Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0637010
Nº Convencional: JTRP00040012
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: INVENTÁRIO
DIVÓRCIO
RECLAMAÇÃO DE BENS
DILIGÊNCIAS PROBATÓRIAS
CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
INFLUÊNCIA NA PARTILHA
CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS
Nº do Documento: RP200701250637010
Data do Acordão: 01/25/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO EM PARTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 702 - FLS 97.
Área Temática: .
Sumário: I - No incidente de reclamação contra a relação de bens, embora devam as provas ser indicadas com o requerimento inicial e resposta, o juiz deve, antes de decidir, atender não só às provas requeridas pelos interessados, mas, também promover as diligências “probatórias necessárias”, com vista à justa decisão do incidente.
II - As “diligências probatórias necessárias” a que se refere o art. 1344°, n°2, Código de Processo Civil, são as complementares ou esclarecedoras das provas que as partes indicaram, não se devendo o tribunal substituir às partes, sobre quem recai dever de apresentação das provas na estrutura processual incidental.
III - O lugar e altura próprios para, no inventário subsequente a divórcio, ser decidida a atribuição da casa de morada de família, quando aí requerida por um dos cônjuges, é a conferência de interessados, por se tratar de uma das “questões cuja resolução possa influir na partilha”.
IV - Na apreciação e decisão do incidente, o tribunal pode fazer as diligências que entenda necessárias, a fim de aferir da verificação dos requisitos contidos no art. 1793° do Código Civil “considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal”, sem que, no entanto, aqui interfiram considerações atinentes a culpabilidade de qualquer um dos cônjuges no divórcio.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO:

No .º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Lamego correm termos uns autos de inventário sob o nº ..-A/2000 em consequência de divórcio, em que é inventariado B………. e cabeça de casal C……….

Nesses autos veio a cabeça de casal apresentar a relação de bens com cópia a fls. 43/44 (bens móveis e um imóvel).
Foi designada por duas vezes data para a Conferência de Interessados, tendo sido adiada (em 12.06 e 03.07 de 2003-- como se vê a fls. 46 e 48).

Antes da nova data designada para a Conferência de Interessados, veio a cabeça de casal, através do requerimento de fls. 49 a 51 (72 segs. dos autos de inventário), requerer que, dando-se sem efeito a data designada para a aludida Conferência, fosse o requerido B………. notificado para “proceder à correcção da relação de bens, relacionando-se os bens em falta”—as “pelo menos três” “propriedades que herdou e que o casal tem administrado”, além de dois carros, uma mota, uma moto serra e outras ferramentas que diz estarem em poder do requerido.
Mais requereu que lhe fosse atribuída a casa de morada de família—que diz ter sido construída quase em exclusivo com dinheiro da requerente--, para evitar que a requerente—que não tem casa—, as filhas menores do casal e a sua mãe (“incapacitada num leito”) fiquem sem lar.

O requerido emitiu a pronúncia nos termos de fls. 62 ss, concluindo pelo indeferimento do requerido, alegando, para tal, que todos os bens móveis a partilhar estão em poder da cabeça de casal e foram já por ela relacionados, que a casa de morada de família foi construída apenas com as economias do casal, além de que ambos estão casados no regime de comunhão geral de bens, pelo que não faz sentido falar-se em bens próprio de um dos cônjuges ou em dívidas de um cônjuge para com o outro.

Conclusos os autos, foi proferido despacho indeferindo todo o requerido pela cabeça de casal.
A fundamentação—na parte que interessa ao presente agravo-- foi esta:
“A omissão de quaisquer bens na relação de bens apresentada apenas a ela” (cabeça de casal) poderá ser imputada”; “quanto à alegada herança, não foi junto qualquer documento comprovativo do alegado”; “no que se refere à casa de morada de família, o presente processo não é o meio próprio para sustentar tal incidente”.

Recorreu a requerente / cabeça de casal, apresentando alegações que remata com as seguintes

“CONCLUSÕES
1ª.
O douto despacho ora recorrido, violou os artigos 3; artº 4; artº1347 n° 1, 2 e 3; art.° 1344 n° 2; artº1349 n° 3 e 4 todos do CPC.

O douto despacho indeferiu todos os pedidos da recorrente quanto aos bens que deviam fazer parte do relação de bens e que estão na posse do recorrido.

A recorrente, e cabeça de casal, tem direito a ver os seus direitos e interesses acautelados, como todos os outros cidadãos que recorrem à justiça, e conforme aliás está constitucionalmente previsto na Lei Fundamental.

O douto despacho, salvo o devido respeito que é muito, não acautelou os interesses e direitos da recorrente como está obrigado e vinculado por lei, indeferindo sem fundamentar convenientemente a recusa dos pedidos da recorrente,

O douto despacho proferindo um despacho no sentido de indeferir todos os pedidos da recorrente, dizendo que a recorrente não provou por documentos aquilo que alega, parece afirmar que a única (?) prova existente é a documental.

É injusto e ilegal o douto despacho, porquanto não terem sido observados o disposto no art.°s 3; art.° 4; art.° 1347 n° 1,2 e 3; art.° 1349 n° 3 e 4 e artº 1344 n° 2 todos do CPC.

O douto despacho estava e está obrigado a fazer cumprir o disposto nestes preceitos, bem como, toda a lei em geral, e salvo o devido respeito, isso não foi observado e por isso a decisão é ilegal e injusta.

Uma vez vedada a realização da produção de prova por parte da recorrente, a relação de bens fica inquinada porquanto, não constará nela bens que deviam estar relacionados e que o recorrido tenta esconder por forma a não os levar à partilha.

A recorrente alegou que o recorrido tem na sua posse três propriedades, uma moto serra e várias ferramentas. A omissão de pronúncia do douto despacho é causa de nulidade processual.
10º
A prova não se faz só por documentos, existem outros tipos de meios de prova que uma vez produzida podem provar que o recorrido tem efectivamente na sua posse bens que fazem parte da relação de bens, isto é que deviam constar da relação de bens.
11°
De acordo com a reforma introduzida pelo DL n° 227/94 de 8 de Setembro, parece dever entender-se que o processo só deve prosseguir depois de citados todos os interessados e depois de resolvidas todas as questões susceptíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar, o que manifestamente não aconteceu.
12°
Devendo o douto despacho ser revogado, substituindo-o por outro que admita outros meios de prova e que notifique o requerido para trazer à relação de bens os bens que possui e que devem fazer parte dela.

Normas Violadas: Artº 13, 18, 20 e 205 todos da CRP
Artº 3; art.° 4 e art.° 158 n° 1 e 2 do CPC Art.°265 n° 2 e 3 e artº 266 n° 2 e 3 do CPC Artº 1347 n° 1, 2 e 3; art.° 1349 n° 3 e 4 CPC Artº 1344 n° 2 e artº 1336 n° 2 do CPC

Nestes termos, e nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve o douto despacho ser revogado, sendo substituído por outro que admita a produção de outros meios de prova e que notifique o requerido para juntar à relação de bens os bens que tem na sua posse e que devem fazer parte desta relação de bens.”

Não foram apresentadas contra-alegações.
A Mmª Juiz a quo sustentou o despacho recorrido.

Foram colhidos os vistos

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. AS QUESTÕES:
Tendo presente que:
- O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

as questões a resolver são as seguintes:
- Falta de fundamentação da decisão;
- Nulidade do despacho por omissão de pronúncia;
- Se deveria o tribunal a quo, em vez de indeferir, sem mais, o requerido, ter admitido a produção pela requerente de outros meios de prova para comprovar o alegado, quer quanto aos bens que se alega estarem na posse do agravado, que no que tange ao pretendido direito à casa de morada de família.

II. 2. OS FACTOS:

Os factos a ter em conta são os supra relatados, que aqui se reproduzem.

III. O DIREITO:

- Primeira questão: falta de fundamentação da decisão recorrida.

Entende a agravante que o despacho recorrido indeferiu “sem fundamentar convenientemente a recusa dos pedido da recorrente” (conclusão 4ª).
Vejamos.

Quer a Constituição da República (artl 205º, nº 1, da CRP) quer a lei processual civil (artº 158º, nº 1, do CPC), impõem a fundamentação das decisões judiciais.
No nº 2, do citado artº 158º, estabelecesse que a justificação das decisões judiciais não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.
Por outro lado, a lei adjectiva considera nula a decisão judicial quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam aquela (nº 1, al. b), do artº 668º, do CPC, com referência do artº 666º, nº 3, do mesmo diploma legal).
Tal nulidade deve ser arguida no recurso (artº 668º, nº3 e 670º, nº1, do CPC).
Ora, analisada a decisão recorrida, embora se aceite que é relativamente singela, não se vislumbra a falta de especificação na mesma dos fundamentos de facto e, implicitamente, de direito (artº 519º, nº1, do CPC) que a justificam.
Acresce, de todo o modo, que só a falta absoluta de motivação e não a motivação deficiente, errada ou incompleta, produz a nulidade prevista na alínea b), do nº1, do arº 668º, do CPC (ver, entre outros, Antunes Varela, Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 1984, págs. 670-671 e os Acs. do S.T.J., BMJ, 246º/131, 395º/479, da RP, 319-/343, da RC, 426/541 e da RL, CJ, 1991, 121).
A Mmª Juiz fundamentou a decisão, é certo, de forma assaz lacónica. No entanto, há que ver que não incumbe ao juiz analisar todas as razões jurídicas que cada uma das partes invoque em defesa da sua posição, apesar de lhe incumbir tratar de todas as questões suscitadas pelas partes. A fundamentação é suficiente se se indicarem as razões jurídicas que serviram de suporte à solução adoptada (Antunes Varela, .....Manual..., cit.)
Aliás, quer na sentença, quer nos despachos, apenas se exige que ali se mencionem os princípios, as regras, as normas em se apoiam (ibid).

Portanto, conquanto o douto despacho se não possa ter, no aspecto, ora, em análise, por modelar—pois peca, sem dúvida, pela inerente deficiência e escassez de fundamentação--, não enferma da arguida falta de fundamentação, invocada pela agravante.
Reitera-se que “a falta de motivação prevista na alínea b) do nº1 do artigo 668º do Código de Processo Civil é a total omissão de facto ou de direito em que assenta a decisão, não afectando o valor desta que seja incompleta ou deficiente a respectiva fundamentação" - Acórdão do STJ, de 5.1.1984, in BMJ, 333º-398, e RLJ, 121º-305, com anotação de Antunes Varela.

Pode, é certo, a decisão proferida ser incorrecta, do ponto de vista jurídico. Mas tal nada tem a ver com a questão da sua nulidade, que ora a agravante invoca.
Assim improcede esta primeira questão.

- Segunda questão: nulidade do despacho por omissão de pronúncia:

Alega a agravante que tal omissão de pronúncia se verifica já que alegou que o recorrido “tem na sua posse três propriedades, uma moto serra e várias ferramentas” e sobre isso não se pronunciou o tribunal.
Também não concordamos com a agravante.

Com efeito, no despacho recorrido emitiu-se pronúncia sobre se deveriam ou não ser relacionadas as aludida verbas, referindo-se – aí se referindo, para justificar o indeferimento da pretensão da requerente-- que “à Cabeça de casal cumpre, […], relacionar todos os bens do casal, não podendo escudar-se na existência de uma alegada depressão para justificar qualquer omissão.
Se não estava nas melhores condições a cabeça de casal deveria ter pedido escusa.
Assim, a omissão de quaisquer bens na relação apresentada apenas a ela poderá ser imputada”.

O certo é que o tribunal conheceu de todas as questões que deveria apreciar, tido em conta o preceituado no art. 660º, nº2, do CPC.
Sendo, por outro lado, certo que, como expende o Cons. Rodrigues Bastos (in "NOTAS ao CPC, Vol. III, 3ª Ed., págs. 195), “. ."A nulidade prevista na al. d) do nº 1 está directamente relacionada com o comando que se contém no nº2 do artº 660º servindo de cominação ao seu desrespeito ... É a nulidade mais frequentemente invocada nos tribunais, pela confusão que constantemente se faz entre «questões» a decidir e «argumentos» produzidos na defesa das teses em presença".

Assim, portanto, a decisão agravada, muito embora possa não ter escalpelizado todos os argumentos invocados pela agravante, não deixou de apreciar a aludida questão suscitada pela agravante.

Assim improcede, sem mais delongas, esta segunda questão.

- Terceira questão: se deveria o tribunal a quo, em vez de indeferir, sem mais, o requerido, ter admitido a produção pela requerente de outros meios de prova para comprovar o alegado: quer no que toca aos bens que se alega estarem na posse do agravado, quer no que tange à requerida atribuição do direito à casa de morada de família.
Vejamos

A questão sob apreciação desdobra-se, como é bom de ver, em duas sub-questões: a atinente aos bens que a agravante diz estarem na posse do agravado – “três propriedades, uma moto serra e várias ferramentas” -- e a atinente ao alegado encabeçamento da casa de morada de família.


A)- Quanto à questão da eventual relacionação dos bens que se alega estarem na posse do agravado:

Na sequência da ordem que recebeu do tribunal aquando da prestação de declarações de cabeça de casal (fls. 41), esta apresentou a relação de bens com o respectivo valor, conforme cópia junta a fls. 43/44, assim cumprindo o estatuído no artº 1346º CPC—diploma a que nos referiremos sempre que outro não seja mencionado.
Como resulta do requerimento em que se apresentou tal relação de bens, nada mais foi dito ou requerido pela apresentante.
Ora, como emerge do artº 1347º, caso o cabeça de casal declare que não pode apresentar bens que estejam em poder de outra pessoa, é a mesma notificada para, no prazo designado, facultar o acesso a tais bens e fornecer os elementos necessários à respectiva inclusão na relação de bens—seguindo-se, então, o que mais se consigna nesse preceito e no artº 1349º.
Ora, como é bom de ver, o cabeça de casal, no prazo concedido pelo tribunal para apresentar a relação de bens—“TRINTA DIAS” (cfr. fls. 41, fine)—nada disse, e igualmente nada referiu ou declarou na relação de bens que -- já tardiamente—apresentou (fls. 43/44).
Entretanto só depois de designada data para Conferência de Interessados é que a cabeça de casal vem com o requerimento sobre o qual incidiu o despacho ora em crise.

Daqui logo se vê que a questão da reclamação contra a relação de bens foi apresentada extemporaneamente.
Daqui que, até com este fundamento, poderia ser, como foi, indeferido o requerido no que ao aspecto que ora apreciamos (falta de relacionação das propriedades, moto serra e ferramentas.

Mas por outra razão o indeferimento se justificaria.
É que, mesmo que a cabeça de casal tivesse feito a declaração a que se refere o artº 1347º, nº1—de estar impossibilitada de relacionar os aludidos bens por estarem em poder da contraparte--, uma vez que o notificado—ora agravado—declarou que os bens, ou não existem, ou não têm de ser relacionados (cfr. fls. 62 ss), observar-se-ia o disposto no artº 1349º, nº3 (ex vi artº 1347º, nº2).
O que significa que, agora por aplicação deste mesmo nº 3 do artº 1349º, seria aplicável o nº 2 do artº 1344º.
Segundo o disposto neste artº 1344º, nº2, “as provas são indicadas com os requerimentos e respostas”, ao juiz, cabendo, porém, efectuar “as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas oficiosamente”.
Ora, a agravante insurge-se nas suas doutas alegações essencialmente contra o facto de o tribunal não lhe ter permitido usar da prova testemunhal.
É o que refere, designadamente, no ponto 10 das suas alegações:”entre outros, existe um meio de prova muito importante e de capital relevância que é a prova testemunhal e que, salvo o devido respeito, o douto despacho não levou a efeito para compreender melhor o objecto em causa”—sublinhado nosso.
Ora, é óbvio que tal diligência probatória não se insere nas “diligências probatórias” “determinadas oficiosamente” pelo tribunal, a que se refere o citado artº 1344º, nº2.
O que significa que tal tipo de prova é daquelas que o artº 1344º, nº2, menciona como as que “são indicadas com os requerimentos e respostas”.
Acontece, porém, que cabeça de casal, no seu douto requerimento sobre que incidiu o despacho recorrido, não indicou qualquer tipo de prova a produzir, designadamente a prova testemunhal—a que agora tanto se agarra.
Assim sendo, não vemos como poderia o tribunal substituir-se-lhe, determinando a produção de uma prova que…não existia, porque não atempadamente apresentada ou requerida!

Não desconhecemos que à tramitação dos incidentes do processo de inventário, “não especialmente regulados na lei”, é aplicável, ex vi do artº 1334º, CPC, o disposto nos arts. 302º a 304º do mesmo Código. E segundo o disposto no artº 303º, nº1, CPC, os meios de prova devem ser requeridos logo no requerimento inicial em que se suscite o incidente.
Há, porém, que dar especial atenção à expressão “Não especialmente regulados na lei”—referida no citado artº 1334º.
Ora, o incidente da acusação da falta de relacionação de bens tem regulação especial na lei, maxime nos arts. 1348º e 1349º CPC.
Assim sendo, há que ver qual a regulamentação específica que a lei prevê para tal incidente.
Com já referimos supra, a lei que apresentada a reclamação contra a relação de bens, é o cabeça de casal notificado para relacionar os bens em falta ou dizer o que se lhe oferecer. Não confessando a existência de bens, são os interessados notificados para se pronunciarem, aplicando-se o disposto no artº 1344º, nº2, CPC (ex vi artº 1349º, nº3).
Como também vimos, segundo o citado nº 2 do artº 1344º, “as provas são indicadas com os requerimentos e respostas; efectuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas oficiosamente pelo juiz, é a questão decidida, sem prejuízo do disposto no artigo 1335º”.
Daqui resulta, de facto, que se é certo que as provas são “indicadas com os requerimentos e respostas”, não é menos certo que o juiz deve , antes de decidir, não só atender às provas requeridas pelos interessados, mas, também, tomar as diligências “probatórias necessárias”, com vista à boa e justa decisão do incidente.

Como já supra ficou referido, a agravante não apresentou qualquer prova no seu requerimento (nem posteriormente, aliás), apenas se limitando a dar notícia de que a Mmª Juiz não atendeu, antes de decidir, à prova…testemunhal!

É certo que nada obstaria a que o Tribunal a quo -- na busca da boa decisão do incidente-- acedesse às solicitações que a reclamante (ou o outro interessado) dirigisse ao tribunal, ordenando as diligências, desde que se tratasse de diligências probatórias “necessárias”.
O que estaria, aliás, em consonância com o estatuído no artº 265º, nº3, do CPC, segundo o qual—na vertente do princípio do inquisitório—“incumbe ao juiz ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.
No entanto, os princípios do inquisitório (tal como o da mútua colaboração entre o tribunal e as partes) de forma alguma pode significar que o juiz se possa ou deva substituir às partes, designadamente na indicação da prova essencial para a resolução das pretensões que dirigem ao tribunal.
Ora, se a requerente tivesse arrolado prova (maxime testemunhal), então, sim, o tribunal, procederia à produção dessa prova e, mesmo ex oficio, ordenaria, ainda, as diligências probatórias que entendesse pertinentes, mas sempre complementares das que a parte interessada havia carreado para os autos.
Cremos ser esse, e só esse, o sentido da expressão “diligências probatórias necessárias” contida no aludido artº 1344º, nº2 do CPC.

É certo que, como se escreveu no Ac. desta Relação do Porto, de 17.07.80, Bol. M. J. nº 299º, pág. 415,”... . A possibilidade ou impossibilidade de resolução da questão no processo de inventário só se aquilata depois da produção da prova”. O mesmo é dizer, depois de – nos termos do artº 1344º, nº2, CPC—serem “efectuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas oficiosamente pelo juiz”.
Mas-- repete-se--, é preciso que a parte tenha tido o cuidado de carrear para os autos as provas que pretende ver produzidas nos autos—eventualmente, depois, complementadas com as “diligências probatórias necessárias” que o Juiz entenda pertinentes.

Assim não tendo procedido a agravante, é claro que o por si requerido—para que a relação de bens fosse adicionada com as verbas que refere (“propriedades”, moto-serra e “outras ferramentas”)—não merecia, como não mereceu, provimento.
Refira-se, aliás, que se não sabe a que “propriedades” se refere a agravante, tal como de que “outras ferramentas” fala, pois não as discrimina!! E da mesma forma não vemos como se poderia fazer a prova da propriedade de imóveis por via….testemunhal! O que, nesta parte, atenta a natureza do inventário—que se não padece com a natureza célere deste processo-- sempre obrigaria à remessa dos interessados para os meios comuns (ut artº 1336º, nº2).

Assim, portanto, cremos que no que tange às alegadas “propriedades”, moto-serra e “outras ferramentas”, não há que relacioná-las neste inventário—sem prejuízo de a questão ou questões poderem ser discutidas e decididas nos meios comuns, nos sobreditos termos, onde, aí, sim, pode ter lugar uma muito mais larga, aturada e profícua apreciação e decisão (ver, v.g. Partilhas Judiciais, de Lopes Cardoso, 1980, 3ª ed., vol. II , a págs. 325 a 328 e Ac. do STJ de 16.12.80, Bol. M.J. nº 302. Ano 1981, pág. 257 e Ac. in Col. Jur., ano 1989, tomo 3, pág. 289).
É, aliás, o ensinamento de J. A. Lopes Cardoso[1], ao referir que “temos por idóneo que, nestes casos, o julgador deve abster-se de procedimento nesta conformidade, única forma de não causar despesas às partes, de abreviar o andamento do processo de inventário e de não praticar actos inúteis que a lei processual proíbe ( Cód. Proc. Civil, artº 137º).
E desta prática nenhum prejuízo vai causar aos interessados, que nos meios comuns desfrutarão dos mais amplos meios de prova, sem subordinação a limites que se estabelecem para o processo de inventário”.

Improcede esta segunda questão.

B)- Quanto à questão da casa de morada de família:

Requereu, ainda, a agravante que a si e às duas filhas menores do casal – a viverem com ela-- lhe fosse atribuída a casa de morada de família, pois só assim não ficariam “sem lar” (arts. 14º ss do requerimento de fls. 72 ss dos autos de inventário, com cópia a fls. 49 a 52 destes autos de agravo).

Sobre esta questão o despacho recorrido limitou-se a dizer o seguinte: “No que se refere à casa de morada de família, o presente processo não é o meio próprio para suscitar tal incidente”.
Quid juris?

Cremos que, nesta parte, mal andou a Mmª Juiz a quo.
Com efeito, ao contrário do que sustenta, o encabeçamento da casa de morada de família é questão que pode—e deve-- ser apreciada e resolvida no inventário.

Dispõe o artº 1793º do CC:
“Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer essa seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal”.

Por outro lado, o artº 1413º do CPC rege sobre a tramitação a seguir na atribuição da casa de morada de família—sendo de salientar estar-se perante processos de jurisdição voluntária, onde o julgador pode—e deve- “investigar livremente os factos, coligir as provas,…” (artº 1409º, nº1 CPC).
Também o artº 2103º-A do CC dispõe sobre o direito de habitação da casa de morada de família e direito de uso do recheio.

Ora, da conjugação destes normativos cremos que nada afasta—pelo contrário-- a possibilidade de no processo de inventário para partilha de bens do dissolvido casal haver lugar ao incidente de atribuição da casa de morada de família—seja comum, seja própria do outro cônjuge.
E cremos que o lugar e altura própria para se proceder à decisão desse direito é precisamente na Conferência de Interessados, pois se trata de uma das “questões cuja resolução possa influir na partilha” (artº 1353º-4-b) CPC).
O encabeçamento da casa de morada de família é, naturalmente, um valor do património a partilhar. E o direito de habitação é, ele mesmo, um direito que pode ser adjudicado autonomamente a qualquer dos cônjuges interessados na partilha.

Fruto da reforma operada pelo DL nº 496/77, ed 25.11, quer o artº 1793º, quer o artº 2103º-A, do CC, integram-se num conjunto de medidas de protecção ao cônjuge no âmbito do direito sucessório, inspiradas nas alterações sociológicas tendentes à transformação da chamada família-linhagem na família nuclear ou conjugal (cfr, Nuno Espinosa Gomes da Silva, Posição sucessória do cônjuge sobrevivo”, in Reforma do Código Civil”, págs. 55 ss.).
Ora, o artº 1793º insere-se, precisamente, na subsecção relativa aos “efeitos do divórcio”. O que significa, obviamente, que a casa de morada de família, constituindo parte—ou todo—do património dos cônjuges, ou ex-cônjuges, a partilhar, pode ser atribuída a qualquer dos cônjuges—autonomamente, mesmo que a propriedade da mesma fique a pertencer ao outro cônjuge.
Surgirá, assim, o incidente de atribuição da casa de morada de família, a decidir, como dito supra, na Conferencia de Interessados.

É claro que se por virtude dessa atribuição o respectivo cônjuge ficar com um quinhão superior ao que lhe pertenceria na partilha dos bens do casal, terá de pagar tornas ao outro cônjuge (ver Espinhosa da Silva, ob. cit., pág. 68).
É claro, também que, como ensina Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, II, 1ª ed., págs. 241 a 243, «o encabeçamento do cônjuge nos direitos de habitação da casa de morada da família e de uso do recheio pressupõe que na partilha a titularidade da propriedade de tais bens venha a caber a outros herdeiros”.

In casu não se sabe se a casa de morada de família irá caber à agravante ou ao agravado. Porém, para acautelar os seus interesses e dos filhos, veio a agravante, ainda antes de realizada a Conferência de Interessados, requerer que lhe fosse atribuído o direito ao encabeçamento da aludida habitação (e seu recheio, naturalmente).
Tal requerimento não pode deixar de ser levado em conta pelo tribunal, devendo ser decidido nos autos de inventário. Ali o julgador irá averiguar, para bem decidir da pretensão formulada, se se verificam os requisitos contidos no artº 1793º CC—“considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal”.
É isso, afinal, que se extrai do requerimento da agravante como pretendendo por ela ser acautelado—para o que, sendo preciso, deverá o tribunal levar a efeito as necessárias diligências (ut cit. artº 1409º-1).

Como se disse já, à Conferência de Interessados compete deliberar sobre “quaisquer questões cuja resolução possa influir na partilha”.
Anotando esta disposição, depois de enunciar o elenco de temas a submeter à apreciação da conferência, J A. Lopes Cardoso, “Partilhas Judiciais”, II, 3ª ed., pág. 93) sublinha a obrigatoriedade de deliberação sobre tais questões, em contraste com a mera faculdade de deliberar acerca da composição dos quinhões e seus valores.
Critério para a qualificação das questões a resolver, a necessidade de as solucionar, a sua influência na determinação da partilha, a ausência de problemas de direito (Lopes Cardoso, ib, pág. 182).
Entre elas, com flagrante ponto de contacto com a que nos ocupa, indica este autor a “atribuição específica de certos bens em função do determinado em lei expressa”.
Ora, sabido que na falta de acordo sobre a composição dos quinhões se seguem licitações (artº 1363º-1), as quais têm a estrutura de uma arrematação (artº 1371º), está longe de ser irrelevante para a partilha a posição do cônjuge, ou cônjuges, no que concerne à casa de morada de família.

Assim, portanto, impunha-se à Mª Juiz a quo que, em vez de se ficar pelo lacónico “o presente processo não é o meio próprio para suscitar tal questão”, tomasse em conta o requerido para ser apreciado na Conferência de Interessados, fazendo-se as diligências necessárias para a decisão do requerido, na ponderação dos requisitos ou pressupostos previstos no citado artº 1793º-1 CC (“a necessidade de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal”).

Refira-se, apenas, que se permite no citado artº 1793º CC, v.g., que o Tribunal “exproprie”[2] sem indemnização o uso da casa ao cônjuge a quem é imposto o arrendamento, desta forma se sacrificando o direito de propriedade constitucionalmente protegido com vista à defesa do interesse da família que também é objecto de protecção constitucional no art.º 67º da Lei Fundamental.
Ensina Pereira Coelho, R.L.J., ano 123º, n.º 3801, pág. 369 e 371, que a casa de morada de família não perde essa qualificação pelo simples facto de a família se ter desagregado e de a casa ter assim deixado de ser, de facto, a morada da família, como é o caso quando um dos cônjuges, infringindo o seu dever de coabitação abandona a residência da família ou, pelo seu comportamento, leva o outro a abandoná-la.
Ora, estando os ainda cônjuges em desacordo quanto ao destino da casa é mister que se decida quanto à sua atribuição.
Não interferem aqui considerações atinentes à culpabilidade de qualquer um dos cônjuges no divórcio.
Como afirmam Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil anotado, volume IV, Coimbra, pág. 570, “não se trata, efectivamente de um resultado do ajuste de contas desencadeado pela crise do divórcio, que a lei queira resolver ainda com base na culpa do infractor, mas de uma necessidade provocada pela separação definitiva dos cônjuges, que a lei procura satisfazer com os olhos postos na instituição familiar”.
No mesmo sentido pode ler-se no acórdão da Relação do Porto de 26 de Fevereiro de 1998 (CJ, 1998, tomo I, pág. 222) que “o objectivo da lei não é castigar o culpado ou premiar o inocente, como não é o de manter na casa o cônjuge ou ex-cônjuge que aí tenha permanecido após a separação de facto mas o de proteger o que mais seria atingido pelo divórcio quanto à estabilidade da habitação familiar”.

É precisamente com “os olhos postos na instituição familiar” que o tribunal a quo decidirá sobre a atribuição, ou não, da casa de morada de família à Requerente—tendo, em especial, sempre em atenção “o interesse dos filhos do casal”(ut artº 1793º cit.).

CONCLUINDO:
- No incidente de reclamação contra a relação de bens, atento o disposto nos artsº 1344º, nº2 (ex vi artº 1349º, nº3) e 265º, nº3, do CPC, embora devam as provas ser indicadas com os requerimentos e respostas, o juiz deve, antes de decidir, não só atender às provas requeridas pelos interessados, mas, também, tomar as diligências “probatórias necessárias”, com vista à boa e justa decisão do incidente.
- Porém, as “diligências probatórias necessárias” a que se refere o artº 1344º, nº2 CPC são as complementares ou esclarecedoras daquelas que as partes indicaram, não se devendo o tribunal substituir às partes no ónus de, com os requerimentos e respostas, deverem indicar as provas que julguem pertinentes.
- O lugar e altura próprios para, no inventário subsequente a divórcio, ser decidida a atribuição da casa de morada de família, nos termos do artº 1793º do CC, quando aí requerida por um dos cônjuges, é a Conferência de Interessados, pois se trata de uma das “questões cuja resolução possa influir na partilha” (ut artº 1353º-4-b) CPC).
- Na apreciação e decisão do incidente, o tribunal pode fazer as diligências que entenda necessárias, a fim de aferir da verificação dos requisitos contidos naquele artº 1793º, “considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal”, sem que, no entanto, aqui interfiram considerações atinentes à culpabilidade de qualquer um dos cônjuges no divórcio.

IV. DECISÃO:

Termos em que acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido na parte em que rejeitou a apreciação da questão suscitada pela agravante relativa à atribuição da casa de morada de família, devendo a mesma ser apreciada e decidida nos autos de inventário, nos sobreditos termos.

Custas por agravante e agravado na proporção de metade.
Porto, 25 de Janeiro de 2007
Fernando Baptista Oliveira
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves

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[1] Partilhas Judiciais, Vol. I, 1979, págs. 523 ss.
[2] Na expressão de Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, volume I, Coimbra, 2.ª edição, pág. 662.