Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00038700 | ||
| Relator: | AMARAL FERREIRA | ||
| Descritores: | INSOLVÊNCIA SEGURANÇA SOCIAL | ||
| Nº do Documento: | RP200512150535648 | ||
| Data do Acordão: | 12/15/2005 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | É admissível, em processo de insolvência, que o plano de insolvência aprovado pela assembleia de credores defina o conteúdo e prazos de pagamento de créditos de que sejam titulares as instituições de segurança social que contra ele se manifestem. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO. 1. “B......., Ldª” instaurou, no Tribunal da Comarca de Vila Nova de Famalicão, ao abrigo do DL nº 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação das Empresas (doravante designado CIRE) contra “C......., Ldª”, acção especial de insolvência, alegando, em síntese, deter sobre a requerida, cujo movimento comercial é praticamente nulo, um crédito de 10.959,94 Euros, juros incluídos, titulado por uma letra de câmbio por esta aceite, com data de vencimento de 06/12/2003, e que desde Abril de 2004 a não consegue contactar nem aos seus representantes, tendo apurado que ela não possui registados a seu favor quaisquer imóveis, nem possui outros bens no seu activo, mantendo por liquidar diversos fornecimentos de mercadorias e tendo sobre ela pendentes vários procedimentos judiciais, sendo o seu passivo manifestamente superior ao activo. Termina pedindo que seja a requerida declarada em estado de insolvência, com as legais consequências. 2. Regularmente citada, a requerida não deduziu qualquer oposição. 3. Foi proferida sentença declarando a requerida em situação de insolvência, ordenando a citação dos credores e designando data para a realização da assembleia de credores, para apreciação do relatório previsto no artº 156º do CIRE. 4. Tendo o administrador da insolvência junto o relatório a que se refere o artº 155º do CIRE, e respectivos anexos (inventário e lista provisória de credores), teve lugar a assembleia de credores, que havia sido designada para 9 de Dezembro de 2004, na qual foi nomeada a comissão de credores e que, com 80,92% de votos favoráveis e 19,08% contra, deliberou conceder ao administrador o prazo de sessenta dias para elaborar o plano de insolvência. 5. Após junção, pelo administrador, da relação dos créditos reconhecidos, entre os quais figura o Instituto da Segurança Social com um crédito de 15.631,87 Euros, e da proposta do plano de insolvência, realizou-se a assembleia de credores para discussão e aprovação do plano proposto (artº 209º do CIRE), nos termos do qual os reembolsos dos créditos ficariam sujeitos às seguintes condições: 1. Alteração dos créditos quer quanto ao capital quer quanto aos juros: a) Créditos comuns: 1- Inexigibilidade de juros vencidos e vincendos e 2- Reembolso de 50% do valor do capital. b) Créditos privilegiados: 1- Inexigibilidade de juros vencidos e vincendos e 2- Reembolso da totalidade do valor do capital. 6. Nessa assembleia o sr. Administrador requereu que ao plano que havia proposto fosse feito o seguinte aditamento: Preceitos legais derrogados e do âmbito dessa derrogação [al. e) do nº 2 do artº 195º do CIRE]: - Dívidas fiscais (2ª Repartição de Finanças de Vila Nova de Famalicão): foram derrogados os preceitos legais que regem a regularização das dívidas fiscais em sede de processo de execução fiscal (nomeadamente os artºs 199º a 200º do Código de Processo e Procedimento Tributário); - Dívidas à segurança social (Instituto de Segurança Social): foram derrogados os preceitos legais que regem a regularização das dívidas à segurança social, nomeadamente o DL 411/91, de 17 de Outubro); - Âmbito: A derrogação dos preceitos legais acima referidos aplica-se a todos os créditos mesmo que não reclamados (nº 1 do artº 217º do CIRE), constituídos ou vencidos até final da data fixada para a reclamação de créditos, nos termos do artº 128º do CIRE. 6. O Instituto da Segurança Social, depois de manifestar a sua oposição ao plano de insolvência proposto, requereu, ao abrigo do disposto no artº 216º, nº 1, al. a) do CIRE, que fosse recusada a sua homologação, requerimento que, após audição do sr. Administrador, foi indeferido, após o que se seguiu a sua votação, que mereceu o voto favorável de 95,56% dos votos emitidos e contra de 4,44%, entre os quais o Instituto da Solidariedade Social. 7. Proferida sentença homologatória do plano de insolvência apresentado pelo administrador e aprovado pela assembleia de credores, dela apelou o credor “Instituto da Segurança Social, I.P.” – Centro Distrital de Braga que, nas respectivas alegações, apresentou as seguintes conclusões: 1ª: É na lei que estão fixadas as condições em que devia acontecer a extinção (total ou parcial) da obrigação contributiva ou, mesmo, alterar as condições do seu pagamento. 2ª: As decisões das assembleias de credores em processo de insolvência não pode acarretar alterações na obrigação contributiva. 3ª: Não é admissível que a assembleia de credores defina o conteúdo e prazos de pagamento da obrigação contributiva. 4ª: Um perdão ou moratória relativas a dívidas por contribuições à Segurança Social decididas em assembleias de credores constituiriam um autêntico benefício fiscal. 5ª: A sentença homologatória violou, de tal sorte, o disposto no artº 215º do CIRE. Termina pela procedência do recurso e pela revogação da sentença recorrida. 8. Não foram oferecidas contra-alegações. 9. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO. 1. A situação de facto a ter em consideração, com interesse para a decisão, é a que supra se deixou relatada, nada havendo a acrescentar. Tendo presente que: - constitui entendimento pacífico, que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos (cfr. artºs 690, nº 1, e 684, nº 3 do CPC), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso (artº nº 2 – fine - do artº 660 do CPC); - e que, dentro de tal âmbito, deve o tribunal resolver todas as questões que lhe sejam submetidas a apreciação, exceptuando-se aquelas questões cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras (cfr. 1ª parte do nº 2 do artº 660 do CPC); - sendo, também, dominantemente entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir (cfr., por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.” e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”); a única questão a resolver é a saber se é, ou não, admissível, em processo de insolvência, que o plano de insolvência aprovado pela assembleia de credores defina o conteúdo e prazos de pagamento de créditos de que sejam titulares as instituições de segurança social que contra ele se manifestem. Na verdade, como resulta do relatório supra, tendo a sentença recorrida homologado a deliberação da assembleia de credores que aprovou, com o voto contra do apelante, o plano se insolvência apresentado pelo administrador da insolvência, nos termos do qual, no que ora interessa considerar, os reembolsos dos créditos ficariam sujeitos às seguintes condições: 1. Alteração dos créditos quer quanto ao capital quer quanto aos juros: a) Créditos comuns: 1- Inexigibilidade de juros vencidos e vincendos e 2- Reembolso de 50% do valor do capital. b) Créditos privilegiados: 1- Inexigibilidade de juros vencidos e vincendos e 2- Reembolso da totalidade do valor do capital. plano esse que propôs ainda: Preceitos legais derrogados e do âmbito dessa derrogação {al. e) do nº 2 do artº 195º do CIRE}: - Dívidas à segurança social (Instituto de Segurança Social): foram derrogados os preceitos legais que regem a regularização das dívidas à segurança social, nomeadamente o DL 411/91, de 17 de Outubro); - Âmbito: A derrogação dos preceitos legais acima referidos aplica-se a todos os créditos mesmo que não reclamados (nº 1 do artº 217º do CIRE), constituídos ou vencidos até final da data fixada para a reclamação de créditos, nos termos do artº 128º do CIRE; contra ela se insurge a apelante por entender que a assembleia de credores não pode definir o conteúdo e os prazos de pagamento do seu crédito. O DL n.º 411/91, de 17 de Outubro, que prevê a regularização das dívidas à segurança social, depois de no artº 1º estabelecer que não é permitido autorizar ou acordar extrajudicialmente o pagamento prestacional de contribuições em dívida à segurança social, nem isentar ou reduzir, extrajudicialmente, os respectivos juros vencidos ou a vencer, salvo o disposto no artigo seguinte, no subsequente artº 2º, subordinado à epígrafe “Situações excepcionais para a regularização da dívida”, estipula que: 1 - A regularização da dívida às instituições de previdência ou de segurança social pode ser autorizada se tal se revelar indispensável para assegurar a viabilidade da empresa devedora e se esta se encontrar numa das seguintes situações: a) Se for declarada em situação económica difícil, nos termos do Decreto-Lei n.º 353-H/77, de 29 de Agosto; b) Se for objecto de processo especial de recuperação de empresas e de protecção dos credores, nos termos dos Decretos-Leis nºs 177/86, de 2 de Julho, e 10/90, de 5 de Janeiro; c) Se estiver inserida em sector ou subsector com relevância económica e social, declarado em reestruturação, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 251/86, de 25 de Agosto; d) Se tiver sido objecto de ocupação, autogestão ou intervenção estatal. 2 - A autorização a que se refere o número anterior é feita por despacho do membro do Governo que tiver a seu cargo a área da segurança social. 3 - Para efeitos no disposto no n.º 1, devem as empresas que pretendem regularizar a sua dívida apresentar um estudo económico-financeiro que demonstre a indispensabilidade das medidas pretendidas para a sua viabilidade. 4 - A instituição credora pode exigir, complementarmente à empresa devedora, a realização de estudos de viabilização por entidade que considerar idónea. E o artº 5º dispõe que o pagamento da dívida à segurança social pode ser assegurado por garantia adequada, geral ou especial, nos termos dos artigos 601º e seguintes do Código Civil. O plano de insolvência, regulado nos artºs 192º a 222º do CIRE ( aprovado pelo DL nº 53/2004, de 18 de Março, e alterado e republicado pelo DL nº 200/2004, de 18 de Agosto), reveste natureza e âmbito distintos das providências de recuperação de empresa previstas no revogado CPEREF (aprovado pelo DL nº 132/93, de 23 de Abril, e alterado, v.g., pelo DL nº 315/98, de 20 de Outubro), desde logo porque, constituindo finalidade única do processo de insolvência a satisfação dos interesses dos credores (artº 1º CIRE), ela pode ser alcançada por uma de duas alternativas: a liquidação universal do património do devedor, ou pela forma prevista num plano de insolvência aprovado pelos credores que pode, nomeadamente, basear-se na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente. E, mesmo quando o plano se reconduz a uma ou a um conjunto de providências recuperatórias da empresa do devedor, elas revestem um carácter instrumental, enquanto meio predominantemente dirigido à satisfação dos interesses dos credores, e é em razão da sua apetência para alcançar esse objectivo que o próprio plano deve ser apreciado, quer para efeitos da admissão da proposta pelo juiz (artº 207º do CIRE), quer para, uma vez aprovado pela assembleia, poder ser judicialmente homologado – neste sentido Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Vol. II, pág. 38. Ainda como diferença entre as providências de recuperação (CPEREF) e o plano (CIRE) há a assinalar que, enquanto as primeiras precedem a declaração de falência, destinando-se a evitá-la, o segundo sobrevém à declaração de falência, assumindo-se como um expediente alternativo de satisfação dos credores. O artº 194º do CIRE, que consagra o princípio da igualdade de tratamento dos credores (e que também se encontrava acolhido no artº 62º, nº 1, do CPEREF), estabelece no nº 1 que o plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas. Esse princípio, que respeita à necessidade de acordo do prejudicado para o caso de tratamento desfavorável em relação a outros colocados em posição idêntica (nº 2 do artº 194ª do CIRE), desdobra-se em duas facetas que se traduzem na necessidade de tratar igualmente o que é semelhante e de distinguir o que é distinto, e a razão objectiva mais clara que fundamenta a diferença de tratamento assenta na distinta classificação dos créditos, nos termos em que agora está assumida no artº 47º (cujo nº 4 considera como créditos sobre a insolvência: os “garantidos” e “privilegiados” – créditos que beneficiem, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalentes -, “os subordinados” – os créditos enumerados no subsequente artº 48º, excepto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extinguem por efeito da declaração de insolvência – e “comuns” - os demais créditos). Referem os mesmos AA., obra citada, pág. 45, que, havendo dentro da mesma categoria, motivos para os destrinçar, conforme o grau hierárquico que couber aos vários créditos, a ponderação das circunstâncias de cada situação pode justificar outros alinhamentos, nomeadamente tendo em conta as fontes do crédito, estando vedado é que, na falta de acordo, se sujeitem a regimes diferentes credores em idênticas circunstâncias, na falta de acordo dos lesados. Nos termos do artº 197º, al. a) do CIRE, na ausência de estatuição expressa em sentido diverso constante do plano de insolvência, os direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios não são afectados pelo plano. Da conjugação desse preceito legal com o disposto no artº 195º, nºs 1 (que estipula que o plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência), e 2, al. e), (nos termos do qual o plano de insolvência deve indicar a sua finalidade, descrever as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, e contém todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente, a indicação dos preceitos legais derrogados e do âmbito dessa derrogação), do CIRE, parece resultar, como salientou o sr. administrador judicial na resposta ao requerimento da apelante em que solicitava a não aceitação do plano, que o plano de insolvência permite a derrogação de preceitos legais, e deste modo, o citado DL nº 411/91. Salientam os referidos autores, obra citada, em anotação ao artº 197º, que, como corolário fundamental do regime fixado no preceito em anotação é o de que os direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios existentes podem ser atingidos, desde que a afectação conste do plano, e nos termos nele especialmente previstos. E, mais à frente, acrescentam que, nada no artº 197º fundamenta a imperiosidade do acordo de todos os afectados para que as garantias possam ser atingidas. Essa conclusão mais se consolida pela comparação com o artº 62º, nº 1, do CPEREF, que constitui o caso paralelo do direito pregresso, do qual inequivocamente decorria que os direitos do credor beneficiário de garantia só podiam ser atingidos na medida consentida. Em favor dessa solução referem ainda o disposto nos artºs 202º e 203º que, reportando-se ambos a providências que requerem o consentimento de quem por elas é directamente envolvido, são todavia, totalmente omissos quanto à hipótese ora em apreço. Continuando a citar, e a acompanhar, os mesmos AA. e obra, págs. 55 e 56, a dispensa da exigência do acordo de cada um dos credores que perca garantias ou privilégios, bastando a observação da maioria comum, constitui um importante instrumento de facilitação da aprovação de planos de insolvência, existindo duas barreiras fundamentais a limitar o eventual efeito pernicioso da tentação dos demais credores em servir-se do plano como um meio de, atacando garantias, beneficiar-se a si próprios em detrimento dos atingidos. Por um lado, há uma modificação do crédito para os efeitos do nº 2 do artº 212º, o que implica que os titulares visados têm o direito de, relativamente a esses mesmos créditos, participar na deliberação de aprovação do plano, contando eles para a fixação do quorum. Mas, mais significativo do que isso é a faculdade conferida pelo artº 216º, nº 1, als. a) e b), do CIRE, por força do qual é permitido a todos os credores que hajam manifestado nos autos a sua oposição ao plano, solicitar ao juiz a não homologação com fundamento no facto de a sua posição resultar previsivelmente menos favorável do que a que interviriam na ausência de qualquer plano ou que, por virtude do plano, algum credor obtém benefício superior ao montante líquido do seu crédito. E, sendo a solicitação devidamente sustentada, o tribunal deve deferir o pedido, havendo lugar a recurso no caso contrário, sendo este o meio com que a lei reequilibra os interesses em confronto, compensando o credor atingido que, discordando da medida adoptada, entenda ser prejudicado pelo recurso, nos precisos termos deliberados, a uma via alternativa à liquidação universal do património do devedor insolvente segundo o modelo geral concebido no Código. O referido artº 216º, nº 1, estabelece que o juiz recusa a homologação do plano se tal lhe for solicitado por algum credor se tiver manifestado nos autos a sua oposição anteriormente à sua aprovação, contanto que demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano (al. a), ou que o plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar (al. b). Quanto aos fundamentos invocáveis para suportar a reacção, só em presença de cada caso concreto se pode concluir sobre o mérito do requerimento, pressupondo a prova da eventualidade referida na al. a) um exercício intelectual de prognose, frequentes vezes complexo, que se traduz em comparar o que é previsto resultar do plano para o reclamante com aquilo que aconteceria na ausência de qualquer plano e, portanto, de se concretizar a liquidação universal do património do devedor, segundo o modelo supletivo legal. Isto reconduz-se, quanto aos credores, a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele, o que muitas vezes se revestirá de extrema dificuldade exactamente porque importa avaliar a priori o que a massa insolvente pode render no caso de venda universal. Mas há casos em que essa prova não será tão difícil, como sucede quando, mesmo contra a vontade do atingido, se aprove um plano que prevê a redução de um crédito assistido de garantia real ou de privilégio incidente sobre bens que seriam suficientes para assegurar a totalidade do pagamento ou, pelo menos, um reembolso em percentagem superior à estabelecida no plano. Ora, perante tudo quanto se deixou exposto, não tendo o apelante invocado que o plano de insolvência constitua ofensa ao princípio da igualdade de tratamento dos credores (que também não ocorre dado que o plano distingue entre créditos comuns e créditos privilegiados e prevê o seu reembolso em condições diferentes, sem que ocorram diferenças entre as mesma categoria de créditos), ou que a sua situação ao abrigo do mesmo seja previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano (nada alegou nesse sentido), e tendo em conta que, nos termos do artº 197º, é admissível a afectação dos direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios se tal constar expressamente do plano, mesmo sem necessidade específica do assentimento do respectivo titular, afigura-se que a apelação não pode deixar de improceder. Aliás, como sustentam os autores que temos vindo a seguir, em anotação ao artº 195º, nº 2, al. e), do CIRE (a que já acima fizemos referência), a aprovação de um plano de insolvência não comporta, em rigor, a derrogação de nenhum preceito legal, mas antes o afastamento da aplicação, ao caso concreto, de normas supletivas que se aplicariam, não fosse a decisão dos credores pela opção por uma alternativa, sendo com esse sentido que a norma deve ser entendida, não constituindo a omissão da indicação do que, em concreto, é afastado, preterindo embora a determinação da al. e) do nº 2, vício susceptível de inquinar a validade da deliberação da assembleia de credores e, bem assim, de fundamentar a não homologação oficiosa por parte do tribunal, o arrolamento exaustivo e casuístico de todos e cada um dos preceitos que resultam inaplicáveis, pois, o afastamento do regime supletivo é, em bom rigor e pela própria natureza da situação, uma consequência inexorável da aprovação do plano, na medida em que o conteúdo deste seja incompatível com as regras daquele. Finalmente, prevendo o artº 215º do CIRE, que o juiz recuse oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado pela assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação, não se vislumbra que a homologação do plano viole, de forma não negligenciável, essas regras procedimentais ou normas aplicáveis ao seu conteúdo. Na verdade, este preceito, que confere ao tribunal o papel de guardião da legalidade, cabendo-lhe, em consequência, sindicar o cumprimento das normas aplicáveis como requisito da homologação do plano, comparado com o revogado artº 56º, nºs 1 e 2, do CPEREF, tem a vantagem de evidenciar que a necessidade de satisfação dos comandos normativos tanto respeita a aspectos de procedimento (os que regem a actuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram presentes – incluindo as relativas à sua própria convocatória ou funcionamento – e os relativos ao modo como o plano deve ser elaborado e apresentado), como aos do conteúdo do plano (os respeitantes à sua parte dispositiva e, além deles, os que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e os que definem os temas que a proposta deve apresentar). E, entendendo-se por vício não negligenciável (que a lei não define), no que respeita ao conteúdo do plano, a violação de todas as normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza, esse vício inexiste face ao que se deixou exposto àcerca da possibilidade de derrogação de normas legais pelo plano de insolvência, consubstanciado (cfr. artºs 1º e 192º do CIRE) como um instrumento de auto-regulamentação dos interesses dos credores, alternativo à liquidação universal do património do devedor, e por aqueles definido. Por isso, deve ser aprovado em condições que, efectivamente, viabilizem a realização do fim a que se destina, devendo o tribunal mostrar generosidade na sindicação do deliberado pelos credores, nas mãos de quem a lei colocou a decisão sobre o destino do processo – AA. e obra citados, págs. 120 e 121. III. DECISÃO. Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença apelada. * Custas pelo apelante.* Porto, 15 de Dezembro de 2005António do Amaral Ferreira Deolinda Maria Fazendas Borges Varão Ana Paula Fonseca Lobo |