Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0021602
Nº Convencional: JTRP00031591
Relator: SOARES DE ALMEIDA
Descritores: EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA
TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RP200105220021602
Data do Acordão: 05/22/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 6 V CIV PORTO
Processo no Tribunal Recorrido: 951-A/95-1S
Data Dec. Recorrida: 10/20/1999
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROC EXEC.
Legislação Nacional: CPC95 ART45 N1.
CCIV66 ART805 N1.
Sumário: Instaurada execução para pagamento de quantia certa, com base em sentença que condenou o executado a pagar ao exequente determinada quantia, sem qualquer referência a juros, podem incluir-se na execução os juros de mora, à taxa legal, a contar do trânsito em julgado da sentença, a qual constitui título executivo em relação a esses juros.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto
***
Na execução para pagamento de quantia certa que Raul..... e mulher Sílvia..... instauraram na comarca do Porto contra Amável..... e mulher Maria....., requereram os Exequentes a ampliação do pedido executivo, alegando que à quantia em dívida acrescem juros legais a contar da citação na acção declarativa, os quais, à da propositura da execução, ascendem a 1.366.000$00.
O Sr. Juiz indeferiu o requerimento com fundamento em que os juros pedidos não estavam abrangidos pelo título executivo, decidindo que o objecto da execução ficava limitado à quantia de 4.000.000$00, ou seja, o montante da condenação proferida no acórdão exequendo.
Inconformados, agravaram os Exequentes que, na alegação apresentada, formulam as seguintes conclusões:
- No douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no processo principal, é afirmada a procedência do pedido dos AA., aqui exequentes;
- Pelos mesmos, além do mais, é formulado pedido de juros legais a contar da citação;
- Pelo que, salvo o devido respeito, se entende estarem estes incluídos no título executivo;
- O que se verifica, aliás, na prática, em boa parte dos casos;
- Uma vez que o devedor fica constituído em mora depois de ter sido judicialmente interpelado para cumprir (artigo 805º, nº 1 do Código Civil);
- E dado tratar-se de obrigação pecuniária, são devidos juros legais (artigo 806º, nºs 1 e 2 do Código Civil);
- E neste sentido, nem carecia de constar da sentença, bastando o A. proceder à sua liquidação aquando da respectiva execução;
- Tal como acontece com outros títulos, v. g., cheques, letras, ou livranças, a contar, respectivamente, desde o dia da apresentação e desde a data do vencimento, face às determinações legais (artigos 45º, nº 2 da Lei Uniforme sobre Cheques e artigo 48º, nº 2 da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças);
- Sendo, em casos como o presente, o dia da citação, o dia legalmente determinado a partir do qual hão-de ser contados os juros (artigo 805º, nº3, 1ª parte do Código de Processo Civil);
- Mas a tal não ser entendido, então deverá ser a data do douto acórdão do S.T.J., o dia fixado;
- Ou, ainda, a data do seu trânsito em julgado;
- Ou, a data da propositura da execução;
- Ou, do requerimento para o seu cálculo;
- Ou, finalmente, a data da notificação da penhora e do mais, na execução;
- O que, atento o requerido pelos exequentes, pode ser decidido, de harmonia com o principio ad maiori ad minus;
- Sendo certo que a existência da execução, do despacho determinativo da penhora e a realização desta, faz presumir o não cumprimento voluntário da obrigação pelos executados, e a consequente mora, sendo assim devidos juros legais, como ampliação do vínculo obrigacional, pelo qual passam a ser abrangidos, conforme o disposto no citado artigo 806º, nºs 1 e 2 e 559º, nº 1 do Código Civil;
- Pelo que, sempre salvo o devido respeito, deveria o pedido dos exequentes de liquidação de juros legais ser atendido, ainda que eventualmente apenas em parte;
- Consideram-se violadas as disposições dos artigos 805º, nº 1, 804º, nº l, 806º, nºs 1 e 2, do Código Civil, e 805º do Código de Processo Civil.
Os Executados não contra-alegaram, tendo o Sr. Juiz sustentado o despacho.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
Para o decisão do agravo interessam os seguintes factos:
- Na acção a que se refere o processo principal pediram os Agravantes que se declarasse a resolução do contrato-promessa mencionado na petição inicial e se condenasse os Agravados a restituirem àqueles a quantia de 4.000.000$00, correspondente ao valor em dobro do sinal, ou, assim não sendo entendido, a quantia de 2.000.000$00, igual ao valor do sinal, “acrescida dos índices de preços a contar de 1/1/92 até à data da citação, e de juros legais desde esta até efectivo reembolso”.
- Na parte decisória do Acórdão exequendo acorda-se “em conceder a revista e em revogar a decisão recorrida, julgando-se resolvido o contrato e condenando-se os RR a restituírem aos AA o sinal em dobro, ou seja, a pagarem-lhes a quantia de 4.000.000$00”.
- No ponto 8 do referido Acórdão, equaciona-se a questão de saber se basta a mora para que o promitente comprador possa obter os efeitos previstos no artigo 442º, nº 2 do Código Civil ou se é necessário o incumprimento definitivo do contrato, optando-se por esta segunda tese, e depois de se questionar se terão os AA ou os RR incorrido em situação de incumprimento definitivo, afirma-se que a resposta tem de ser afirmativa, na medida em que a prestação não foi efectuada e já não pode ser cumprida por o prédio ter sido alienado a um terceiro, para depois se concluir: “Procede, assim, o pedido dos AA.”.
***
Toda a execução – diz o artigo 45º, nº 1 do Código de Processo Civil – tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.
Como se ensina no Manual de Processo Civil, 2ª edição, de Antunes Varela e outros, “títulos executivos são os documentos (escritos) constitutivos ou certificativos de obrigações que, mercê da força probatória de que estão munidos, tornam dispensável o processo declaratório (ou novo processo declaratório) para certificar a existência do direito do portador”.
O título executivo corresponde, na acção executiva, à causa de pedir (Eurico Lopes-Cardoso, Manual da acção Executiva, 3ª edição, pág. 23).
Munido de um título de tal natureza, não carece o exequente de justificar o direito que pretende fazer cumprir com a execução.
Pois bem.
Defendem os Agravantes que os juros que pretendem ver executados se encontram abrangidos pelo título executivo.
Vejamos:
O acórdão do STJ, na sua parte decisória, apenas condena os Agravados na restituição do sinal em dobro, ou seja, a pagarem aos Agravantes a quantia de 4.000.000$00.
Não se pronuncia sobre juros, acontecendo que pelo facto de, na sua fundamentação, se referir que procede o pedido dos AA (ora Agravantes), quando é certo que estes pediram juros legais desde a citação, nem por isso se poderá concluir que, implicitamente, foi tal pretensão acolhida.
É que resulta muito claramente do contexto em que aquela afirmação foi feita que o pedido aí tido em vista pelos subscritores do acórdão era apenas o da restituição do sinal em dobro.
No respeitante ao pedido de que a quantia de 4.000.000$00, correspondente ao dobro do sinal, ou, subsidiariamente, a quantia de 2.000.000$00, igual ao valor do sinal, fosse “acrescida dos índices de preços a contar de 7/1/92 até à data da citação, e de juros legais desde esta até efectivo reembolso”, o acórdão é completamente omisso.
Daí que a cobrança coerciva dos juros compreendidos entre a citação dos Agravados para a acção declarativa e o trânsito em julgado do referido acórdão não possa ser pedida nesta execução.
Tal pedido não encontra cobertura no título executivo, ultrapassando consequentemente os limites da acção executiva.
Não tendo o acórdão exequendo condenado no pagamento de quaisquer juros, pode mesmo ser-se tentado, numa primeira aproximação da lei, a concluir que os Agravantes não dispõem de título que cubra sequer o direito aos juros legais a partir do trânsito em julgado daquela decisão.
Há, aliás, abundante jurisprudência nesse sentido.
Por exemplo no Acórdão da Relação de Coimbra de 10-3-87, Col. Jurisp., Ano XII, tomo 2, pág. 67, afirma-se o seguinte:
“Não se nega que a mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor (art. 804º, nº 1), que na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (art. 806º, nº 1), e que a presunção de danos causados pela mora nas obrigações pecuniárias é juris et de jure.
O que se afirma é que, não constando do título executivo a condenação em juros, estes não podem ser pedidos na acção executiva porque nesta não se pode ir além da condenação”.
E um pouco mais à frente:
“Há uma autonomia do crédito de juros, como claramente resulta do art. 561º do Cód. Civil que estabelece que desde que se constitui, o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro”.
Curiosamente constata-se um entendimento oposto quando os títulos dados à execução sejam letras, livranças ou cheques.
Nesse caso, havendo lei que confere ao portador o direito de reclamar, além do pagamento da quantia inscrita no título, juros desde a data do vencimento e certas despesas (conf. artigos 48º e 77º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças e artigo 45º da Lei Uniforme sobre Cheques), tem-se entendido correntemente que tais títulos são exequíveis tanto pelo seu montante como pelos juros e despesas referidas.
Ora nós não vislumbramos por que razão haja de ser assim no caso mencionado e já não quanto aos juros devidos pela mora do pagamento que tenha sido ordenado na decisão condenatória.
No Acórdão desta Relação de 13-5-86 (Proc. nº 19.193, 1ª Secção), precisamente num caso de execução de sentença que se não pronunciara sobre a questão dos juros de mora e em que o exequente incluiu no pedido executivo juros a partir da citação na acção declarativa, decidiu-se que, por falta de título executivo, até ao trânsito em julgado da sentença, não podiam tais juros ser contemplados, mas já deviam ser considerados os juros posteriores a esse momento.
Afirma-se aí o seguinte:
“É de salientar que em qualquer acção só se formula um pedido de juros quando se pretende exigi-los a partir de um momento anterior à sentença (data em que contratualmente a obrigação devia ser cumprida, data da interpelação extrajudicial, data da citação para a acção ...). Se o credor só pretender exigir juros que se vençam a partir da sentença, não tem obviamente que os pedir na acção, omitindo por isso o pedido de juros.
Na verdade, a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória que impôs o pagamento de uma quantia em dinheiro, o devedor fica em situação de mora se não pagar. As consequências dessa mora, no plano da indemnização, resultam directamente de preceitos legais, sendo dispensável por isso que figurem no título executivo”.
O mesmo pensamento se colhe no Acórdão da Relação de Évora de 9-12-88, cujo sumário se encontra publicado no Bol. Min. Just. nº 382, pág. 546, no sentido de que quando a sentença condenatória compreenda uma ordem de cumprimento de obrigação pecuniária e não haja condenação em juros, o pedido do exequente pode abranger o crédito do capital e o dos respectivos juros de mora, à taxa legal, a contar da data da notificação da sentença ao executado.
Em acórdão proferido no Proc. nº 1023/94, 2ª Secção, em que o aqui relator interveio como adjunto, voltou esta Relação do Porto a afastar-se da tese dominante, que assenta numa interpretação literal do citado artigo 45º, nº 1 e não merece, a nosso ver, ser seguida.
E muito recentemente, por Acórdão de 13-3-2001, Proc. 1365/2000, 2ª Secção, com o mesmo relator e os mesmos adjuntos, mais uma vez esta Relação decidiu que os juros posteriores ao trânsito em julgado da sentença que condene no pagamento de uma determinada quantia em dinheiro decorrem directamente da lei, visto a notificação dessa sentença ao devedor valer por interpelação para efeitos do artigo 805º, nº 1 do Código Civil, não sendo por isso necessário que figurem no título executivo.
Assim, a nosso ver, e uma vez que a requerida ampliação do pedido é apenas o desenvolvimento do pedido primitivo, nada impedia que os Agravantes estendessem a execução aos juros legais a partir do trânsito em julgado do acórdão exequendo (artigo 273º, nº 2, segunda parte, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo de execução, com as necessárias adaptações, conforme disposto no artigo 466º, nº 1 do mesmo Código).
***
Nos termos expostos, dando-se parcial provimento ao agravo, revoga-se o despacho recorrido, admitindo-se a ampliação do pedido executivo aos juros legais a contar do trânsito em julgado do acórdão dado à execução, a qual deverá prosseguir seus termos para cobrança coerciva de tais juros vencidos até 29-3-2000, data em que, conforme se vê do termo de fls. 80, foi entregue aos Agravantes precatório cheque no montante de 4.000.000$00, para pagamento da quantia exequenda.
Sem custas, por delas estarem isentos os Agravados, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea o) do Código das Custas Judiciais.
Porto, 22 de Maio de 2001
Armando Fernandes Soares de Almeida
Pedro Silvestre Nazário Emérico Soares
Eurico Augusto Ferreira Seabra