Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0431565
Nº Convencional: JTRP00035713
Relator: GONÇALO SILVANO
Descritores: HONORÁRIOS
ACÇÃO
Nº do Documento: RP200403310431565
Data do Acordão: 03/31/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: Em acção de honorários, deve-se fundamentalmente ter em conta o tempo gasto, a dificuldade do assunto, as posses do cliente, os resultados obtidos e a praxe do foro e estilo da comarca.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

I- Relatório

B..............., advogado, que profissionalmente usa o nome abreviado de B1............. ou B2..............., com escritório na Rua ................, n.° ..., em .............., propôs a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra C..............., com sede na Rua ..............., n.° ..., ..........., pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de Esc. 4.809.509$00, 850.000$00 de IVA à taxa de 17% sobre 5.000.000$00, juros vencidos desde 10/11/99 até 31/05/2001 no valor de 551.140$00, juros sobre o capital de 4.809.509$00 à taxa de 7% ao ano desde 31/05/2001 até integral e efectivo pagamento ou, caso assim se não entenda, juros desde a citação, à taxa legal de 7% ao ano, até integral e efectivo pagamento. Peticionou ainda o autor a condenação da ré a pagar uma sanção pecuniária compulsória correspondente à taxa de 5% ao ano sobre o valor da dívida desde o trânsito em julgado da sentença, nos termos do art.° 829°-A, nº 4, do Código Civil.
Alegou para tanto o seguinte:
- que foi contactado pela ré para que a patrocinasse no proc. nº .../.. que correu termos no Tribunal de Círculo de ................ e ao qual os presentes autos se encontram apensos. Nesses autos foi a aí ré (aqui também ré) condenada a reconhecer que os autores eram donos e legítimos proprietários do terreno onde estava a ser construída uma habitação. Mas foi absolvida do pedido de entrega deste terreno e demolição da obra, por mera consequência de procedência da acessão, absolvida do pedido de indemnização por danos por não se provarem quaisquer danos materiais ou morais. Relativamente à reconvenção foi julgado procedente o pedido subsidiário e, em consequência da acessão, condenados os autores a reconhecerem o direito da propriedade da ré sobre o terreno, dele devendo abrir mão a favor da ré mediante o pagamento da quantia de 2.500.00$00.
-a ré não procedeu ao pagamento dos honorários, estabelecidos em laudo pela Ordem dos Advogados no valor de 5.000.000$00, nem procedeu ao pagamento das despesas suportadas no montante de 59.509$00, uma vez que por conta do processo a ré apenas pagou a quantia de 250.0000$00.
-Alegou, ainda, que a vivenda construída pela ré no terreno então em litígio vale hoje cerca de 120.000.000$00.

Na contestação a ré impugnou o valor atribuído à referida habitação, que valia à data em que foi apresentada a contestação a quantia de 20.000.000$00 e actualmente cerca de 40.000.000$00. E contestou igualmente o valor fixado em laudo pela Ordem dos Advogados, alegando que pagou ao autor, a título de honorários e para provisão e despesas a quantia de 900.000$00. Finalmente, alegou que os honorários tinham sido fixados antecipadamente em Esc.: 600.000$00.

O autor apresentou réplica onde manteve o peticionado.

Após julgamento a acção veio a ser julgada parcialmente procedente por parcialmente provada e em consequência condenou-se a ré, C................, a pagar ao autor, B.............., a quantia de 28.229,6 euros (vinte e oito mil, duzentos e vinte e nove euros e seis cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa de 4% e de juros à taxa de 5% calculados desde o trânsito da presente decisão e até integral pagamento.

A ré discordou desta decisão e dela interpôs recurso, tendo no final das respectivas alegações, formulado as seguintes conclusões:

1. Apenas se discorda da fixação do valor dos honorários: €24.939,98.
Já que,
2. Entendemos que os mesmos são manifestamente exagerados.
3. Sem por em crise o tempo gasto, a dificuldade do assunto, a importância do serviço prestado, as posses dos interessados, ressalta que, face à factualidade assente, não houve moderação na fixação daquele montante já que o resultado obtido não foi a não demolição de um imóvel que valia, à data da solicitação dos serviços do A., esc. 120.000.000$00, mas tão só esc. 20.000.000$00!
4. O art° 65° n°. 1 do E.O.A., aprovado pelo D.L. 84/84, de 16/03 aponta os critérios que deverão nortear a fixação de honorários.
Porém,
5. Tal tarefa depende do preenchimento a efectuar, casuisticamente, de tais critérios (Ac. 14/5/96 in CJ STJ II, 69), sem que se estabeleça entre cada um deles uma hierarquia.
6. Ignora-se o tempo gasto, mas aceita-se que foram numerosas as horas gastas no patrocínio.
7. O assunto revelou alguma complexidade e exigiu estudo, aprofundado como se diz na sentença.
8. Só que o resultado obtido, a propriedade por via da acessão imobiliária, da vivenda construída sobre o terreno, cujo preço teve de pagar aos Autores da acção, não garantiu, por um lado, no fundamental o interesse da R. já que o pedido reconvencional deduzido a título principal foi improcedente. Não foi um resultado, assim, tão bom!
Por outro lado,
9. Se a acção fosse perdida a R. poderia ser condenada a demolir uma vivenda que apenas valeria, à data da solicitação dos serviços do A., esc. 20.000.000$00, e,
10. Não esc. 120.000.000$00 como sempre este quis fazer crer, quer na solicitação do Parecer à Ordem dos Advogados para fixação do Laudo,
11. Quer até na presente acção. Estava em jogo apenas aquele valor.
Assim,
12. Face à matéria fáctica apurada e atendendo que se sustenta, na própria decisão, que o Laudo emitido pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados foi criteriosamente fundamento e está de acordo com os critérios previstos nas referidas normas legais (artgs. 65°. do E.O.A., e, 1158°., n° 2 do C.Civil).
13. Nunca deveriam os honorários ter sido fixados em E 24.939,98, mas sim em € 6.234,97.
14. Já que àquele valor (€ 24.939,98) se chegou porque se partiu do pressuposto de que a vivenda que não foi demolida, valeria, à data da solicitação dos serviços do A., esc. 120.000.000$00.

Por sua vez o autor, apresentou também recurso subordinado, tendo no final das respectivas alegações, formulado as seguintes conclusões:

1-Não tendo a ré junto aos autos os documentos para que fora notificada e a pedido do autor, fez inverter o ónus da prova a favor do autor e contra a ré,
2-A resposta aos quesitos 4 e 5 ela Base Instrutória foi negativa quando deveria ser positiva,
3-Assim, deve dar-se como provado que ((a ré tem um activo de cerca de um milhão de contos)) (4°) «e tem depósitos bancários de cerca de 500.000 contos» (5°);
4-Tendo a ré sido interpelada judicial e extrajudicialmente e aí fixado o quantitativo dos honorários, deve ser condenada nos juros moratórios tal como peticionados;
5-Foram violados, por errada interpretação e aplicação, as disposições dos art°s 519°, nos 1 e 2, do CPC e 344°, n° 2, 805° e 806° do CC, que deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido das conclusões 1 a 4.

Houve contra-alegações por parte do autor relativamente à apelação da ré, sustentando-se aí os fundamentos e a decisão da sentença.

Corridos os vistos, cumpre decidir:

II- Fundamentos
a)- A matéria de facto provada.
A-O autor é advogado, inscrito na Ordem dos Advogados, com cédula profissional n° ..., fazendo da advocacia a sua actividade profissional, da qual retira o seu sustento (al. A).
B-O autor foi contactado pela ré para que a patrocinasse no Proc. nº .../.. que correu termos no Tribunal de Círculo de .............. e ao qual os presentes autos se encontram apensos (al. B).
C-Nesses autos a ré outorgou a favor do autor procuração, datada de 10.5.1994 (doc. de fls. 170 dos autos apensos).
D-Na petição inicial que originou a acção referida em B), os aí autores peticionaram, entre outros pedidos, que a ré fosse condenada a entregar-lhes a parcela de terreno destinada a construção urbana, com a área de 200 m2, a qual se encontra descrita na Conservatória de Registo Predial de ........... sob o nº 43.319 do livro B-112 de 155 vº e aí inscrita a favor dos autores sob o no 40.894 de fls. 49 v° do livro G; a proceder à demolição da casa de habitação que aí vem construindo, e ainda a pagar-lhes os prejuízos causados com a ocupação do terreno (al. C).
E-A ré apresentou contestação à petição inicial referida em C) e aí deduziu o pedido reconvencional, pedindo a condenação dos autores a reconhecerem a sua propriedade sobre o prédio urbano sito no Lugar ................, ............, com 210 m2, que confronta do Norte com D..............., do Sul com E.............., do Nascente com rua e do Poente com F................, descrito na Conservatória de Registo Predial de .......... sob o nº 01859/220494 (al. D). Por sentença, datada de 5 de Junho de 1995, foi proferida decisão nos seguintes termos:
I- Condeno a ré a reconhecer que os autores eram donos e legítimos proprietários do terreno correspondente à fracção ) "D" descrito em "T" da especificação.
II- Absolvo a ré do pedido de entrega deste terreno e demolição da obra, por mera consequência de procedência da acessão.
III- Absolvo a ré do pedido de indemnização por danos por não se provarem quaisquer danos materiais ou morais.
IV- Julgo improcedente o pedido principal formulado pela ré relativamente à fracção “D”.
V- Julgo procedente o pedido subsidiário e, em consequência da acessão, condenam-se os autores a reconhecer o direito da propriedade da ré sobre o terreno correspondente à fracção "D" da Especificação, dele devendo abrir mão a favor da Ré mediante o pagamento da quantia de 2.500.00$00.» (al. E).
F- Por acórdão transitado em julgado, notificado em 13/10/99, concluiu-se:
«Nestes termos decide-se julgar parcialmente procedente recurso de apelação interposto por E................... e G..............., revoga-se parcialmente a sentença recorrida e apenas no respeitante à condenação em custas ficando as custas a cargo dos Autores na proporção de quatro quintos e a cargo da Ré na proporção quinto e confirma-se sentença na parte restante.
E decide-se julgar improcedente o recurso de apelação interposto por C................ (recurso subordinado) custas do recurso principal recorrentes na proporção de três quartos e a cargo da recorrida na proporção de um quarto. Custas do recurso subordinado a cargo da recorrente.» (ai. F).
G- Por carta registada com aviso de recepção enviada à Ré em 09/11/99, e por ela recebida em 10/11/99, o Autor enviou-lhe a seguinte nota de honorários e despesas: «Nota de Honorários e Despesas Processo nº .../..- AC. Ordinária Tribunal de Circulo de ................. Autor: E................. Ré: C................. .
1.Leitura e estudo de P.I. com 93 artigos, 6 pedidos...;
2.... e 10 documentos de mais de 100 páginas;
3. Contestação Reconvenção de 57 artigos, 3 pedidos: 20.000.000$00 (vinte milhões de escudos);valor da reconvenção:20.000.000$00(vinte milhões de escudos);
4.Estudo e análise dos 13 documentos juntos coma P.I.;
5. Valor real da vivenda em causa cuja destruição era pedida: 100.000.000$00 (cem milhões de escudos);
6.Análise da Réplica com 64 artigos e um documento;
7. Análise de vários requerimentos da parte contrária e resposta com junção de documentos;
8. Análise da especificação e questionário com alíneas de A a Z, AA a AZ e AAA, AAB e AAC;
9.Análise de 31 quesitos;
10. Análise de reclamação do questionário e Especificação com resposta;
11. Deslocação a ............ para julgamento adiado em 08/05/95, às 9.30 horas;
12. Análise de sentença, de 14 páginas, que deu razão à Ré em quase tudo;
13. Interposição de recurso;
14. Alegações e análise de alegações da parte contrária, com contra -alegação, tudo com várias páginas;
15. Análise do Acórdão da Relação do Porto, de 10 páginas;
16. Anulado o julgamento: análise de 11 quesitos complexos;
17. Apresentação de novo Rol de testemunhas;
18. Junção de 5 documentos após estudo complexo;
19. Análise dos requerimentos e documentos da parte contrária;
20. Análise da nova sentença do julgamento de 1ª instância de 17 páginas que novamente deu razão à ré em quase tudo;
21. Interposição de recurso para a Relação e Alegações;
22. Interposição e análise das Alegações da parte contrária; tudo de muitas páginas;
23. Contra-alegações;
24. Análise do Acórdão da Relação do Porto, de 40 páginas, que mantém o decidido em 1ª instância;
25. Inúmera correspondência trocada com o advogado da parte contrária e com a réclientes, simples, registada e registada com aviso de recepção, desde 1994 até finais de 1999;
26. Diversas conferências com a cliente;
27. Diversas idas ao Tribunal de ............... e Relação;
28. Nota de despesas e custas apresentadas: no Tribunal de ................ (2) e na da Relação do Porto 1)
HONORÁRIOS:...............................................9.500.000,00
IVA (17% s/ 9.500.000,00)............................. 1.615.000,00
IRS-retenção (20% s/9.5000.000,00)................1.900.000,00
Sub-total ...........................................................9.215.000,00
Despesas, conforme notas apresentadas nos Tribunais............44.509,00
Diversa correspondência dirigida à cliente, papel, correio, registos, telef. ...15.000,00
Subtotal....................... 9.274.509,00
Pagamento por conta efectuado pela cliente..................250.000,00
Total............................................................................9.024.509,00
(São: nove milhões vinte e quatro mil quinhentos e nove escudos) ..............., 09 de Novembro de 1999» (al. G)
H- Em 11/02/2000 o Autor pediu laudo à Ordem dos Advogados, relativamente aos honorários respeitantes ao processo aludido em B), tendo corrido termos o Proc. .../.., ao qual foram juntas cópias de todo aquele processo (al. H).
I- A final, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados, na sessão do Conselho Geral de 11/05/2001 e na sequência do parecer do respectivo vogal relator cuja cópia se encontra junta a fls. 65 a 73, concedeu laudo pelo valor de 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos) (al. I).
J- Por conta dos honorários, que se reportam ao processo referido em B) da matéria assente, a Ré pagou ao Autor o montante de 250.000$00 (duzentos e cinquenta escudos) (al. J).
L-A Ré tem os seguintes prédios inscritos em seu nome, nas respectivas Conservatórias de Registo Predial:
a)- prédio urbano, sito na Rua ................, com a área de 210 m2, confronta a Norte com H..............., a Sul com I.................., a Nascente com Rua particular em projecto e Poente com F..............., o qual se encontra descrito na Conservatória de Registo Predial de ........ sob o nº 01683/130793 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4571, do livro B-99 de fls. 137;
b)- prédio urbano, sito na Rua .........., nº ..., freguesia de .............., inscrito na .. Conservatória de Registo Predial do .............. sob o nº 00012/051284 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 6930, do livro B;
c)- prédio urbano, sito na Rua ..............., freguesia de ................ Inscrito na .. Conservatória de Registro Predial Urbana sob nº 00151/290786, livro B (al. L).
M-A Ré, no balanço e demonstração de resultados relativo ao ano de 1999, cujo teor consta de fls. 121 a 133 dos autos e se dá aqui por reproduzido, apresenta no item resumo os seguintes resultados:
Resultados operacionais(B)-(A) .............................-4.489,284
Resultados financeiros: (D-B)-(C-A) ...........................-19,893
Resultados correntes (D)-C .................................... -4.509,177
Resultados antes de impostos (F)-(E) ......................-4.509,177
Resultado líquido do exercício (F)-(G) .................. -4.509,177 (al. M).
N- A casa de habitação, cuja demolição foi pedida na acção referida em B) e em C), actualmente uma vivenda, valia na data em que entrou a petição (Maio de 2001) quantia não inferior a 199.519,16 euros (Esc.: 40.000.000$00) (art°s 1 e 7°).
O- O autor, em despesas com deslocação ao tribunal, certidões, papel, fotocópias e cartas respeitantes a requerimento e documentos juntos ao processo, gastou quantia não inferior a 222,01 euros (Esc.: 44.509$00) (art° 2°).
P- Em diversa correspondência dirigida à ré, papel, correio, registos e telefonemas o autor gastou o montante de Esc.: 15.000$00 (art. 3°).
Q- A vivenda referida em 1 o, à data da apresentação da contestação da acção principal em 20.05.1994, valia 20.000.000$00 (vinte milhões de escudos (art° 6°).

b)- Apreciação da matéria de facto, o direito e os recurso de apelação, principal e subordinada.

Sendo pelas conclusões que se determina o objecto do recurso (arts.684º, nº 3 e 690º, nº1 do CPC), salvo quanto às questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com trânsito em julgado, vejamos, pois, do seu mérito.

1-A questão do recurso principal diz respeito à discordância1 da fixação do valor dos honorários em € 24.939,98.

Entende a recorrente que esse valor é exagerado, embora não colocando em causa o tempo gasto pelo autor, a dificuldade do assunto, a importância do serviço prestado e as posses dos interessados.
A argumentação da recorrente para sustentar a sua discordância com a decisão quanto ao montante de honorários fixado, baseia-se, essencialmente (para além de alegar que no seu entender o resultado obtido na acção a que respeitam os honorários, não foi assim tão bom), no facto de na sentença se ter acolhido aquele valor em que foram fixados os honorários, que foi o apurado no Laudo emitido pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados.
Diz a recorrente que o facto de se afirmar na sentença, que o laudo da Ordem dos Advogados a que se aderiu, foi criteriosamente fundamento e está de acordo com os critérios previstos nas referidas normas legais (arts. 65°. do E.O.A., e, 1158°., n° 2 do C.Civil), levou a que se tivesse como existente e se valorizasse um pressuposto que não se verifica.
Segundo a recorrente a OA, no laudo que emitiu a requerimento do autor, chegou àquele valor de (€ 24.939,98) porque partiu do pressuposto de que a vivenda que não foi demolida, valeria, à data da solicitação dos serviços do A., esc. 120.000.000$00, o que de acordo com a matéria de facto provada não ocorre.

2-Efectivamente está assente que “Em 11/02/2000 o Autor pediu laudo à Ordem dos Advogados, relativamente aos honorários respeitantes ao processo aludido em B), tendo corrido termos o Proc. ../.., ao qual foram juntas cópias de todo aquele processo (al. H). A final, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados, na sessão do Conselho Geral de 11/05/2001 e na sequência do parecer do respectivo vogal relator cuja cópia se encontra junta a fls. 65 a 73, concedeu laudo pelo valor de 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos) (al. I)”.

Dos documentos de fls. 65 73, a que se alude na alínea I) da especificação, constata-se que, de facto, o autor indicou, ao pedir esse laudo uma estimativa do valor da vivenda em 100.000.000$00, tendo a ré respondido à Ordem dos Advogados que só valia 40.000.000$00, sendo que o requerente do laudo veio responder posteriormente à AO, que o valor real da vivenda se cifrava em 120.000.000$00 (valor que alegou na petição inicial, já depois do laudo em causa), mas que estava a ser transaccionada por 100.000 contos.

Se atentarmos nos termos em que foi proferido o laudo, no seu ponto 16, refere-se expressamente que o laudo não dirime as questões controvertidas entre requerente e requerida, nomeadamente se houve fixação prévia de honorários, qual o valor exacto da vivenda e quais as importâncias recebidas a título de provisão pelo requerente.

Daqui se extrai que na decisão do laudo foram ponderados vários factores(não se relevando em particular o valor da vivenda), como moderação, tempo gasto, dificuldade do assunto, importância do serviço prestado, posses dos interessados, resultados obtidos, praxe do foro e estilo da comarca, de harmonia com o disposto no artº 65º nº 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados e artº 2º nº 1 do Regulamento de Honorários.

3-Mas o que aqui agora importa não é o laudo da OA, já que o tribunal era livre de a ele aderir ou não, como se referiu na própria sentença. Sujeito esse laudo ao geral e comum princípio da livre apreciação do tribunal (arts.389º C.Civ. e 611º e 655º, nº1º, CPC) (9), não pode negar-se-lhe o valor informativo próprio de qualquer perícia, nem, de todo o modo, arredar-se o respeito e atenção que deve merecer, dada a especial qualificação de quem o emite. Foi a aplicação destes princípios que se fez no tribunal de 1ª instância fez em relação ao laudo emitido pela AO a requerimento do autor.

O que importa decidir é se assiste ou não razão à apelante quanto à sua pretensão de ver diminuídos os honorários fixados ,por os mesmos não estarem de harmonia com os critérios da norma legal aplicável, tendo em conta os serviços efectivamente prestados pelo autor.

4-Na sentença analisaram-se todos os pressupostos de atribuição dos honorários do autor tendo em conta os serviços que, no caso concreto, prestou à ré e conclui-se que a quantia de 5.000.000$00 (a mesma que havia sido indicada no laudo da OA) correspondia a uma justa atribuição dos honorários, sendo que o autor começou por pedir honorários de 9.500.000$00, que a própria OA considerou demasiado elevados.
A questão coloca-se, pois, agora em saber se o montante dos honorários fixados em sentença se devem considerar ou equilibradamente atribuídos.

Antes, porém, e para além dos princípios gerais já referidos na sentença, a este propósito, importa realçar mais um pouco que ,de facto, a questão chave na fixação dos honorários, é a de que o advogado (artº 65º nº 1 do EOA) deve proceder com moderação, atendendo ao tempo gasto, à dificuldade do assunto, à importância do serviço prestado, às posses dos interessados, aos resultados obtidos e à praxe do foro e estilo da comarca e que se o mandato for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e na falta de umas e outros, por juízos de equidade.

A orientação jurisprudencial vai no sentido de que “o art. 65º, nº 1, do D.L. 84/84, de 16/03 não estabelece, nem pretende estabelecer, qualquer método decisório ou critério legal para dirimir as divergências, discordâncias ou controvérsias acerca dos montantes de honorários entre os sujeitos contratuais envolvidos, antes se limita a consagrar critérios ou parâmetros referenciais de carácter deontológico/estatutário a serem observados pelos advogados na fixação dos respectivos honorários .
Os dados mais relevantes na fixação dos honorários do Advogado são, porém, o tempo gasto e a dificuldade do assunto (Cfr. Processo: 02B1631, nº Convencional: JSTJ00000380- Ac. STJ de 20/06/2002 e Acórdão de 7/07/1999, in CJ-STJ, ano VII, 1999, Tomo III, págs.19/21)”.

5-Existe também (como é, aliás, salientado na sentença), na fixação dos honorários a um advogado um inerente momento de discricionariedade, não no sentido administrativo, mas no sentido civilístico que tem muito a ver coma a boa fé que deve impregnar toda a relação contratual e ainda que em tal fixação de honorários há que ter em conta não só os custos fixos de funcionamento do escritório de advogado e a justa remuneração do trabalho directamente investido pelo advogado no assunto que lhe é confiado pela parte (Cfr. entre outros:
Processo: 02B1631, nº Convencional: JSTJ00000380- Ac. STJ de 20/06/2002 já acima citado e Processo: 03B294-Nº Convencional: JSTJ000-Ac. STJ de 11/12/2003; Processo: 01B4388-NºConvencional: JSTJ00000475- Ac- STJ de 14/02/2002; Processo: 99B1095- Nº Convencional: JSTJ00039810-Ac STJ de 13/01/2000; Processo: 02B1962-Nº Convencional: JSTJ000078-Ac STJ de 19/09/2002; Processo: 02B4157-Nº Convencional: JSTJ000-Ac. STJ de 09/01/2003; Processo: 02B4367-Nº Convencional: JSTJ000-Ac. STJ de 30/01/2003,todos na base de Dados da DGSI, neles se indicando vasta doutrina e jurisprudência e onde se podem confrontar valores de atribuição de honorários em causas de alguma complexidade).

António Arnault, na sua obra Iniciação à Advocacia, pág.99 e ss define pormenorizadamente cada um dos critérios previstos na norma do artº 65º nº 1 do EOA, O tempo gasto, dificuldade do assunto, as posses do cliente, os resultados obtidos e a praxe do foro e estilo da comarca, concluindo que os mesmos não são taxativos, devendo o advogado proceder conscienciosamente, com moderação e especial sensibilidade, conjugando todos os factores, mas dando prevalência ao tempo gasto e às posses do cliente. Diz este autor e ilustre advogado, que causas idênticas podem justificar honorários diferentes, e é justo que os ricos paguem mais do que os menos favorecidos.
Quanto aos resultados obtidos o mesmo autor entende que serão atendíveis quando o cliente viu significativamente aumentado o seu património, ou quando, num processo criminal de certa gravidade logrou ser absolvido ou foi condenado em pena não privativa de liberdade. De contrário, refere, como ensina Maurice Garçon, os “honorários são o preço do trabalho prestado e não a retribuição do resultado obtido”.
Daí que os honorários sejam devidos independentemente do resultado da demanda, mesmo quando o cliente perde a acção na totalidade, devendo em tais casos o advogado ser mais moderado (cfr. Revista da Ordem dos Advogados, nº 43, pág.227 e nº 35, pág. 294 e nº 51, pág. 611).

No caso sub judice, à luz da matéria fáctica apurada, a própria recorrente não coloca em causa a dificuldade do assunto tratado no processo pelo autor, a importância do serviço prestado e mesmo as posses dos interessados.

6-Relativamente às posses da Ré:
É aqui o momento adequando para apreciar uma das questões colocadas pelo autor no seu recurso subordinado.
Diz-se no recurso subordinado que não tendo a ré junto aos autos os documentos para que fora notificada e a pedido do autor, fez inverter o ónus da prova a favor do autor e contra a ré. Por isso, a resposta aos quesitos 4 e 5 ela Base Instrutória foi negativa quando deveria ser positiva.
Conclui o recorrente subordinado que deve dar-se como provado que «a ré tem um activo de cerca de um milhão de contos» (4º) «e tem depósitos bancários de cerca de 500.000 contos» (5°).

É certo que o autor requereu ao tribunal que notificasse a ré para juntar determinados documentos, com os quais pretendia fazer prova da sua real situação financeira.
No entanto e apesar de esses documentos não terem sido juntos em julgamento, o autor deixou que esta se iniciasse e terminasse , sem requerer ao tribunal qualquer outra diligência nesse mesmo sentido, designadamente com os efeitos cominatórios que agora pretende retirar.
Foi o autor que alegou factos no sentido de provar existir outro património da ré, competindo-lhe ,em princípio, o ónus de os provar.
Para poder beneficiar da inversão do ónus da prova previsto no artº 344º, nº 2 do CC, ex-vi artº 519º nº 2 do CPC, o autor teria de alegar culpa da ré no sentido de lhe ter tornado impossível a prova com que estava onerado. Ora como se disse, o autor nada mais fez do que por requerimento pedir que a ré fosse notificada (fls.) 171vº para juntar certidão do teor matricial de todos os prédios, rústicos e urbanos que se encontrem inscritos em seu nome e apresentar os extractos bancários dos bancos Banco X......... e Banco Y.........., com referência ao banco Z.............. dos anos de 1995 em diante, o que foi deferido por despacho de fls.178.
Porém, o facto de ter havido deferimento a essa pretensão do autor nos termos em que foi formulada, não resulta que se tenha de dar como assente que o autor ficou impossibilitado de fazer a prova que lhe competia. E tanto mais que deixou prosseguir o processo, com o início e termo da audiência de julgamento, sem dar relevância a essa questão que agora vem suscitar extemporaneamente, em sede de recurso subordinado.
Por isso, entendemos que ao responder aos quesitos 4º e 5º de forma negativa, porque o autor nenhuma prova fez sobre eles, está correcta a decisão sobre a matéria de facto.
Assim, esta questão do recurso subordinado, improcede, permitindo-nos que possamos avançar na apreciação dos factores a tomar em conta na fixação dos honorários, tomando apenas em conta, quanto às posses da ré, o que já estava assente sob as alíneas L) e M).

7-Relativamente ao tempo gasto no processo, não existe um cálculo exacto e também não se pode aferi-lo em função do montante diminuto das despesas apresentadas (44.509$00 e 15.000$00), já que se poderia correr o risco de avaliar injustamente o trabalho efectivamente prestado pelo autor ao equipará-lo com o montante dos honorários pedidos inicialmente (9.500.000$00).

Porém admitindo-se, como correcto que:
a) o trabalho investido na causa é de facto o elemento decisivo no cálculo dos honorários e aceitando que o autor terá dispendido numerosas horas na acção;
b) a acção em si, perante os seus articulados e diligência de prova que demandava, exigia atenção e estudo, com alguma complexidade jurídica;
c) a procedência do pedido subordinado, acabou por trazer um resultado positivo à ré;
d) a comarca em causa é de grande dimensão, sendo suposto existir pratica de praxe do foro de honorários pautados em padrões elevados e dignos a adaptados a essa situação;
e) existe da parte da recorrente posses para pagar honorários, sem sacrifício, o que não se coloca em crise ,no próprio recurso,
concluímos, que nesta acção em concreto, com respeito por opinião em contrário, entendemos ser demasiado elevado o montante fixado em sentença, considerando-se ajustado fixar como honorários, por todo o trabalho investido na causa, a quantia de 20.000,00€.
Procede, pois, parcialmente, o recurso principal.

8-Resta apreciar a segunda questão do recurso subordinado, quanto ao início da contagem dos juros de mora.
Defende o autor recorrente que tendo a ré sido interpelada judicial e extrajudicialmente e aí fixado o quantitativo dos honorários, deve ser condenada nos juros moratórios tal como peticionados (desde 10.11.99 ou desde a citação).

Neste aspecto entendemos que está correcto o decidido em sentença.
Basta atentar que o autor peticionava juros desde 10.11.99, data na qual a ré foi notificada da nota de honorários e despesas, que inicialmente apresentou no montante de 9.500.000$00.
Este valor foi reduzido no laudo, que o próprio autor requereu à OA, para 5.000.000$00, sendo este o valor que se fez constara na petição inicial.
Não se pode afirmar que a ré que pretendia discutir o montante de honorários se tivesse colocado em situação de mora, pois não havia causa para lhe imputar em tais circunstâncias o incumprimento no pagamento dos honorários exigidos. Não havia um atraso culposo da ré no cumprimento da obrigação, por causa que lhe seja imputável (art. 804°, n.° 2 do CC).
Uma vez que as partes, não fixaram antecipadamente o montante dos honorários nem critério da sua determinação, a obrigação não é liquida e a liquidez não é imputável à ré, não relevando aqui, por isso, a interpelação (artº 805º nº 3 do CC).
Concluímos, pois, como na sentença, que os juros só serão devidos a partir do momento em que na sentença foi liquidado o montante de honorários, à taxa legal de 4% tal como peticionado e não colocado em causa, acrescerão juros à taxa de 5% ao ano, nos termos do artº 829°-A, nº 4 do Código Civil.

Nestes termos assiste parcialmente razão à ré no recurso principal, improcedendo totalmente o recurso subordinado.

III- Decisão.
Pelo exposto acorda-se em julgar:
a) parcialmente procedente o recurso de apelação, em consequência alterando-se a sentença, condena-se a ré a pagara ao autor, a título de honorários o montante de 20.000,€ (vinte mil euros), confirmando-se na parte restante a sentença recorrida.
b) Parcialmente procedente o recurso subordinado, iniciando-se a obrigação de pagamento de juros desde a data da sentença em 17/09/03.
Custas pelos recorrentes, em 1ª e 2ª instâncias, na proporção do vencimento.
Porto, 31 de Março de 2004
Gonçalo Xavier Silvano
Fernando Manuel Pinto de Almeida
João Carlos da Silva Vaz