Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JOSÉ MANUEL ARAÚJO DE BARROS | ||
| Descritores: | PRISÃO PREVENTIVA PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE | ||
| Nº do Documento: | RP2010120230/10.4pevrl-A.P1 | ||
| Data do Acordão: | 12/02/2010 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REC. PENAL. | ||
| Decisão: | PROVIDO. | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I- O princípio da proporcionalidade enfatiza o papel meramente instrumental da medida cautelar relativamente à pena que ao arguido venha, a final, a ser cominada II- É por força de tal princípio e dessa sua faceta que, na alínea a) do artigo 202º do Código de Processo Penal, se limita a sua imposição aos casos em haja fortes indícios da prática pelo arguido de crime doloso com pena de prisão de máximo superior a 5 anos III- Ainda por inerência ao referido nexo instrumental, mais impõe esse princípio que se faça uma prognose, com a função negativa de limitar a aplicação da medida da prisão preventiva tão só aos casos em que a pena final previsível seja de prisão efectiva IV- Assim, mesmo que a prisão preventiva se depare como medida necessária, por ser a única adequada a prevenir os perigos referidos no artigo 204º (fuga, perturbação da instrução, continuação da actividade criminosa, perturbação da ordem e2 alarme social), não poderá ser decretada se não se verificarem os pressupostos exigidos pelo princípio da proporcionalidade, nos termos dos artigos 202º, alínea a), e parte final do nº 1 do artigo 193º, nomeadamente por não haver forte indiciação da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos nem se prever que o arguido venha a ser condenado em pena de prisão efectiva V- Caberá, em tal hipótese, eleger outra ou outras medidas que, não tendo a desejada eficácia, possam atenuar dentro do possível os alegados perigos VI- Deixando às entidades competentes (vg, a polícia ou a segurança social) o encargo de, em sede própria e legítima, tomarem as demais providências necessárias VII- No presente caso, nem há fortes indícios de que a arguida C…….. tenha cometido um crime punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos nem é previsível que, a final, lhe venha a ser cominada pena de prisão efectiva, desse modo tendo violado o princípio da proporcionalidade a decisão que determinou a sua prisão preventiva e mesmo que se antolhe como provável que, restituída a arguida à liberdade, haja alarme social e continuação da actividade criminosa. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | 1ª SECÇÃO CRIMINAL – Processo nº 30/10.4PEVRL-A Tribunal Judicial de Vila Real – 3º Juízo Relator: ARAÚJO BARROS Adjunto: MELO LIMA Presidente: BAIÃO PAPÃO Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto RELATÓRIOI B………. e C………, arguidos com sinais nos autos, vêm recorrer do despacho que determinou a aplicação da medida da prisão preventiva, pedindo a revogação do mesmo, em sua substituição se aplicando aos arguidos outra ou outras medidas de coacção que sejam proporcionais, adequadas e necessárias. Fundamentam o seu pedido, em síntese, em violação pelo despacho recorrido do disposto nos artigos 191º, 193º, 202º, 204º e 211º do Código de Processo Penal. O Ministério Público apresentou resposta, na qual pugnou pela manutenção da medida de coacção aplicada. O procurador geral adjunto neste tribunal, no seu parecer, pronunciou-se no sentido da manutenção da medida decretada. Houve resposta do arguido, rebatendo o nesse parecer argumentado. Foram observadas as formalidades legais, nada obstando à apreciação do mérito do recurso - artigos 417º, nº 9, 418º e 419º nºs 1, 2 e 3, alínea c), do Código de Processo Penal. II FUNDAMENTAÇÃO1. Transcreve-se o despacho recorrido Julgo válida a detenção dos arguidos por efectuada nos termos da lei - artigos 254º e ss. do CPC. De igual modo valido as apreensões dos objectos efectuadas. No dia 26 de Agosto de 2010, pelas 15h10, após ter sido dado conta de uma suposta transacção de estupefacientes a decorrer no nó do IP4, sito no Lugar da Sardoeira, Campeã, por parte do Soldado do Núcleo de Investigação Criminal da GNR de Amarante, elementos da Polícia de Segurança Pública de Vila Real deslocaram-se para o local e detectaram à chegada que uma carrinha da marca Renault, modelo Mégane, de cor bege e modelo novo, abandonava o local em direcção à Amarante, enquanto que os ora arguidos encetaram marcha em direcção a Vila Real, na Viatura da marca Ford, modelo Fiesta, de cor azul e de matrícula ..-..-JD. Foram os arguidos seguidos por elementos da Polícia de Segurança Pública, e abordados quando os arguidos estacionaram a viatura no parque ascendente do IP4, imediatamente a seguir à saída para Murça. Ambos os arguidos foram conduzidos para o departamento policial de Vila Real, sendo que no acto da revista pessoal tida por conveniente e necessária à arguida, se verificou que a mesma tinha sob o soutien uma grande embalagem de heroína que obteve o peso de 101,09 gr e ainda uma outra dose como peso de 0,33 gr. Pelo soldado D……. foi presenciado que o receptor da heroína foi o arguido B……., não obstante ter sido a arguida, sua companheira, quem dissimuladamente a transportava sob o seu soutien. Consigna-se que o suspeito B……. foi preso no ano de 2002 por suspeitas de tráfico de estupefacientes, cuja tramitação processual decorreu no Tribunal de Mirandela e pena foi cumprida no EPP de Chaves. No dia 27 de Agosto de 2010 foi efectuada busca à residência dos arguidos sendo apreendido: recortes em plástico e dois gorros passa montanhas. Os arguidos agiram livre, deliberada e consciente bem sabendo a quantidade e qualidade de droga que tinham quando foram interceptados pela autoridade policial, isto é, respectivamente, 101,09 gr. de heroína numa embalagem e 0,33 gr. de heroína noutra embalagem e ainda assim quiseram actuar da forma descrita. Os arguidos são vendedores ambulantes, vendendo artigos de vestuário e calçado em várias feiras da região de Trás-os-Montes. Os arguidos vivem em casa própria, encontrando-se a amortizar um empréstimo mensal de 500 euros para pagar o empréstimo efectuado pelo banco. O agregado familiar dos arguidos é composto pelos próprios, mais dois filhos, sendo um deles ainda de menor idade, bem como pelo genro e mais dois netos. Tirando os meses de férias em que obtêm mais rendimento com a venda ambulante nos meses de inverno existe um decréscimo dessas vendas, podendo ser feita em média mensal num ano de 600 euros de rendimento. Os arguidos não têm qualquer outra fonte de rendimento lícito. O arguido B…… já foi condenado em pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes. Os factos supra indiciados sustentaram-se nos vários documentos existentes nos autos, nomeadamente, auto de notícia e apreensão, o auto de exame e avaliação os testes rápidos de f 15 e 16, as fotografias de fl.s 27 a 36, bem como o auto de busca e apreensão que antecede. Considerou-se ainda as declarações dos arguidos que desejaram prestar declarações depois de terem sido devidamente confrontados com os factos e com todos os elementos de prova existentes neste momento no inquérito. Salvo o devido respeito, as declarações do arguido são totalmente ilógicas, incoerentes e sem qualquer sentido. Basta uma leitura atenta da transcrição que a final será junta aos autos da gravação das suas declarações para se constatar que o arguido além de dar explicações descabidas quanto à quantidade de droga que lhe foi apreendida e o preço por tal quantidade de droga pagou, por várias vezes se contradisse a ele próprio no que respeita à explicação que lhe foi pedida quanto ao destino a ser dado a tal quantidade de droga. Os arguidos têm o direito ao silêncio e do silêncio nada se retirou. Mas a partir do momento que querem prestar declarações as mesmas podem e devem ser valoradas pelo Tribunal mesmo contra os próprios arguidos quando não tiverem o mínimo de lógica ou forem descontextualizadas com a realidade da vida. O arguido apresentou-se como sendo um consumidor de heroína há cerca de 15/20 anos. É um indivíduo medianamente inteligente e perspicaz e com a experiência de vida própria de quem anda nas lides da droga há cerca de 15/20 anos. E indivíduo que se sabe organizar minimamente em termos financeiros e sabe gerir patrimonialmente a sua vida sendo certo que o património que apresenta, nomeadamente a moradia, que se encontra fotografada nos autos e a profissão que vai exercendo e que lhe dá rendimento revelam que é uma pessoa minimamente inteligente. Assim sendo, não se compreende como declarou ao Tribunal ter comprado heroína por atacado em quantidade que desconhece a um preço de 500 euros a um indivíduo que viu pelo menos duas vezes. Presume-se que o vendedor será também um ser minimamente inteligente, o que é próprio de quem sabe que a droga é um bem escasso e valioso, muito mais a heroína, droga esta conotada com os maiores malefícios à saúde dos consumidores. Assim sendo, não se compreende como consegue o arguido 70 a 80 gr de heroína de forma gratuita. As suas explicações quanto a isto não podem como bem assinalou o M° Público serem aceites. Mas mais o arguido assumiu que a droga seria para seu total consumo, mas a dado passo parte era para fazer dinheiro e depois dá o dito por não dito e já diz que é uma troca com outros consumidores de estupefacientes. Admitindo como possível que o arguido seja efectivamente consumidor, considerando os rendimentos que declara, na volta dos 600 euros mês, e as elevadas despesas a que tem que fazer face, nomeadamente, à amortização do empréstimo da casa no valor de 500 euros, o sustento alimentar próprio e do restante agregado familiar, o sustentar de um vício que implica cerca de 2000 euros por mês, fica-se sem saber onde vai o arguido conseguir dinheiro para pagar tais despesas. A resposta lógica obtém-se naquilo que é demais evidente, isto é, no tráfico do estupefaciente, isto é, na venda de heroína para obter lucros para as despesas do dia a dia para o sustento da família e eventualmente para continuar a comprar mais droga para consumo e venda a terceiros. No que respeita à arguida as suas declarações porque cheias de contradições assinaladas a instâncias do M ° Público também não colhem credibilidade. A arguida acompanha o arguido na compra da heroína, é sabedoria da transacção nomeadamente, o tipo de droga e quantidade da mesma e do montante envolvido, e no entanto ensaiou uma desculpa que o único culpado é o seu companheiro e marido. Entendemos assim que está indiciado fortemente a prática pelos arguidos de um crime de tráfico de estupefacientes p e p. pelo artigo 21° do DL 15/93 de 22/01. Importa agora verificar-se no caso em concreto que se verificam os perigos assinalados pelo M° Público na sua promoção ou que os mesmos inexistem tal como pugna a defesa. Considerando a quantidade e qualidade de drogas apreendidas - sublinhe-se uma vez mais que se trata de heroína considerada uma droga dura e causadora dos piores malefícios na saúde dos consumidores cuja quantidade não é desprezível, a forma como se apresentavam, isto é embalada ainda em pedra, a ser sujeita de procedimento de moagem, bem como posterior mistura, para posterior venda, entendemos ser forte o perigo de alarme social. Na verdade, introduzir uma quantidade de heroína no mercado de consumo de estupefacientes desta quantidade além do malefício causador nesta comunidade traz grandes lucros financeiros; a comunidade cada vez mais com uma crise económica e social entende não tolerar todos aqueles que lançam mão deste tipo de expedientes para enriquecer com a desgraça alheia. De igual modo entendemos ser forte o perigo da continuidade criminosa: o arguido tem antecedentes criminais por tráfico de droga, apesar disso continuou a comprar e vender estupefaciente, e pela suas declarações extrai-se que esta é uma entre outras situações idênticas, e o próprio admite já ter comprado noutras ocasiões heroína em embalagens deste tipo, o que é pouco condizente com a figura de mero consumidor a que todos nos tribunais estamos habituados a lidar. Existem assim quer o perigo de alarme de social que o perigo da continuação da actividade criminosa prevista no artigo 204°, al. c), do CPP, os quais são suficientes para aplicar uma das medidas de coação previstas no CPP. Regista -se aqui que as medidas de coação obedecem aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade. Entendemos que no caso em concreto e pelas razões já expostas que qualquer outra medida de coação que não seja a promovida pelo M° Público é totalmente inadequada e insuficiente a acautelar os referidos perigos. As exigências cautelares do crime vão no sentido de os arguidos aguardarem os ulteriores termos do processo sujeitos à medida de coação de prisão preventiva tal como vem promovido pelo M° Público. No que respeita à arguida C……. a não aplicação da prisão preventiva permitiria que durante a prisão do seu companheiro continuasse a gerir o negócio de tráfico de estupefacientes em que ambos estão enraizados pelo que também só a prisão preventiva impede tal actividade. Pelo exposto determino que os arguidos aguardem os ulteriores do processo sujeitos a prisão preventiva - artigos 193°, 194°, nº 2, 195°, 202°, al. a), e 204°, al. c), todos do C.P.P. 2. São as seguintes, em súmula, as conclusões das motivações dos recursos. O do arguido B……… Dadas as condições pessoais, sociais e familiares do arguido, conclui-se não se verificarem as circunstâncias que, nos termos do artigo 204º do CPP, exijam a aplicação da medida de coação de prisão preventiva cominada ao arguido. Não havendo necessidade da prisão preventiva, há outras medidas menos gravosas que são adequadas a prevenir os interesses visados naquele preceito – apresentações, proibições de frequência de determinados locais e de contactar certas pessoas ou até prisão domiciliária. O despacho recorrido, ao assim não decidir, violou o disposto nos artigos 191º, 193º, 202º, 204º e 211º do Código de Processo Penal. O da arguida C……… O crime que se mostra indiciado seria tão só o de favorecimento pessoal, p e p nos termos do artigo 367º, nº 1, do Código Penal, com prisão até 3 anos ou multa. No entanto, a conduta prevista neste preceito deixa de ser punida, nos termos do nº 5 desse preceito, se a actuação for em benefício do cônjuge. Resulta dos autos que a arguida apenas guardou a heroína para impedir ou iludir prova contra o seu marido. Não há, assim, indícios da prática de nenhum crime pela arguida. Sem prescindir, a arguida é primária e tem a sua vida familiar organizada. Não havendo necessidade da prisão preventiva, há outras medidas menos gravosas que são adequadas a prevenir os interesses visados naquele preceito – apresentações, prestação de caução ou prisão domiciliária. O despacho recorrido, ao assim não decidir, violou o disposto nos artigos 191º, 193º, 202º, 204º e 211º do Código de Processo Penal. 3. Na apreciação da existência ou não in casu dos pressupostos que justificam a aplicação da medida cautelar da prisão preventiva, seguir-se-ão os ditames do artigo 193º do Código de Processo Penal, ora condicionados pelo preceito do artigo 202º, porque de prisão preventiva se trata. 3.1. Relativamente ao arguido B…….., constata-se a existência dos pressupostos na alínea a) do nº 1 do artigo 202º – quer a punibilidade dos factos com pena de prisão superior a 5 anos (o crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21º, nº 1, do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, é punível com prisão até 12 anos) quer a existência de fortes indícios quanto à verificação dos mesmos. O que o arguido não põe, aliás, em causa. Defende ele, todavia, que há outras medidas que podem assegurar o escopo de evitar que o arguido continue a actividade criminosa ou perturbe a tranquilidade pública, já que não admite que exista perigo de fuga, tudo por referência ao disposto nas alíneas a) e c) do artigo 204º do CPP. Analisemos os pressupostos do decretamento das medidas de coação e a sua especial incidência no caso em apreço. Em um primeiro plano, o requisito da necessidade da medida de coacção. A qual se enuncia no nº 1 do artigo 193º, colhendo todavia o seu filtro no artigo 204º. Compulsado os autos, por referência a este último, e tendo em conta que as circunstâncias enumeradas neste preceito não são cumulativas, parece que dos factos resulta a verificação do perigo previsto na alínea c). O que no despacho recorrido bem se anota, ao imputar à conduta do arguido virtualidades de gerar forte instabilidade social e de pôr em causa a ordem e tranquilidade públicas. Ao que acresce o perigo de continuação da actividade criminosa, que se perfila tendo em conta os antecedentes do arguido, a sua instabilidade económica e o meio em que o mesmo se encontra integrado. Com o que revertemos para o princípio da adequação, previsto na primeira parte do nº 1 do artigo 193º, nos termos do qual as medidas devem ser adequadas às exigências cautelares. O qual comporta uma formulação positiva, conexa com a eficácia, que sem dúvida se obtém através da medida no caso em apreço, pois os inconvenientes que resultariam da continuação da actividade criminosa e da instabilidade e alarme sociais são eficazmente evitados com a mesma. E uma vertente garantística, que se reconduz ao princípio da subsidiariedade, nos termos do qual a aplicação de cada uma das medidas de coacção só se justifica quando todos os outros meios se revelem ineficazes para tutelar os interesses subjacentes. Estando as medidas de coacção tipificadas numa lógica de crescente gravidade, sendo o termo de identidade e residência (artigo 196º) a menos gravosa e ao prisão preventiva a mais grave de todas as medidas. Assim, consagra-se nos artigos 193º, nº 2, e 202º, nº 1º, o princípio de que só será de aplicar a prisão preventiva se todas as outras medidas se mostrarem inadequadas ou insuficientes. Esta natureza excepcional e de ultima ratio da prisão preventiva não é desrespeitada nos presentes autos, já que se não vislumbra nenhum outro modo de acautelar o apontado perigo de continuação da actividade criminosa do arguido. Mesmo a prisão domiciliária não seria meio eficaz de o colmatar, pois não evitaria que o arguido continuasse sujeito a fortes solicitações para o tráfico a que se virá dedicando. Resta-nos indagar do respeito pelo princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 193º, nº 1, 2ª parte – proporcionalidade “à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas”. O primeiro dos dois vectores deste princípio apontados na lei, a gravidade do crime, tem um controle objectivo, a que já supra nos reportámos e que se verifica no presente caso – o crime imputado ao arguido é doloso e punível com pena superior a 5 anos de prisão (cfr. a 2ª parte da alínea a) do artigo 202º, nº 1). Também a previsibilidade da sanção se mostra patente, na medida em que há fortes indícios de o arguido ter praticado esses crimes (cfr. a primeira parte dessa alínea). Importa, porém, ir um pouco mais longe, no que toca a esta vertente do princípio da proporcionalidade, analisando faceta que normalmente passa em claro. Que é a de perscrutar, através prognose baseada nos dados existentes no processo, se ao arguido irá ser aplicada, a final, pena condizente com a prisão preventiva que ora lhe é cominada. Na verdade, não faria sentido que ao arguido fosse aplicada uma medida preventiva mais gravosa do que aquela em que se prevê ele venha a ser condenado. Isto porque que aquela tem um carácter meramente instrumental e dependente desta - o que se visa não é mais do que assegurar a aplicação de uma sanção, pelo que seria absurdo que a medida preventiva ultrapassasse em gravidade a pena final. Concluindo-se desse modo que, no caso particular da prisão preventiva, o princípio da proporcionalidade tenha de desempenhar a função negativa de limitar a aplicação da mesma tão só aos casos em que a pena final previsível seja de prisão efectiva. Mas, também nesse aspecto, não nos parece que a prisão preventiva seja de afastar no presente caso. Efectivamente, os antecedentes criminais do arguido, que foi já condenado por crime idêntico em pena de prisão, embora suspensa, e a profissão pouco consistente que exerce consubstanciam circunstancialismo legitimam a prognose de que ao arguido venha a ser cominada uma pena de prisão efectiva. 3.2. As considerações supra levam-nos todavia a divergir do despacho recorrido, no que concerne à prisão preventiva cominada à arguida C…….. Desde logo, não parece que se verifique o pressuposto necessário à aplicação de tal medida exigido na parte final da alínea a) do artigo 202º do CPP. Como é óbvio, e nisso concordamos com a achega do Ministério Público nas suas alegações, não é acertado qualificar a conduta da arguida no âmbito do tipo do crime de favorecimento pessoal, definido no artigo 367º do Código Penal. Na verdade, a simples detenção de produto estupefaciente cai na previsão do artigo 21º, nº 1, do DL nº 15/93, pelo que a arguida terá cometido um crime de tráfico de estupefacientes. No entanto, atendendo a que se trata de uma mera detenção e que, como foi presenciado e declarado por um dos agentes que interceptou os arguidos, a C……. se limitou a esconder nos seus seios o produto que o seu marido lhe passou, assim procurando evitar que este fosse incriminado, não havendo quaisquer outros indícios de que se dedique ao tráfico, tudo aponta no sentido de que venha a ser-lhe imputada tão só a prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p e p nos termos da alínea a) do artigo 25º do DL nº 15/93, com prisão de 1 a 5 anos. Ou seja, apenas há indiciação da prática de crime doloso com pena de prisão cujo máximo não ultrapassa os 5 anos. Falecendo, desse modo, o pressuposto objectivo da alínea a) do artigo 202º do CPP necessário à cominação da medida de prisão preventiva. Por outro lado, e reportando-nos à vertente do princípio da proporcionalidade conexo com a previsibilidade de punição em pena de prisão, imposta pela parte final do nº 1 do artigo 193º, tudo aponta para que a arguida C…….. não venha a ser condenada em pena de prisão efectiva. Tal prognose legitima-se atendendo a que ela não tem antecedentes criminais e aparenta estar integrada em um ambiente familiar com alguma estabilidade, não desprezando a circunstância de o seu acto criminoso ter sido propiciado pela situação em que o marido a envolveu. Estes dois aspectos do princípio da proporcionalidade não foram, quanto a nós, devidamente ponderados no despacho que determinou a prisão preventiva da arguida. Apelando-se directamente ao princípio da necessidade (“no que respeita à arguida C…….. a não aplicação da prisão preventiva permitiria que durante a prisão do seu companheiro continuasse a gerir o negócio de tráfico de estupefacientes em que ambos estão enraizados pelo que também só a prisão preventiva impede tal actividade”), sem atentar em que o mesmo tem como limite aqueloutro princípio da proporcionalidade. Na verdade, mesmo que a prisão preventiva se depare como medida necessária, por ser a única adequada a prevenir os perigos referidos no artigo 204º (fuga, perturbação da instrução, continuação da actividade criminosa, perturbação da ordem e alarme social), não poderá ser decretada se não se verificarem os pressupostos exigidos pelo princípio da proporcionalidade, nos termos dos artigos 202º, alínea a), e parte final do nº 1 do artigo 193º. Sendo que, in casu, nem há forte indiciação da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos nem se prevê que a arguida venha a ser condenada em pena de prisão efectiva. Caberá, neste caso, eleger uma outra medida que, não tendo aquela eficácia, possa colmatar dentro do possível os alegados perigos. Deixando às entidades competentes (vg, a polícia ou a segurança social) o encargo de, em sede própria e legítima, tomaram as necessárias providências. Não sendo tão pessimistas como a senhora juiz que proferiu o despacho recorrido, entendemos que a apresentação semanal na esquadra da área da sua residência (artigo 198º, nº 1, do CPP), em dia e hora a fixar, se complementada pelo especial reforço de vigilância policial que o caso merece, evitará a utilização pelo co-arguido seu marido da arguida C……. para eventual continuação da actividade de tráfico, bem como o consequente alarme social. 3.3. Extraem-se, em súmula, as seguintes conclusões - O princípio da proporcionalidade enfatiza o papel meramente instrumental da medida cautelar relativamente à pena que ao arguido venha, a final, a ser cominada - É por força de tal princípio e dessa sua faceta que, na alínea a) do artigo 202º do Código de Processo Penal, se limita a sua imposição aos casos em haja fortes indícios da prática pelo arguido de crime doloso com pena de prisão de máximo superior a 5 anos - Ainda por inerência ao referido nexo instrumental, mais impõe esse princípio que se faça uma prognose, com a função negativa de limitar a aplicação da medida da prisão preventiva tão só aos casos em que a pena final previsível seja de prisão efectiva - Assim, mesmo que a prisão preventiva se depare como medida necessária, por ser a única adequada a prevenir os perigos referidos no artigo 204º (fuga, perturbação da instrução, continuação da actividade criminosa, perturbação da ordem e2 alarme social), não poderá ser decretada se não se verificarem os pressupostos exigidos pelo princípio da proporcionalidade, nos termos dos artigos 202º, alínea a), e parte final do nº 1 do artigo 193º, nomeadamente por não haver forte indiciação da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos nem se prever que o arguido venha a ser condenado em pena de prisão efectiva - Caberá, em tal hipótese, eleger outra ou outras medidas que, não tendo a desejada eficácia, possam atenuar dentro do possível os alegados perigos - Deixando às entidades competentes (vg, a polícia ou a segurança social) o encargo de, em sede própria e legítima, tomarem as demais providências necessárias - No presente caso, nem há fortes indícios de que a arguida C…….. tenha cometido um crime punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos nem é previsível que, a final, lhe venha a ser cominada pena de prisão efectiva, desse modo tendo violado o princípio da proporcionalidade a decisão que determinou a sua prisão preventiva e mesmo que se antolhe como provável que, restituída a arguida à liberdade, haja alarme social e continuação da actividade criminosa. III DISPOSITIVOAcordam os juízes deste tribunal em: - Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B……… - Conceder provimento ao recurso interposto pela arguida C………, revogando o despacho que ordena a sua prisão preventiva e determinando que a arguida se apresente todas as quartas feiras, às 18 h, na esquadra da PSP da área da sua residência. Custas pelo recorrente Gaspar, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC – artigo 8º, nº 5, do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa. +++ Passe mandados de libertação da arguida C……….Por meio expedito, proceda-se às notificações +++ Porto, 2 de Dezembro de 2010José Manuel Ferreira de Araújo Berros Joaquim Maria Melo Sousa Lima José Manuel Baião Paão |