Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0437120
Nº Convencional: JTRP00037582
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: DEMARCAÇÃO
EXECUÇÃO
Nº do Documento: RP200501200437120
Data do Acordão: 01/20/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: A sentença proferida em acção comum sobre a demarcação de dois prédios pertencentes a donos diferentes pode ser executada em acção executiva para prestação de facto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Em 03.06.03, no Tribunal Judicial do .........., B.......... e esposa C.........., por apenso ao processo n.º .../99 que correu termos por aquele Tribunal, vieram executar a sentença naqueles autos proferida, contra D.......... e esposa E..........

pedindo
que se procedesse à demarcação dos prédios dos exequentes e executados, dividindo-se a metade da área situada entre as estacas e a linha verde do levantamento topográfico de fls. 23, através da linha divisória vermelha que une os pontos assinalados pelas letras B, F, H, e J, no levantamento topográfico que juntam, ficando a caber a cada uma das partes a área de 178,72 m2 da parcela em litígio, e ordenando-se, no local, a colocação dos respectivos marcos

alegando
em resumo, que
- por sentença de 01.09.18, foi decidido "proceder à demarcação dos prédios dos AA. e RR., dividindo-se a parcela assinalada com a letra D) da planta de fls. 25 e 26, em partes iguais, consistindo a divisória numa linha que se inicia no extremo Norte e se prolonga até ao extremo Sul, dividindo, em toda a sua extensão, a parcela em metade da sua largura", decisão que foi confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 02.05.2002, sem prejuízo de uma ligeira rectificação, esclarecendo-se que a divisão da parcela reportar-se-ia ao levantamento topográfico de fls. 23, correspondendo a metade da área situada entre as estacas e a linha verde.
- não obstante as diligências efectuadas, não foi possível obter o acordo entre os executados para fixação da linha divisória e colocação dos respectivos marcos.

Em 03.06.16 foi proferida decisão que indeferiu liminarmente o requerimento executivo.

Inconformados, os exequentes deduziram o presente agravo, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

Os executados contra alegaram, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

O Sr. Juiz manteve tabelarmente a sua decisão.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões

Tendo em conta que
- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;
- nos recursos se apreciam questões e não razões;
- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido
a única questão proposta para resolução consiste em determinar se após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 329-A/95, de 12.12 ao Código de Processo Civil uma sentença proferida acção onde se procedeu à demarcação de dois prédios pode servir de titulo executivo em acção executiva onde se pede a execução da referida demarcação com a colocação de marcos.

Os factos

Os factos a ter em conta são os acima assinalados, decorrentes da tramitação processual.

Os factos, o direito e o recurso

Vejamos, então, como resolver a questão.

No despacho recorrido entendeu-se que, revogado o processo especial de demarcação com a reforma do Código de Processo Civil operada pelo Decreto-Lei 329-A/95 acima citado – onde se previa uma fase executiva - a sentença dada como titulo executivo não era susceptível de ser executada porque não tinha condenado os réus no cumprimento de qualquer obrigação, pois apenas tinha declarado ou reconhecido uma realidade, preexistente ou não, qual seja, a demarcação ou a localização da linha divisória entre os dois prédios.

Os agravantes entendem que as alterações introduzidas pelo referido Decreto-Lei 329-A/95 deixaram incólume a possibilidade da execução de uma acção onde se tivesse fixado a linha divisória entre dois prédios, tanto mais que o princípio da adequação formal previsto no artigo 265-A do Código de Processo Civil assim o impunha, sendo certo que sem a execução material do direito declarado a sentença se tornaria meramente platónica.

Cremos que têm razão.

Vejamos porquê.

A acção de demarcação destina-se a tornar efectivo o direito de fixar a linha divisória de prédios contíguos ou confinantes pertencentes a donos diferentes, no contexto definido pelo art.1353º do Código Civil.

De facto, dispõe este normativo que “o proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrem para a demarcação das extremas entre o seu prédio e o deles”.

Na acção de demarcação discute-se um conflito de prédios, ou seja, não se discute o titulo de aquisição - como na acção reivindicação - mas a relevância dele em relação ao prédio - Pires de Lima e Antunes Varela “in” Código Civil Anotado - nota 4ª ao art.1353º.

Trata-se de uma acção de acertamento ou de declaração da extensão da propriedade, sem que estejam em causa os títulos de aquisição.

O que se pretende com este tipo de acções não é solucionar a indefinição quanto à propriedade de certa faixa de terreno, mas sim de conseguir que os proprietários de prédios confinantes colaborem no sentido de demarcarem as respectivas extremas.

A demarcação é a operação material de colocar marcos ou sinais exteriores permanente e visíveis, que assinalem diversos pontos da linha divisória entre dois prédios contíguos.

Ou seja, a demarcação não consiste apenas na determinação da linha divisória, mas também na sua assinalação por meio de sinais externos visíveis e permanentes.

Sabida qual é a linha divisória, só há que fixar no solo marcos de pedra ou outro material, quando não sejam adoptados para esse fim quaisquer sinais naturais existentes nessa linha – Carvalho Martins “in” A Acção de Demarcação, 1988, página 19.

Com a sentença que se pretende executar – proferida em acção que anteriormente à reforma introduzida pelo DL329-A/95 já mencionado se denominava de acção especial de arbitramento e actualmente, acção comum – definiu-se a linha divisória entre os prédios dos aí autores e réus.

O que está em causa no caso em apreço é apenas a questão de se saber como, fixada a linha divisória dos dois prédios estabelecida na sentença, se há-de proceder à demarcação propriamente dita através da colocação de marcos.

No âmbito do estabelecido no Código de Processo Civil antes da reforma que lhe foi introduzida pelo já citado Decreto-Lei 329-/95, a questão estava resolvia com o disposto no n.º5 do artigo.1058º, o qual determinava que “fixada a linha divisória, se for necessário cravar cravos, os peritos farão proceder a essa diligência”.

Esse artigo – assim como toda a matéria relacionada com as acções de arbitramento – foi revogado por aquele Decreto-Lei porque se entendeu que a prova pericial “(…) se revelará perfeitamente idónea para dar resposta, no quadro do processo comum de declaração, às necessidades e interesses tutelados com a instituição da figura de “arbitramento (…)” – do preâmbulo do citado Decreto-Lei.

Ou seja, das razões da revogação daquele artigo 1058º e seu n.º5 não se pode concluir que não se possa proceder agora à operação material de demarcação através da uma acção executiva com base em sentença proferida em processo comum de declaração que determinou a linha divisória no caso de uma das partes não colaborar na realização dessa operação.

Respeitando, assim, a garantia de acesso ao tribunais estabelecida no artigo 2º do Código de Processo Civil – com assento constitucional no n.º1 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa – que abrange o direito a um processo de execução, ou seja, o direito a que, através de um órgão jurisdicional se desenvolva e efective toda a actividade dirigida à execução de da sentença proferida pelo tribunal (cfr. Artigo 208º, nº3 da mesma Constituição), evitando-se que as decisões judiciais e garantia de direitos e interesses se reduzam a meras declarações de intenção a favor de uma das partes – Gomes Canotilho e Vital Moreira “in” Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, páginas 163 e seguintes.

Diz-se na decisão recorrida que a sentença dada como titulo executivo não contém qualquer condenação e, portanto, não pode ser executada face ao disposto no artigo.46º, al. a) do Código de Processo Civil.

Salvo o devido respeito, entendemos não ser assim.

Conforme acima ficou dito, a acção onde se pede a definição de uma linha divisória entre dois prédios pertencentes a donos diferentes destina-se a marcar essa linha divisória.

Ao declarar essa linha divisória, o tribunal está implicitamente a condenar as partes que não acordaram na definição estabelecida pelo tribunal a cumprirem a obrigação derivada dessa declaração, ou seja, a obrigação de as partes acordarem, colaborarem ou permitirem a colocação de marcos ou outros sinais divisórios que assinalem a divisão declarada judicialmente.

No caso de essa prestação não ser voluntariamente efectuada, não vemos outra alternativa senão a realização coactiva dela, “bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção”, conforme se dispõe na última parte do n.º2 do artigo 2º do Código de Processo Civil já referido.

Sendo que o meio processual mais adequado para o efeito é o processo de execução para prestação de facto, com as necessárias adaptações necessárias às especificidades da causa, permitidas face ao princípio da adequação formal estabelecido no artigo 265-A do mesmo diploma – neste sentido, ver o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.11.26 relatado pelo Conselheiro Fernandes Magalhães e publicado na base de dados do Ministério da Justiça.

Concluímos, pois, que a sentença proferida em acção comum sobre a demarcação de dois prédios pertencentes a donos diferentes pode ser executada em acção executiva para prestação de facto.

A decisão

Nesta conformidade, acorda-se em conceder provimento ao presente agravo e assim, em revogar a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que assegure os ulteriores termos processuais, nos termos acima assinalados.
Custas pelos agravados.

Porto, 20 de Janeiro de 2005
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos
José Viriato Rodrigues Bernardo
João Luís Marques Bernardo