Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0640683
Nº Convencional: JTRP00039263
Relator: DIAS CABRAL
Descritores: ACÇÃO CÍVEL CONEXA COM A ACÇÃO PENAL
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RP200606070640683
Data do Acordão: 06/07/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 226 - FLS. 45.
Área Temática: .
Sumário: Na acção civel enxertado no processo penal não há lugar à condenação por litigância de má fé.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam em audiência no Tribunal da Relação do Porto.

No Tribunal Judicial de Santo Tirso foi submetido a julgamento, em processo comum singular, B………, devidamente identificado nos autos, tendo sido condenado, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143.º, nº1, do Código Penal, na pena de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à razão diária de €4 (quatro euros), num total de €1120 (mil cento e vinte euros).
Na procedência parcial do pedido de indemnização civil foi condenado a pagar ao demandante:
- Um total de 8.024,77 (oito mil e vinte e quatro euros e setenta e sete cêntimos), sendo:
- A quantia de €524,77 (quinhentos e vinte e quatro euros e setenta e sete cêntimos), a título de danos patrimoniais,
- A quantia de €7.500 (sete mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais,
Quantias estas a que acrescem juros moratórios a contar desde a data da notificação do pedido cível relativamente à quantia de €524,77 e desde a data da sentença quanto ao montante de €7.500, contados à taxa legal, actualmente de 4%, até efectivo e integral pagamento;
- A quantia que se vier a liquidar em decisão ulterior relativa aos ordenados que o demandante deixou de receber durante o tempo da sua incapacidade temporária para o trabalho;
- A quantia que se vier a liquidar em decisão ulterior relativa à IPP resultante da agressão e danos patrimoniais dela resultantes.

Da sentença interpôs recurso o arguido, terminando a sua motivação com as conclusões (de conclusivo nada têm) que se transcrevem:
1.° - A convicção expressa pelo Tribunal recorrido não tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode demonstrar, acarretando, assim, quer a insuficiência dos factos e da prova para a decisão da matéria de facto provada, quer erro notório na apreciação da prova.
2.° - A testemunha C……., não é, nem nunca foi, em momento algum, amigo do arguido B……., mas sim, amigo do ofendido/Assistente D…… .
3.° - Relevando e expressamente referindo, na sua motivação, que a testemunha é amigo do arguido (quando foi provado que é, isso sim, amigo do ofendido/assistente) é mais um erro notório, além de grave, na apreciação da prova (art.º 410.°, n.° 2, alínea c) do C.P.P.).
4.° - O Tribunal nunca poderia fundamentar, exclusivamente, a sua convicção e motivação na conjugação dos depoimentos da testemunha C…… e do Ofendido/Assistente, porque são contraditórios entre si.
5.º - Deveria, isso sim, o Tribunal recorrido conjugar o depoimento da testemunha C…….. com os do Arguido e das testemunhas de defesa e substituir os pontos n.° 1, 3, 4 e 7, deverão ser substituídos, por outros que dêem como factos provados, que
6.° - O Arguido avisou o Assistente que não podia sair do estabelecimento com o copo na mão;
7.° - Que aconteceu uma discussão entre o Arguido e o Assistente, motivado pelo facto de o ofendido, que pretendia sair do bar onde o primeiro trabalhava como porteiro, não entregar a este o copo que levava na mão, após tal lhe ter sido solicitado pelo arguido.
8.° - Que, no seguimento dessa discussão, o Assistente fez gestos com o copo na mão;
9.° - Que por esses gestos, o Assistente ia atingir o Arguido com o copo, na cara deste;
10.° - Que o Arguido, perante tal ameaça e com instinto de defesa, defendeu-se com um braço e, com o outro, empurrou o Assistente na zona da face;
11.º - O Arguido não teve o propósito concretizado de molestar fisicamente o referido D…….. ... »
12.º - O Ponto n.° 7 dos factos provados deverá ser totalmente eliminado, por inexistência de um nexo de causalidade entre os acontecimentos ocorridos a 21 de Janeiro de 2003 e a fractura do maxilar inferior com desvio detectada, apenas, 17 dias depois, ou seja, no dia 6 de Fevereiro.
13° - Deverão ser também considerados como provados, os seguintes factos documentados nos autos por Instituições Hospitalares devidamente capacitadas e de mérito reconhecido:
14.° - No mesmo dia, ou seja, 21 de Janeiro de 2003, o Ofendido foi conduzido ao Hospital da Trofa, onde «Efectuou RX da mandíbula, aparentemente sem sinais de _fractura. Teve alta medicado e orientado para consulta de Medicina Dentária à qual não compareceu.» (fls. 68 dos presentes autos). - documento analisado na Audiência de Julgamento.
15.° - Nesse mesmo dia, pelas 8.39h., deslocou-se também aos Serviços de Urgência do Hospital de S. João, na cidade do Porto, em cujo Episódio de Urgência consta «sem perda de consciência, sem vómito, refere ter tido hemorragia bucal... sem traumatismo ósseo.» (fls. 70 dos presentes autos). - conjugada com a confissão do Ofendido/Assistente, constante de cassete n.° 1, lado A, voltas 0015 a 2580 e cassete n.° 2, lado A), voltas 0010 a 2019.
16.° - Foi aí também submetido a RX craneal, com o seguinte resultado: «Sem sinais de (fractura) óssea, sem hematoma (palavra ilegível), sem sangue nos ... (palavra ilegível) maxilares». e «sem perda de dentes, sem (fracturas) de dentes, sem outras alterações no maxilar.» (fls. 70 dos presentes autos).
17.° - No dia 23 de Janeiro de 2003, ou seja, 2 dias após o alegado incidente, efectuou Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Penal, junto do Instituto de Medicina Legal - Gabinete Médico Legal de Guimarães em que não lhe foi detectada qualquer fractura. (fls. 7 e 8 dos autos).
18.° - Após a ocorrência dos factos em crise, o Ofendido foi examinado em três diferentes instituições, observado por vários médicos e submetido a vários exames radiológicos, não lhe sendo detectada qualquer fractura da mandíbula nem de outra estrutura óssea,
19.° - À luz da experiência comum, é de facto notório, de conhecimento oficioso que qualquer fractura da mandíbula seria também fácil e imediatamente diagnosticada através de exame de apalpação ao maxilar, o que certamente foi realizado nas 3 instituições onde foi examinado.
20.° - Não é, nem nunca pode ser, consequência directa e necessária a fractura da mandíbula e restantes lesões (apenas detectadas a 6 de Fevereiro, ou seja, 17 dias depois da alegada agressão), de uma agressão ocorrida a 21 de Janeiro.
21.° - Não existe nexo de causalidade entre os factos ocorridos a 21 de Janeiro e a fractura e demais lesões detectadas a 6 de Fevereiro e o dano.
22.° - A fractura na mandíbula do Ofendido nunca poderia ter sido, mesmo que a existir a alegada agressão do dia 21 de Janeiro, consequência directa e necessária da mesma, tendo, certamente como causa, qualquer episódio ou acidente da vida do requerente, bem posterior ao dia 21 de Janeiro de 2003 e não relacionada com qualquer conduta do Requerido/Arguido.
23.° - O Demandante, ao peticionar indemnização correspondente a um ordenado declarado, em documento da empresa da qual é sócio-gerente e subscrito por si próprio (fls. 116 e 117) diverso do que o que declara à Segurança Social (vide fls. 197 a 200), ou está a mentir em juízo, forjando e cometendo o crime de falsificação de documento (nesta hipótese, deverá ser condenado como litigante de má-fé, com a necessária multa e indemnização ao Requerido Cível/Arguido),
24.° - Ou então está a cometer o crime de fraude à Segurança Social, "fugindo" ao pagamento de impostos e descontos legais que lhe são devidos (nesta 2.ª hipótese, deverá ser deferido o requerimento a fls. 310 e 311 e ordenada extracção das certidões requeridas para instauração do respectivo procedimento criminal).
25.° - O Tribunal recorrido, ao não se pronunciar (nem na sentença o fez) sobre o requerimento ditado para a acta, durante a Audiência de Julgamento e constante da acta a fls. 310 e 311, além de, certamente por mero esquecimento, transmitir a ideia de condescendência para com o comportamento altamente censurável do Requerente Cível,
26.° - Cometeu uma irregularidade (artigo 118, ns. 1 e 2 do Código de Processo Penal), pois a omissão de pronúncia sobre um pedido de diligências, reportada a um despacho, configura uma irregularidade, a qual deverá ser sanada.
27.° - Os factos dados como provados sob n.° 22, 24, 27 e 28, aparte de não serem consequência directa da alegada agressão, sempre deveriam ser complementados com os seguintes factos que também foram provados:
- O Ofendido/Assistente não concluiu, por culpa sua, os tratamentos a que teria que se submeter; (relatório do seu médico assistente a fls. 60 - verso,
«É de referir que os tratamentos não foram concluídos, pois o paciente não voltou a comparecer à minha consulta, apesar de avisado que ainda não tinha terminado os mesmos. »
A fractura do maxilar inferior atingiu a sua consolidação em, pelo menos, 29 de Julho de 2004 (fls. 224).
A perda de sensibilidade não resulta na diminuição da competência nem em alteração fonética (fls. 295).
28.º - Por inexistir prova de qualquer Incapacidade Permanente para o Trabalho, o facto provado como n.° 27 deverá ser simplesmente eliminado (a fls. 297 o relatório de Medicina Dentária Forense conclui que não se pode pronunciar sobre IPP (fls. 297).
29.° - Deverá ser dado como provado, por relevante para a boa decisão, que no momento da ocorrência dos factos, o Ofendido encontrava-se sob o efeito de bebidas alcoólicas.
30.° - Como admitiu uma testemunha de acusação, a situação que se gerou entre o arguido e o assistente, de cá dá o copo, não dá, se deveu ao estado alcoolizado do Ofendido/Assistente.
31.° - O álcool provoca estados de euforia e é propenso à violência e aos assomos de coragem e afrontamento.
32.º - As provas produzidas que impõem decisão diferente da recorrida resultam da conjugação dos depoimentos das testemunhas de defesa e da testemunha de acusação C…… .
33° - A sentença enferma de um erro grosseiro ao não dar como provado a tentativa de agressão na cara do Arguido, perpetrada pelo Ofendido/Assistente, com o copo que tinha na sua mão, facto este que, necessariamente, enquadra a conduta do arguido na figura jurídica da legítima defesa (artigo 32.° do Código Penal), aliás, no seguimento do alegado, em sede de Alegações Finais, pelo digníssimo Magistrado do Ministério Público.
34° - Porque, entre o diagnóstico da fractura e restantes lesões e o momento dos factos, mediaram mais de 17 dias, dias esses em que nada se provou quanto ao que fez o Ofendido, onde esteve, se praticou desporto, etc..
35.° - Porque este lapso de tempo bastante prolongado (17 dias), é, só por si e em abstracto, capaz de colocar em dúvida esse nexo de causalidade.
36.° - Porque se sujeitou em 3 instituições hospitalares diferentes, nos dias imediatamente subsequentes aos factos, os quais unanimemente concluíram pela inexistência de qualquer fractura,
37.° - Não existe qualquer nexo de causalidade entre os factos do dia 21 de Janeiro e as lesões sofridas pelo Ofendido (detectadas apenas 17 dias depois, repete-se), pois as lesões sofridas pelo Ofendido não foram consequência directa e necessária da conduta do arguido.
38° - Existem circunstâncias anómalas e excepcionais que tornam inaplicável a teoria da causalidade adequada adoptada pelo legislador civil.
39.° - O artigo 563.° do C.C. deve ser entendido de forma a que não se tenha que ressarcir todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão só os que ele tenha na realidade ocasionado.
40.° - Mesmo que não fossem dados como provados os factos alegados pela defesa, sempre se deveria ter absolvido o arguido, de acordo com o princípio in dubio pro reo, por não se ter feito prova rigorosa das circunstâncias em que a agressão ocorreu.
41.° - Violou assim, a sentença recorrida, o princípio in dubio pro reo, que é um princípio vigente no que diz respeito à decisão da questão de facto.
42.º - Atentas as circunstâncias em que os factos ocorreram, sempre deveria o Arguido ser dispensado da pena, nos termos do n.° 3 b) do Art.º 143 do C. P.
43° - A condenação na pena de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à razão diária de € 4,00 (quatro euros), num total de €1.120,00 (mil cento e vinte euros), é manifestamente exagerada, quer no número de dias, quer no quantitativo diário (C 4,00), pois, no entendimento do recorrente, todo o circunstancialismo em que os factos se produziram configura a previsão do art. 72°, não podendo o arguido ser condenado, em última instância, senão em pena de multa no mínimo legal (art. 73° CP).
44.° - Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, o Tribunal recorrido não fez uma correcta ponderação do grau de culpabilidade do agente, da situação económica deste (desempregado) e do lesado e das demais circunstâncias do caso, bem como dos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência.
45.° - Pelo que, a título de danos não patrimoniais, não deverá ser nunca arbitrada indemnização superior a € 3.000,00 (três mil euros).
46° - Devendo, todo o restante pedido de indemnização cível ser julgado totalmente improcedente, por inexistência do nexo de causalidade entre os factos praticados pelo arguido e os danos sofridos.
47° - Violou, assim, a sentença recorrida, os artigos 143.°, 31.°, 32.°, 71.° e 72.°, todos do Código Penal, e também os artigos 496.°, n.° 1, 494.°, 483.°, 562.°, 563.°, 566.°, 570.° e 572.°, todos do Código Civil.
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Após recebimento do recurso e antes de mandar subir o processo foi proferido o seguinte despacho:
«Recorreu o arguido B……. da sentença proferida nos autos, além do mais, invocando falta de pronúncia do tribunal sobre questões levantadas em sede de audiência de julgamento (cfr. conclusões 23.ª a 26.ª do recurso).
Assistindo razão, nesta parte, ao recorrente, e configurando nulidade da sentença a falta de pronúncia sobre questões que o tribunal devesse apreciar (art. 379.º, nº1, al. c), do C.P.P.), importa neste momento, nos termos do nº 2 da referida norma legal, suprir tal nulidade.
*
Assim, no que diz respeito à requerida (a fls. 310/311) extracção de certidão de peças processuais, agora se determina a mesma, nos termos ali requeridos, bem como da acta de fls. 309 a 313, e seu envio ao M.P. (nos termos referidos pelo seu Digno Magistrado em sede de audiência de julgamento), para os fins tidos por convenientes.
*
No que respeita à requerida condenação do requerente cível como litigante de má fé, não se vislumbram razões para tal.
Com efeito, retira-se apenas da fundamentação de facto da sentença proferida auferir o demandante cível, na empresa “E……, Limitada”, vencimento não concretamente apurado, não se tendo dado como provado que auferisse o vencimento mensal de €750,00 (14 x ano).
Ora, a mera não prova do facto alegado não é suficiente, em nosso entender, para concluir que a conduta do demandante cível se enquadra em qualquer das alíneas do nº2 do art. 456.º do C. P. Civil, designadamente nas suas als. a) ou b).
Pelo exposto, absolve-se D…….. do pedido de condenação como litigante de má fé.».

De tal despacho interpôs recurso o arguido, cuja motivação termina com as seguintes conclusões:
1.º
A omissão de pronúncia, em devido tempo sobre o requerimento ditado para a acta, durante a Audiência de Julgamento e constante da acta a fls. 310 e 311, constitui nulidade da sentença a ser arguida ou conhecida em recurso, como o foi.

Proferida a sentença condenatória final nos autos e interposto recurso sobre a mesma, ficou imediatamente esgotado o poder jurisdicional do Juiz quanto à matéria da causa (art.º 666.°, n.° 1 do C.P. Civil, aplicável ex vi art.º 4.º do C. P. Penal) .
3.º
Pelo que o despacho de fls. 395 e seguintes deverá ser revogado e julgada a nulidade da sentença, com as legais consequências.
4.°
O despacho aqui em crise, proferido após o arguido ter interposto recurso da decisão condenatória, prejudica o próprio recurso do arguido, retira-lhe fundamentação e diminui os direitos de defesa e de recurso do arguido.
5.°
Além de violar claramente o princípio da intangibilidade da sentença.
6.°
A decisão atempada do requerido durante a audiência de Julgamento, nomeadamente quanto ao pedido de litigância em má-fé, poderia e deveria ter consequências directas na decisão do pedido cível, pois sempre seria facto determinante a ser levado em conta.
7.°
O conceito de litigância em má-fé não é aplicável apenas aos casos de «não prova do facto alegado» como se fundamenta no despacho recorrido.
8.°
A fundamentação do Tribunal recorrido de que «a mera não prova do facto alegado não é suficiente... para concluir que a conduta do demandante cível se enquadra em qualquer das alíneas do n.º 2 do art. 456º do C. P. Civil, designadamente nas suas als. a) ou b).» é completamente errada e mesmo contrária à própria letra da lei.

Pois o julgador pode e deve atender aos factos alegados e não provados,
10.°
Especialmente quando se está perante documentos com força probatória, como é o caso, o julgador tem também que atender aos documentos que denunciam estar-se perante um facto ou uma situação completa e totalmente contrária ao constante do articulado do Requerente Cível.
O Requerente Cível deduziu pretensão conscientemente infundada. 12.°
Pois os documentos da Segurança Social, juntos a fls. 197 e sgts., são documentos autênticos que fazem prova plena desses factos.
13.º
Ao alegar, em documento da sociedade, assinado pelo próprio requerente Cível, um ordenado superior ao que efectivamente aufere e declara, este litigou em clara má-fé.
14°
Deverá sempre julgar-se o requerente cível como litigante de má-fé, por ter alterado a verdade dos factos e por ter deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, condenando-o em multa e indemnização ao Requerido Cível, nos termos do artigo 456.° e 457.° do C.P. Civil.
15.º
O despacho recorrido violou, entre outros, os artigos 379.°, n.° 2, art.° 414.°, n.° 4 do C.P.P. e 380.° do C.P.Penal, o art.° 666.°, n.° 1 do C.P. Civil, aplicável ex vi art.° 4.° do C.P.Penal.
16.°
E, ainda, os art. 456.° e 457.° do C. P. Civil e artigos 369.° a 372.° do Código Civil.
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Ao recurso da sentença respondeu o demandante civil, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Mº. Pº. respondeu a ambos os recursos, pugnando pela manutenção de ambas as decisões, sem embargo de uma redução da pena para os “limites médios da moldura penal”.

A Exmª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no mesmo sentido das respostas do Mº. Pº. junto da 1ª instância.

Cumprido o nº 2 do artº 417º do CPP, respondeu o ofendido manifestando a sua concordância com o parecer.
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Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre decidir.
Na sentença recorrida foi proferida a seguinte decisão de facto:

«II – FUNDAMENTAÇÃO
Factos provados.
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com relevo para a decisão a proferir:
1. No dia 21/01/2003, pelas 4 horas e 15 minutos, no estabelecimento de bar denominado por “F……”, sito em …., Trofa, área desta comarca de Santo Tirso, o arguido ofendeu, voluntária e corporalmente, D…….., atingindo-o a soco na zona da cara.
2. De tal actuação resultaram para o D……. as lesões descritas nos autos a fls. 3 a 8, 33 a 34, 50 a 51, 58 a 70, que aqui damos por reproduzidas, que lhe determinaram, directa e necessariamente, um período de duzentos e setenta dias de doença, sendo sessenta dias com afectação da capacidade para o trabalho geral e sessenta dias com afectação da capacidade para o trabalho profissional.
3. Agiu o arguido por forma livre, consciente e voluntária, com o propósito concretizado de molestar fisicamente o referido D……., não obstante ter perfeito conhecimento que a conduta que protagonizou não é permitida por lei.
4. O arguido agrediu o ofendido na sequência de desentendimento motivado pelo facto de o ofendido, que pretendia sair do bar onde o primeiro trabalhava como porteiro, não entregar a este o copo que levava na mão, após tal lhe ter sido solicitado pelo arguido.
5. O arguido B……….. desempenhava, na madrugada de 21/01/03, as funções de porteiro do estabelecimento comercial denominado “F……”, sito em ….., desta comarca, propriedade do demandado G…….., o qual, como seu patrão, incumbira aquele de efectuar, como porteiro do estabelecimento, o controle da entrada e saída dos seus clientes, contra o pagamento de uma remuneração.
6. Nessa data - que era dia de festa na localidade - o demandante D…… estivera com vários amigos seus naquele bar, até que, cerca das 4 horas da madrugada, decidiu sair para voltar para casa.
7. Nessa altura, junto da porta onde o arguido se encontrava a exercer as funções de porteiro, o mesmo desferiu-lhe um soco na face, na zona do maxilar inferior, o que lhe provocou ferimentos, designadamente fractura do maxilar inferior com desvio, traumatismo de vários dentes, escoriação e edema na face.
8. Para ser tratado, o requerente foi conduzido ao Hospital da Trofa, onde foi socorrido, seguindo depois para casa, onde continuou com a medicação que lhe fora receitada naquele Hospital, onde foi depois submetido a nova consulta.
9. Porém, como se achasse cada vez pior, e depois de ter perdido os sentidos, foi conduzido de ambulância, no dia 6 seguinte, ao Hospital de S. João, do Porto, onde ficou internado, tendo aí sido operado a uma fractura do maxilar inferior, e ficando aí internado durante os 6 dias seguintes.
10. A partir de então continuou em tratamentos - deslocando-se para tanto quer ao Hospital de S. João, quer à Clínica Dentária de S. Romão do Coronado, quer ainda ao Hospital da Trofa e aos serviços de Radiologia de Santo Tirso, tendo efectuado duas viagens ao Porto, seis a S. Romão do Coronado, duas à Trofa e uma aos Serviços de Radiologia de Santo Tirso, além de mais quatro, para exames médicos, ao Hospital de Guimarães.
11. Para além disso, e até ao momento, gastou €125,30 no Hospital da Trofa.
12. Pagou € 8,49 de taxa moderadora no Hospital de S. João.
13. Pagou mais €31,00 de uma ortopantomagrafia no Consultório de Tomografia Computorizada, S.A., do Dr. Campos Costa.
14. Despendeu nas consultas e tratamentos dentários €270.
15. Pagou, ainda, no Centro de Saúde da Trofa, a quantia de € 1,50.
16. Em farmácias, gastou um total de €88,48.
17. O demandante trabalhava como gerente, essencialmente na área comercial como vendedor, da empresa “E……., Limitada”, com sede em ….., do concelho da Trofa, onde auferia vencimento mensal não concretamente apurado.
18. Em consequência dos ferimentos sofridos, e durante o tempo da sua incapacidade para o trabalho, o demandante deixou de receber ordenados em valor não concretamente apurado.
19. O demandante nasceu em 27/07/1964, sendo, ao tempo da agressão, saudável e dotado de capacidade de trabalho e de iniciativa.
20. Por outro lado, o demandante sofreu dores físicas e sentiu-se envergonhado e enxovalhado com a agressão sofrida num lugar público.
21. Tinha sido pai no dia 08 de Janeiro de 2003, tendo ficado receoso do seu futuro e sofrendo a angústia de ignorar se iria ficar bem.
22. Desgosta-o o ver-se não só diminuído na sua capacidade de trabalho, sofrendo dores e dificuldades de mastigar e de falar, como ver-se com a cara torta.
23. As lesões dentárias sofridas pelo demandante não atingiram a consolidação médico – legal.
24. De tais lesões, resultaram as seguintes sequelas:
- Tratamento endodôntico dos dentes 41 e 43;
- Lesão pulpar irreversível do dente 42;
- Perda parcial do osso alveolar de suporte dos dentes 41 e 42;
- Oclusão cruzada posterior direita;
- Oclusão topo-a-topo anterior, com deficientes contactos dentários;
- Desvio da linha média 3 mm para a direita;
- Desvio do mento para a direita;
- Perda parcial de sensibilidade no lado direito do lábio inferior e mento.
25. A perda parcial da sensibilidade do lábio inferior e do mento à direita é de natureza permanente, acarretando défice a nível da função mastigatória.
26. O demandante apresenta sequelas passíveis de causarem dificuldades na mastigação.
27. Tendo em conta a profissão do demandante (vendedor), houve rebate profissional que se traduz na necessidade do demandante realizar esforços acrescidos no exercício das suas actividades habituais.
28. O demandante tem uma IPG (incapacidade permanente geral) de 5%.
29. O arguido, quer na sua vida privada, quer no exercício da sua profissão, prima pela discrição, boa educação e elevada conduta moral.
30. É um cidadão responsável, íntegro e respeitador.
31. O arguido nasceu a 09/07/70, tendo adquirido a nacionalidade portuguesa.
Mais se provou que:
32. O arguido está desempregado, auferindo subsídio de desemprego no valor de €525,60.
33. Paga mensalmente ao banco prestação de empréstimo para aquisição de habitação no valor de €312,60, a que acresce outro pagamento mensal, decorrente de empréstimo hipotecário, no valor de €67,09.
34. O arguido não tem antecedentes criminais.

Factos não provados:
Com relevo para a decisão da causa, nenhum outro facto se provou.
Em especial, não se provou que:
1. O demandado G…… incumbira o arguido de efectuar a vigilância do bar.
2. O demandante tenha efectuado, em viagens ao Porto, S. Romão do Coronado, Trofa, Serviços de Radiologia de Santo Tirso e Hospital de Guimarães, um total de 650 kms em automóvel próprio - considerando ida e volta -, e que tal tenha ocasionado uma despesa de €214,50.
3. O demandante tenha despendido nas consultas e tratamentos dentários mais de €270.
4. Ao tempo em que os factos ocorreram, o demandante auferia o vencimento mensal de €750,00 (14 x ano).
5. Em consequência dos ferimentos sofridos, e durante o tempo da sua incapacidade para o trabalho, o demandante deixou de receber ordenados no valor de €1.867,59.
6. Em consequência da agressão, o demandante ficou a sofrer de uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 16%.
7. O demandante terá ainda que ser submetido, no futuro, a uma nova intervenção cirúrgica para extracção da placa que foi colocada no seu maxilar aquando da intervenção atrás referida.
8. Terá de suportar internamento e respectivas despesas médicas e medicamentosas, bem como prejuízos decorrentes do tempo que tiver que estar sem trabalhar, despesas de deslocação e danos de natureza não patrimonial.
9. O arguido trabalhou como porteiro de discoteca durante 5 anos e nunca teve qualquer incidente do género do que vem acusado, nunca tendo agredido ninguém.
10. O arguido reside em Portugal há cerca de 16 anos.
11. O arguido não agrediu fisicamente o assistente.
12. O arguido não tinha instruções ou ordens para agredir quem quer que fosse no exercício da sua profissão.

Motivação
A convicção do tribunal, no que diz respeito aos factos relativos à agressão, baseou-se nas declarações do ofendido D……., conjugados com o depoimento da testemunha C…… (amigo do arguido que, estando presente no local onde os factos ocorreram, depôs de forma isenta e objectiva, por isso merecedora de credibilidade, não hesitando em descrever desentendimento motivado pelo facto de o ofendido não entregar o copo que levava na mão ao arguido – o que não foi admitido pelo ofendido), que corroborou, no essencial (e com a excepção que acabamos de mencionar), as referidas declarações, suportadas ainda nos elementos clínicos e periciais dos autos (designadamente, os de fls. 7, 8, 33, 34, 58 a 62, 64 a 68 e 70), que descrevem lesões que com tais factos se coadunam, como suas consequências.
Assim, não se deu credibilidade à versão dos factos dada pelo arguido, que referiu ter apenas empurrado o ofendido para se defender deste, que ia agredi-lo com o copo que levava, encontrando esta versão suporte, apenas, nos depoimentos das testemunhas H……, I…… e J…… (os quais trabalhavam, e pelo menos os dois últimos ainda o fazem, no F……, que referiram ser propriedade do demandado G……..), notoriamente parciais e comprometidos na defesa do arguido quanto aos factos ocorridos (sendo certo que, ainda assim, o segundo nem sequer presenciou o confronto físico, e dos depoimentos dos restantes não resultou a descrição minimamente consistente de tentativa de agressão por parte do ofendido), e por isso desprovidos de credibilidade, pois que tal versão, vista à luz das regras da experiência, não se coaduna minimamente com as consequências que a conduta do arguido acarretou para o ofendido, não podendo as mesmas decorrer de mero empurrão, por mais forte que fosse (não sendo também plausível, à luz das referidas regras, que o arguido empurrasse o ofendido através de contacto com a mandíbula do mesmo).
Aliás, os documentos supra referidos, conjugados com as declarações do ofendido e testemunha C……., bem como com os documentos de fls. 104 e segs., que reflectem vários gastos com tratamentos médicos e medicamentosos (a que abaixo nos referiremos novamente), permitem com segurança concluir pela prova dos factos supra descritos relativos às consequências da agressão para o corpo do ofendido, apesar de as mesmas não terem sido, em toda a sua extensão (designadamente, quanto à existência de fractura da mandíbula), diagnosticadas logo aquando dos primeiros cuidados médicos (veja-se que a fractura oportunamente diagnosticada e tratada se verificou no local em que, desde as primeiras observações, o arguido apresentava lesões – cfr. documentos de fls. 8 e 70).
No que respeita aos factos descritos nos pontos 6. a 10., o tribunal considerou, para além das declarações do arguido e testemunha C…… (esta no que diz respeito aos factos ocorridos na noite de 21/01/03), o depoimento da testemunha L……. (irmã do ofendidoido), que depôs também sobre a matéria dos pontos 9. e 10. e sobre os padecimentos do ofendido (estando os factos apurados quanto a eles de acordo com as regras da experiência e da normalidade do acontecer), factos acerca dos quais se considerou também o depoimento de M……. (que trabalha com o arguido na sociedade E….., L.da, sendo seu amigo de longa data), tendo tais testemunhas deposto de forma a merecer credibilidade.
Ainda sobre a matéria das deslocações efectuadas pelo ofendido e gastos com tratamentos médicos e medicamentosos, tiveram-se em conta os documentos de fls. 7, 33, 50 e 58, 64, 70, 104 a 108, 109 (neste caso, apenas se considera a factura nº 1213, datada de 24 de Março de 2003, pois que a nº1390, datada de 12 de Junho, não se coaduna com o teor do documento de fls. 60, onde, a 03/09/03, o médico dentista que tratou o ofendido refere que a última consulta a que o mesmo compareceu ocorreu no dia 24/03/03), 110 (neste caso, apenas se considera a factura nº 1195, datada de 10 de Março de 2003 – onde há evidente lapso no nome do ofendido, mas lapso que não passa disso mesmo, constando o tratamento a que a factura/recibo se refere no documento de fls. 61 e seg., onde se confirma a data da consulta -, pois que o recibo nº67519, datado de 01 de Março de 2003, se refere a consulta de otorrino, não a tratamento dentário), 112, ainda referente a tratamentos dentários, sendo que, em virtude de não se considerarem os referidos recibo e factura, apenas se deu como provado um gasto de €270 em tratamentos dentários, 113, 114 e 115.
No que respeita aos factos descritos nos pontos 23. a 28., teve-se em conta o relatório pericial de fls. 291 e segs., do qual decorre não ser ainda possível determinar a IPP do ofendido, por as lesões dentárias sofridas não terem atingido a consolidação médico-legal, pelo que não se deu como provado o facto alegado quanto à IPP, ao qual apenas se refere, mas carecendo da necessária força probatória, o “Relatório Médico” de fls. 118, assinado pelo próprio médico dentista do ofendido e que tem por referência a Tabela Nacional de Incapacidades, destinada a avaliar prejuízos funcionais decorrentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, o que não acontece no caso dos autos.
No que concerne às condições pessoais do arguido, consideração social e profissional de que goza e antecedentes criminais, consideraram-se, respectivamente, os documentos de fls. 159 a 162, depoimentos das testemunhas I……, J…… e N…… (os quais, conhecendo o arguido há vários anos, depuseram no sentido em que os factos em apreço resultaram provados) e o C.R.C. de fls. 256-A.
Quanto aos factos não provados, cumpre referir, para além do que já resulta do supra exposto, não se haver produzido em audiência de julgamento qualquer prova que permitisse dar como provados outros factos para além dos que nessa qualidade se descreveram.
Mais especificamente, no que respeita ao facto não provado descrito em 2., não foi junto qualquer documento relativo às alegadas despesas, tendo-se considerado apenas o número de viagens cuja ocorrência é comprovada pelos documentos supra referidos (uma vez que nem mesmo o ofendido depôs de forma minimamente segura sobre o número de viagens efectuadas) e sendo certo que a forma de deslocação alegada apenas foi confirmada pelo ofendido, sendo que a testemunha M……., que trabalha com aquele na empresa E….., referiu que o mesmo se desloca habitualmente no automóvel da empresa, afirmando até desconhecer se foi esta a suportar as despesas de deslocação.
No que respeita aos factos não provados descritos em 4. e 5., tal resultou de apenas terem sido juntos pelo ofendido, nesta matéria, os documentos de fls. 116 e 117, que nada provam a respeito da matéria em causa, pois que o primeiro constitui recibo de vencimento referente, não à data em que os factos ocorreram, mas ao mês de Janeiro de 2004, e sendo o segundo mera declaração assinada pelo próprio ofendido, em relação à qual não se vislumbra qualquer base para o declarado; além disso, o que resulta do documento de fls. 197 a 200 é que o vencimento ilíquido do ofendido, à data em que os factos ocorreram, não excedia os €498,80, sendo certo que o mesmo, no período de baixa, recebeu quantias da segurança social, nunca se podendo concluir que tenha deixado de auferir o montante alegado, mas apenas montante não apurado, não se apurando também qual o efectivo montante mensal líquido auferido pelo ofendido.
Finalmente, no que respeita aos factos não provados descritos em 7. e 8., nenhum elemento clínico consta dos autos sobre a necessidade futura de extracção da placa, sendo insuficiente para a sua prova as meras declarações a tal respeito por parte do ofendido e testemunha L……. (de cujo depoimento não decorre sequer a certeza sobre tal necessidade).»
***

Começamos por decidir o recurso do despacho que sanou as nulidades da sentença, pelo facto da sua solução ter relevância no recurso da sentença.
Durante a produção de prova em audiência de julgamento, devido a divergências entre os valores de vencimento declarados à Segurança Social, no IRS e o recibo da entidade patronal, o defensor do arguido requereu que fossem extraídas certidões “para averiguações sobre eventual prática de crimes e contra-ordenações fiscais e contra-ordenações à Segurança Social” e que “se julgue o requerente cível como litigante de má fé, por alteração da verdade dos factos e por omissão de outros relevantes para a decisão da causa cível, nos termos do disposto no artº 456º do C.P. Civil, condenado em multa e indemnização aos requeridos cíveis”.
Após tomada de posição pelo Mº. Pº e demandante civil foi proferido o seguinte despacho:
«Entendendo o tribunal que a pertinência do requerido depende da avaliação global da prova constante dos autos, oportunamente nos pronunciaremos sobre a matéria em causa requerida pelo arguido».
Tal despacho transitou em julgado.
Não mais foi tomada posição sobre o requerido.
Como o recorrente na motivação de recurso levantou a nulidade de pronúncia da sentença, por não se ter pronunciado sobre o requerido, o Srº Juiz proferiu o despacho acima transcrito.
O recorrente considera que, por se ter esgotado o poder jurisdicional, o tribunal de 1ª instância não podia sanar tal nulidade. Caso assim não seja entendido, sempre deveria o demandante civil ser condenado como litigante de má fé.
Parece-nos manifesta a sem razão do recorrente.
A nulidade arguida (artº 379º, nº 1, al. c) do CPP) pode ser suprida pelo tribunal nos termos do nº 2 do mesmo preceito aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no nº 4 do artº 414º do CPP.
As nulidades da sentença, previstas no artº 379º, nº 1 do CPP, podem ser arguidas perante o próprio tribunal que proferiu a decisão, nos termos do artº 123º, nº 3, al. a) do mesmo diploma legal ou por via de recurso (cfr. Ac. do Plenário das secções criminais do STJ, in DR, I S-A, de 11/2/94).
Sendo arguidas na motivação de recurso, como sucedeu no caso em apreço, é lícito ao tribunal recorrido supri-las, nos termos dos citados preceitos. Não é defensável que só possam ser supridas as nulidades arguidas na motivação de recurso de sentenças que não conheçam, a final, do objecto do processo. A seguir-se tal entendimento seria inútil o estabelecido naquele artº 379º, nº 2. “Sentença” é uma decisão que conhece, a final, do objecto do processo e a possibilidade de reparação de decisão que não conhece a final está estabelecida naquele artº 414º, nº 4.
Assim sendo, o tribunal recorrido tinha competência para sanar a arguida nulidade.

No despacho recorrido entendeu-se não ser de condenar o demandante civil como litigante de má fé por se ter concluído que a não prova de um facto alegado não é suficiente para enquadrar qualquer das alíneas do nº 2 do artº 456º do CPC.
O instituto da má fé, tal como se encontra previsto nos artºs 456º e segts. do CPC é incompatível com o processo penal. Os deveres e direitos processuais do arguido penal, artº 61º do CPP e da parte civil, v.g. artºs 264º, 266º, 266º-A e 425º do CPC, não se adaptam. O arguido não tem o dever de falar, se falar não é obrigado a dizer a verdade (salvo sobre a sua identidade e, quando a lei o impuser, sobre os seus antecedentes criminais), a mentira não é sequer punida (embora não tenha o direito de mentir).
Não contendo o CPP norma expressa relativa à má fé, parece-nos vedado o recurso ao CPC, em virtude da diferença de princípios nesta questão, não se vislumbrando fundamento para sustentar o entendimento de que há lacuna e aplicar a legislação civil, lançando mão do artº 4º do CPP (cfr. Ac. do STJ de 26/06/02, CJ, A X, t II, pág. 227).
A jurisprudência (cfr. Ac. STJ de 9/7/97, CJ, A V, t II, pág 227) vem entendendo que a remissão do artº 129º do CPP para a lei civil no que respeita à indemnização apenas é quanto aos seus pressupostos e montantes, mas não quanto a questões processuais que são reguladas pelo CPP.
Embora se considere que o regime legal da má fé do CPC não é aplicável em processo penal (cfr. Ac. desta Secção proferido no recurso 5645/04) sempre se dirá que uma coisa é o que o recorrente entende dever ter sido considerado como provado e outra é o quem efectivamente foi dado como provado. Perante a decisão de facto proferida, mesmo que fosse aplicável tal regime, não havia lugar à pretendida condenação. A divergência entre o vencimento constante do recibo da empresa (da qual o demandante é sócio-gerente) e o constante da declaração para a Segurança Social não impõe que se dê como provado qualquer deles (como foi decidido).

Recurso da sentença.

Em face das conclusões da motivação de recurso, que fixam e delimitam o seu âmbito, as questões a decidir são: Erro notório na apreciação da prova; valoração da prova produzida; violação do princípio in dubio pro reo; nulidade da sentença por omissão de pronúncia; medida da pena; condenação em indemnização e montante do dano moral.

Erro notório na apreciação da prova.

Entende o recorrente que a sentença padece de erro notório na apreciação da prova (artº 410º, nº 2, al. c) do CPP) pelo facto de se ter considerado, na fundamentação da decisão de facto, que a testemunha C……. é amigo do arguido, quando é amigo não do arguido mas do ofendido.
O erro notório na apreciação da prova, previsto na al. c) do nº 2 do artº 410º do CPP, terá que ser uma falha grosseira e ostensiva da valoração da prova, que não escape à observação de um homem com uma formação média e o mesmo tem que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Verifica-se este vício “quando se retira de um facto dado como provado uma consequência logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto provado uma consequência ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida” (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, CPP, 2ª ed. V. II, pág. 740).
Tal vício não resulta do texto da decisão recorrida, não sendo possível socorrermo-nos do que as testemunhas disseram.
O que ocorre é que, socorrendo-nos dos depoimentos de testemunhas e ofendido, se deve concluir que efectivamente o C……. é amigo do ofendido e não do arguido. Mas tal, não constituindo tal vício, também não constitui um erro de julgamento na fixação da matéria de facto. Pura e simplesmente trata-se de um manifesto lapso material. Onde se referiu, na fundamentação da decisão de facto, que tal testemunha era amigo do arguido queria dizer-se que era amigo do ofendido (aí se referiu que, para justificar a sua credibilidade, “não hesitando em descrever desentendimento motivado pelo facto de o ofendido não entregar o copo que levava na mão ao arguido – o que não foi admitido pelo ofendido”. Apesar de amigo do ofendido teve uma versão diferente. Se se tivesse querido dizer que era amigo do arguido não se compreendia tal justificação.
Trata-se de um lapso material sem qualquer relevo na decisão de facto que se corrige, nos termos do artº 380º, nº 2 do CPP.

Valoração da prova.

Não sendo a audiência nesta Relação uma repetição do julgamento em 1ª instância em matéria de facto, apenas se deverá apurar se a convicção do tribunal recorrido tem suporte razoável na prova presente nesta Relação.
O juiz da instância, devido à oralidade, imediação e contraditório, está numa situação de privilégio para apreender as emoções, a sinceridade, a isenção, as contradições, as solidariedades e cumplicidades, que escapam no recurso, onde domina o papel, de modo a poder proferir uma boa decisão de facto. Como se refere no Acórdão de 30/4/03, proferido no recurso n° 295/03, desta Secção, citando Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal., lições coligidas por Maria João Antunes, 1988-9, pág. 158, a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes do processo, no julgamento da 1 ° instância, permite obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão.
O art° 127° do CPP estabelece que a prova é, salvo se a lei dispuser diferentemente, apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. Livre apreciação da prova "não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica" (CPP de Maia Gonçalves, 11ª ed., pág. 325). Através da indicação dos meios de prova e do seu exame crítico, efectuados na fundamentação, como o impõe o art° 374°, n° 2 do CPP, é possível ao tribunal de recurso apreciar se a convicção do julgador está fundamentada num processo racional e lógico da valoração da prova.
O facto do Tribunal da Relação não beneficiar da imediação e da oralidade não é impeditivo de que aprecie e, se for caso disso, altere a decisão de facto proferida em 1ª instância, existindo um 2º grau de apreciação da decisão de facto.
O que acontece, e parece não suscitar dúvidas, é que, devido à Relação não beneficiar da imediação e oralidade das provas, a 1ª instância se encontra em melhor posição para a avaliação da prova oralmente produzida.
O recorrente entende que se deveriam considerar como provados factos que permitam concluir que agiu “com instinto de defesa” e que não existiu nexo de causalidade entre a agressão e a fractura da mandíbula.
Depois de apreciada toda a prova oralmente produzida em audiência de julgamento e a documental concordamos com a decisão de facto proferida e sua fundamentação.
Não existe nos autos prova de que o ofendido, por qualquer forma, tentou agredir o arguido ou tenha feito gestos donde tal agressão pudesse ser “imaginada” pelo arguido. O que o ofendido fez, depois de ter bebido “uns copos”, foi negar-se a entregar o copo, contendo ainda alguma bebida, antes de sair do bar, por estar na hora do seu encerramento. Perante tal recusa o arguido (porteiro) retirou-lhe o copo e deu-lhe um murro na face (cfr. depoimentos do ofendido, testemunhas I……. e C…….). A versão do arguido e das testemunhas H…… e J….. (o I……. nem sequer viu “a confusão”) não são credíveis, por manifestamente dirigidas à defesa do seu companheiro de trabalho.
Também concordamos com a fundamentação da decisão recorrida quanto “às consequências da agressão para o corpo do ofendido”, apesar de, logo nos primeiros cuidados médicos, não ter sido diagnosticada uma fractura da mandíbula (o Hospital da Trofa (fls. 68 não afirma que o ofendido não apresentava sinais de fractura. Refere “aparentemente sem sinais de fractura” e que, por continuar “a apresentar edema local e referindo dor à mobilização” foi pedida colaboração da especialidade de Cirurgia Plástica que diagnosticou fractura da mandíbula). As declarações do ofendido, conjugadas com os depoimentos das testemunhas I……, C…… e L…… e elementos clínicos e exames periciais (fls. 7,8,33,34,58 a 62, 64 a 68 e 70) são suficientes, sem dúvida relevante, para se concluir que o soco dado pelo arguido na cara do ofendido foi causa directa e necessária da fractura da mandíbula.
Quanto ao facto do recorrente pretender que sejam dados como provados determinados factos constantes dos documentos enviados “por Instituições Hospitalares”, não existe qualquer relevância para os mesmos constarem dos factos provados ou não provados. Para a decisão da causa era relevante saber se a agressão era susceptível de causar as lesões sofridas e se essas lesões podiam ter como consequência os sofrimentos e sequelas dados como provados. Esses factos constam da decisão de facto. Os demais, por irrelevantes não têm que constar dessa decisão.
Da prova vê-se que o tribunal recorrido optou por acolher a prova que lhe pareceu credível e verdadeira, nada nos indicando que essa não seja a credível e verdadeira, “reconstruindo” o modo como decorreram os factos tendo em consideração essa prova e as regras da experiência comum.
Na decisão recorrida está devidamente fundamentada a opção feita e realizou-se o exame crítico de toda a prova, referindo-se as razões pelas quais uns testemunhos foram credíveis e outros não, parecendo-nos perfeitamente correcta a decisão de facto proferida.

Princípio “in dubio pro reo”

O recorrente invoca a violação do princípio “in dubio pro reo”, mas sem razão.
Da presunção de inocência de todo o arguido até ao trânsito em julgado da decisão condenatória, prevista no artº 32º, nº 2 da CRP, resulta a proibição de o arguido ter de provar a sua inocência e a imposição de só se darem como provados factos ou circunstâncias desfavoráveis ao arguido quando eles se tenham efectivamente provado, para além de dúvida séria. Em matéria de prova a dúvida é decidida a favor do arguido – in dubio pro reo.
Mas não é qualquer dúvida em sentido formal que é apelativa do princípio “in dubio pro reo”.
Para que tal princípio tenha aplicação é preciso que no espírito do julgador, ao pretender fixar a matéria de facto, se instale uma dúvida séria, honesta e com força suficiente para se tornar um obstáculo intelectual à aceitação da versão dos factos prejudiciais ao arguido.
O recorrente considera que “por não se ter feito prova rigorosa das circunstâncias em que a agressão ocorreu” deveria ser absolvido em face de tal princípio.
Ao tribunal recorrido, como a nós, não se levantou dúvida com força suficiente para não dar como provados os factos constantes da decisão de facto proferida, integradores do crime de ofensa à integridade física simples pelo qual o recorrente foi condenado.
Sendo perfeitamente correcta a valoração da prova efectuada pelo tribunal recorrido e não padecendo a sentença recorrida qualquer dos vícios referidos no artº 410º, nº 2 do CPP, ou de outros de que oficiosamente cumpra conhecer, a decisão de facto proferida é de manter.

Nulidade da sentença.

A nulidade da sentença, por falta de pronúncia, prevista no artº 379º, nº 1, al. c) do CPP, já foi sanada na 1ª instância, conforme o já referido no recurso apreciado em 1º lugar.

Medida da pena.

O recorrente entende que a pena «é manifestamente exagerada, quer no número de dias, quer no quantitativo diário (€ 4,00).
Ao recorrente foi imposta a pena de 280 dias de multa.
O crime de ofensa à integridade física simples é punido com pena de multa (pela qual se optou) de 10 a 360 dias (artºs 47º, nº 1 e 143º, nº 1 do CP).
A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos por lei, far-se-á em função da culpa do agente, tendo em conta as exigências da prevenção de futuros crimes e considerando todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nos termos do artº 71º, do citado CP.
O arguido agiu sob a forma mais grave de culpa (dolo directo), a ilicitude é elevada, considerando a violência da agressão e as suas consequências. A necessidade de prevenção geral está acima da média, considerando o elevado número deste tipo de crimes (principalmente cometidos em “bares”). A prevenção especial não se mostra acima do normal, considerando a idade do arguido (34 anos), a ausência de passado criminal, primar pela descrição, boa educação e elevada conduta moral, quer na sua vida privada, quer na profissional, e ser responsável íntegro e respeitador.
Por outro lado a agressão teve como causa o facto do ofendido se ter negado a entregar o copo pertencente ao bar do qual o arguido era porteiro.
Tendo em consideração tudo o referido entendemos que a pena de multa deve ser fixada um pouco acima do seu limite médio, mas em medida inferior à aplicada. Consideramos como adequada a pena de 200 (duzentos) dias de multa.

Taxa diária.

Na sentença fixou-se a taxa diária da multa em 4 euros.
Nos termos do artº 47º, nº 2 do CP, a taxa diária da multa será fixada entre 1 e 498,80 euros, em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
Na decisão recorrida deu-se como provado:
O arguido está desempregado, auferindo subsídio de desemprego no valor de €525,60.
33. Paga mensalmente ao banco prestação de empréstimo para aquisição de habitação no valor de €312,60, a que acresce outro pagamento mensal, decorrente de empréstimo hipotecário, no valor de €67,09.
Em face destes factos entendemos ser de fixar a taxa diária em 3 euros.
A pena de multa terá que constituir para o condenado algum sacrifício, de modo a satisfazer as necessidades de censura e prevenção que a mesma visa atingir, e o quantitativo total fixado (600,00 euros) parece-nos suportável para o arguido, tanto mais que se pode socorrer do disposto no artº 47º, nº 3 do CP.

Condenação em indemnização e montante do dano moral.

O recorrente defende a não condenação em indemnização civil pelo facto de não se ter provado o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Perante o já referido sobre a decisão de facto é evidente que existe aquele nexo de causalidade, nada havendo a censurar à condenação das quantias a liquidar em execução de sentença.
Quanto aos danos não patrimoniais, fixados na decisão recorrida em 7.500,00 euros, o recorrente considera que não devem ser fixados em quantia superior a 3.000,00 euros.
A grandeza do dano não patrimonial é insusceptível de medida exacta, por o padrão ser constituído por algo qualitativo diverso como é o dinheiro, meio da sua compensação. Por isso o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artº 494º do C.C., nos termos do nº 3 do artº 496º, do mesmo diploma legal.
Na decisão de facto, além das lesões sofridas pelo demandante, do período de doença (270 dias), da sujeição a operação com internamento hospitalar durante seis dias, foi dado como provado:
19. O demandante nasceu em 27/07/1964, sendo, ao tempo da agressão, saudável e dotado de capacidade de trabalho e de iniciativa.
20. Por outro lado, o demandante sofreu dores físicas e sentiu-se envergonhado e enxovalhado com a agressão sofrida num lugar público.
21. Tinha sido pai no dia 08 de Janeiro de 2003, tendo ficado receoso do seu futuro e sofrendo a angústia de ignorar se iria ficar bem.
22. Desgosta-o o ver-se não só diminuído na sua capacidade de trabalho, sofrendo dores e dificuldades de mastigar e de falar, como ver-se com a cara torta.
Por outro lado temos a situação económica do demandado, já acima referida, e a do demandante (trabalhava como gerente, essencialmente na área comercial como vendedor, da empresa “E……, Limitada”, com sede em ….., do concelho da Trofa, onde auferia vencimento mensal não concretamente apurado).
Perante tais factos entendemos que a indemnização por danos não patrimoniais deve ser mantida, por se considerar equitativa.

DECISÃO

Em conformidade, os juízes desta Relação decidem:
1º Negar provimento ao recurso do despacho que sanou a nulidade;
1º Dar parcial provimento ao recurso da sentença e, alterando a pena fixada, condenar o arguido B……. na pena de duzentos (200) dias de multa à taxa diária de três (3) euros, o que perfaz a multa total de seiscentos (600) euros.
2º No mais manter a decisão recorrida.

Taxa de justiça: quatro euros, por cada recurso.
Custas cíveis a cargo do recorrente.

Porto, 7 de Junho de 2006
Joaquim Rodrigues Dias Cabral
Isabel Celeste Alves Pais Martins
David Pinto Monteiro
Arlindo Manuel Teixeira Pinto