Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0753662
Nº Convencional: JTRP00040554
Relator: PINTO FERREIRA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA
TRANSLADO
Nº do Documento: RP200709170753662
Data do Acordão: 09/17/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 310 - FLS 151.
Área Temática: .
Sumário: I - Título executivo é a sentença ou o seu translado.
II - Para este efeito “translado” é apenas aquele que é passado pela Secretaria do Tribunal e não qualquer cópia, certificada ou não, dos elementos que constituem o translado ou a sentença.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

O B………., SA, deduziu execução comum para entrega de coisa certa, com base numa sentença judicial, contra C………., L.da -
O tribunal ordenou a notificação da exequente para juntar aos autos o título executivo em falta - traslado da sentença invocada -, com nota do trânsito em julgado ou indicação de se foi interposto algum recurso e qual o seu efeito, sob pena de indeferimento liminar do requerimento executivo.
A exequente, perante a notificação, junta cópia certificada de certidão, com nota de trânsito da sentença de 7/02/2003, proferida na .ª Vara Cível do Porto.
O tribunal indefere liminarmente o requerimento executivo com fundamento de que a lei exige que seja junto certidão de sentença com nota de trânsito e não cópia certificada de tal.
Foi pedido aclaramento, que foi atendido, explicando-se aí que a parte juntou apenas uma cópia certificada de traslado, sendo que a lei exige que seja junto traslado, o que não é a mesma coisa. A lei exige o traslado - certidão - como título e não uma cópia certificada desse traslado.
Inconformado, recorre o exequente.
Recebido o recurso, juntam-se alegações.
Colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do recurso.
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II - Fundamentos do recurso

Limitam e demarcam o âmbito dos recursos as conclusões que nele são apresentadas - artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do CPC -
No caso, foram:

1. A questão fulcral abordada no presente recurso, prende-se com a força probatória processual de uma fotocópia certificada de traslado emitido por Tribunal Judicial.
2. A certificação de fotocópia do traslado extraído foi efectuada por Solicitador, no uso das faculdades previstas no DL 28/2000 de 13/03.
3. De acordo com o disposto no art. 1°, n° 1 e 5° do DL 28/2000, não se extrai qualquer limitação ou inibição legal à capacidade de certificação dos respectivos documentos, nem de alguma forma, os advogados e solicitadores estão impedidos de certificar fotocópias de certidões judiciais, “maxime” de traslados.
4. Tal faculdade certificativa abrange todos os tipos de documentos que a lei civil admite designadamente os documentos autênticos, autenticados e particulares, referidos no artigo 363° do Código Civil.
5. Consignou-se no n° 5 do art. 1° do DL 28/2000, que as fotocópias conferidas têm o valor probatório do original.
6. A fotocópia certificada do traslado judicial emitido, tem a mesma força probatória do respectivo original.
7. Tal fotocópia tem o mesmo valor e consequências probatórias - materiais ou adjectivas - que o próprio original, ou seja que o próprio traslado em si considerado.
8. Para efeitos dos art. 47°, n° 1 e 90°, n° 3, ambos do C.P.C., é válida a existência e junção aos autos de cópia certificada, nos termos legais, do traslado judicial extraído.
9. Sendo pois descabida a exigência do próprio original para os fins executivos em questão.
10. Decidindo de modo diferente, o despacho recorrido violou, por deficiente interpretação e aplicação, o disposto nos art. 47°, n° 1 e 90°, n° 3, ambos do C.P.C., bem como o disposto no art. 1°, n° 1 e 5° do DL 28/2000.
Deve ser dado provimento ao recurso e ordenar-se o normal prosseguimento e tramitação d execução comum.
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III - Os Factos e o Direito

Os factos foram já narrados.
Deles resulta que a questão fulcral aqui em discussão se prende com o problema de se saber se o traslado exigido pelo art. 90º n.º 3 do CPC pode ser apresentado com cópia certificada por solicitador ou se apenas por certidão conferida com o original e passada pelo tribunal.
Para elucidação deste problema, há que lançar mão tanto da legislação em vigor como da finalidade ou objectivo da sua existência.
Ora, estabelece o n.º 3 deste normativo, com a alteração introduzida pelo D. Lei n.º 38/03 estabelece que a execução fundada em sentença, como é o caso, onde estejam implantados os juízos de execução, como também é o caso, o processo passa a correr autonomamente, no traslado - al. b) -, salvo se o juiz entender conveniente que ao processo executivo seja apensado o processo, já findo, em que foi proferida a decisão a executar.
Estes princípios foram transferidos, por outros termos, é certo, para o mesmo artigo e com a redacção que lhe foi dada pela Lei 14/2006 de 26-4, que dispõe que a execução de sentença corre por apenso, excepto quando, em comarca com competência executiva específica, a sentença haja sido proferida por tribunal com competência específica cível ou com competência genérica e quando o processo tenha entretanto subido em recurso, casos em que corre no traslado, sem prejuízo da possibilidade de o juiz de execução poder, se entender conveniente, apensar à execução o processo já findo.
Aqui se enquadra totalmente o caso dos autos.
Como deixamos já enunciado, de facto, o processo executivo é instaurado em tribunal com competência executiva específica e a sentença condenatória foi proferida por um tribunal de competência específica cível, pelo que corre no traslado, de forma autónoma.
Os requisitos da exequibilidade das sentenças estão definidos no art. 47º do CPC.
Sobre a problemática da certificação de fotocópias dispõem os artigos 38-A/2006, de 29 de Março, Decreto-lei n.º 8/2007 de 17 de Janeiro, sendo que este apela ainda ao fixado no Decreto-Lei n.º 28/2000, de 13 de Março.
E no referido D.L. n.º 8/2007 determina que «…………………… e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar ou fazer e certificar, traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial, bem como certificar a conformidade das fotocópias com os documentos originais e tirar fotocópias dos originais que lhe sejam presentes para certificação, nos termos o DL n.º 28/2000, de 13 de Março».
Então, daqui resulta que os actos que podem ser praticados por tais entidades, para o caso que aqui releva, são:
a) a possibilidade de certificação da conformidade de fotocópias com os documentos originais que lhes sejam apresentados para esse fim;
b) a possibilidade de extracção de fotocópias dos originais que lhe sejam presentes para certificação.
Em ambas as situações apenas se permite a certificação da conformidade de fotocópias com os documentos originais e a extracção de fotocópias de documentos originais.
É sabido que os diplomas acima referenciados tiveram e têm em vista a simplificação e desburocratização da actividade judicial.
Se o problema pode ter outros contornos em termos de certificação por advogado de fotocópias de originais, tanto emitidos por entidades públicas como privadas - vejam-se os Acórdãos sobre este particular inseridos em C. Jurisprudência, designadamente, da R. de Lisboa, 20 de Junho de 2002, Tomo III, pág. 106, de 1 de Outubro de 2002, Tomo IV, pág. 84 e de 30 de Setembro de 2003, Tomo IV, pág. 102 -, relativamente ao traslado para efeitos de servir de título executivo, a questão tem de ter um outro sentido.
De facto, como podemos ver da leitura destes arestos, estavam ali em causa ora uma certidão da Conservatória de Registo Comercial comprovativa da sua inscrição no Registo Comercial, ora de uma certidão de registo predial onde constasse a descrição do prédio identificado na petição inicial, ou mesmo de uma acta para servir como título executivo da assembleia de proprietários da uma Área Urbana, enquanto que no caso em apreço nestes autos temos uma execução comum para entrega de coisa certa que tem por base e como suporte executivo uma sentença condenatória e cuja execução terá de correr no traslado.
Como se expressa em Curso de Processo Executivo Comum, Remédio Marques, pág. 80, é certo que o título não tem que ser necessariamente o documento original, podendo o exequente juntar uma certidão, uma pública-forma ou uma fotocópia do título original, contanto que obedeçam aos requisitos dos artigos 383º e segts do CC, passando a ter a força probatória dos originais.
E esta certificação pode agora ser efectuada pelas entidades enumeradas nos diplomas acima citados, incluindo-se os Srs. Solicitadores e Advogados.
Porém, consideramos que não será de seguir este caminho nem esta orientação relativamente ao traslado para efeitos de servir de título executivo, principalmente quando a própria lei fala em que a execução corre no traslado, devendo aqui funcionar, em conjugação tanto o art. 383º do CC como do art. 174º do CPC, um outro entendimento, ou seja, que apenas as certidões passadas pela secretaria do tribunal onde corre o processo, podem ser conferidas com os originais.
De facto, a possibilidade de certificação da conformidade de fotocópias com os documentos originais, como a possibilidade de extracção de fotocópias dos originais que lhe sejam presentes para certificação - D.L n.º 8/2007 -, apenas por esta entidade por ser obtida, naturalmente que para efeitos do n.º 3 do art. 90º do CPC.
Portanto, quando estamos a falar de traslado para efeitos título executivo de sentença - n.º 3 do art. 90º do CPC -, devemos considerar que se exige traslado (certidão) e não uma cópia certificada dos elementos que constituem o traslado e desse mesmo traslado.
Diferente será uma certificação para meros efeitos probatórios, sempre sujeitos a confronto - artigos 385º a 387º do CC -, mas aqui não enquadrável.
O problema não pode ser visto a nível probatório (as fotocópias conferidas nos termos do número anterior têm a força probatória dos originais - art. 5º do DL 28/200-) mas antes da junção à execução do próprio título executivo.
Desta forma se concede mais segurança e certeza ao direito, salvaguardando-se melhor a eventualidade de se intentar várias execuções com o mesmo título, certificando cópias.
E esta segurança jurídica tem reflexos tanto no art. 810º n.º 4 como no art. 814º al. b), ambos do CPC.
Porém, sem embargo e independentemente deste entendimento, consideramos que não se justifica aqui o indeferimento liminar da petição.
Isto porque tanto a al. a) do n.º 3 do artigo 90º do CPC, na versão anterior e aqui aplicável, como a nova redacção da Lei 14/2006, na parte final de tal disposição, possibilita e aconselha mesmo ao tribunal que ordene a apensação do processo já findo, quando o julgue conveniente, caso em que a execução já não correrá em traslado.
E aqui não podemos esquecer e devemos considerar mesmo o determinado no art. 265º do CPC, impondo ao tribunal, para além do mais, o cumprimento do princípio do inquisitório, ou seja, o dever de promover o normal e célere prosseguimento da acção, determinando os actos necessários à normal regularização da instância.
E aqui mais justificável ainda dado que se está na presença de uma questão e formalidade meramente processual, que não substantiva.
De facto, uma vez que a parte junta à execução uma cópia certificada da sentença e uma certidão certificada (fls. 123), onde se verifica, narrativamente, que o processo está findo e com sentença transitada, embora não valessem como traslado, seria razoável e tudo aconselhava mesmo que, perante estes dados e, sendo certo que a veracidade de tais documentos não estava posta em causa, que o tribunal ordenasse a remessa de tal processo a fim de ser apensado à execução, como possibilita tal normativo.
E desta forma o processo poderia prosseguir, se mais nenhum obstáculo substantivo ou processual existisse, a sua normal tramitação.
Por isso que a decisão não pode ser mantida.
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V - Decisão

Nos termos e pelas razões expostas, acorda-se em se dar provimento ao recurso, devendo o tribunal requisitar o processo findo para apensação à execução e prosseguir a sua normal tramitação, se mais nenhum obstáculo legal existir
Custas pelo agravante.
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Porto, 17 de Setembro de 2007
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira
Manuel José Caimoto Jácome