Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0634126
Nº Convencional: JTRP00039615
Relator: AMARAL FERREIRA
Descritores: DESPACHO SANEADOR
CASO JULGADO
RECONVENÇÃO
Nº do Documento: RP200610190634126
Data do Acordão: 10/19/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: LIVRO 687 - FLS 159.
Área Temática: .
Sumário: I - O despacho saneador só constitui caso julgado relativamente às excepções e nulidades referidas na alínea a) do nº 1 do artº 510º do CPCivil (diploma a que pertencerão os demais preceitos legais a citar, sem outra indicação de origem), como é o caso da legitimidade, se tais questões forem concretamente apreciadas, isto nos termos do nº 3 do mesmo artº 510º.
II - A reconvenção, enquanto pedido substancial (não apenas formal) e autónomo, transcende a simples defesa conducente à improcedência da pretensão do autor, algo acrescentando à matéria da defesa deduzida, mas, como defesa (destinada a excluir a existência do direito que se quis fazer valer na acção), podem os factos que a integram ser tidos em consideração.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO.

1. B………., instaurou, no Tribunal da Comarca de Ovar, contra C……….. e mulher, D………., a presente acção declarativa, com forma de processo ordinário, pedindo a condenação dos RR. a reconhecerem-no como dono e único proprietário do prédio que identifica, a restituírem-lho livre e devoluto e a pagarem-lhe a mensalidade de Esc. 60.000$00 desde a citação até integral pagamento.
Alega para tanto, em resumo, que o prédio que reivindica lhe foi doado pelos anteriores proprietários, encontrando-se registado a seu favor, mas que sempre o teria adquirido por usucapião, que invoca, encontrando-se os RR. a habitá-lo por mera tolerância dos anteriores proprietários e recusando-se a entregá-lo, e que, se o mesmo estivesse arrendado, daria um rendimento mensal não inferior a Esc. 60.000$00.

2. Os RR. apresentaram contestação na qual, impugnando parcialmente os factos alegados pelo A., invocam a nulidade, por simulação, da doação e, se assim se não entender, a figura do abuso do direito, e, deduzindo pedido reconvencional, pedem, além da declaração de nulidade da doação e do cancelamento do registo com base nela efectuado a favor do A., o reconhecimento do seu direito de retenção sobre o prédio reivindicado, por força de contrato-promessa que celebraram com os doadores e sujeito a execução específica, tendo para o efeito instaurado acção que corre termos e que identificam, sendo seus legítimos possuidores, mais peticionando a condenação do A. como litigante de má fé, no pagamento de multa e indemnização.

3. Respondeu o A. no sentido da improcedência da reconvenção e concluindo como na petição.

4. Em consequência do pedido reconvencional a acção passou a seguir os termos do processo ordinário e, tendo posteriormente sido fixado à causa o valor de Esc. 32.000.000$00 (159.615,33 Euros), após de realização de tentativa de conciliação, que resultou infrutífera, foi proferido despacho saneador que, depois de admitir o pedido reconvencional formulado pelos RR., declarou a matéria assente e elaborou base instrutória, que se fixaram sem reclamações.

5. Efectuado o julgamento com gravação e observância do formalismo legal sem que as respostas dadas à matéria de facto controvertida tivessem sido objecto de censura, foi proferida sentença que, julgando improcedente a acção e procedente a reconvenção, declarou nula a doação, ordenou o cancelamento do registo com base nela efectuado a favor do A. e reconheceu aos RR. o direito de retenção sobre o imóvel reivindicado.

6. Inconformado, interpôs o A. o presente recurso de apelação, rematando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1ª: Os RR. apenas deduziram pedido de anulação da escritura de doação do imóvel reivindicado contra o donatário.
2ª: Da noção legal de doação constante do artigo 940º do C.C. e da sua caracterização como contrato, se infere que, para além do beneficiado com a doação, o negócio respeita a uma outra pessoa que é o doador.
3ª: Na sequência de um pedido apenas deduzido contra o donatário, sem que o mesmo tivesse sido deduzido contra os doadores, para que eles se pudessem defender da acusação de simulação, que tanto os afecta a eles como ao que já era autor no processo, a sentença recorrida nunca poderia ter decretado a nulidade da doação.
4ª: Pelo exposto, e porque o tribunal não pode resolver um conflito de interesses sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição e ainda porque nos termos do artigo 28º do CPC, se a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade, se constata a existência de litisconsórcio necessário passivo no que concerne ao pedido em referência pelo que o mesmo jamais poderia ter procedido sem que tivesse sido deduzido, também, contra os doadores, o que não sucedeu.
E, depois de referir que a sentença violou o disposto nos artºs 3º e 28º do Código de Processo Civil e 940º do CC, termina pelo provimento do recurso, com a revogação da sentença que, na impossibilidade de considerar nula a doação, deverá reconhecê-lo como único proprietário da fracção reivindicada com as demais consequências legais, como é de inteira Justiça.

7. Não foram oferecidas contra-alegações.

8. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

1. Na sentença apelada foram dados como provados os seguintes factos:
a) Por escritura pública realizada em 19/1/1999, E………. e mulher, F………., declararam doar ao autor, seu filho, e este declarou aceitar a fracção autónoma de um prédio urbano em regime de propriedade horizontal designada pela letra N, correspondente ao primeiro andar direito e destinada a habitação, com garagem privativa na cave identificada com a mesma letra, inscrita na matriz sob o artigo 11104 N e descrita na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o nº5063 N [A) dos factos assentes];
b) Tal imóvel encontra-se registado em nome do autor [B) dos factos assentes];
c) Foram aqueles E………. e F………. que construíram o imóvel referido sob o número 1 num terreno da sua propriedade, pagaram os respectivos impostos e extraíram dele todos os benefícios, o que fizeram desde há mais de 10, 20 e 30 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de forma continuada e actuando na convicção de que eram os legítimos possuidores do mesmo [respostas aos quesitos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º];
d) Em 30 de Janeiro de 1997, E………. e F………. assinaram um contrato-promessa de compra e venda da referida fracção aos ora réus [C) dos factos assentes];
e) Relativamente a tal contrato-promessa, correu termos pelo .º Juízo do Tribunal de Ovar uma acção ordinária com o nº…/99 movida por E……… e F………. aos ora réus, na qual foi proferida decisão, transitada em julgado em 29 de Janeiro de 2001 (após confirmação pelo Tribunal da Relação do Porto e depois pelo STJ), a julgar procedente o pedido reconvencional ali formulado pelos ora réus (no qual se imputava aos ali autores o incumprimento de tal contrato-promessa e se pedia a execução específica do mesmo) e, na decorrência de tal procedência, a considerar transmitido a favor dos réus o direito de propriedade sobre a fracção autónoma identificada sob o número 1 [D) dos factos assentes];
f) Os RR. ocupam a mencionada fracção por tal lhes ter sido consentido por aqueles E………. e F……… e ocupam-na contra a vontade do autor [respostas aos quesitos 8º e 9º];
g) Relativamente ao contrato-promessa referido sob o número 4, os aqui réus marcaram a escritura definitiva de compra e venda, no Cartório Notarial de Ovar, para o dia 3 de Fevereiro de 1998, e aqueles E………. e F………. não a assinaram [respostas aos quesitos 13º e 14º];
h) Quando outorgaram a escritura de doação referida sob o número 1, E………. e F………. sabiam que tinham prometido vender a referida fracção aos réus, tendo recebido dinheiro de sinal e dado a posse da fracção a estes [resposta ao quesito 15º];
i) Já tinham comparecido à escritura para se recusarem a outorgá-la, exigindo mais dinheiro do que tinha sido acordado, e já tinham intentado a acção judicial referida sob o número 5, tendo já sido notificados da contestação-reconvenção dos réus, em que estes pediam o cumprimento do contrato por recurso à execução específica [respostas aos quesitos 16º e 17º];
j) O autor tinha conhecimento de todos os factos anteriormente referidos sob os números 8 e 9 [resposta ao quesito 18º];
l) O autor e aqueles E………. e F………., seus pais, apenas outorgaram a mencionada escritura de doação com a intenção de prejudicar os réus, pois aqueles E………. e F………. nunca quiseram doar o referido prédio ao autor nem este quis aceitar tal doação [respostas aos quesitos 19º e 20º];
m) Com tal doação o autor e seus pais apenas quiseram passar o direito de propriedade para terceira pessoa de modo a que o contrato-promessa e a execução específica a que estava sujeito fosse inoponível [resposta ao quesito 21º];
n) Aquando da celebração da referida escritura de doação, o autor tinha conhecimento que os réus ocupavam a fracção e que a haviam prometido adquirir a seus pais e sabia da pendência da acção judicial referida sob o número 5 [respostas aos quesitos 22º e 23º];
o) Tal fracção se estivesse arrendada daria um rendimento nunca inferior a 60.000$00 [resposta ao quesito 12º]

2. Tendo em consideração que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se trate de questões de conhecimento oficioso (artºs 684º, nº 3, e 690º, nos 1 e 3, do CPCivil), e que os recursos não visam criar decisões novas sobre matéria nova, as questões a resolver são as de saber se relativamente ao pedido reconvencional deduzido pelos RR. estamos perante uma situação de litisconsórcio necessário passivo e se a acção deve proceder.

O A. instaurou a presente acção de reivindicação do imóvel que identifica contra os RR. invocando que ele lhe foi doado pelos anteriores proprietários, se encontra registado a seu favor e que sempre o teria adquirido por usucapião.
Contestaram os RR. e, para além de impugnarem os factos alegados pelo A., invocam a nulidade da doação, por simulação, e deduzem pedido reconvencional em que pedem, além da declaração de nulidade da doação e o cancelamento do registo com base nela efectuado a favor do A., o reconhecimento de que gozam de direito de retenção sobre o imóvel.
Tendo a sentença julgado improcedente a acção e procedente a reconvenção, defende o A. que, relativamente ao pedido reconvencional, a falta dos doadores na acção é fundamento de ilegitimidade, por se estar perante uma situação de litisconsórcio necessário passivo e que a acção deve, portanto, proceder.

Em primeiro lugar há que referir que, apesar de no despacho saneador se terem declarado as partes legítimas, ele não faz caso julgado formal.
É que o despacho saneador só constitui caso julgado relativamente às excepções e nulidades referidas na alínea a) do nº 1 do artº 510º do CPCivil (diploma a que pertencerão os demais preceitos legais a citar, sem outra indicação de origem), como é o caso da legitimidade, se tais questões forem concretamente apreciadas, isto nos termos do nº 3 do mesmo artº 510º.
Ora nesse despacho, a fls. 148, a legitimidade das partes é tratada genericamente (“as partes são legítimas”), pois não foi suscitada pelo A., relativamente ao pedido reconvencional, a questão da preterição do litisconsórcio necessário passivo, por não terem sido demandados os doadores, e o juiz também se não pronunciou expressamente sobre ela.
Esta questão - de saber se o despacho saneador genérico produzia caso julgado formal quanto à ocorrência dos pressupostos (v.g. a competência, a capacidade e a legitimidade), fora do caso da competência em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia -, que era controvertida no direito anterior, no que se refere à legitimidade, foi resolvida em sentido afirmativo pelo Assento do STJ de 1/2/63, BMJ 124, pág. 414, pelo que não era mais possível, depois do despacho saneador que, sem mais, declarasse as partes legítimas, levantar questão que pusesse em causa a legitimidade do A. ou do R., a menos que, como se decidiu no Ac. STJ de 5/7/84, BMJ 339, pág. 370, factos supervenientes pusessem em causa a legitimidade da parte segundo o entendimento do Prof. Alberto dos Reis – cfr. J. Lebre de Freitas, CPCivil Anotado, 2º Vol., pág. 371.
Mas, após a entrada em vigor do DL nº 329-A/95, de 12/5, que veio alterar, nos termos acima referidos, a redacção do citado artº 510º, a declaração genérica feita no saneador sobre a legitimidade das partes não faz caso julgado formal, não vigorando já o assento do STJ de 1.2.1963, como se entendeu no Ac. do STJ de 3/5/2000, CJSTJ, tomo II, 41.
Portanto, nada impede que seja apreciada a excepção dilatória em causa.

O artº 28º coloca-nos perante a figura do litisconsórcio necessário, que pode ser activo (pluralidade de autores) ou passivo (pluralidade de réus).
No caso dos autos interessa a figura do litisconsórcio passivo porquanto é relativa à reconvenção, que configura uma contra-acção do réu contra o autor, por virtude da qual a relação processual adquire um conteúdo novo, em que o último assume a posição de réu e o primeiro a de autor.
Desde que a relação jurídica em si se acha estabelecida entre uma pluralidade de sujeitos passivos, o que é normal é que, em caso de conflito, surja a figura do litisconsórcio, ou seja, que a acção seja proposta contra todos os interessados do ponto de vista passivo.
Sempre que a lei, o contrato ou a própria natureza da relação jurídica, exigir a intervenção de todos os interessados, tem a acção de ser proposta contra todos os interessados sob pena de ilegitimidade. As partes são ilegítimas, não por falta de interesse mas por o interesse não poder ser declarado sem o concurso de todos os titulares. E, precisamente por se tornar indispensável a presença de todos os interessados, sob pena de ilegitimidade, é que o litisconsórcio reveste, nos casos referidos, a feição de necessário.
Portanto, a exigência da intervenção de todos os interessados pode resultar da lei, do negócio (contrato) e da natureza da relação jurídica, neste último caso desde que ela seja necessária para que a decisão produza o seu efeito útil normal.
O efeito útil normal da sentença é declarar o direito de modo definitivo, formando o caso julgado material. Se este resultado não puder conseguir-se sem que estejam em juízo todos os interessados, estamos em presença dum caso de litisconsórcio necessário, emanado da própria natureza da relação jurídica.
Não se trata de impor o litisconsórcio para evitar decisões contraditórias nos seus fundamentos, mas de evitar sentenças inúteis por, por um lado, não vincularem os terceiros interessados e, por outro, não poderem produzir o seu efeito típico em face apenas das partes processuais.

No caso dos autos e no tocante à reconvenção, estamos perante uma verdadeira situação de litisconsórcio necessário passivo, na modalidade descrita no nº 2 do artigo 28º.
Dispõe este preceito que “É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado”.
Esclarecendo o sentido e alcance da expressão “efeito útil normal”, Alberto dos Reis, escreve que “o efeito útil normal da sentença é declarar o direito de modo definitivo, formando caso julgado material (...). Se este resultado não puder conseguir-se sem que estejam em juízo todos os interessados, estaremos em presença dum caso de litisconsórcio necessário emanada da própria natureza da relação jurídica. Por outras palavras, se a relação litigiosa for de tal natureza, que, para se formar caso julgado substancial, seja indispensável que a sentença vincule todos os interessados, todos eles têm de figurar na acção, visto, por um lado, ser inadmissível que se profira uma sentença inútil, e, por outro, ser intolerável, em princípio, que uma sentença tenha eficácia contra interessados directos que não foram chamados à acção” (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, págs. 95-96).
O litisconsórcio necessário em razão da natureza da relação jurídica surge, como se pode concluir, no domínio das acções constitutivas, que visam modificar um estado ou um acto jurídico que se apresenta com carácter de unidade em relação a várias pessoas (idem, pág. 95).
“A pedra de toque do litisconsórcio necessário é, pois, a impossibilidade de, tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, declarando o direito ou realizando-o, ... sem a presença de todos os interessados, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar” – J. Lebre de Freitas, obra citada, pág. 58.

É uma acção desse tipo que está em causa na reconvenção deduzida nos presentes autos: os réus pretendem a declaração de nulidade da doação do imóvel ao A., por simulação, e, desse modo, a acção visa alterar esse acto jurídico, o que implica que o imóvel regresse à titularidade dos doadores. Estamos, portanto, perante uma relação jurídica cuja natureza pressupõe uma solução unitária ou, dito de outro modo, perante uma relação jurídica bilateral, cuja resolução exige necessariamente a presença do seus titulares (doadores e donatário).
Ora, os doadores, que não foram chamados à acção, não tiveram oportunidade processual de se pronunciar sobre questão que lhes dizia directamente respeito e afectava a sua esfera jurídica.
As consequências que, no plano jurídico, a decisão da primeira instância acarreta bem revela que estamos perante um caso de litisconsórcio necessário.
Como prevê o artigo 28º, n.º 1, do CPC, a falta de um dos interessados na relação controvertida, em caso de litisconsórcio necessário, é motivo de ilegitimidade.
O juiz poderia ter providenciado pelo suprimento da falta desse pressuposto processual, convidando a parte a corrigir a deficiência [artºs 265º, n.º 2, e 508º, nº 1, al. a)], mas não o tendo feito, não é agora possível.
Resta, pois, declarar a absolvição da instância do apelante por ilegitimidade passiva, no que se refere aos pedidos reconvencionais deduzidos pelos apelados.

Mas, pugnando o A. que, na impossibilidade de considerar nula a doação, deve ser reconhecido como único proprietário da fracção reivindicada, com a consequente restituição, não procede tal pretensão.
Basta, para tanto, atentar nos factos provados de II.1. g) a n) supra, os quais, apesar de o imóvel se encontrar registado a seu favor, são de molde a afastar a presunção de domínio que resulta do artº 7º do CRPredial.
E, não obsta ao aproveitamento desses factos, a circunstância de se ter entendido que se verificava a preterição do litisconsórcio necessário passivo relativamente aos pedidos reconvencionais deduzidos, com a consequente absolvição do A. da instância.
A reconvenção, enquanto pedido substancial (não apenas formal) e autónomo, transcende a simples defesa conducente à improcedência da pretensão do autor, algo acrescentando à matéria da defesa deduzida - Ac. STJ de 27/11/2003, Proc. 03B126, www.dgsi.pt. -, mas, como defesa (destinada a excluir a existência do direito que se quis fazer valer na acção), podem os factos que a integram ser tidos em consideração.
Aliás, os apelados, em sede de contestação, impugnaram motivadamente a doação, tendo os factos integradores dessa impugnação motivada alicerçado também os pedidos reconvencionais.
E, nas acções de condenação, como é o caso, não pode haver condenação sem prévia apreciação e declaração do direito em questão.
Nessa espécie de acções, previstas no artº 4º, nº 2, al. b), a declaração do direito e do que dele resulta, ou do que determina, funciona como meio ou pressuposto da condenação que constitui o fim que é próprio de tais acções, direito que, atentos os factos provados, o apelante não logrou provar.

III. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente a apelação e, no mais confirmando a sentença recorrida, absolve-se o A. da instância quanto aos pedidos reconvencionais deduzidos.
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Custas da apelação por apelante e apelados em partes iguais, sendo as da reconvenção da responsabilidade dos RR. reconvintes.
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Porto, 19 de Outubro de 2006
António do Amaral Ferreira
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Ana Paula Fonseca Lobo