira-se que a pretensão do agravante de ver credibilizada os depoimentos das testemunhas ouvidas pelo tribunal não tem fundamento nem suporte legal, dado que a prova se não encontra gravada – arts. 690º-A e 712º do CPC -, sendo que essa sindicância é totalmente impossível, material e fisicamente, de ser realizada pelo tribunal superior.

O despacho agravado deverá ser mantido.
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V – Decisão

Nos termos e pelas razões expostas, acorda-se em se negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela agravante.
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Porto, 13 de Dezembro de 2004
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira
Manuel José Caimoto Jácome