Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | JTRP00037767 | ||
| Relator: | DURVAL MORAIS | ||
| Descritores: | EXECUÇÃO PENHORA VENCIMENTO ISENÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP200503010520347 | ||
| Data do Acordão: | 03/01/2005 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | PROVIDO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | II - Deverá ser isento de penhora o vencimento mensal de € 476,00, se o seu titular tem €391,15 de despesas necessárias (renda de casa, água, luz, condomínio, gás e alimentação) sobrando apenas € 84,85. II - A ser-lhe deduzido 1/6 do seu vencimento, apenas lhe restariam cerca de cinco euros, assim se colocando em causa a sua subsistência. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: I – Nos autos de execução para quantia certa instaurados no Tribunal Judicial do Porto, -ª Vara Cível, em que é exequente o Banco...., SA. e executados B..... e marido, veio o exequente, em 26/5/2003, nomear à penhora 1/6 do salário auferido pela executada na sociedade C....., SA”, com sede na rua....., ....., a ter início “logo que findem os descontos actualmente em curso.” Em 28/5/2003 (fls. 77), foi proferido o seguinte despacho: “Declaro penhorado 1/3 do vencimento auferido pela executada B..... ao serviço de “C....., SA,” com sede na Rua..... – ...... Notifique esta última entidade por carta registada com aviso de recepção para, mensalmente, proceder ao desconto ordenado e efectuar o seu depósito na C.G.D. à ordem deste Tribunal até perfazer a quantia exequenda e custas prováveis (que calculará ).” Por ofício de 5/6/2003, a “C....., SA.”, veio comunicar que o vencimento mensal da executada era de € 476,00 e a data de início dos descontos seria em Janeiro/2004. Em 13/6/2003 veio a executada deduzir oposição à penhora, com o fundamento de que as suas despesas mensais, de € 401,84, ultrapassam a totalidade do seu vencimento. Termina, pedindo se julgue impenhorável o vencimento da executada ou, assim se não considerando, se julgue reduzido aos mais justos limites. Em 8/10/2003 (fls. 21/22), foi tal penhora reduzida de 1/3 para 1/6, com custas do incidente a cargo da requerente, "sem prejuízo do eventual apoio judiciário concedido”, nos termos seguintes: “Fls. 255 e segs. (incidente de oposição à penhora): Requereu a executada a impenhorabilidade do seu vencimento auferido, no montante de € 476,00,ordenado por despacho de fls. 226, ou a sua redução. Para tanto alega que, face ao valor do vencimento auferido e atentas as despesas fixas, as quais documentou, ordenada a penhora, não lhe resta rendimento suficiente para prover à sua sobrevivência. O exequente não ofereceu oposição. Cumpre decidir. No incidente de oposição à penhora vigoram plenamente todas as regras relativas ao ónus e produção de prova - cfr. o art. 303.° e o n.º 1 do art. 863º-B do Cód. Proc. Civ., bem corno o art. 342.°, nº 1, do Cód. Civ.. No caso vertente, constata-se que a requerente estriba a sua pretensão em factos – no essencial, o valor do rendimento e o das demais despesas fixas – sendo que para a demonstração dos quais indica prova documental - cfr. o art.303.°, nº 1, do Cód. Proc. Civ.. Assim sendo, atenta a prova apresentada e a notoriedade de tais factos - o que sucede - são suficientes para dar como assentes os factos necessários à procedência do requerimento apresentado, no que toca à redução da penhora. Face ao exposto, sendo notórios tais factos, haverá que concluir pela prova dos fundamentos do requerimento e, consequentemente, pela sua procedência, reduzindo a penhora para 1/6, nos termos do artº 824°, nº 2, do CPC. Pelo exposto, julgo provado e procedente o requerimento apresentado, e defiro a oposição à penhora formulada, quanto à redução da penhora, passando de 1/3 para 1/6 - nos termos do artº 824°, nº do CPC.” Inconformada, agravou a executada. Por despacho de 15/3/2004, foi indeferido o requerimento de oposição à penhora, na parte em que a executada pedia se declarasse a isenção do seu rendimento de qualquer penhora, reparando aquele agravo ao pronunciar-se sobre o pedido de isenção da penhora, mas mantendo, quanto ao mais, a decisão que ordenou a penhora de 1/6 do rendimento da executada. Tal despacho é do seguinte teor: “Analisados os fundamentos em que se baseia o incidente de oposição à penhora, e essencialmente os pedidos aí deduzidos, é de concluir que assiste razão aos recorrentes, no que respeita ao facto do tribunal apenas se ter pronunciado quanto ao pedido subsidiário – redução da percentagem da penhora que incidia sobre o rendimento da executada - tendo omitido os fundamentos que levaram a não deferir a isenção da mesma. A executada, além do mais, pede que se declare a isenção do seu rendimento de qualquer penhora, com o argumento de que o mesmo é absorvido pelas despesas básicas à sua subsistência, sendo certo que caso contrário coloca aquela no estado de “miséria absoluta”. Vejamos: Está demonstrado nos autos que a executada aufere uma remuneração de € 400,00. Ou seja, a executada tem à sua disposição um valor superior ao SMN. É com esta prestação pecuniária que satisfaz as suas necessidades mínimas, criando, assim, as condições para uma inserção social e profissional. Embora a executada absorva a maioria do seu rendimento com as despesas essenciais à sua subsistência, não se pode dizer que se encontra em situação de grave carência económica. Ou seja, o rendimento auferido pela executada, atento os parâmetros sócio-profissionais em que a mesma se enquadra, permite-lhe poder levar uma vida digna, vendo asseguradas as suas necessidades de subsistência básicas. Assim, deve entender-se que, em princípio, in casu, este rendimento, por natureza, deve ser sujeito a penhora; podendo mesmo afirmar-se que tal situação não se revela atentatório dos bons costumes e da ordem pública. Tal situação, em que se coloca a questão da penhora de tal rendimento redundaria, quase inevitavelmente, em situação de isenção de penhora - ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 824.° do Cód. Proc. Civ. -, se se verificassem circunstâncias concretas excepcionais, o que não acontece. Ora, no caso vertente, estamos perante uma realidade diversa da que acabou se aflorar a qual, o que faz com que o tribunal entenda não se reunirem os pressupostos da requerida isenção. Face ao exposto, atenta a situação económica da executada descrita no requerimento dos autos, e em face do que vem sendo o abuso ostensivo da "tendência compulsiva para o consumismo" - o qual cada vez mais é uma realidade que se vai banalizando - sem que previamente se pense nos seus custos e na forma de os suportar, entendo que a situação da executada não se enquadra nos parâmetros susceptíveis de considerar a isenção da penhora sobre o rendimento da executada. Conclusão Em conformidade, reparo o agravo - ao pronunciar-me, neste momento, sobre o pedido de isenção da penhora – e decido indeferir o pedido de isenção de penhora sobre o rendimento auferido pela executada. * Quanto ao mais, mantenho a decisão que ordenou a penhora de 1/6 do RENDIMENTO DA EXECUTADA.”Inconformada com tal despacho, a executada agravou, formulando na respectiva alegação as seguintes conclusões: 1ª. O douto despacho recorrido ao fixar para 1/6 a penhora da remuneração da agravante quando, atenta a prova produzida devia dispensar de penhora aquela remuneração sob pena de a colocar na mais absoluta miséria, incorre em erro de julgamento (error in judicando), para mais, não fosse, por si só, bastante a prova referenciada, a verdade é que a exequente não impugnou sequer os factos alegados pela agravante, nem os documentos juntos, pelo que o tribunal devia ter extraído as devidas consequências e não substituir-se à exequente na satisfação e/ou justificação do que "poderia ser a sua pretensão". 2ª. A isenção de penhora prevista no artº 824.° n.º 3 do CPC, visa assegurar ao devedor a percepção de uma quantia que lhe garanta o mínimo de subsistência adequada à sua dignidade de pessoa. 3ª Desta forma, o prudente arbítrio do julgador impõe, em sede de ponderação do caso concreto, a não determinação da penhora do vencimento do executado, quando dela resulte que o seu rendimento disponível subsistente será insuficiente para suportar as necessidades mais elementares a uma (sobre)vivência condigna. 4ª. Assim, há que averiguar, caso a caso, em que medida o valor de remuneração nomeado à penhora é imprescindível à satisfação das necessidades primárias essenciais do executado. 5ª. Do confronto entre o valor mensalmente auferido pela agravante e a quantia que desembolsa para pagar renda, água, gás, condomínio, electricidade e alimentação, necessidades primárias essenciais, conclui-se necessariamente que a quantia percebida pela agravante é completamente absorvida por aquelas necessidades básicas, de onde resulta que, a penhora de qualquer fracção da retribuição da agravante vai impossibilitar o mínimo de sobrevivência em que a agravante já (sobre)vive. 6ª. Efectivamente, se atendermos no valor do vencimento mensal da recorrente (400 Euros) e lhe subtrairmos o montante das despesas mencionadas (276,84 Euros), excluindo alimentação, constatamos que, restam à recorrente 123,16 Euros e, por sua vez, se subtrairmos ainda a esta quantia o valor sujeito a penhora (68,00 Euros), neste momento, verificamos que lhe restam 55,16 Euros, quantia com a qual tem de fazer face a todas as demais despesas, incluindo a alimentação. 7ª. Por isso, a situação sub judice reúne, então, as condições legalmente exigíveis para a remuneração da agravante ser isenta de penhora, pelo que, ao ter decidido como decidiu, o despacho ora agravado violou o n.º 3 do artº 824.° do CPC., artº 59.° n.º 2 da CRP, Convenção da OIT n.º 122 e 131 - Dec. Lei nº 54/80 de 30 de Janeiro e Dec. Lei n.º 77/81, de 19 de Junho». ACRESCE QUE, 8ª. Não fosse, por si só, bastante a prova referenciada, acrescenta-se que a exequente não impugnou os factos alegados pela agravante, nem os documentos juntos, pelo que o tribunal devia extrair as devidas consequências e não substituir-se à exequente na satisfação e/ou justificação da sua pretensão. Termina, pedindo se determine a isenção da penhora em causa. Contra-alegou o exequente, pugnando pela manutenção da decisão. O M.Juiz manteve tabelarmente o despacho agravado. Corridos os vistos, cumpre decidir: II – Com interesse para a resolução do presente recurso, resultam dos autos, para além dos referidos em I), os seguintes factos: 1 – A executada B..... auferia, em 2/6/2003, o vencimento mensal de € 476,00, ao serviço da sociedade “C....., SA.”, com sede em..... (Doc.fls. 78). 2 – Paga de renda de casa, o montante de € 150,79 (Doc. fls.84) 3 – De electricidade, o montante de € 20,75 (Doc.fls. 85). 4 – De gás, o montante de € 24 (Doc. fls. 86). 5 – De condomínio, € 60,93/trimestre, ou seja, € 20, 31 por mês (Doc. fls.88). 6 – De água, € 25,30 (Doc.fls. 87). 7 – De alimentação, € 150 (fls. 80). III – O DIREITO. Como se sabe, as conclusões da alegação dos recorrentes delimitam o objecto do recurso e este Tribunal, exceptuadas as de conhecimento oficioso, só pode conhecer e resolver as questões por eles suscitadas (art.s 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil), não também as razões ou argumentos que expendem em defesa dos seus pontos de vista. Importa, pois, analisar tais conclusões. A questões a conhecer consistem em saber se: a) Da falta de resposta da exequente ao seu pedido resulta que se encontram provados os factos por si alegados; b) Ante os factos provados, o M.Juiz deveria ter isentado de penhora o vencimento da executada. Vejamos então. 1. Refere a agravante que, não tendo a exequente impugnado os factos alegados pela agravante, nem os documentos juntos, o Tribunal devia extrair daí as devidas consequências. Vejamos. Dispõe o nº 1 do artº 863º-B do Cód.Proc.Civil: A oposição à penhora constitui incidente da execução, ao qual se aplica o disposto nos artºs. 302º a 304º. Preceitua, por seu lado, o nº 4. do mesmo artigo: Ouvido o exequente e realizadas as diligências instrutórias necessárias, o juiz decide se a penhora se mantém ou ordena o seu levantamento. A este respeito, ensina M.Teixeira de Sousa (in “Acção Executiva Singular”, pág. 297): “A contestação do exequente requerido deve ser apresentada no prazo de dez dias a contar da sua notificação (art°s 863°-B, n° 1, e 303°, n° 2). Nos incidentes da instância, a falta de contestação segue o regime que vigora na causa em que o incidente se insere (art° 303°, n° 3): dado que a acção executiva não comporta, na sua própria tramitação, qualquer contestação, deve aplicar-se, quanto aos efeitos dessa revelia, o regime geral dos art°s 484°, n° 1, e 485°. Se o incidente for contestado, o juiz realiza as diligências instrutórias que considere necessárias e depois decide se mantém a penhora ou se ordena o seu levantamento (art° 863°-B, n° 4).” Ora, como se sabe, o falado artº 484º, no seu nº 1, ao estabelecer “se o réu não contestar”, consagra, como efeitos da revelia, a confissão dos factos articulados pelo autor. Procedem, nesta parte, as conclusões recursivas. 2. Dispõe-se no art. 824º, do C. P. Civil (na redacção aplicável), na parte ora de interesse, que: 1 a) Não podem ser penhorados dois terços dos vencimentos ou salários auferidos pelo executado; 3. Pode o juiz excepcionalmente isentar de penhora os rendimentos a que alude o nº 1, tendo em conta a natureza da dívida exequenda e as necessidades do executado e seu agregado familiar. Aqui são atribuídos ao juiz amplos poderes para, em concreto, determinar a parte penhorável das remunerações do trabalho recebidas, à real situação económica do executado e seu agregado familiar, podendo mesmo determinar-se a isenção total de penhora quando o considere justificado. Na verdade, o nº 3 deste artigo veio permitir ao juiz a realização de um esforço de ponderação de interesses entre o credor e devedor, permitindo-lhe, embora a título excepcional, isentar de penhora os rendimentos a que alude o nº 1, sempre que considere que deles depende, em absoluto a sobrevivência económica do executado e do seu agregado familiar. No caso que nos ocupa, sucede que a remuneração mensal da agravante (executada) ascende a € 476,00/mensais. Tem € 391,15 de despesas necessárias, tais como renda de casa, água, luz, condomínio, gás e alimentação, pelo que lhe sobram € 84,85. Deduzido a este montante 1/6 do seu vencimento, ou seja, € 79,30, tal como foi determinado por despacho de 8/10/2003, restar-lhe-ão apenas uns magros € 5,55/mensais. Assim, não pode deixar de entender-se que a situação económica da agravante (executada) é precária e susceptível de colocar em causa a sua subsistência com um mínimo necessário de dignidade, justificando-se plenamente a isenção da penhora do ordenado daquele montante, da agravante.. É certo que, se por qualquer razão a executada de um momento para o outro passar a receber um vencimento melhor, é evidente que tal solução se não pode manter, mas enquanto a situação descrita se mantiver, outra alternativa não há se não a que acaba de ser adoptada, por ser a que melhor se enquadra com os princípios legais aplicáveis ao caso em debate. * - Custas pelo agravado. * PORTO 01 de Março de 2005Durval dos Anjos Morais Mário de Sousa Cruz Augusto José Baptista Marques de Castilho |