Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1201/11.1TBSTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AMARAL FERREIRA
Descritores: DESPEJO
OBRAS NÃO AUTORIZADAS
Nº do Documento: RP201202231201/11.1TBSTS.P1
Data do Acordão: 02/23/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: As obras não autorizadas que impliquem alterações substanciais do prédio arrendado, ainda que amovíveis e construídas no seu logradouro pelo inquilino, tornam inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento, pelo que justificam a declaração de resolução do contrato ao abrigo do NRAU.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: TRPorto.
Apelação nº 1201/11.1TBSTS.P1 - 2012.
Relator: Amaral Ferreira (674).
Adj.: Des. Deolinda Varão.
Adj.: Des. Freitas Vieira.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO.

1. B… instaurou, em 17/3/2011, no Tribunal Judicial de Santo Tirso, contra C…, acção declarativa de despejo, com forma de processo sumário, pedindo, com fundamento na realização de obras não autorizadas no arrendado, que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento e a R. condenada e ver decretada tal resolução bem como a entregar-lhe o arrendado, livre de pessoas e de coisas.
Para tanto alega que: por contrato escrito, deu de arrendamento a D…, e para habitação deste, com início em 1/7/1985, o 1º andar do prédio de que é proprietário, composto de rés-do-chão, andar e logradouro, sito na …, nº …, freguesia de …, concelho da Trofa, inscrito na matriz predial urbana sob o artº 163º; por morte do arrendatário, o arrendamento transmitiu-se para o seu cônjuge, a ora R.; o prédio em que se situa o arrendado confronta com a … pelos lados norte e nascente, localizando-se a entrada principal do lado nascente, onde existe um portão de ferro, ladeado por duas colunas de cimento, cuja transposição permite o acesso ao logradouro e à escada que conduz ao 1º andar, composta por 9/10 degraus; há alguns meses a R. criou no logradouro do prédio uma dependência, com a área aproximada de 6 m2 e uma altura superior a 2 metros, situada no lado direito para quem transponha o aludido portão, a qual ocupa o espaço compreendido entre a escada que dá acesso ao 1º andar, tendo colocado uma cobertura metálica no referido espaço, encimada com plástico, e esteiras escuras no muro de vedação, bem como uma cortina exterior, opaca, no espaço abrangido por uma janela aberta, ao nível do rés-do-chão, na parede nascente do prédio; a cobertura metálica está ligada por uma barra de ferro à coluna de cimento que ladeia pelo lado direito o portão; por causa dessa dependência um dos quartos do rés-do-chão, que se encontra ocupado por outro inquilino, ficou privado da entrada da luz solar, já que a outra janela de tal quarto está voltada para norte, em que a …, na qual existem outras casas de habitação, tem uma largura não superior a 1,5 metros, o que potencia o aparecimento de humidades; por outro lado, dispondo o 1º andar do prédio uma escada interior para acesso a uma dependência existente sobre o andar, com a área de 10/12 m2, dependência que, por sua vez, dá acesso a uma varanda colocada por cima da porta pela qual se entra para o 1º andar, e sendo o espaço compreendido entre as paredes exteriores de tal dependência e as extremidades dos lados nascente, norte e sul do prédio, por telhados, a R. levou a cabo uma ampliação da área disponível daquela dependência, tendo eliminado as paredes dos lados norte e sul da mesma ou, pelo menos, nelas abriu uma porta, por forma a ocupar o referido espaço, no qual colocou um piso térreo de cimento ou de madeira sobre os telhados, separando o novo espaço que criou do exterior da casa, com paredes metálicas, plásticas ou de fibrocimento, cobrindo o tecto com os mesmos materiais, tendo ainda, no lado esquerdo do novo espaço, aberto uma janela; as obras efectuadas pela R. não foram por ele autorizadas.

2. Regular e pessoalmente citada, a R. não apresentou contestação, pelo que foi proferida sentença que, depois de afirmar a validade e regularidade da instância, considerando confessados os factos articulados pelo A., julgou a acção procedente e, decretando a resolução do contrato de arrendamento, condenou a R. a entregar imediatamente o locado, livre de pessoas e bens.

3. Inconformada, apelou a R. que, nas respectivas alegações, formula as seguintes conclusões:
1ª: As obras dos autos não são de tal modo graves nem de tais consequências que tornem inexigível ao senhorio a manutenção do contrato de arrendamento.
2ª: A sentença recorrida violou o disposto nos nºs 1 e 2 (corpo) do artº 1083º do Código Civil.
Termos em que, dando-se provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se a acção improcedente, absolvendo-se a R. do pedido, se fará JUSTIÇA!

4. Tendo o A. contra-alegado a sustentar a manutenção da decisão recorrida, colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

1. Os factos a atender no recurso são os que se deixaram relatados, nomeadamente considerando provados os alegados pelo A. e descritos em I.1., face à revelia da R.

2. Sendo o objecto dos recursos balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, que neles se apreciam questões e não razões e que não visam criar decisões sobre matéria nova, e estando o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a questão suscitada é a de saber se obras efectuadas pela recorrente no arrendado constituem fundamento de resolução do contrato de arrendamento.

Apreciemos, esclarecendo-se que, tendo a acção sido instaurada em 17/3/2011 e reportando o A. a realização das obras invocadas como fundamento de resolução do contrato de arrendamento a alguns meses, ao caso dos autos é de aplicar o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27/2, bem como as alterações por essa lei introduzidas ao Código Civil, repondo os artºs 1064º a 1113º, com nova redacção, entre os quais se inclui o artº 1083º, que regula os fundamentos de resolução do contrato de locação, que se aplicam aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, que ocorreu em 28/6/2006, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, interpretando tais normas à luz do artigo 12º do Código Civil (aplicação da lei no tempo).
O regime anterior ao actual, ou seja, o aprovado pelo DL nº 321-B/90, de 15/10, (RAU), descrevia taxativamente, no nº 1 do artº 64º, quais as infracções contratuais praticadas pelo locatário que podiam constituir fundamento de resolução do contrato de arrendamento por parte do senhorio.
Entre essas infracções contratuais figurava, na al. d), a seguinte: “Fizer no prédio, sem consentimento escrito do senhorio, obras que alterem substancialmente a sua estrutura externa ou a disposição interna das suas divisões, ou praticar actos que nele causem deteriorações consideráveis, igualmente não consentidas e que não possam justificar-se nos termos dos artigos 1043º do Código Civil ou 4º do presente diploma”.
Como consta expressamente desse preceito legal, o que constituía fundamento da resolução do contrato era a realização de obras “sem consentimento escrito do senhorio” e “que alterassem substancialmente a sua estrutura externa ou a disposição interna das suas divisões”. Não era, portanto, a mera realização de quaisquer obras no locado.
Refere, a propósito, o acórdão do STJ de 8/04/2010, www.dgsi.pt., que “o fundamento de resolução do contrato de arrendamento aludido na al. d) do nº 1 do artº 64º do RAU visa sancionar a violação, por parte do arrendatário, do direito de transformação do imóvel, que pertence ao proprietário: a ratio do preceito é impedir que o arrendatário avoque e faça seus, poderes que cabem exclusivamente ao proprietário, e que a lei não tolera sejam exercidos por outrem, justificando-se, por isso, que o senhorio possa pôr termo ao contrato se o arrendatário o faz, procedendo à transformação da coisa locada e destruindo o equilíbrio contratual que é pressuposto do contrato de arrendamento”.
Competia, assim, ao autor provar, nos termos do artº 342º, nº 1, do Código Civil, os seguintes dois requisitos, que eram de verificação cumulativa: 1º) que as obras tinham sido feitas “sem o consentimento escrito do senhorio”, e portanto, eram obras ilícitas; 2º) que alteravam substancialmente a estrutura externa do imóvel ou a disposição interna das suas divisões, e, nessa medida, seriam prejudiciais ao locado.
Ao inquilino competia alegar e provar os factos impeditivos da resolução do contrato (artº 342º, nº 2, do Código Civil), designadamente, sendo caso disso, que realizara as obras com autorização escrita do senhorio, ou que as obras realizadas não interferiam com a estrutura externa do imóvel nem alteravam a disposição interna das suas divisões.
O regime actualmente vigente, introduzido pela referida Lei nº 6/2006, alterando substancialmente o regime anterior, criou uma cláusula geral resolutiva, que descreve os requisitos gerais para a resolução do contrato por qualquer das partes, limitando-se a indicar alguns exemplos de incumprimento do locatário (cfr. a expressão “designadamente quanto à resolução pelo senhorio”) que podem dar lugar à resolução do contrato pelo senhorio verificados que sejam, obviamente, os requisitos constantes daquela cláusula geral resolutiva.
Essa cláusula geral resolutiva consta dos nºs 1 e 2 do artº 1083º do Código Civil, que dispõem do seguinte modo:
“1 - Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.
2- É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento …”.
São, portanto, requisitos gerais da resolução do contrato, no âmbito do novo regime:
1) o incumprimento da outra parte, que se presume culposo (artº 799º do Código Civil);
2) que o incumprimento seja grave e altere o equilíbrio da relação locatícia;
3) e que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento.
Face ao novo regime, qualquer incumprimento, mesmo que não expressamente referido nas alíneas do nº 2 do artº 1083º do Código Civil (diploma a que pertencerão os demais preceitos legais doravante citados, sem outra indicação de origem), pode ser fundamento de resolução do contrato de arrendamento, contanto que “pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”; mas, por outro lado, todos os comportamentos descritos nas mesmas alíneas têm de preencher os requisitos da aludida cláusula geral, isto é, têm de atingir um grau de gravidade e gerar consequências tais que não seja razoavelmente exigível ao senhorio (de um ponto de vista objectivo) a manutenção do contrato com o locatário infractor (cfr. Fernando Baptista de Oliveira, A Resolução do Contrato no Novo Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 2007, págs. 29/30).
Assim, apesar de entre os incumprimentos do locatário mencionados no nº 2 do artº 1083º, ter deixado de figurar o relativo a obras realizadas pelo locatário não autorizadas pelo senhorio e que não possam justificar-se nos termos dos artºs 1036º e 1074º, nºs 2 e 3, como se referiu anteriormente, tal não significa que esse comportamento não constitua causa de resolução pelo senhorio. O que agora se exige é que constitua uma infracção contratual de tal modo grave e com tais consequências ao nível da relação locatícia que torne inexigível ao senhorio manter o arrendamento.
Provado que o autor, como senhorio, não autorizou a R. a realizar no locado as obras que vêm descriminadas na petição inicial e acima descritas em I.1., apreciemos se elas constituem fundamento de resolução do contrato de arrendamento, questão a que o Tribunal recorrido respondeu afirmativamente e a que a recorrente contrapõe não serem suficientemente graves nem de consequências tais que tornem inexigível ao senhorio a manutenção do contrato de arrendamento.
Portanto, a questão colocada pelo recurso está em saber se tais obras têm gravidade e consequências de tal ordem que tornem inexigível a manutenção do contrato.
Segundo Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, pág. 93, “todas as obras e deteriorações não permitidas passaram a poder basear a justa causa de resolução” e, neste caso, “face à sua importância e extensão, não poderão deixar de ser consideradas, designadamente as demolições de paredes e nova construção, o tapamento de portas e a abertura de novas portas”, autor que igualmente sustenta que todas as obras e deteriorações que não sejam permitidas pelas disposições do Código Civil anteriormente citadas “passaram a constituir fundamento de resolução do contrato, independentemente das suas características”, justificando que “o arrendatário só limitadamente tem poderes de transformação da coisa locada, pelo que a sua realização pelo arrendatário constitui uma infracção contratual que determina a resolução do contrato, uma vez que neste caso é manifestamente inexigível ao senhorio a sua manutenção”.
Porém, este entendimento não é pacífico. Fernando Baptista de Oliveira, obra citada, pág. 98, comentando essa interpretação, contrapõe que as coisas não devem ser vistas desta forma simplista e/ou radical. Se é certo que nada obsta a que o senhorio accione o arrendatário sempre que este proceda a obras ou deteriorações no prédio que se não insiram nas que lhe é lícito realizar, tal não significa que a verificação de tais obras ou deteriorações leve, sem mais, à resolução do contrato. É que, além da prova de tais obras ou deteriorações, sempre lhe será exigível a alegação e prova de que as mesmas, “pela sua gravidade e consequências, tornam inexigível a manutenção do arrendamento”, que não é requisito de funcionamento automático ou que se possa presumir.
Também aponta neste sentido a jurisprudência.
O acórdão deste Tribunal de 12/11/2009, www.dgsi.pt., considerou a este respeito, já no âmbito da nova lei (NRAU), que “a realização de obras, de conservação ordinária ou extraordinária, no arrendado, sem que o respectivo contrato de arrendamento o permita e sem autorização por escrito do senhorio, é ilícita e corresponde a um incumprimento contratual, susceptível de, à luz do que, actualmente, dispõe o art. 1083º, nºs 1 e 2, na redacção que lhe foi introduzida pelo NRAU (Lei nº 6/06, de 27/02), determinar a resolução do contrato, desde que esse incumprimento se revista de gravidade ou tenha consequências tais que tornem inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento”. Mais considerou ainda que “essa inexigibilidade (que é um conceito indeterminado) … há-de determinar-se, essencialmente, sob uma perspectiva de lesão dos interesses materiais do senhorio, nomeadamente pela acção do arrendatário que desvalorize o locado e a correspondente procura, e já não tanto em atenção a outros valores ou princípios de ordem imaterial, por ser o sentido que se retira das situações que o legislador consagrou no nº 3 do citado artº 1083º, em que presumiu a inexigibilidade, todos eles referentes a lesões de ordem patrimonial na esfera do senhorio (mora superior a três meses no pagamento da renda ou no pagamento de encargos ou despesas e oposição do arrendatário à realização de obra ordenada pela autoridade pública)”.
Nesta perspectiva, sufragamos o entendimento de que, seja qual for o tipo de incumprimento contratual do locatário, incluindo o que respeita à realização de obras ou deteriorações ilícitas, a sua relevância para efeitos de resolução do contrato tem que ser ponderada casuisticamente, em face das circunstâncias concretas de cada infracção, em não de forma mais ou menos automática consoante a natureza da violação contratual em causa.
O arrendatário tem o direito à fruição do prédio objecto do contrato, devendo o senhorio entregar-lho e assegurar-lhe esse gozo (artº 1031º). Todavia, só ao senhorio, como proprietário, compete o poder de transformação do prédio. Pode, contudo, o arrendatário realizar pequenas deteriorações para assegurar o seu conforto e comodidade e deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato caso em que devem ter-se como autorizadas tais obras, porque decorrem da vinculação da vontade do senhorio à finalidade concedida para o arrendamento.
A generalidade da doutrina sustenta que a demolição de paredes ou actos semelhantes pelo locatário, sem autorização do senhorio/proprietário do prédio locado e em violação do dever de manutenção do locado previsto no artº 1043º do Código Civil, constitui, em regra, uma infracção de tal gravidade que “torna inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”. Assim sendo, é considerada como fundamento de resolução do contrato, nos termos previstos no nº 2 do artº 1083º [cfr., neste sentido, Pedro Romano Martinez, Cessação do Contrato, 2ª edição, pág. 349, e Fernando Baptista de Oliveira, obra citada, pág. 97, que refere ainda que as deteriorações (graves ou consideráveis) são todas aquelas que não são inerentes ao uso prudente do imóvel, nem as que, sendo pequenas, sejam necessárias para assegurar o conforto ou a comodidade do arrendatário].
Ao arrendatário apenas cabe o gozo temporário do locado e, por isso, quando ele pratica actos de transformação, está a invadir a esfera patrimonial do dono do prédio, o que a lei sanciona com o despejo, por em causa estar uma grave perturbação na economia contratual, em que o inquilino se arroga poderes próprios do domínio.
A transformação ou alteração da coisa locada não é conforme aos fins da locação. O locatário que pratica actos que excedem os seus poderes de fruição ofende o direito de propriedade do proprietário, infringindo uma cláusula essencial do contrato.
Na vigência do RAU era entendimento da doutrina e da jurisprudência que o advérbio «substancialmente» constante da al. d) do nº 1 do artº 64º tinha o sentido de consideravelmente, havendo fundamento para a resolução do contrato quando as obras pudessem, de forma relevante, alterar o aspecto externo ou a disposição externa do prédio.
Excluíam-se as alterações de pequena monta como, por exemplo, as emergentes do rasgamento de paredes para a instalação de equipamentos de climatização (ar condicionado), da instalação de postes e antenas para equipamentos audiovisuais, da colocação de quadros, gravuras, suportes, da fixação de cabides e armários, de candeeiros e lanternas, sanefas e outros adornos, a abertura de um postigo e demais obras de pequena monta - Mário Frota, Arrendamento Urbano, 1987, págs. 225/226.
O advérbio «substancialmente» era ainda entendido como expressando uma ideia de perenidade, encontrando-se excluídas as obras transitórias, que pudessem ser retiradas a todo o momento, por terem sido utilizados materiais facilmente destacados ou quando a todo o tempo pudesse retirar o que fizera, não relevando, v.g., a vedação e o envidraçamento de um terraço, porque a todo o tempo desmontáveis, ficando abrangidas as que implicassem uma modificação irreparável ou irremediável, com prejuízo funcional ou estético de carácter permanente, não possibilitando a normal reposição do prédio no seu estado anterior.
Tudo está, pois, em saber se as alterações introduzidas pela ré no locado se devem impor ao senhorio por força do princípio da boa fé, tendo em conta o fim do contrato, ou, por outras palavras, se não decorrerá deste princípio a faculdade de a ré, no caso em apreço, fazer essas obras para poder ser alcançado o objectivo do arrendamento.
Adiantando a solução, entende-se que a resposta não pode deixar de ser negativa.
Estando-se perante obras realizadas no exterior do arrendado nada permite concluir no sentido de que elas se destinaram a alcançar o fim do contrato, ou seja a habitação.
Desde logo, porque se de logradouro se trata, não se destina a assegurar o seu conforto e comodidade e não constitui deterioração inerente a uma prudente utilização, a dependência nele criada pela ré, até porque, por causa dela, um dos quartos do rés-do-chão, que se encontra ocupado por outro inquilino, ficou privado de entrada de luz solar, o que potencia o aparecimento de humidades, além de que cria um novo espaço não incluído no contrato.
Mas, ainda que se concedesse, com alguma benevolência, que se trata de obra lícita, porque amovível e, portanto sem carácter de perenidade, já a ampliação da área disponível da dependência existente sobre o andar que, por sua vez dá acesso a uma varanda colocada por cima da porta de entrada para o 1º andar, assuma um carácter de perenidade e alterou a estrutura externa do prédio.
Efectivamente, essa ampliação implicou a eliminação das paredes dos lados norte e sul da dependência existente ou, pelo menos, a abertura nelas de uma porta, por forma a ocupar o espaço compreendido entre as paredes exteriores de tal dependência e as extremidades dos lados nascente, norte e sul do prédio, no qual colocou um piso térreo de cimento ou madeira sobre os telhados, separando o novo espaço que criou do exterior da casa com paredes metálicas, plásticas ou de fibrocimento, cobrindo o tecto com os mesmos materiais e tendo, no lado esquerdo do no espaço aberto uma janela.
Ora, tais obras, pela sua gravidade e consequências, tornam inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento, não só porque, perante o NRAU, não são permitidas quaisquer obras que se não incluam nas permitidas pelos artºs 1043º, nº 1, 1073º, nº 1, e 1074º, nº 2, nas quais não se incluem as realizadas pela ré, como se trata manifestamente de obras que implicaram alterações substanciais na medida em que não só levaram à criação de duas novas divisões, como uma delas alterou a configuração exterior do prédio, a justificar a declaração de resolução do contrato.
Justifica-se, pois, a declaração de resolução do contrato.

III. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
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Custas pela apelante.
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Porto, 23/02/2012
António do Amaral Ferreira
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Evaristo José Freitas Vieira