Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP00039671 | ||
| Relator: | PINTO FERREIRA | ||
| Descritores: | INSOLVÊNCIA QUALIFICAÇÃO PRESUNÇÕES CONTRADITÓRIO PROVAS | ||
| Nº do Documento: | RP200610300655142 | ||
| Data do Acordão: | 10/30/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | PROVIDO. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 277 - FLS. 121. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | O incidente de qualificação da insolvência não pode ser decidido sem que ao requerido seja dada oportunidade de apresentar as suas provas, visando ilidir as presunções legais ilídiveis. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – Relatório A Sr.ª Administradora da insolvência apresenta, nos termos do art. 188º n.º 2 do C.I.R.E., parecer sobre a qualificação da insolvência de B……… L.da, pronunciando-se no sentido da sua qualificação ser qualificada como culposa e afectar o seu sócio gerente C…….. . Ouvido o M.P., concorda com a posição da Sr.ª Administradora. Foi deduzida oposição, para contrariar a posição sugerida, juntando documentos e indicando testemunhas. Não houve resposta à oposição – n.º 6 do citado artigo – Considerando que a matéria fáctica que consubstancia a oposição deduzida é incapaz de afastar ou ilidir a presunção de culpa grave das al.s a) e b) do n.º 3 do art. 186º do C.I.R.E, decide-se qualificar a insolvência como culposa e afectar o sócio gerente da devedora C………. . Inconformado com tal decisão, recorre a insolvente. Recebido o recurso, juntam-se alegações. Não há contra alegações. Colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do recurso. * II – Fundamentos do recurso O âmbito dos recursos é limitado pelo teor das conclusões – artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do CPC -, facto que determina a conveniência da transcrição das mesmas que, no caso concreto, foram: 1º - O tribunal "a quo" não fez uma correcta apreciação da qualificação da insolvência em causa e, ao decidir baseado nas presunções existentes sem permitir que a recorrente provasse a matéria vertida na sua oposição precludiu o direito da recorrente à sua defesa e esvaziou de fundamentação a decisão o que constitui a nulidade estatuída na al. b) e d) do n° 1 do art. 668° do C.P.C. que se invoca para os devidos efeitos; 2º - Da motivação expressa, conclui-se que na sentença "in casu", o Tribunal "a quo", transformou as presunções ilidíveis previstas no n° 3 do art. 186 do C.I.R.E. em verdadeiras presunções "iure et de iure"; 3º - A Ex.ma. Senhora Administradora da Insolvência, no seu relatório, pronuncia-se no sentido da qualificação da insolvência de "B………, Lda" como culposa justificando, fundamentalmente, o seu parecer com o facto de, face às presunções existentes, não poder tomar outra decisão que não aquela; 4º - O Digníssimo Magistrado do Ministério Público subscreveu "tout court" o parecer da Senhora Administradora da Insolvência; 5º - Ninguém alegou factos que pudessem levar à qualificação da insolvência como culposa; 6º - O legislador quando instituiu as presunções pretendeu, salvo melhor opinião, que uma série de situações, que até à alteração legislativa não estavam devidamente acauteladas ou não eram devidamente sindicadas, passassem pelo crivo dos tribunais para que, estes, apurassem e assacassem responsabilidades aos Administradores e Gerentes das sociedades comerciais que tivessem contribuído para a situação de insolvência das sociedades que estavam sob a sua orientação; 7º - Salvo melhor opinião, as presunções existentes são meramente indiciadoras da existência de actos que eventualmente poderão ter contribuído para a situação de insolvência; 8º - A existência de culpa grave terá que ser aferida por actos concretos que permitam estabelecer um nexo de causalidade entre os actos praticados e a situação de insolvência da sociedade, que não existem nos autos; 9º - O ónus da prova da inexistência desses factos compete ao visado e, para o poder fazer, terá que lhe ser permitido apresentar e defender os seus argumentos que não poderão ser apreciados sem a produção de prova e liminarmente rejeitados sem a possibilidade do contraditório; 10º - Se os visados ainda vão encontrar resistência por parte do julgador à apresentação dos seus argumentos, então o melhor é transformar a culpa dos Administradores e Gerentes de sociedades comerciais numa culpa objectiva; 11º - Não nos parece que seja este o caminho que o legislador traçou, mas dúvidas não temos que se o julgador não suprir eventuais imprecisões do legislador teremos na prática algo muito próximo da responsabilidade objectiva; 12º - Esta não é a "ratio legis" do diploma e tal interpretação constitui uma clara violação do estatuído no art. 186° n° 1 do C.I.R.E. e uma errada interpretação da lei, que se invoca com as legais consequências; 13º - A situação dos visados já está demasiado fragilizada, pelo que se lhes não forem facultados todos os meios de defesa, nomeadamente a prova dos factos que alegaram em sua defesa, haverá uma clara violação do princípio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrado, violação que expressamente se invoca com as legais consequências; 14º - Salvo o devido respeito e melhor entendimento, a matéria vertida na oposição apresentada e que aqui se dá por integralmente reproduzida, uma vez provada afastaria de per si a culpa grave do visado, porquanto, como facilmente se depreende da matéria aí vertida a situação da B………, Lda ficou a dever-se a situações exógenas à gestão, a factores estruturais e conjunturais do mercado têxtil nacional e internacional. 15º - Face á matéria constante dos autos a insolvência teria de ser declarada fortuita. Termos em que deve ser substituída a sentença, declarando a insolvência como fortuita ou, se assim se não entender, ordenar o prosseguimento dos autos para prova da matéria alegada. * III – Os Factos e o Direito Os factos encontram-se sumariamente expostos. A questão que cumpre decidir será a de se saber se, perante os factos relatados, deveria a insolvência ser declarada como fortuita e não como culposa ou se será o caso de prosseguimento da acção para posterior decisão. Vejamos. O art. 185º do C.I.R.E, qualifica a insolvência como culposa ou fortuita. E o art. 186º, n.º 1, numa definição geral, considera esta culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência de actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. Esta noção vale para qualquer insolvente. No seu n.º 2, estabelece, em complemento desta noção, várias situações, considerando-as sempre culposas, estabelecendo portanto presunções inilidíveis, mas para devedores que não sejam pessoas singulares. O seu n.º 3 estabelece uma presunção ilidível e dá como verificada a insolvência quando ocorram determinadas situações, como sejam: – O dever de requerer a declaração de insolvência; – A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial. Ora, do confronto entre o n.º 2 e 3º deste normativo, podemos fixar que se estabelece no n.º 3 uma presunção iuris tantum do art. 350º n.º 2 do CC, isto é, pode ser ilidida por prova em contrário. De facto, aí expressamente se cita que “presume-se a existência de culpa grave .............”. É sabido que uma presunção consiste na ilação que a lei ou o julgador tiram de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – art. 349º do CC - e que quem beneficiar dessa presunção legal está dispensado de provar o facto que daí resulta – n.º 1 do art. 350º do CC -. E, ocorrendo tal situação, então competirá à contraparte, para destruir a prova feita através da prova da presunção, fazer a prova do contrário. Perante estes dispositivos legais, enquadremos agora o caso concreto. A Sr.ª Administradora indica os fundamentos para que a insolvência seja declarada culposa, tendo obtido o acompanhamento tanto do MP como do Sr. Juiz julgador, como sejam, a não apresentação à insolvência, quando existem dívidas vencidas há muito mais de 6 meses e não ter depositado as contas do ano transacto na conservatória do registo comercial. Porém, a insolvente apresentou oposição, a qual, diga-se, não mereceu resposta, como o permitia o art. 188º n.º 6 do C.I.R.E. E nessa oposição foram juntos documentos e indicada testemunhas. O tribunal não ouviu as testemunhas nem apreciou os documentos, referindo apenas que a matéria fáctica que consubstancia a oposição é incapaz de afastar ou ilidir a presunção de culpa grave prevista na lei. Nada mais justifica. À Sr.ª Administradora e o MP, com base na presunção legal, apenas cumpre apresentar os factos. Ao opositor, a apresentação de factos e razões, com provas, que os contradigam. Ao tribunal porém, exige-se que fundamente e justifique de facto e de direito a sua decisão – art. 668º do CPC -. Ora, um dos princípios orientadores do nosso processo civil é o do contraditório – art. 3º n.º 1 e 3º do CPC – Ao opositor e uma vez que está perante presunções que serão meramente indiciadoras da existência dos actos que poderão conduzir à qualificação da insolvência, tem de lhe ser dado oportunidade de as apresentar e defender os seus argumentos e razões, que destruam e desfaçam essas mesmas presunções. Mais ainda quando se trata de matéria delicada, sabendo-se que os efeitos da declaração de insolvência como culposa pode trazer consequências graves na vida das pessoas directamente envolvidas, bastando ter em atenção o que sobre tal estabelece o n.º 2 do art. 189º, 228º, 238 e 243, todos do C.I.R.E. Por isso que, quando a lei fala em “prova em contrário” – n.º 1 do art. 350º do CC -, terá de ser interpretado no sentido de ser dada àquele todas as possibilidades de apresentação e defesa dos seus argumentos e razões. Se o ónus de prova da inexistência dos factos enumerados no n.º 3 do art. 186º compete ao visado, tem de lhe ser concedido o direito de apresentar e defender os seus argumentos e razões, que apenas poderão ser completamente apreciados com a produção de prova. Nesta perspectiva, consideramos que a recorrente foi coarctada nos seus direitos, devendo-lhe ser concedida a possibilidade de, em sede julgamento, apresentar as suas provas (testemunhas e documentos) e serem ponderadas as razões que apresenta. Aí, mais do que em qualquer outro lugar, se saberá se a matéria fáctica trazida na oposição é capaz ou não de ilidir a presunção de culpa grave, porque consideramos que aí se poderá ter uma visão de conjunto e decidir, com todas as armas - n.º 3 do art. 186º do C.I.R.E. Termos em que, atento o disposto no n.º 7 do art. 188º do C.I.R.E., se ordena o prosseguimento do incidente de qualificação de insolvência, revogando-se o despacho recorrido. * IV – Decisão Nos termos e pelas razões expostas, acorda-se em se dar provimento ao recurso, revogando-se a decisão proferida e ordenando-se o prosseguimento dos autos para produção de prova. Sem custas. * Porto, 30 de Outubro de 2006 Rui de Sousa Pinto Ferreira Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira Manuel José Caimoto Jácome |