Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0335337
Nº Convencional: JTRP00036772
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
EXAME LABORATORIAL
FILIAÇÃO
Nº do Documento: RP200401150335337
Data do Acordão: 01/15/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: Em acção de investigação de paternidade, se o investigando, com a sua recusa ilegítima de se submeter a exame laboratorial susceptível de fornecer prova directa da filiação biológica inviabiliza a prova dessa filiação, deve presumir-se a paternidade, passando a incumbir ao recusante o ónus de criar dúvidas sérias sobre ela.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

O Ministério Público veio intentar a presente acção com processo ordinário, para investigação de paternidade, contra Armando ..............

Pediu que o menor José .............. seja reconhecido como filho do Réu.

Como fundamento, alegou, em síntese, que no dia 25.01.1999 nasceu o referido menor que foi registado como filho de Maria ...............; que este é também filho do Réu; que este conheceu a mãe do menor no final do ano de 1997, tendo com ela mantido relações sexuais até Maio ou Junho de 1998, determinantes da sua gravidez; ela não manteve relações sexuais com qualquer outro homem, nos primeiros cento e vinte dias, dos trezentos que precederam o nascimento do menor.

O Réu contestou, defendendo-se por impugnação.
Concluiu pela improcedência da acção.

O processo prosseguiu a tramitação normal, vindo, a final, a ser proferida sentença que julgou a acção procedente, tendo sido reconhecido que o menor José .............. é filho do Réu.

Discordando desta decisão, dela interpôs recurso o Réu, de apelação, tendo apresentado as seguintes

Conclusões:
1. O Recorrente foi declarado pai do menor com base no funciona- mento da presunção de paternidade estabelecida no art. 1871°/1 e), do C. Civil, entendendo a sentença recorrida que aquele não conseguiu ilidir essa mesma presunção, nos termos exigidos pelo n° 2 daquele normativo.
2. Antes de mais, o R. expressamente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, concretamente as respostas aos pontos 1), 2), 4) e 5) da Base Instrutória., tendo cumprido o ónus que sobre ele recaía, nos termos do disposto no art. 690°-A, do CPC.
3. Relativamente ao ponto n° 1), tendo obtido a resposta de “Provado”, a mesma deveria ter sido, correctivamente, a de "Provado que o réu e a mãe do menor, Maria ................., mantiveram um relacionamento amoroso, desde o Verão de 1997 (Junho ou Julho) e até Maio ou Junho de 1998”.
4. Em relação ao ponto n° 2), que obteve a resposta de “Provado”, ao contrário, devia ter sido respondido com “Não provado”, já que não resulta, em absoluto, da prova produzida nos autos que o R. e a mãe do menor tenham tido relações sexuais de cópula completa durante o período legal de concepção (entre 31 de Março e 28 de Julho de 1998), sendo, além do mais, o próprio julgador da matéria de facto a caracterizar a insuficiência da prova.
5. No que respeita ao ponto n° 4), continuando a ser respondido com “Provado”, devia ter obtido a resposta de “Não provado”, já que não foi feita prova no sentido positivo, competindo essa prova ao autor.
6. Quanto ao ponto n° 5), justificava-se a resposta de “Não provado” em detrimento da de “Provado”, já que o autor não foi capaz de, através das testemunhas apresentadas, fazer a prova de que “todos quantos conheciam o Réu e a mãe do menor atribuem a paternidade do menor àquele”, sendo mesmo essa ideia contrariada pela própria mãe do menor.
7. Caso seja dada razão ao recorrente no sentido em que impugnou a matéria de facto, com destaque especial no que respeita ao ponto n° 2), terá a acção que improceder, já que, não provado o facto que lhe servia de base (ter havido relações sexuais entre a mãe do menor e o recorrente no período de concepção legal), terá que se considerar que não existe a presunção estabelecida no art.1871°/l e) do CC.
Sem prescindir:
8. Mesmo que se venha a considerar presente aquela presunção (hipótese para nós inaceitável), sempre a mesma resultou ilidida através dos elementos probatórios trazidos ao processo.
9. Na verdade, emergem dos autos dúvidas sérias sobre a paternidade do recorrente, declarado "pai presumido", na medida em que resulta da decisão da matéria de facto (resposta de "Não provado" aos pontos n° 3) e 3 A) que não é possível afirmar-se que, durante o período legal de concepção, a mãe do menor não tenha praticado relações sexuais de cópula completa com outro ou outros, também não se podendo afirmar que foi em resultado de uma relação sexual com o R. que a mãe engravidou do menor em questão.
10. Reforçadas sairão essas dúvidas se as respostas aos pontos n° 4) e n° 5) forem alteradas no sentido propugnado, já que estaremos na presença de indicadores complementares conformadores das referidas dúvidas sérias.
11. A recusa do recorrente a submeter-se a exame hematológico não podia ser aproveitada, em sede de sentença, para descaracterizar a seriedade das dúvidas levantadas quanto à paternidade do recorrente, já que ele seria um meio de prova entre outros, sendo aquela recusa apreciada livremente pelo Tribunal (art. 357º/2, do C. Civil), não se aceitando o recurso ao regime imposto pelo art. 344°/2, do C. Civil, já que, nada tendo a ver com o vertente caso, também não se mostram preenchidos os requisitos de que depende a sua aplicação, não se vendo, por outro lado, que interferência teria o tal exame na prova da "exclusividade" das relações sexuais da mãe do menor com o R., facto em que radicam, em primeira linha, as referidas "dúvidas sérias".
12. Aliás, em todo o caso, não era ao "juiz da sentença" que competia apreciar a prova, incluindo a valorização da dita "recusa", antes ao "juiz da matéria de facto", em fase própria, que nada disse sobre o assunto.
13. Assim não se tendo entendido e decidido, não se fez a melhor e mais correcta interpretação e aplicação ao caso das pertinentes disposições legais, nomeadamente as dos arts. 1871°, n° 1, al. e) e n° 2, 1801°, 342°, n° 1, 344°, n° 2 e 357, n° 2, todos do CC, e as dos arts. 653°, n° 2, 655°, n° 1 e 659°, nos 2 e 3, todos do CPC.
Termos em que, no provimento do presente recurso, deve revogar-se a sentença recorrida, julgando-se totalmente improcedente a acção.

O Ministério Público contra-alegou, concluindo pela improcedência da apelação.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. mérito do recurso

O Recorrente impugna a decisão de facto, no que concerne aos pontos 1º, 2º, 4º e 5º da base instrutória.
Sem prescindir, defende que a presunção em que assenta a procedência do pedido – art. 1871º nº 1 e) do CC – foi ilidida, uma vez que dos elementos probatórios trazidos ao processo emergem dúvidas sérias quanto à paternidade do Recorrente.
Cumpre apreciar cada uma destas questões.

1. Impugnação da decisão de facto

1.1. Sustenta o Recorrente que os depoimentos produzidos em audiência impõem decisão diversa aos quesitos 1º, 2º, 4º e 5º.
Não tem razão.

Importa começar por referir, como temos defendido, que o duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação da prova pelo juiz (art. 655º nº 1 do CPC), já que na formação da convicção deste entram elementos que, em caso algum, podem ser importados para a gravação.
Por isso, a Relação não vai procurar uma nova convicção, mas antes apreciar se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si.

Ora, apesar do teor das doutas alegações, cremos que a sua persuasão esmaece nitidamente com a audição atenta de toda a prova produzida em audiência (mais do que pela leitura da respectiva transcrição), que corrobora, sem qualquer dúvida, a convicção da Sra. Juíza e as respostas dadas aos quesitos, designadamente aos apontados pelo Recorrente.
Por outro lado, está provado por documento que o Réu recusou submeter-se a exame para determinação da paternidade durante a averiguação oficiosa.
Veio depois alegar – arts 40º e 41º da contestação – que sente uma resistência ao exame que não consegue vencer, pelo que só em estado de inconsciência é que lhe poderá ser extraído sangue.
Por isso, foi requerido pelo Exmo Magistrado do MºPº que o exame fosse realizado com base na análise de outro tipo de amostras biológicas (fls. 27), o que, por possível, foi deferido.
Todavia, apesar de saber disso (fls. 36), o Réu manteve a recusa (fls. 57 e 58).

Analisemos então cada um dos pontos de facto impugnados pelo Recorrente.
Não tem qualquer utilidade abordarmos a resposta ao quesito 1º, uma vez que a alteração que o Recorrente lhe pretende introduzir não assume qualquer relevância. Importante, tendo em consideração o período legal de concepção, é que ficou provado – o que o Recorrente não põe em dúvida – que este e a mãe do menor mantiveram um relacionamento amoroso (pelo menos) desde fins do ano de 1997 até Maio ou Junho de 1998.

Relativamente à resposta ao quesito 2º:
Antes do mais importa reafirmar que não se procura uma convicção a partir da prova gravada, mas tão só ponderar se essa prova fundamenta razoavelmente a decisão de facto proferida.
É sabido também que a precisão de pormenores não garante a fidelidade de um testemunho [Manuel de Andrade, Noções Elementares..., 276]; daí que não se atribua acentuado relevo a aparentes imprecisões e desencontros notados em alguns depoimentos, não especialmente valorados na motivação da decisão de facto; do mesmo modo, algumas incongruências detectadas no depoimento da mãe do menor, compreensíveis perante o grau de desenvolvimento (intelectual) desta, patente até na gravação (não foi capaz sequer de se situar no tempo).

Pois bem, considerando os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Autor, afigura-se-nos que se justifica cabalmente a resposta dada ao quesito 2º.
Sem necessidade de se escalpelizar cada um desses depoimentos, deve notar-se que o Réu e a mãe do menor mantiveram um relacionamento amoroso de vários meses (quesito 1º); como foi referido por todas essas testemunhas, saíam sempre à noite (com ressalva das “boleias” relatadas pela testemunha Maria L.............), fazendo-se deslocar no carro do Réu. Essas saídas ocorreram até à data em que a mãe do menor comunicou ao Réu que se encontrava grávida (então de pouco mais de um mês). Mesmo sem se atribuir relevo à afirmação da mãe do menor de que o Réu lhe disse que não poderiam ter o filho “por estar a pagar o carro” ou que lhe “queria dar dinheiro para abortar” (testemunha Maria L.........), sabe-se que a mãe do menor “gostava muito do Réu; via-se bem” (testemunha Maria I.............).
Facto certo foi a gravidez da Maria .............
Igualmente certa foi a recusa do Réu em submeter-se a exame para prova da paternidade; recusa ilegítima, posto que sem qualquer justificação plausível (a justificação dada inicialmente perdeu todo o sentido, face á possibilidade de a perícia incidir sobre outro tipo de amostras biológicas que não o sangue, o que era do conhecimento do Réu).
Esta recusa do Réu é, em princípio, (pelo menos) objecto de livre apreciação para efeito probatório (art. 519º nº 2, 2ª parte, do CPC); quer dizer, o tribunal atribui à recusa o valor probatório que entender, desde a irrelevância daquela, até à prova do acto que se pretendia averiguar [Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, Vol. III, 3ª ed., 81]. Da recusa pode, nomeadamente, inferir-se que o Réu, ao menos no plano subjectivo, receava seriamente o resultado daquela diligência instrutória [Lopes do Rego, Comentários ao CPC, 361].
E se existia esse receio, certamente que alguma razão o justificava, isto é, que o exame arredasse (como poderia) qualquer dúvida e confirmasse a imputação da paternidade.

Conjugando todos os elementos referidos – o relacionamento amoroso entre o Réu e a mãe do menor, o circunstancialismo em que este ocorria, a gravidez surgida no período em que aquele se desenrolou e cujo conhecimento pôs termo a este e a postura assumida pelo Réu – a resposta positiva dada ao quesito 2º justifica-se plenamente.
Inaceitável é a indignação agora manifestada pelo Recorrente por ser considerado “pai presumido” e o anunciado propósito de se bater pela verdade, arredando a presunção “a que o querem amarrar”.
Pena foi que a sua atitude ao longo do processo tenha sido absolutamente incompatível com tal propósito, recusando injustificadamente um exame que, por si, poderia ser decisivamente esclarecedor; mas também ao não fornecer, como lhe competia, qualquer prova capaz de abalar a seriedade da mãe do menor.

Este ponto já tem a ver com a resposta ao quesito 4º.
Como parece evidente, esta resposta e, bem assim, a resposta ao quesito 5º, não são essenciais para a decisão (sê-lo-iam eventualmente para permitir concluir presuntivamente pela exclusividade, em causa no quesito 3º, o que não está agora em questão).
De qualquer forma, parece-nos que nenhuma censura há a fazer a tais respostas, cujos factos foram confirmados por todas as testemunhas arroladas pelo Autor e, quanto ao quesito 5º, pela própria mãe do Réu (penúltima testemunha) que referiu que era o povo que o dizia (que o Réu é o pai do menor).

Cumpre aqui acrescentar duas notas:
Por um lado, ao invés do que se pretende fazer crer, mesmo que as respostas a estes quesitos fossem negativas, não seria legítimo concluir pela prova do contrário, tudo se passando como se os correspondentes factos não tivessem sido articulados.
Por outro lado, para se aferir do manifestado propósito de se bater pela verdade dos factos, deve dizer-se que as únicas testemunhas arroladas pelo Réu foram sua mãe (Maria ........... M..........) e sua (actual) mulher (Dulce ...............); porém, estas não conheciam anteriormente a mãe do menor, nem conheciam o relacionamento desta com o Réu, limitando-se a afirmar que Réu é (era) um homem caseiro.

1.2. O Recorrente afirma não aceitar o recurso ao regime imposto pelo art. 344º nº 2 do CC, por nada ter a ver com o caso vertente.
Embora não seja imprescindível a análise desta questão, tendo em conta a conclusão a que chegámos no número anterior, cremos que a mesma não será redundante em relação a esta, antes lhe podendo servir de reforço (pelo menos subsidiário).

Dispõe, na actual redacção, o art. 519º nº 2, 2ª parte, do CPC que, se aquele que recuse a colaboração devida for parte, o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do art. 344º do CC.
Segundo esta disposição, há também inversão do ónus da prova quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado (...).

Diz-nos Lebre de Freitas [CPC Anotado, Vol. 2º, 409] que o comportamento do recusante pode determinar, quando verificado o condicionalismo do art. 344-2 do CC, a inversão do ónus da prova. Tal acontece quando a recusa impossibilita a prova do facto a provar, a cargo da contraparte, por não ser possível consegui-la com outros meios de prova, já por a lei o impedir, já por concretamente não bastarem para tanto os outros meios produzidos.
Também Lopes do Rego [Ibidem] refere que se o exame se configurava como absolutamente essencial à determinação da filiação biológica – implicando, consequentemente, a recusa do pretenso pai verdadeira impossibilidade de o autor fazer prova da invocada filiação biológica – deverá aplicar-se o preceituado no nº 2 do art. 344º, presumindo-se a paternidade e passando a incumbir ao recusante o ónus de criar “dúvidas sérias” sobre ela (art. 1871º nº 2 do CC).

Tem sido por vezes defendido que a situação descrita de recusa não é subsumível na previsão do art. 344º nº 2, uma vez que ela não impede ou preclude a demonstração indirecta do vínculo biológico, através da prova testemunhal.
Todavia, como acentua Freitas Rangel [O Ónus da Prova no Processo Civil, 301], esse argumento não colhe, na medida em que, com a recusa, o autor viu-se privado de recorrer à prova directa, por meios científicos, da procriação biológica que fica irremediavelmente afastada com a recusa de cooperação do réu.
Acrescenta o mesmo Autor que o regime previsto no art. 344º nº 2 do CC não pressupõe que o único meio de prova idóneo para a demonstração de determinado facto seja o inviabilizado pela conduta culposa da parte. Basta que se trate de meio de prova de especial relevância, isto é, que só por si fosse idóneo para garantir a procedência da acção.

Pode, pois, concluir-se que se o investigado, com a sua recusa, ilegítima [Cfr. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 322] – de se submeter a exame laboratorial susceptível de fornecer prova directa da filiação biológica [Sobre esta possibilidade, segundo entendimento que se crê actualmente pacífico, face ao disposto no art. 1801º do CC e por interpretação restritiva do Assento do STJ nº 4/83, de 21/6, cfr. Guilherme de Oliveira, Temas de Direito de família, I, 209 e segs e, entre os mais recentes, o Ac. do STJ de 6.5.2003, com texto integral em http://www.dgsi.pt] – inviabiliza a prova desta filiação, deve, por aplicação do art. 344º nº 2, presumir-se a paternidade, passando a incumbir ao recusante o ónus de criar dúvidas sérias sobre ela [Neste sentido, para além dos Autores citados, o Ac. do STJ de 6.2.2003, com texto integral em http://www.dgsi.pt].

No caso, o Réu recusou ilegitimamente submeter-se ao exame requerido para averiguação da paternidade. Exame que até teria por objecto outras amostras biológicas que não o sangue do investigado.
Assim, a proceder a impugnação da decisão de facto, no sentido propugnado pelo Recorrente – o que traduziria caso de impossibilidade de prova da filiação biológica através da prova testemunhal – operar-se-ia a inversão do ónus da prova, presumindo-se a paternidade.
Presunção que o Réu não teria ilidido, manifestamente, uma vez que a prova produzida não permite de modo nenhum afirmar que a mãe do menor manteve relações sexuais com outros homens no período legal de concepção.

2. Os factos

Decorre do que se expôs que deve ter-se por assente a factualidade provada na 1ª instância. É a seguinte:
1. No dia 25 de Janeiro de 1999, nasceu um indivíduo de sexo masculino, que foi registado na Conservatória do Registo Civil de ..............., com o nome de José .............., filho de Maria ..............., solteira, residente no lugar e freguesia de ............, concelho de ..............
2. Entre o Réu e a mãe do menor não existe qualquer laço de parentesco ou de afinidade.
3. O menor José ................ nasceu no termo normal de uma gravidez.
4. O Réu e a mãe do menor, Maria ............., mantiveram um relacionamento amoroso, desde o final do ano de 1997 e até Maio ou Junho de 1998.
5. Durante tal relacionamento e, mais concretamente, entre o período compreendido entre 31 de Março e 28 de Julho de 1998, a mãe do menor manteve relações sexuais de cópula completa com o Réu.
6. A mãe do menor sempre foi uma mulher séria, recatada, de bom comportamento moral e sexual, não lhe sendo conhecido qualquer outro namoro ou ligação íntima a outro homem que não o Réu.
7. Todos quantos conhecem o Réu e a mãe do menor atribuem a paternidade do menor àquele.

3. Presunção de paternidade

A acção foi julgada procedente com base na presunção de paternidade estabelecida no art. 1871º nº 1 e) do CC, uma vez que se provou que o investigado teve relações sexuais com a mãe do menor no período legal de concepção.
Sustenta, porém, o Recorrente que emergem dos autos dúvidas sérias sobre a paternidade, na medida em que, perante a resposta negativa aos quesitos 3º e 3ºA, não é possível afirmar que, durante o período legal de concepção, a mãe do menor não tenha praticado relações sexuais de cópula completa com outro ou outros homens.
Não tem razão.

Já acima se disse que, como é pacífico, a resposta de não provado a um quesito não conduz a ter-se por provado o contrário.
Por outro lado, é sabido que as presunções do art. 1871º nº 1 do CC são dotadas de uma força probatória especial (face ao disposto no nº 2 do mesmo preceito), que não coincide com a força probatória normal das meras presunções judicias ou de facto nem se identifica com a força probatória típica das presunções legais [Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, V, 307; cfr. também Guilherme Oliveira, Estabelecimento da Filiação, 157].
A exigência da seriedade das dúvidas envolve, como anotam Pires de Lima e Antunes Varela [Ob. Cit., 305], a criação de um grau intermédio de convicção do julgador, situado entre a simples contraprova e a prova do contrário.
Assim, a lei desviou-se do regime geral consagrado no art. 350º nº 2 do CC, não exigindo ao investigado a prova do contrário; isto é, de que não é o pai biológico. Mas não basta a este suscitar qualquer pequena dúvida incapaz de abalar a certeza que resulta da presunção legal.

Num caso como o dos autos, em que ficou demonstrado o relacionamento sexual entre o Réu e a mãe do menor no período legal de concepção, aquele, para afastar a presunção, teria de demonstrar a exceptio plurium, ou seja, que a mãe do menor teve relações sexuais com outro ou outros homens durante o mesmo período.
Prova que o Réu não conseguiu, manifestamente, não bastando para tal, obviamente, a prova negativa aos quesitos 3º e 3ºª

Improcedem, por conseguinte, as conclusões do recurso.

III. Decisão

Em face do exposto, julga-se a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo Apelante.

Porto, 15 de Janeiro de 2004
Fernando Manuel Pinto de Almeida
João Carlos da Silva Vaz
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo