Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0630895
Nº Convencional: JTRP00038931
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: ALIMENTOS
FILIAÇÃO
MAIORIDADE
Nº do Documento: RP200603090630895
Data do Acordão: 03/09/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: I- Os alimentos fixados a menores não cessam pelo simples facto de terem atingido a maioridade, antes se mantendo (nos termos do artº 1880º do CC), apesar da maioridade, sem que tal assuma a natureza de uma nova obrigação.
II- Tal direito à prestação dos alimentos só cessa quando, judicialmente ou por acordo, se declara que o direito cessou.
III- No funcionamento ou aplicação da cláusula de razoabilidade prevista no citado artº 1880º CC, em ordem a saber se é, ou não, exigível o prolongamento do dever de prestar alimentos para além da maioridade do filho, e por quanto tempo, deve atender-se a um critério de razoabilidade, ponderando: primeiro, designadamente, as condições económicas dos pais, o relacionamento existente entre pais e filho e condição social e nível cultural dos primeiros; segundo, que essa obrigação de alimentos não pode ser indefinida, pois (ut cit. artº 1880º), o seu fim específico é permitir ao filho completar a sua “formação profissional”, sendo este, portanto, o seu terminus ad quem.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO:

Por apenso aos autos de execução de alimentos que, com o nº ../00, correram termos no Tribunal Judicial da Comarca de Alfândega da Fé, instaurados por B…. contra o seu ex-marido C…., veio este instaurar contra sua filha maior, D…., residente no …, portal nº ..-..º .., …, …, Espanha, acção especial para cessação do pagamento dos alimentos que, por acordo, se obrigou a pagar à sua aludida filha (então menor) no montante mensal de esc. 15.000$00.

Alega que não lhe é possível pagar os alimentos à filha por dificuldades financeiras entretanto surgidas, sendo certo que se teve de endividar para poder pagar a quantia de esc. 2.037.000$00 à sua filha em que foi condenado na supra referida execução especial por alimentos, tendo recorrido a dois empréstimos bancários para o efeito, que está a pagar, sendo que o requerente vive maritalmente com outra mulher de quem já tem um filho menor e espera outro, não podendo, assim, pagar os alimentos à sua supra aludida maior, D… .

Teve lugar a Conferência a que se reporta o art. 1121º do CPC.
Não foi possível qualquer acordo entre os intervenientes, pelo que, foi a requerida notificada para contestar nos termos do art. 1121º do CPC, o que fez no prazo legal, impugnando motivadamente a pretensão do requerente (cfr. fls. 100 a 102 verso).

Prosseguiram os autos os seus trâmites legais com a elaboração do necessário inquérito social às condições sociais e económicas.
A seu tempo teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com observância de todos os formalismos legais e o tribunal respondeu à matéria de facto controvertida nos termos do despacho de fls. 192 ss.

Foi proferida sentença a julgar a pretensão do requerente improcedente, absolvendo-se a requerida D…. do pedido.

Inconformado com a sentença, veio o requerente C…. interpor recurso, apresentando alegações que remata com as seguintes

“CONCLUSÕES:
1- O recorrente, após a sua filha D…, ter atingido a maioridade veio em requerimento dirigido ao proc. n.º ../00, que correu por apenso ao proc. ../91, divórcio por mútuo consentimento, onde foi regulado o exercício do poder paternal, pedir a cessação dos alimentos àquela.

2- Tais processos já tinham terminado, quer o da regulação do poder paternal, com a maioridade, por impossibilidade superveniente da lide, arts 122º e 187º do C.C., quer a execução por alimentos - proc. 29/00.
3- Ora as partes e a causa de pedir do poder paternal, quer na execução por alimentos a filhos menores, são diferentes das de acção de alimentos a filhos maiores, arts. 1880º do C.C. e 1412º do C.P.C.. Logo não houve pedido de alimentos a filhos maiores, o que teria que ser a própria filha a intentar a acção própria e não o fez.

4- Subsidiariamente e no que se refere à matéria de facto, é elemento fundamental os depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento.
5- No caso sub judice são as testemunhas indicadas pelo requerente que clarificam a situação concreta em que o mesmo se encontra, não havendo outra prova em sentido contrário.

6- Pelo que a decisão jamais poderia ser condenatória,

7- Decidindo com decidiu a douta decisão violou, entre outros, os art. 122º, 1877º, 1880º do C.C. e 1412º do C.P.C.

8- A douta sentença, condena em objecto diverso do pedido, pelo que é nula, jamais o tribunal poderia conhecer de um pedido, sem que lhe tenha sido feito, o princípio do dispositivo impede que o tribunal conheça, por referência aos arts. 660º, n.º 2, 2ª parte, 661º, n.º 1 e 668º, n.º 1 al. d), 2ª parte e al. e), todos do C.P.C..

9- Em face do exposto, deve a presente decisão ser considerada nula, revogando-se a mesma, com as legais consequências, pois só assim se fará
JUSTIÇA!”

A requerida apresentou contra-alegações pedindo a confirmação do sentenciado.

Foram colhidos os vistos.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. AS QUESTÕES:
Tendo presente que:
- O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

as questões a resolver consistem em saber se:
- O tribunal a quo não podia conhecer do pedido de cessação de alimentos, nos termos em que foi deduzido, tendo, por isso, adoptado no processo uma errada tramitação processual;
- Há ocorrem as nulidades da sentença previstas nas alíneas d), (2ª parte) - conhecimento de questões “de que não podia tomar conhecimento” - e e) (condenação “em [….] objecto diverso do pedido”) do CPC;
- Há erro na apreciação da prova;
- A decisão recorrida, ao julgar improcedente o pedido do apelante violou o disposto no artº 1880º do CC;

II. 2. FACTOS PROVADOS:

No Tribunal a quo deram-se como provados os seguintes factos, atentos os documentos juntos aos autos (fls. 3, 21 a 26, 37 a 41, 176 a 179 e 184), relatórios sociais de fls. 171 e a prova testemunhal produzida:
a). A requerida D…. nasceu em 22 de Maio de 1983, conforme teor de fls. 7 dos autos de processo nº. 25/91 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
b). Na acção de divórcio por mútuo consentimento, foi homologado o acordo por sentença de 20.03.1992, transitada em julgado, em que o aqui requerente ficou obrigado a pagar à requerida a pensão mensal de alimentos na quantia de esc. 15.000$00 (€ 74,82), até ao dia 8 de cada mês, conforme teor de fls. 65 dos autos de processo nº. 25/91 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
c). Os autos de processo especial de execução de alimentos foram por despacho proferido a fls. 27 declarados extintos por pagamento da quantia de 2.037.000$00 realizado pelo requerente C…., conforme teor de fls. 27 do apenso nº. 29/00 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzidos.
d). O requerente é casado com D…, tendo dois filhos menores.
e). O requerente é trabalhador da construção civil e aufere a quantia diária de € 34,91.
f). O requerente encontra-se a construir uma casa em Alfândega da Fé.
g). O agregado familiar do requerente possui dois veículos automóveis.
h). A esposa do requerente tem telemóvel.
i). O requerente para pagar os alimentos em dívida à requerida contraiu, há 4 anos, dois empréstimos bancários no valor total de esc. 1.500.000$00 (€ 7.481,96), pagando, respectivamente, de mensalidades as quantias de 12.007$00 e 20.557$00.
j). Um irmão do requerente emprestou-lhe ainda a quantia de esc. 500.000$00 (€ 2.493,98) e que este último ainda não pagou.
l). O agregado familiar do requerente reside numa habitação social pela qual paga de renda mensal a quantia de € 68,48.
m). A esposa do requerente encontra-se desempregada há cerca de 2 meses.
n). O agregado do requerente tem como encargo fixo a despesa do infantário na quantia de € 55,00.
o). O requerente tem de habilitações literárias o 9º ano de escolaridade.
p). A esposa do requerente tem de habilitações literárias o 11º ano de escolaridade.
q). A requerida D….. é surda-muda de nascença.
r). A requerida D…. decorrente da deficiência que tem despesas médicas e medicamentosas acrescidas, designadamente, com aparelhos auditivos e consultas médicas.
s). A requerida D…. no ano lectivo de 2003/2004 frequentou o curso profissional de joalharia na Fundação Padre Vinjoy, em Oviedo, Espanha ao abrigo do Programa de Garantia Social.
t). A requerida reside em Espanha com a sua mãe.
u). A mãe da requerida vive em exclusivo do produto do seu trabalho como empregada doméstica, com o qual aufere o salário mensal líquido de esc. 130.000$00 (€ 648,43).
v). A mãe da requerida tem o encargo mensal de € 254,18 decorrente da prestação do empréstimo que contraiu.
x). A mãe da requerida é proprietária de uma viatura.
z). A mãe da requerida tem o encargo mensal médio com gás, electricidade, telefone e outras de cerca de € 162,06.
aa). A requerida tem aulas com um terapeuta da linguagem gestual particular a quem a sua mãe paga a quantia de € 15,00 por hora.
bb). A requerida sofre de miopia.
cc). A requerida gasta, por dia, em deslocações de comboio, autocarro e no almoço a quantia aproximada de € 15,00.
dd). A requerida recebe do estado Espanhol uma pensão social na quantia de € 234,00 pela deficiência de que é portadora.

III. O DIREITO:

Vejamos, então, as questões suscitadas pelo apelante.

Primeira questão: Se o tribunal a quo podia conhecer do pedido de cessação de alimentos, nos termos em que foi deduzido, ou se foi adoptada neste processo uma errada tramitação processual:

É claro para nós que não assiste razão ao apelante.
Efectivamente, não vemos a que propósito trás o apelante à colação um processo de regulação do poder paternal.
Efectivamente, o acordo sobre o exercício do poder paternal (guarda do filho, visitas e alimentos) teve lugar, sim, mas nos autos de divórcio por mútuo consentimento que correu termos no tribunal recorrido. Foi aí que, por acordo dos progenitores da requerida D…., foi fixado o montante de alimentos a pagar pelo progenitor, ora apelante, à apelada, no valor mensal de 15.000$00 (cfr. fls.63 a 65 verso daqueles autos nº 25/95).
Como o progenitor obrigado aos alimentos deixou de os cumprir, teve lugar processo de execução especial por alimentos, naturalmente instaurados pela mãe da D…., em representação desta, por à data ser menor e ter sido a ela que ficou confiada a guarda cuidados da filha (cfr. fls. 53 do processo de divórcio).
Assim sendo, porque o progenitor obrigado a prestar os alimentos à filha entendeu que já não havia motivo para tal obrigação - atentas, designadamente, as suas supervenientes dificuldades financeiras --, instaurou “pedido de cessação” dessa prestação alimentícia.
É claro que tal pedido tinha de ser ele a fazê-lo, pois era ele o obrigado à prestação dos alimentos.
E, como resulta expressamente da lei (ut artº 1121º do CPC), “havendo execução, o pedido de cessação ou de alteração da prestação alimentícia deve ser deduzido por apenso àquele processo” - sublinhado nosso.
Como a filha do requerente que beneficiava dos alimentos atingira a maioridade, já o pedido de cessação dos alimentos teve de correr contra ela - motivo por que, por despacho de fls. 83/84, foi declarado “nulo todo o processado posterior à petição inicial”, “na medida em que requerida, aqui, é a alimentanda D…, agora maior, e já não B…” (sua mãe) “, devendo, portanto, a mesma ser citada para os termos do processo”.
A D…., citada para os termos do processo, contestou a acção (fls. 100-102), a qual seguiu os seus trâmites normais, até decisão final.

Portanto, não faz sentido dizer-se que os presentes autos seguiram um ritualismo proibido por lei, com a argumentação de que, tendo a D…. atingido a maioridade, já não podia o apelante pedir a cessação da prestação alimentícia.
Não nos parece que assim se deva entender. É que, não obstante a D…. ter atingido a maioridade, a obrigação de prestação de alimentos mantém-se desde que nesse momento não tenha “completado a sua formação profissional” - o que nos presentes autos ocorre, como emerge da factualidade alegada e provada.

No entanto, sempre se salientam três outros aspectos:
- Por um lado, o facto de ser o próprio apelante que vem formular ao tribunal um pedido expresso de cessação de alimentos - e se o fez é porque entendia que o podia fazer, pelo que se não entende porque motivo vem agora invocar uma pretensa inadequada tramitação processual!
- Por outro lado, não se pode olvidar que se labora no âmbito dos processos de jurisdição voluntária, onde, como se sabe, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita;
- Finalmente, é o artº 1412º do CPC a dispor, por um lado, que, no caso de haver necessidade de providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, os termos do artº 1880º do CC, seguir-se-á, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores (nº1) e, por outro lado, que “tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respectivo processo, a maioridade ou a emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso”.

No sentido aqui sufragado, pode ver-se, designadamente, o Ac. da Rel. do Porto, de 19.12.98, Col. Jur. 1980, 5º, 39, onde se decidiu que “I- os alimentos fixados a menores não cessam pelo simples facto de terem atingido a maioridade”.
O que se compreende, já que a obrigação de alimentos pode manter-se, como preceitua o citado artº 1880º do CC.
Assim ensina, também, o Prof. Pereira Coelho, Curso de Direito de Família, II, 364, nota 1, ao escrever que o direito à prestação dos alimentos só cessa quando, judicialmente ou por acordo, se declara que o direito cessou.
Assim, portando, logo se vê que a obrigação do apelante se mantem e prolonga, apesar da maioridade da sua filha, sem que tal assuma a natureza de uma nova obrigação.

Não vemos, assim, que nos autos se tenha adoptado errada tramitação processual - assim improcedendo a primeira questão suscitada pelo apelante.

Segunda questão: Se ocorrem as nulidades das sentença previstas nas alíneas d), (2ª parte) - conhecimento de questões “de que não podia tomar conhecimento” - e e) (condenação “em [….] objecto diverso do pedido”) do artº 668º do CPC:

Quanto a conhecer de questões “de que não podia tomar conhecimento”, dir-se-á o seguinte:
Como expende o Cons. Rodrigues Bastos (in "NOTAS ao CPC , Vol. III, 3ª Ed., págs. 195), “"A nulidade prevista na al. d) do nº 1 está directamente relacionada com o comando que se contém no nº2 do artº 660º servindo de cominação ao seu desrespeito ... É a nulidade mais frequentemente invocada nos tribunais, pela confusão que constantemente se faz entre «questões» a decidir e «argumentos» produzidos na defesa das teses em presença".
Por outro lado, “Questões para efeito do disposto no nº 2 do artº 660º do CPC são, em primeiro lugar, as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, qualquer que seja a forma como são deduzidas (pedidos, excepções, reconvenção)”- Prof. Alberto dos Reis, in C.P.C. Anotado, V, 143.
Ora, cremos que não é necessário especial esforço de compreensão para se ver que o tribunal a quo, na decisão recorrida, se limitou a apreciar e decidir a questão que lhe vinha suscitada nos autos: da verificação dos pressupostos ou requisitos para ter lugar a cessão de alimentos à filha do requerente, a que este se encontrava obrigado por decisão judicial (sentença homologatória do acordo que a tal respeito teve lugar nos supra aludidos autos de divórcio).
Foi isso que lhe foi suscitado; era isso, portanto, que lhe incumbia decidir, como decidiu.
Assim, não se verifica esta nulidade da sentença.

O mesmo se diga quanto à alegada pretensa condenação em “objecto diverso do pedido”.
O que se decidiu está em perfeita sintonia com o que foi pedido ao tribunal. O pedido era de cessação da obrigação de alimentos e a decisão proferida foi a julgar improcedente esse mesmo pedido - com ou sem razão, é outra questão. O que se não pode dizer é que a decisão recorrida extravasou do pedido, condenando em objecto diferente dele.

Improcede, assim, esta segunda questão.

Terceira questão: erro na apreciação da prova:

Entende o apelante que a decisão de facto é incorrecta no que tange à matéria das supra referidas alíneas, tendo sido incorrectamente julgada a mesma matéria.
Que dizer?

Como é sabido, fixada a matéria de facto, através da regra da livre apreciação das provas consagrada no artº 655º nº 1 do CPCivil, em princípio essa matéria de facto é inalterável.
Resulta dos autos que a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento foi gravada.
Para poder ser impugnada a matéria de facto, tem o impugnante, antes de mais, que dar integral cumprimento ao preceituado nos arts. 690º-A, nºs 1 e 2 e 522º-C, ambos do CPC, na redacção (aqui aplicável) emergente do DL nº 183/2000, de 10.08.

Dispõe-se naquele artº 690º-A do CPC (redacção do DL nº 329-A/90, de 12.12) o seguinte:
“1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos ponto meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunha decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida;
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 522º-C”
3. Na hipótese prevista no número anterior, incumbe à parte contrária, [................], proceder, na contra-alegação que apresente, à indicação dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente, também por referência ao assinalado na acta, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 522º-C”.

Ora, compulsadas as conclusões das alegações de recurso (cfr. fls. 216 a 217), verifica-se que o apelante não deu, de todo, cumprimento ao disposto naqueles nºs 1 e 2, do artº 690º-A, do CPC.
Aliás, nem sequer nas próprias alegações - já não falando, portanto, das conclusões - vem dado cumprimento ao aludido normativo legal, em especial ao que vem preceituado no seu nº 2 “incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na act,...”.
Tanto basta para que se imponha a rejeição do recurso da matéria de facto, como expressamente vem cominado no nº 2 do preceito ora em apreço.

Sem embargo, porém, sempre se dirá, ainda, o seguinte, em especial no que tange à maior ou menor credibilidade que o tribunal deu ou deveria ter dado a esta ou àquela testemunha ou parte - questionada pelo apelante:
A apreciação da prova na Relação envolve "risco de valoração" de grau mais "elevado" que na 1ª instância, onde são observados os princípios da imediação, da concentração e da oralidade.
Quando o juiz tem diante de si a testemunha ou o depoente de parte, pode apreciar as suas reacções, apercebe-se da sua convicção e da espontaneidade, ou não, do depoimento, do perfil psicológico de quem depõe: em suma, daqueles factores que são decisivos para a convicção de quem julga, que, afinal, é fundada no juízo que faz acerca da credibilidade dos depoimentos.
Conforme ensina, a propósito da imediação, o Prof. Antunes Varela (in "Manual de Processo Civil, 2ª Ed., págs. 657): "Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar".
Não cuidou o recorrente que foi o Sr. Juiz, em primeira instância, que viu a face, os olhos, a mãos, a postura e o olhar das pessoas que depuseram em audiência de julgamento e que terá sido em vista do depoente no seu todo, que o Sr. Juiz decidiu. Pelo que esta Relação pode avaliar as palavras, os documentos, mas não o rosado da face, os olhares para o advogado e um sem número de trejeitos que não podem ser dissociados. De facto, é hoje pacífico que o intérprete, entenda-se, o julgador, ignora o significado de um sorriso e, ou de uma lágrima, as quais, nas gravações fonográficas são absolutamente imperceptíveis!.
A Relação só deveria alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, reapreciada a mesma, fosse evidente a grosseira apreciação e valoração que foi feita na instância recorrida, isto pelo facto de o julgador da 1ª instância dispor de um universo de elementos (não apreensíveis na mera gravação áudio dos depoimentos) que são decisivos para o processo íntimo de formação da convicção, que se não satisfaz com a, diríamos, insípida audição daquela gravação, não tendo a 2ª instância possibilidade de intuir ou de apreciar para lá daquilo que se mostra gravado, o que é deveras redutor no processo de formação da convicção.
Ora, lendo a decisão da 1ª instância sobre a fundamentação das respostas à matéria de facto (fls. 184 a 186), verificamos que a mesma analisou criticamente as provas, especificou, de forma racional, coerente e lógica e com respeito pela prova (incluindo a documental) produzida, os fundamentos que foram decisivos para a respectiva convicção.

Sem embargo do supra explanado, no entanto, como se sabe, a decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto pode, ainda, ser alterada pela Relação nos casos previstos no artº 712º do Cód. Proc. Civil.
Não vemos, porém, razão para alterar essa decisão ao abrigo deste normativo legal.

Improcede, como tal, esta terceira questão.

Quarta questão: Se a decisão recorrida, ao julgar improcedente o pedido do apelante, violou o disposto no artº 1880º do CC:

Assente, como está, a matéria de facto provada, vejamos se havia, ou não, razão para a cessação de alimentos, como vem peticionado pelo apelante.

Os factos provados com relevância para esta questão são os seguintes:
- A requerida D…. nasceu em 22 de Maio de 1983
- Na acção de divórcio por mútuo consentimento, o aqui requerente ficou obrigado a pagar à requerida a pensão mensal de alimentos na quantia de esc. 15.000$00.
- Correram contra o requerente/apelante uns autos de processo especial de execução de alimentos, os quais foram por despacho de 03.07.2000 declarados extintos por pagamento da quantia de 2.037.000$00 realizado pelo requerente.
- O requerente é casado com E…, tendo dois filhos menores.
- O requerente é trabalhador da construção civil e aufere a quantia diária de € 34,91.
- O requerente encontra-se a construir uma casa em Alfândega da Fé.
- O agregado familiar do requerente possui dois veículos automóveis.
- O requerente para pagar os alimentos em dívida à requerida contraiu, há 4 anos, dois empréstimos bancários no valor total de esc. 1.500.000$00 (€ 7.481,96), pagando, respectivamente, de mensalidades as quantias de 12.007$00 e 20.557$00.
- Um irmão do requerente emprestou-lhe ainda a quantia de esc. 500.000$00 (€ 2.493,98) e que este último ainda não pagou.
- O agregado familiar do requerente reside numa habitação social pela qual paga de renda mensal a quantia de € 68,48.
- A esposa do requerente encontra-se desempregada há cerca de 2 meses.
- O agregado do requerente tem como encargo fixo a despesa do infantário na quantia de € 55,00.
- A requerida D…. é surda-muda de nascença.
- A requerida D… decorrente da deficiência que tem despesas médicas e medicamentosas acrescidas, designadamente, com aparelhos auditivos e consultas médicas.
- A requerida D…. no ano lectivo de 2003/2004 frequentou o curso profissional de joalharia na Fundação Padre Vinjoy, em Oviedo, Espanha ao abrigo do Programa de Garantia Social.
- A requerida reside em Espanha com a sua mãe.
- A mãe da requerida vive em exclusivo do produto do seu trabalho como empregada doméstica, com o qual aufere o salário mensal líquido de esc. 130.000$00 (€ 648,43).
- A mãe da requerida tem o encargo mensal de € 254,18 decorrente da prestação do empréstimo que contraiu.
- A mãe da requerida é proprietária de uma viatura.
- A mãe da requerida tem o encargo mensal médio com gás, electricidade, telefone e outras de cerca de € 162,06.
- A requerida tem aulas com um terapeuta da linguagem gestual particular a quem a sua mãe paga a quantia de € 15,00 por hora.
- A requerida sofre de miopia.
- A requerida gasta, por dia, em deslocações de comboio, autocarro e no almoço a quantia aproximada de € 15,00.
- A requerida recebe do estado Espanhol uma pensão social na quantia de € 234,00 pela deficiência de que é portadora.

Com relevância para a situação sub judice temos, designadamente, os seguintes preceitos do Código Civil:

“ARTIGO 1877º
(Duração do poder paternal)
Os filhos estão sujeitos ao poder paternal até à maioridade ou emancipação.”
(Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)

“ARTIGO 1878º
(Conteúdo do poder paternal)
1. Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.
2. […..] “
(Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)

“ARTIGO 1879º
(Despesas com o sustento, segurança, saúde e educação dos filhos)
Os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos.”
(Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)

“ARTIGO 1880º
(Despesas com os filhos maiores ou emancipados)
Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.”
(Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)

Assente está que a requerida D…. quando da dedução do pedido de cessação da prestação de alimentos a cargo de seu pai – apelante - já atingira a maioridade.
Assim sendo, e resultando claro dos autos que a filha do apelante, embora já maior, não está “em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos” (ut artº 1879º CC), a questão em apreço reduz-se, portanto, a saber se dos factos provados resulta que, não obstante tal maioridade, o pai da requerida (ora apelante) deve continuar vinculado à prestação dos alimentos à filha nos termos em que ficou obrigou no acordo feito na acção de divórcio.
Ou seja, está em causa o funcionamento ou aplicação da cláusula de razoabilidade prevista no citado artº 1880º CC, em ordem a saber se é, ou não, exigível o prolongamento do dever de prestar alimentos para além da aludida maioridade da filha.

Efectivamente, esse normativo (artº 1880º) prevê e regula situações em que se impõe “um prolongamento do dever (parcelar ou sectorial) de prover ao sustento do filho e de velar pela sua segurança, saúde, educação, até que ele possa, para além do ingresso na maioridade, garantir de facto a satisfação desses interesses com os seus próprios bens ou trabalho” (Pires de lima e Antunes Varela, Cód. Civ. Anot., vol. V, pág. 334).
Portanto, embora cessando o poder paternal com a maioridade, a obrigação de prestação de alimentos a cargo dos pais pode manter-se. Pode e deve, desde logo, como manifestação do dever de assistência que vem prescrito no artº 1874º, nº2 CC, além de tal emergir do princípio geral de que os ascendentes estão vinculados à prestação de alimentos, independentemente de os alimentandos serem ou não menores (ut artº 2009º, nº1, al. c) CC).
Ora, o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos - com assento constitucional (artº 36º-5 CRP) - devem manter-se, não só durante o período de tempo referido no artº 1885º CC, como, também, durante o tempo em que tal for necessário para que o filho complete a sua formação profissional “na medida em que seja razoável exigir dos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete” (artº 1880º).
Daqui logo resulta, por um lado, que na determinação do período de tempo em que deve manter-se essa obrigação alimentícia ao filho maior se deve atender a um critério de razoabilidade, ponderando as condições económicas dos pais, a sua capacidade de continuar a prover às necessidades do filho, o relacionamento existente entre pais e filho e condição social e nível cultural dos primeiros, etc.; e, por outro lado, essa obrigação de alimentos não pode ser indefinida, pois, como emerge claramente da lei (ut artº 1880º), o seu fim específico é permitir ao filho completar a sua “formação profissional”, o que significa, desde logo, que terminará quando esta formação terminar - terminus ad quem esse que não tem de corresponder ao período normal de duração do curso ou formação, antes pode ir mais além, impondo-se aqui alguma ponderação ou razoabilidade que passará, desde logo, pela saúde e capacidade do formando, dificuldades do próprio curso, etc., que, razoavelmente, permitam aceitar como normais eventuais “reprovações”.

Afinal, o que se prevê no artº 1880º-- ao falar em que a obrigação de prestação dos alimentos manter-se-á “na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento…” – acaba - no que ora interessa apreciar e decidir-- por coincidir com o que, nas disposições gerais sobre alimentos, se prevê no artº 2013º, nº1, al. b) do CC: “A Obrigação de prestar alimentos cessa:
[……………………];
b) Quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los…”.

Será, então, que é “razoável exigir” ao apelante que continue a pagar a prestação alimentícia à sua filha/requerida, apesar da maioridade ? Será que face aos factos provados se pode dizer que o apelante pode “continuar” a prestar tal prestação mensal de “15.000$00” (€ 74,82) ? Ou será que os meios de que dispõe o apelante não lhe permitem continuar a pagar tal prestação à filha, por se ter deteriorado a sua situação económica após a fixação da prestação alimentícia ?

A este respeito, não pode deixar de se levar em conta o que dispõe o artº 2004º do CC:
“(Medida dos alimentos)
1. Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
2. Na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.”

O que emerge, então, dos factos provados?
O novo agregado familiar do apelante é constituído por ele, mulher e dois filhos menores (à data do relatório social junto a fls. 38 segs., em 2002, um tinha 10 anos de idade e outro 5 meses de idade).
Como rendimentos do agregado familiar temos, apenas e só, a quantia diária de € 34,91 auferida pelo apelante na construção civil -- a mulher está desempregada.
Como encargos desse mesmo agregado, temos:
- O agregado familiar do requerente reside numa habitação social pela qual paga de renda mensal a quantia de € 68,48;
- O requerente encontra-se a construir uma casa em Alfândega da Fé - obviamente para nela habitar com o agregado familiar, pois estão a pagar a referida renda numa habitação… social.
- O requerente vem pagando as mensalidades de 12.007$00 e 20.557$00, pelos dois empréstimos bancários no valor total de esc. 1.500.000$00 (€ 7.481,96) que contraiu para pagar os alimentos em dívida à requerida - os quais pagou na totalidade nos aludidos autos de execução especial de alimentos que contra ele foram instaurados
- O requerente tem, ainda, em dívida ao seu irmão a quantia de esc. 500.000$00), pelo empréstimo que este lhe fez.
- O agregado do requerente tem como encargo fixo a despesa do infantário na quantia de € 55,00 - além, obviamente, dos decorrentes de água, luz, gás, etc., etc…

Convenhamos que com este quadro financeiro do agregado familiar do requerente já é extremamente difícil a sua própria subsistência, quanto mais dispor de qualquer montante para pagamento de prestação alimentícia à D…. .
E não é pelo facto de a mulher do apelante ter telemóvel ou o agregado familiar ter “dois veículos automóveis” que tal situação se altera.
Efectivamente, o telefone é um instrumento imprescindível, designadamente para o agregado familiar e desconhece-se, de todo, se os referidos “veículos” não passam de… sucata, qual o seu valor - sendo certo que a mulher do apelante está desempregada há pouco tempo, pelo que o veículo, naturalmente, resultará da sua antecedente situação (dele precisaria para o trabalho), que, entretanto, se alterou… para pior!

Veja-se o que, a respeito da situação do apelante se escreveu no Relatório Social, do IRS, junto a fls. 39/40:
“O Sr. C…. [….] não tem trabalho com regularidade devido ao rigor do Outono e do Inverno.”.
“O SR. C…. está, assim, na posse de uma situação económica muito difícil tendo em conta os valores que foram avançados […..]”.
E conclui-se no mesmo Relatório:
“Face ao que conseguimos apurar sobre a condição sócio-económica do Sr. C…, dificilmente ele poderá continuar a prestar a pensão de alimentos de sua filha mais velha. Refez a sua vida afectiva, tem dois filhos fruto dessa relação, tendo aumentado os seus encargos familiares. Cremos ter tido uma postura correcta até ela perfazer 18 anos ao contrair empréstimos, que ainda está a amortizar, para poder cumprir com a pensão de alimentos que lhe foi fixada judicialmente, comportamento inusual nestas situações.” - os sublinhados são nossos.

Já no que concerne à situação da requerida, filha do apelante, e do agregado familiar em que se insere, do cotejo dos encargos com as receitas, parece resultar que, de facto, terá também que ser feita alguma “ginástica” orçamental para que o agregado possa viver com alguma dignidade.
Não obstante isso, não é menos certo que se cotejarmos as receitas mensais do agregado do apelante (apenas cerca de 700 euros (34,91 € x 2º dias úteis) - isto já partindo do pressuposto de que consegue trabalho com regularidade, o que, porém, seguramente não acontecerá, como vem salientado no referido relatório (“não tem trabalho com regularidade devido ao rigor do Outono e do Inverno”) e é perfeitamente aceitável atenta a crise económica em geral e em particular no sector da construção civil e o facto de estarmos a falar de um concelho do interior com particulares dificuldades, designadamente no sector da construção civil - com as respectivas despesas (renda de casa, mensalidades pelos dois empréstimos bancários que fez para cumprimento da obrigação alimentícia à filha menor, que pagou integralmente -- o que, convenhamos, realça positivamente o carácter do requerente, sendo, sem dúvida, uma atitude a todos os títulos louvável -, pagamento da dívida ao irmão (500.000$00), despesas com o infantário do filho ainda de tenra idade, demais despesas normais para sustento do agregado familiar (vestir, alimentação, educação do filho que estuda, água, luz, gás, manutenção de viatura, combustível, etc., etc.), facilmente se concluirá, também, que não menor “ginástica” terá de fazer o apelante e seu agregado familiar para viver com a mesma dignidade que se exige do agregado familiar da requerida.
Cremos, aliás, que a situação do apelante é mais complicada do que a da apelada, não se almejando onde pode “desencantar” algum dinheiro para dar à filha maior sem ver aumentadas as suas dívidas ou fazer passar muito mal o seu novo agregado familiar.

Por isso, já a fls. 53 e verso o Mº Público promovera que o pedido de cessação de prestação de alimentos fosse deferido, dado que a situação económica do requerente não lhe permitia continuar a prestá-los.

Aliás, no que concerne à “formação profissional” da requerida, em verdade se diga que quase nada se sabe, a não ser que em 2003/2004 frequentou - ou melhor, como se vê do documento de fls. 179, que se encontrou matriculada -- um curso profissional de joalharia na Fundação Padre Vinjoy, em Oviedo (no dito documento refere-se que tem a duração de 1.800 horas). Não vem provado que irá continuar qualquer formação profissional e em que condições. Não se sabe se até já completou essa “formação profissional” - e incumbia à requerida alegar e provar que ainda a não completou e… até quando vai durar, pois a sua maioridade já há muito que foi atingida.

Assim, portanto, não só existe esse obstáculo no que tange à aludida “formação profissional” da requerida, como a situação económica do apelante (e seu agregado familiar) não lhe permite manter a prestação de alimentos à filha maior, não sendo razoável exigir tal prestação.
Como dissemos, apelando a lei (ut artº 1880º CC) a tal critério de razoabilidade - o que implica a análise da situação do apelante em todas as suas vertentes, em especial as capacidades dos pais em continuarem a prover as necessidades do filho --, não vemos a que critérios de justiça recorrer para justificar a continuação da obrigação do apelante de prestar os alimentos à filha maior.
Efectivamente, movendo-nos ora especialmente no domínio dos pressupostos objectivos que densificam a cláusula de razoabilidade prevista no aludido artº 1880ºº do CC, parece evidente que o apelante não tem condições ou capacidades de prover à prestação dos alimentos à filha.
Efectivamente, como escreve remédio Marques (“Alimentos…..”, pág. 267), “tal-qualmente ocorre em sede da geral obrigação de alimentos, prevista no artº 2003º e segs. do CC, também aqui há que atender ao património do devedor de alimentos e aos rendimentos (líquidos) dessa massa patrimonial”, havendo depois que “subtrair as quantias suficientes para satisfazer as respectivas necessidades básicas”.
Sem embargo, porém, sempre se deve anotar que, atenta a natureza do processo, uma eventual alteração da situação financeira do apelante pode justificar uma viragem, impondo o pagamento dos alimentos. Mas na presente situação não vemos outra solução que não seja deferir o pedido do requerente/apelante em ver cessada a sua obrigação de pagamento dos alimentos à filha.

Procede, assim, esta quarta e última questão suscitada pelo apelante.


CONCLUINDO:
Os alimentos fixados a menores não cessam pelo simples facto de terem atingido a maioridade, antes se mantendo (nos termos do artº 1880º do CC), apesar da maioridade, sem que tal assuma a natureza de uma nova obrigação.
Tal direito à prestação dos alimentos só cessa quando, judicialmente ou por acordo, se declara que o direito cessou.
No funcionamento ou aplicação da cláusula de razoabilidade prevista no citado artº 1880º CC, em ordem a saber se é, ou não, exigível o prolongamento do dever de prestar alimentos para além da maioridade do filho, e por quanto tempo, deve atender-se a um critério de razoabilidade, ponderando: primeiro, designadamente, as condições económicas dos pais, o relacionamento existente entre pais e filho e condição social e nível cultural dos primeiros; segundo, que essa obrigação de alimentos não pode ser indefinida, pois (ut cit. artº 1880º), o seu fim específico é permitir ao filho completar a sua “formação profissional”, sendo este, portanto, o seu terminus ad quem.

III . DECISÃO:

Termos em que acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação e, revogando a sentença recorrida, julgar procedente a pretensão do apelante C…, decretando-se a cessação do pagamento dos alimentos por parte dele a sua filha (maior) D…. .

Custas pela apelada.
Porto, 09 de Março de 2006
Fernando Baptista Oliveira
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves