Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | JTRP00036168 | ||
| Relator: | DURVAL MORAIS | ||
| Descritores: | PRESCRIÇÃO INTERRUPÇÃO PROCESSO PENAL | ||
| Nº do Documento: | RP200312160325507 | ||
| Data do Acordão: | 12/16/2003 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A manifestação de vontade de se tornar parte civil em processo crime e de deduzir oportunamente o pedido de indemnização cível nesse processo é um dos actos enquadráveis no disposto no artigo 323 n.4 do Código Civil, assim interrompendo a prescrição. II - Posto é também que esse facto chegue ao conhecimento dos obrigados. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: I – CESARINA....., residente na Rua....., em....., intentou, em 18/6/2001, a presente acção de condenação com processo ordinário, contra o ESTADO PORTUGUÊS, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de 7.500.000$00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo cumprimento. Alega, em resumo: 1 - Em 26/10/1995, a A. foi surpreendida por uma busca efectuada à sua residência, a qual tinha sido ordenada pelo MºJuiz da Comarca da...... 2 - Foi a mesma ordenada no âmbito de um processo de inquérito que veio dar origem ao Proc. Comum Colectivo nº ../96, que correu termos pelo Tribunal de Círculo de......, no qual era arguido, além de outros, o Capitão Nelson....., filho da A.. 3 - A justificação para a busca reside na existência de indícios de na residência da A. se encontrarem produtos estupefacientes e bens, valores e quaisquer documentos relacionados com os crimes de tráfico de estupefacientes, corrupção, favorecimento pessoal e peculato. 4 - A referida busca é ilegal. 5 - Na verdade, não estavam reunidos os pressupostos legais para o recurso ao meio de obtenção de prova - busca - sugerido pela P.J., promovido pelo MºPº e decidido pelo Sr. Juiz. 6 - A actuação ilícita dos funcionários e agentes envolvidos faz incorrer o R. em responsabilidade civil extracontratual. 7 - Entretanto, correu termos pelo Tribunal da Comarca da..... o processo de inquérito nº ../97, cujo objecto integrou também os factos expostos. 8 - Em 23/7/1998, a A. mediante requerimento apropriado foi a esses autos de inquérito “constituir-se parte civil, para os devidos e legais efeitos, designadamente para, oportunamente deduzir pedido de indemnização civil”. Este processo veio a ser arquivado em sede de instrução. 9 - Embora os factos que fundamentam esta acção tenham tido lugar em 1995, a A., em razão do seu dito requerimento de constituição de parte civil, está em tempo de deduzir a sua pretensão, o que faz através do presente processo dado o efeito interruptivo da prescrição resultante desse requerimento. 10 - A partir da busca, começo a ser alvo de comentários negativos por muitas pessoas, tendo dificuldades em fazer a sua vida normal, nomeadamente em conciliar o sono. 11 - Ao longo de muito tempo, o padecimento psicológico, emocional e moral da A. aumentou, assumindo enormes proporções. 12 - Por tudo quanto passou, a A. necessitou de acompanhamento médico regular. 13 - Nunca a A. deixou de se sentir humilhada e angustiada por se ver envolvida na descrita situação de busca à sua residência. Citado, veio o Réu contestar, por excepção - invocando a prescrição - e por impugnação - impugnando os factos alegados na petição inicial. Na réplica a A. procura demonstrar que não se verifica a prescrição e, na tréplica, o Réu manteve as posições assumidas na contestação. Em 15/7/2002, foi proferido despacho saneador, que, julgando procedente a excepção de prescrição invocada, absolveu o réu do pedido. Inconformada, apelou a A. formulando na respectiva alegação as seguintes conclusões: 1ª - Detendo a qualidade de “lesada”, a A./recorrente tinha a faculdade de exercer a sua pretensão indemnizatória no processo onde os crimes denunciados estivessem a ser investigados, nos termos do nº l, do art. 74°, do C.P.P.. 2ª - Apenas o não fez porque foi decidido o seu arquivamento, e, só após o trânsito em julgado do despacho que o determinou, começa a correr o prazo prescricional (art. 306° /1C.C. e 72°/1 als. a) e f) do C.P.P.). 3ª - Revelando a sua diligência, o facto de ter mostrado, formalmente, a sua intenção de deduzir pedido cível, a A., não pode ver o seu direito afastado pelo funcionamento do mecanismo da prescrição, que tem como fundamento específico essencial o combate contra a inércia da parte com o direito de agir. 4ª - A manifestação dessa intenção, para além do mais, tem que se entender capaz de interromper a prescrição, nos termos do art. 323°, nº l do C.C., e com os efeitos previstos nos arts. 326° e 327° igualmente do C.C.. 5ª - Os factos essenciais objecto do referido processo-crime referenciavam se à actuação de dois agentes da Polícia Judiciária que, no âmbito de exercício da sua actividade, haviam fornecido informações falaciosas e dolosas aos Magistrados. 6ª - 6. A recorrente, enquanto “lesada”, tem o direito de responsabilizar pessoas civilmente, pelo que, além de sustentar o seu pedido contra o Estado Português, na actuação dolosa/criminosa dos dois agentes da P.J., também o pode fazer com base na actuação negligente dos magistrados do M.P. e Judicial (art.73, nº 1, CP.P.) 7º - Assim não tendo entendido e decidido, a decisão recorrida não fez a melhor e mais correcta interpretação e aplicação ao caso das pertinentes disposições legais, designadamente as dos arts. 72°, n° 1, al. a) e f), 73°, n° 1 e 74°, n° l todos do CP.P., e dos arts. 306°, nº 1, 323°, nº 1, 326° e 327, todos do CP.C. Contra-alegando, o Exmº Magistrado do M.P., em representação do estado, pugna ela manutenção da decisão recorrida. Corridos os vistos, cumpre decidir. II – Por documento e acordo das partes, resultam dos autos os seguintes factos, a considerar na decisão do recurso: 1- No dia 26 de Outubro de 1995, por ordem do Sr. Juiz da comarca do....., no âmbito do inquérito que deu origem ao processo comum colectivo nº ../96 que correu termos pelo Tribunal de Círculo de....., foi efectuada busca à residência da autora. 2- Em 23 de Junho de 1998, mediante requerimento apresentado no inquérito nº ../97 que teve início em 4 de Dezembro de 1997 e em que eram arguidos dois agentes da Polícia Judiciária que propuseram a efectivação da mencionada busca domiciliária, a autora manifestou vontade de se constituir parte civil e deduzir oportunamente o respectivo pedido. 3 – Esse Proc. nº ../97 teve a sua origem na queixa-crime apresentada, em 4/12/97, na Delegação da Procuradoria da República da Comarca de....., por Nelson....., Capitão da G.N.R., contra Pedro..... e Eduardo....., ambos agentes da Polícia Judiciária, imputando-lhes a prática de um crime de abuso de poderes, p. p. no artº 382º do Cód. Penal, e de um crime de prevaricação, p. e p. no artº 369º do mesmo diploma, com o seguinte fundamento: - O queixoso foi arguido no processo comum colectivo nº ../96, que correu termos pelo Tribunal Judicial de....., tendo sido os arguidos nesse processo nº ../97 que procederam à investigação e diligências de prova que levara a que o Tribunal decretasse a sua prisão preventiva, à feitura de buscas inclusivamente em casa de sua mãe, à dedução de acusação pelo MºPº e, consequentemente, à sua submissão a julgamento. Que os arguidos, valendo-se dos seus poderes e competências como órgãos de polícia criminal, dirigiram a investigação de forma parcial e tendenciosa. 3- Após abertura de fase instrutória, foi ordenado o arquivamento desse processo nº ../97, em 13 de Novembro de 2000. 4 - O Réu foi citado para a presente acção em 22 de Junho de 2001. III – São as conclusões da alegação do recorrente que delimitam as questões a conhecer por este Tribunal de recurso – artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil. No caso sujeito, tais questões são as seguintes: a)- Se houve ou não a prescrição invocada pelo Estado Português na contestação que apresentou. b) - Se houve ou não relevante interrupção dessa prescrição. 1ª QUESTÃO: Depreende-se da petição inicial da presente acção que a apelante pretende fazer valer o direito a ser indemnizada pelo Estado, no montante de Esc. 7.500.000$00, acrescida de juros desde a citação, ao abrigo do disposto no artº 2º, nº. 1 do Dec. Lei nº 48.051, de 21/11/1967, invocando para tanto a busca judicial feita à sua residência no dia 26 de Outubro de 1996, ordenada pelo Mº Juiz da Comarca de....., no âmbito do inquérito que deu origem ao Proc. Com. Colectivo nº ../96, que correu termos pelo Tribunal de Círculo de....., sem indícios suficientes para a sua efectivação.Dispõe o nº 1 do artº 498º do Cód. Civil que “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos…” A busca foi realizada no dia 26 de Outubro de 1995. Resulta, assim, sem sombra de dúvida, que a apelante em 26 de Outubro de 1995 (data da busca a sua casa), teve conhecimento do direito que invocou de ser indemnizado. A presente acção foi proposta no dia 12 de Junho de 2001 e o Réu foi citado em 22 de Junho de 2001. Sendo assim, face ao artigo 5° do Decreto-Lei n° 48 051, o direito invocado pelo apelante prescreveu nos termos do disposto no artigo 498.°, n° 1, do Código Civil, ou seja, «prescreveu no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso». Sendo assim, às 24 horas do dia 26 de Outubro de 1998 (artº 279º, alª c) do Cód.Civil), consumou-se a prescrição do direito invocado pela apelante. Pelo que, ao propor a acção em 12 de Junho de 2001, fê-lo quando o seu direito já se encontrava há muito prescrito. Não procedem, nesta parte, as conclusões da respectiva alegação. 2ª QUESTÃO: Não obstante a clareza da situação que acaba de ser descrita, quer no respeitante aos factos, quer pelo que toca ao direito, sustenta a apelante, na sua alegação, que, tendo apresentado no inquérito nº ../97 um requerimento a manifestar a vontade de se constituir parte civil e deduzir oportunamente o respectivo pedido, a manifestação dessa intenção tem de se entender susceptível de interromper a prescrição, nos termos do artº 323º , nº 1 do Cód. Civil.Que dizer? Dispõe o nº 1 do artº 323º do Cód. Civil: “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que ao acto pertence e ainda que tribunal seja incompetente.” E no seu nº 4, considera-se “equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem pode ser exercido.” No caso sujeito, efectivamente, mediante requerimento apresentado no processo de inquérito nº ../97 (ver facto 2 do quadro de factos provados), a Autora manifestou a vontade de se constituir parte civil e deduzir oportunamente o respectivo pedido cível. A manifestação de vontade de se tornar de parte civil e de deduzir oportunamente o pedido de indemnização cível nesse processo constituirá um dos actos enquadráveis naqueles a que o citado artº 323º, nº 1 atribui relevo para interromper a prescrição. E essa manifestação de vontade será um dos actos que exprimem a intenção de exercer o direito de indemnização (Cód. Civil, artº 323º, nº 2), já que normalmente são praticados com a intenção de exercer esse direito, operando então a interrupção da prescrição logo que deles fosse dado judicialmente conhecimento ao responsável pela indemnização, o que se verificaria com a sua notificação aos obrigados. A este respeito, assinalam os Prof.s P. de Lima e A. Varela (Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., pág. 290): “O facto interruptivo da prescrição consiste no conhecimento que teve o obrigado, através da citação ou notificação judicial, de que o titular pretende exercer o direito.” Releva, por isso, na presente acção, o conhecimento da data em que a ora Autora se constituiu parte civil e manifestou vontade de deduzir pedido de indemnização nesse processo nº ../97, bem como - note-se – o da data da sua notificação aos obrigados. O requerimento que se mostra junto a fls 19, assevera-nos que nesse processo nº ../97, a aqui Autora e apelante, para além de outros, requereu, em 23 de Junho de 1998, a constituição de parte civil, “designadamente para, oportunamente, deduzir pedido de indemnização civil.” Ora, tendo em atenção que a Autora teve conhecimento do direito que lhe compete em 26 de Outubro de 1995, parecerá, à primeira vista, que não teria decorrido o prazo de prescrição de três anos previsto no atrás citado art. 498º, nº 1, posta a hipótese de funcionar, no caso, o efeito interruptivo desse requerimento de 23/6/1998. Só que tal efeito não se verifica realmente. A data da constituição de parte civil e a data do conhecimento que dela foi dado aos obrigados deveriam - e a última não foi - ser comprovadas documentalmente na presente acção cível pela parte interessada na interrupção da prescrição, ou seja, pela ora autora. Ignorando-se na presente acção a data do conhecimento que daquela foi dada aos obrigados, não se pode verificar a interrupção da prescrição. Improcedem, desta sorte, as conclusões da alegação da recorrente. *** IV - Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e confirmam a decisão recorrida.Custas pela Autora. Porto, 16 de Dezembro de 2003 Durval dos Anjos Morais Mário de Sousa Cruz Augusto José Baptista Marques de Castilho |