Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0552208
Nº Convencional: JTRP00038035
Relator: CUNHA BARBOSA
Descritores: ARRESTO
Nº do Documento: RP200505090552208
Data do Acordão: 05/09/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO,
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: É admissível uma segunda nomeação de bens no mesmo processo de arresto, caso a apreensão dos inicialmente indicados se frustre ou venha a revelar-se manifestamente insuficiente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório:
No ..º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Valongo, sob o nº ......../04.0TBVLG-A, mostram-se instaurados uns autos de procedimento cautelar de arresto por B.................., S.A., contra C......................, Ldª, pedindo que se decretasse «... o arresto dos bens móveis que se encontrem nas instalações da requerida sitas na Rua do ....., ............, ..........., em Leiria (preferencialmente os bens descritos nas facturas juntas como docs. 1 e 2.; em segunda linha outras mercadorias que aí se encontrem; em terceira linha - na sua falta ou insuficiência - os computadores, impressora, material de escritório e demais bens móveis livres e suficientes para garantir a satisfação do direito de crédito supra alegado, bem como juros de mora vencidos e vincendos, custas e demais encargos legais; em quarta linha e frustrando-se as anteriores diligências, os saldos das contas bancárias abertas em nome da Requerida (maxime a conta do nº 00269872819 da Sucursal Loures Centro do D............), bem como eventuais carteiras de títulos a elas anexas, a arrestar através de ofício dirigido ao Banco de Portugal e que a difundirá pelos vários Bancos. ...».
Fundamenta o seu pedido, alegando, em essência e síntese, que:
- A requerente se dedica, entre outros, ao comércio, importação e distribuição de electrónica de consumo, audio, vídeo e afins, pequenos domésticos, electrodomésticos, peças e acessórios auto, acessórios e artigos de comunicação;
- A requerida dedica-se, entre outros, ao comércio e distribuição de electrodomésticos;
- No exercício da sua actividade comercial, forneceu à requerida a mercadoria constante das facturas nº 10410306, de 23.4.2004, no valor de € 9.598,84 e nº 10410434, de 17.6.2004, no valor de € 23.310,29, com vencimento a 60 dias;
- A requerida ainda não procedeu ao pagamento das referidas facturas, apesar de tal haver sido solicitado por diversas vezes;
- Desde finais de Julho de 2004, a requerente não conseguiu mais entrar em contacto com o gerente da requerida;
- A requerida tem efectuado vendas, a particulares e a pequenos comerciantes, de mercadorias a preço do custo ou mesmo inferior;
- As instalações da requerida não são próprias e o seu conteúdo é de reduzido valor (expositores, material de escritório, dois computadores, impressora), não sendo suficiente para solver sequer a dívida para com a requerente, que é de mais de € 32.000,00;
- Os ‘stocks’ da requerida estão a ser escoados, atentas as vendas ao desbarato que a requerida está a efectuar e face ao facto de os seus fornecedores e credores não lhe darem já crédito, antes pretendendo a cobrança das responsabilidades vencidas;
- A requerente tem fundado receio de que quando chegar à fase da penhora dos bens, em sede de execução, já nada exista para penhorar.
Conclui pela procedência do arresto.
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Finda a inquirição das testemunhas arroladas, fixou-se a matéria de facto provada e, com base nela, proferiu-se a seguinte decisão:
“...
Nestas circunstâncias, e sem necessidade de outros considerandos, julgo procedente a requerida providência cautelar em consequência decreto o arresto de:
1. Os bens descritos nas facturas juntas a fls. 13 e 14 dos autos.
2. De outras mercadorias que se encontrem nas instalações da Requerida, sita na Rua ......, ....., ....... - Leiria.
3. Na sua falta ou insuficiência, os computadores, impressoras e material de escritório e móveis suficientes para garantir a satisfação do crédito, que nessas instalações se encontrem.
4. Frustrando-se as diligências numeradas em 1, 2 e 3, dos saldos das contas bancárias abertas em nome da Requerida, nomeadamente a conta de depósito à ordem com o nº 00269872819 da Sucursal - Loures Centro do D............., bem como eventuais carteiras de títulos a este anexas ...”.
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Realizaram-se as várias diligências de arresto dos bens, em conformidade com o ordenado, e, notificado o auto de arresto elaborado, veio a requerente solicitar o arresto já ordenado noutros bens e, bem assim, face à manifesta insuficiência dos bens, cujo arresto foi já ordenado, para garantir o pagamento do seu crédito, proceder à indicação e/ou nomeação de outros bens (segunda nomeação) para arresto, sendo certo que os não havia indicado aquando do requerimento inicial.
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Tal requerimento mereceu despacho com o seguinte teor:
“...
Atenta a insuficiência do saldo bancário arrestado (fls. 76) para garantir o cumprimento do crédito invocado pela requerente, proceda-se ao arresto dos bens de depósitos bancários titulados pela requerida, designadamente, os eventualmente existentes no D.........-Agência de Loures, conforme ordenado na decisão de fls. 47 e ss..
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A requerente pediu, ainda, atenta a provável insuficiência dos bens arrestados, que se ordene o arresto dos direitos que identifica, alegadamente titulados pela requerida.
Tais direitos não se mostram previstos na decisão que apreciou e decretou a providência requerida.
Salvo o devido respeito por opinião diversa, a mencionada decisão definiu o objecto da providência cautelar a executar no presente processo, sendo, por isso, inadmissível que, ao abrigo da mesma, ou em seu complemento, se profira nova decisão a decretar o arresto de outros bens.
A pretensão em apreço contempla, pois, uma nova providência, a qual deverá ser objecto de outro processo.
Razão porque se indefere a pretensão da requerente ora em apreço.
...”
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Não se conformando com tal decisão, dela a requerente interpôs recurso de agravo e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:
1ª - O arresto visa garantir o crédito do credor quando se verifique justo receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito, consistindo numa apreensão judicial de bens, na medida do suficiente para segurança normal do crédito, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo o que não contraria o previsto na Subsecção V, Secção II, Cap. IV, Título I, do Livro III do CPC.
2ª - É possível ao agente de execução efectuar pesquisa sobre os bens penhoráveis e proceder à sua penhora independentemente de nomeação pelo exequente, balizado pelo montante a assegurar e pelas regras da ordem de realização da penhora; é possível o reforço da penhora quando “seja ou se torne manifesta a insuficiência dos bens penhorados”; é possível ao exequente nomear bens à penhora quando não sejam encontrados bens penhoráveis (e, por maioria da razão, quando os bens encontrados sejam insuficientes).
3ª - O arresto destina-se a assegurar a garantia patrimonial do crédito que a Agravante, sumariamente, demonstrou deter e não apenas a assegurar, dentro do crédito sumariamente demonstrado, a parte que possa ser garantida pelos bens inicialmente indicados pela Agravante;
4ª - Até que sejam arrestados bens suficientes para a garantia desse crédito o arresto não está cumprido e não se acha extinto o poder jurisdicional do juiz.
5ª - Em caso de insuficiência dos bens arrestados - como ocorre in casu, manifestamente - a Agravante não tem de intentar nova providência, novamente demonstrando a probabilidade de existência do crédito e o justo receio de perda da garantia patrimonial.
6ª - Sendo admissível uma segunda nomeação de bens a arrestar, no mesmo processo, nos termos em que a primeira foi feita, não se tendo por esgotado o poder jurisdicional do juiz.
7ª - A douta decisão sub judice violou o disposto nos arts. 406º, 1 e 2, 408º, 2 a contrario, 821º, 3, 833º, 4 e 834º, 3, b) do CPC.
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2. Conhecendo do recurso (agravo):
2.1 - Dos factos:
Com relevância para o conhecimento do recurso têm-se como assentes os factos mencionados no relatório que antecede.
2.2 - Dos fundamentos do recurso:
De acordo com as conclusões formuladas pela agravante, as quais delimitam o objecto do recurso - cfr. arts. 684º, nº 3 e 690º do CPCivil, temos que a questão a resolver no âmbito deste é tão só a de saber se, em processo de arresto, decretado este e verificado, no seguimento de diligências de arresto dos bens inicialmente indicados pelo arrestante, que os efectivamente apreendidos se mostram insuficientes, designadamente por não terem sido encontrados alguns dos anteriormente indicados, é admissível vir o arrestante indicar novos bens, procedendo, assim e de facto, a uma segunda nomeação.
Afigura-se-nos que a resposta á enunciada questão, salvo o devido respeito por opinião contrária, não poderá deixar de ser positiva, como se procurará demonstrar.
No que diz respeito à obrigação de relacionação de bens por parte do arrestante, dispõe-se no art º 407º, nº 1 do CPCivil que «O requerente do arresto deduz os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência».
O requerente do arresto, para além dos restantes requisitos, indicou inicialmente os bens cujo arresto pretendia com vista a constituir garantia patrimonial do seu crédito, tendo o Mmº Juiz do tribunal de 1ª instância, após ter verificado a existência dos requisitos que permitiam o decretamento do arresto requerido - existência do crédito e justificado receio de perder a garantia patrimonial -, ordenado se procedesse ao arresto em diversos bens e sucessivamente, em função da suficiência ou insuficiência dos bens para garantir o pagamento do verificado crédito e cuja apreensão fosse concretizada, e, bem assim, para a hipótese de frustração de anteriores diligências de apreensão.
Tal decisão mostra-se em consonância com o disposto no nº 2 do art. 408º do CPCivil, segundo o qual, «Se o arresto houver sido requerido em mais bens que os suficientes para segurança normal do crédito, reduzir-se-á a garantia aos justos limites».
Sucede que, no caso em apreço, as sucessivas diligências, para apreensão dos bens indicados para arresto, foram-se frustrando de tal forma que o requerente do arresto, convicto de que os bens por si inicialmente indicados seriam suficientes para constituir a garantia patrimonial do seu crédito, se vê numa situação de insuficiência de indicação de bens para tal, pelo que veio proceder a uma nova indicação e, consequentemente, requerer arresto de outros bens pertencentes ao devedor.
Será que tal requerimento de indicação de novos bens é admissível ?
Dos preceitos que regulam os trâmites do procedimento cautelar de arresto não resulta norma expressa e concreta que o contemple, contrariamente ao que sucede quanto à indicação em excesso (cfr. artº 408º, nº 2 do CPCivil), o que, à primeira vista levaria a concluir pela sua inadmissibilidade.
Porém, dispõe-se no artº 406º, nº 2 do CPCivil que «O arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrariar o preceituado nesta subsecção». (sublinhado nosso)
Ora, para a penhora, estabelece o artº 834º, nº 3 e al. a) do CPCivil que «A penhora pode ser reforçada ou substituída nos seguintes casos: ... b) Quando seja ou se torne manifesta a insuficiência dos bens penhorados; ...».
Tal normativo não se mostra contrariado por qualquer preceito constante da subsecção em que se encontram agrupadas as normas referentes ao procedimento cautelar (nominado) de arresto (Subsecção V), pelo que se entende não ser de afastar a sua aplicação ao arresto, aliás, em consonância com o que ocorre para a situação de excesso de indicação previsto no nº 1 do mesmo normativo, que o legislador teve o cuidado de deixar referido expressamente no artº 408º, nº 2 do CPCivil, como já se referiu supra.
Daí que, alegando-se e subsistindo uma insuficiência de bens arrestados, esgotada que se mostre a relação de bens a arrestar inicialmente apresentada pelo requerente de arresto, é admissível, face ao disposto nos arts. 406º, nº 2 e 834º, nº 3 , al. b) do CPCivil, a este nomear novos bens com vista a constituir a suficiente garantia patrimonial do seu crédito, cuja existência e justificado perigo de insatisfação já se encontra demonstrada nos autos (cfr., neste sentido acórdãos desta Relação de 5.12.89, BMJ 392, pág. 508, e de 8.4.97, in www.dgsi.pt, proc. nº 9720304).
Aliás, seria incompreensível que se exigisse ao requerente contenção na indicação dos bens a arrestar, em função da suficiência de bens à constituição da normal garantia patrimonial, reforçando-se a ideia do controle do juiz quanto à verificação desse excesso em face do disposto no artº 408º, nº 2 do CPCivil, em consonância com o que se dispõe para a penhora no nº 1 do artº 834º do CPCivil, e, frustrado o arresto nos bens indicados, se não consentisse, perante uma situação de manifesta insuficiência, a indicação de novos bens a arrestar, antes se exigindo a apresentação de um novo requerimento de arresto e consequente prova dos seus requisitos, o que redundaria, para além de outras consequências, na redução do arresto decretado a uma mera inutilidade processual.
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Concluindo e resumindo:
- É admissível uma segunda nomeação de bens no mesmo processo de arresto, caso a apreensão dos inicialmente indicados se frustre ou venha a revelar-se manifestamente insuficiente.
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3. Decisão:
Nos termos supra expostos, acorda-se em:
a) - dar provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido para ser substituído por outro em que se ordene o arresto dos bens nomeados, sem prejuízo do disposto no artº 408º, nº 2 do CPCivil;
b) - Sem custas - artº 2º, nº 1, al. g) do CCJ.
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Porto, 9 de Maio de 2005
José da Cunha Barbosa
José Augusto Fernandes do Vale
António Manuel Martins Lopes