Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
972/07.4GCSTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PINTO MONTEIRO
Descritores: INJÚRIA
ELEMENTO SUBJECTIVO
ACUSAÇÃO PARTICULAR
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
Nº do Documento: RP20101103972/07.4GCSTS.P1
Data do Acordão: 11/03/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I- O crime de injúria assume natureza dolosa, não sendo suficiente para o preenchimento do respectivo elemento subjectivo a alegação de que o agente sabia que estava a dirigir expressões cujo significado ofensivo do bom nome e consideração do ofendido conhecia.
II- É equiparável à imputação de crime diverso, a consubstanciar alteração substancial dos factos, a articulação pelo MºPº, no acompanhamento da acusação particular, de factos integradores do elemento subjectivo, omitidos nesta.
III- A lacuna da acusação não pode ser colmata em sede de julgamento através do cumprimento do disposto nos artigos 358 ou 359º do CPP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: P.º n.º 972/07.4GCSTS.P1
Acordam, em conferência, na 4.ª sec. (2.ª sec. criminal) do Tribunal da Relação do Porto:

Inconformado com a decisão instrutória do senhor juiz do TIC de Santo Tirso que não pronunciou a arguida B…….. pela prática de um crime de injúria por que a acusou, dela interpôs recurso o assistente C…….., cuja motivação concluiu nos termos seguintes:
1 – É suficiente para a realização do tipo de ilícito do crime de injúrias que o seu Autor saiba que está a dirigir palavras e expressões cujo significado ofensivo do bom-nome ou consideração do ofendido ele conhece e mesmo assim profere.
2 – A Arguida não está privada de entender e querer o sentido das expressões que proferiu até porque, se estivesse, teria alegado esse facto em sua defesa.
3 – As palavras e expressões descritas na acusação particular são por si só injuriosas e desprovidas de qualquer fundamento e são susceptíveis de causar ao ofendido inquietação, vergonha e ofensa.
4 - A considerar-se existir falta de elemento subjectivo do tipo legal, tal não pode determinar a inexistência de crime e em consequência a impossibilidade de prossecução do procedimento criminal pois tal viola o Princípio da verdade material e o disposto no artigo 283º ex vi 285º nº1 e nº3, ambos do Código de Processo Penal.
5 – No caso de crime particular, se a acusação do assistente não descreve ou omite o elemento subjectivo da infracção que aí se imputa ao Arguido, nada impede que o Ministério Público acrescente esse elemento na sua acusação pelo mesmo crime, sob pena de violar o nº 4 do artigo 285º do C.P.Penal .
6 – Tal actuação do Ministério Público não implica uma alteração substancial dos factos, nos termos da noção do artigo 1º nº1 al f) do C.P.Penal, pois não se imputa à Arguida um crime diferente do apontado na acusação particular nem se agravam os limites máximos da sanção aplicável.
7 – A colmatação do elemento subjectivo do dolo pelo Ministério Público na sua acusação também não viola o Princípio do Acusatório pois o Princípio da imutabilidade da acusação só começa a vigorar depois de escoado o prazo das acusações (particular e pública).
8 – A acusação particular e a acusação pública porque incide sobre o mesmo e único crime deve ser vista como um todo pelo que substancialmente há só uma acusação que é o resultado da acusação particular com o acrescento do Ministério Público que não constitui uma alteração substancial dos factos descritos na acusação particular sendo apenas um mero acrescento.
9 - Constando da acusação, como consta, a narração objectiva e detalhada (nos termos previstos pela alínea b) do nº3 do artigo 283º, ex vi 285º nº3 ambos do C.P.Penal) dos eventos pelos quais se retira a possibilidade de imputar uma infracção criminal ao agente, nada obsta a que o Tribunal, no decurso da audiência de julgamento, altere os factos descritos na acusação (dentro do circunstancialismo previsto nos artigos 358º e 359º ambos do C.P.P.).
10 - O conhecimento da ilicitude dos factos narrados na acusação, sendo um elemento psicológico interno, pode resultar provado em audiência, razão pela qual a Arguida deveria ter sido pronunciada apurando-se em julgamento se a mesma teria (ou não) conhecimento da ilicitude da sua conduta.
11 – A falta de narração dos factos (nos termos previstos pelo artigo 283ºnº3 alínea b) do C.P.Penal) que fundamentam a aplicação de uma pena à Arguida, constituiria quando muito uma nulidade que não é insanável porque não está abrangida pela enumeração taxativa do artigo 119º do C.P.Penal.
12 - Assim, a nulidade invocada pela Arguida seria subsumível, no regime de nulidade sanável e dependente de arguição e nesse âmbito a mesma deveria ter sido arguida no prazo geral de 10 dias, já que nem o artigo 283º, nem o nº 3 do artigo 120º ambos do Código de Processo Penal fixam prazo específico para a sua arguição.
13 - Ora a Arguida não invocou a referida nulidade naquele prazo geral (artigo 105º C.P.Penal), e fê-lo apenas no seu requerimento de abertura de instrução apresentado nos autos em prazo posterior, e nesse âmbito tal arguição seria extemporânea e como tal não poderia fundamentar a decisão instrutória de que ora se recorre.
14 – Poder-se-ia ainda considerar que tal omissão consubstanciaria uma irregularidade a qual foi ratificada oficiosamente pelo Ministério Público na sua acusação, nos termos do artigo 123º do C.P.Penal.
15 – Em suma com a decisão instrutória proferida violaram-se as disposições legais dos artigos 283º nºs 1, 2, 3 alínea b); 285º nºs 3, 4; 1º nº1 alínea f); 358º; 359º; 119º (a contrario); 120º e 105º, todos do Código de Processo Penal.
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Terminou as conclusões com a formulação do seguinte pedido:
Termos em que
Deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em consequência, revogar-se a Decisão Instrutória no que respeita ao fundamento invocado para não pronunciar a Arguida fazendo -se assim
Inteira e Sã JUSTIÇA.
X X X
Na 1.ª instância respondeu o M.º P.º pronunciando-se pelo não provimento do recurso, com os fundamentos que se passam a reproduzir:

Por decisão instrutória proferida a fls. dos autos o Juiz de Instrução não pronunciou a arguida B…….. pela prática do crime de injúria que lhe vinha imputado (p. e p. no art. 181 nº1 do CP) por falta de alegação de factos integradores do seu dolo por parte da assistente na acusação particular deduzida nos autos.

O assistente, em alegações de recurso, vem pugnar pela pronúncia desta arguida dizendo que o MºPº, ao acompanhar a acusação particular, supriu tal falta.

Salvo o devido respeito, e melhor opinião contrária, não nos parece que assista razão ao assistente porquanto em matéria de crimes particulares (como o dos autos) a acusação do assistente é a dominante e a acusação do MºPº tem de se cingir aos mesmos factos da acusação do assistente, a parte deles ou a outros que não importem uma alteração substancial (cfr. CPP – Comentários e Notas Práticas, pág. 726).

Ora, sendo o crime de injúria exclusivamente doloso, competia ao assistente (tem esse ónus processual) fazer a imputação à arguida dos factos essenciais que integram o preenchimento da previsão legal típica do art. 181, nº1 do Cód. Penal, onde se incluem os factos integradores do seu dolo. Sem a alegação de tais factos não pode a arguida ser submetida a julgamento por não haver objecto processual que possa conduzir à sua condenação.

Carece por isso o MºPº de legitimidade para suprir a falta de alegação de factos essenciais por parte de quem tem a legitimidade exclusiva para deduzir acusação particular e fixar o objecto do processo neste tipo de crimes (ou seja, dos factos de que depende o preenchimento da previsão legal do tipo de crime em análise, como sejam os integradores do dolo com que o agente do crime actuou).
Pelas razões invocadas supra entendemos não assistir razão à assistente, sendo de manter a decisão recorrida e, assim, fazer-se JUSTIÇA.
X X X
Neste tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento, com o argumento de que, no essencial, está de acordo com os fundamentos da motivação do recurso.
Cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do C. P. Penal, não foi junta qualquer resposta ao processo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
X X X
Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas delimitam o seu objecto, temos que a única questão a decidir consiste em saber se se mostram preenchidos os pressupostos para que a arguida seja pronunciada pelo crime de injúria por que foi acusada pelo assistente.
Dos autos, com interesse para a decisão desta questão, constam os seguintes elementos:
A mulher do assistente apresentou denúncia contra a arguida, na qual lhe imputou a prática de factos integradores de crimes de injúria e de ameaça.
Nas declarações que prestou no inquérito, na qualidade de testemunha, o assistente ratificou tal denúncia, fazendo-a sua, na medida em que declarou desejar procedimento criminal contra a arguida pelos factos denunciados.
Finda a realização das diligências que considerou pertinentes, o M.º P.º ordenou a notificação do assistente para, querendo, nos termos do art. 285.º, n.º 1, do C. P. Penal, deduzir acusação contra a arguida pela prática de um crime de injúria, por entender que se encontrava suficientemente indiciada a prática do referido crime.
Pelo assistente foi deduzida acusação particular contra a arguida, na qual, com interesse para a decisão desta questão, lhe imputou a prática dos seguintes factos:
Devido a desentendimentos relacionados com a infiltração de água na casa do assistente, de que a arguida é senhoria, no dia 22 de Novembro de 2007, a pedido da mulher daquele, uma vizinha foi chamar a arguida para lhe comunicar o que se estava a passar e pedir-lhe para desligar o motor.
“De imediato a arguida começou a injuriar a assistente dizendo “Em vez de lhes cair água no quarto havia de lhes cair na cabeça… o é que aquele boi e aquela vaca querem? Que se ponham a andar daqui para fora.”
“Fez ainda ameaças ao assistente proferindo a seguinte expressão “A sorte deles é que o meu filho não está cá, está em Lisboa senão ele espetava-lhes os cornos contra a parede”.
(…)
“Estas expressões foram proferidas em altos berros e perante a passividade do assistente que não retorquiu às mesmas.”
“Estas expressões foram proferidas pela arguida e visavam atingir o assistente e a sua mulher D……., tendo os vizinhos e até a própria filha do assistente, E…….., ouvido vezes sem conta estas ofensas ao bom nome dos seus pais.”
(…)
“A situação ora descrita é punível pela Lei penal pois consubstancia crime de injúrias e ameaça, todos p.p. pela Lei Penal.”
“Os factos ora invocados causaram também danos patrimoniais e morais ao ofendido/assistente que é pessoa de boa índole, bom pai, marido, vizinho e respeitado no meio onde se insere.
X X X
A par da acusação, na mesma peça processual, deduziu o assistente pedido de indemnização cível contra a arguida, no qual, para além de dar por reproduzidos os factos constantes da acusação, imputou à assistente, entre outros que não têm interesse, mais o seguinte facto:
“As injúrias e ameaças que lhe foram proferidas foram intencionais pois visaram propositadamente ofendê-lo na sua honra e dignidade bem como causar-lhe medo e pânico a si e à sua família com quem residia na casa, propriedade da arguida.”
Seguidamente, pelo M.º P.º foi proferido despacho em que ordenou o arquivamento dos autos quanto ao crime de ameaça, com fundamento na inexistência de indícios suficientes da prática do mesmo, e em que aderiu à acusação particular, acusação esta a que acrescentou alguns factos, entre os quais, com interesse para a decisão, que:
“A arguida actuou com o objectivo de ofender a honra e consideração do C……… e fê-lo com tal propósito.”
“A arguida agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei”.
Qualificou os factos imputados à arguida como constituindo a prática, com dolo directo, na forma consumada, de um crime de injúria p.p. nos termos dos artigos 181.º, 188.º, alínea a), 14.º, n.º 1, e 26.º, todos do Código Penal.
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Notificada da acusação particular, a arguida, em requerimento autónomo – fls. 197 a 199 v.º -, invocou a sua nulidade, com fundamento na violação do disposto no art. 283.º, n.º 3, al. a), do C. P. Penal, aplicável ex vi n.º 2 do art. 285.º do mesmo diploma legal.
Sobre tal requerimento não foi proferida qualquer decisão.
Posteriormente à junção aos autos do supra referido requerimento, a arguida requereu a abertura de instrução, na qual invocou a inadmissibilidade legal da acusação particular com os seguintes fundamentos: por o assistente se ter constituído como tal fora do prazo legal; por violação do disposto nos artigos 285.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, alínea a), ambos do C. P. Penal; e por falta de alegação dos factos integradores do dolo, com a consequente nulidade da acusação.
Efectuadas as diligências consideradas pertinentes, pelo senhor juiz de instrução criminal do tribunal recorrido foi proferida a seguinte decisão instrutória:
DECISÃO INSTRUTÓRIA
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O assistente C…….. deduziu acusação particular contra a arguida B………, imputando-lhe a prática de um crime de ameaça e de injúria, não referindo quaisquer normativos do Código Penal.
No essencial, o assistente vem alegar que a arguida o apelidou, no dia 22-11-2007, de “boi”, afirmando ainda, dirigindo-se sempre ao mesmo que “A sorte deles é que o meu filho não está cá, está em Lisboa senão ele espetava-lhes os cornos contra a parede”, sendo que mais tarde nesse mesmo dia terá afirmado “Um dia vou perder a cabeça, pego numa pistola, mato-os e entrego-me à polícia e digo que matei um cão”, apelidando-os, ainda, de “ladrões, filhos da puta, vaca e boi”.
Cfr. fls. 164 a 172.
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O Ministério Público acompanhou esta acusação particular, por referência ao ocorrido no mencionado dia 22-11-2007, pelas 16:00, por referência às expressões que a arguida usou visando o assistente, afirmando que este era um “boi, ladrão, a sorte dele era o filho não estar cá senão espetava-lhe com os cornos contra a parede e filhos da puta”, sustentando, ainda, que a arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, qualificando tais factos como integrando a prática de um crime de injúria, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 181.º, 188.º, al.ª a), 14.º, n.º 1 e 26.º, todos do Código Penal.
Cfr. fls. 187 e 188.
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Inconformada, a arguida veio requerer a abertura de instrução, sustentando a inexistência de responsabilidade criminal da sua parte.
Em primeira linha veio alegar a inadmissibilidade da acusação particular, porquanto teria havido constituição de assistente fora do prazo legal, porquanto o assistente não teria formulado o respectivo requerimento no prazo de dez dias subsequentes à notificação que lhe foi efectuada nos termos e para os efeitos do art.º 246.º, n.º 4, do Código de Processo Penal.
Mais veio alegar nulidade processual, decorrente desde logo da violação do preceituado no art.º 285.º, n.º 2 e 283.º, n.º 3, al.ª a), ambos do Código de Processo Penal; nesse domínio vem alegar que na acusação particular nada é referido quanto à identificação da arguida, não se aludindo nem ao nome da mesma e nem sequer se reportando aos autos em geral, sendo que a arguida se chamaria B……….. e não simplesmente B1…… como refere a acusação, não podendo tal omissão e nulidade ser suprida pelo despacho de acompanhamento do Ministério Público.
Haveria ainda nulidade decorrente da falta de alegação dos factos integradores do dolo, nada tendo sido alegado nesse âmbito pelo assistente na sua acusação particular, havendo nulidade nos termos do art.º 283.º, n.º 3, al.ª b), do Código de Processo Penal.
Por último e por referência ao objecto e mérito dos autos propriamente ditos, nega a autoria das expressões que lhe são imputadas, acrescentando que à hora dos mesmos a arguida encontrar-se-ia em local diverso, sustentando que foi a arguida e o seu marido quem foram vítimas de injúrias e de agressões por parte do assistente, referindo-se a conflitos, mesmo civis, existentes entre as partes por referência a um arrendamento.
Conclui pugnando pelo arquivamento dos autos.
Cfr. fls. 202 a 211.
*
Foi proferido despacho de abertura da Instrução (cfr. fls. 244), tendo-se realizado as diligências instrutórias requeridas consideradas pertinentes, assim como diligências instrutórias a título oficioso; em específico, procedeu-se à junção de elementos documentais reportados à contra-queixa apresentada (cfr. fls. 285 a 306).
Realizou-se audiência de debate instrutório em conformidade com o processualismo legal (cfr. fls. 350 a 352).
*
Mantém-se a validade e regularidade da instância criminal que estiveram subjacentes à prolação do despacho de abertura de instrução.
Cumpre apreciar as nulidades e questões de direito invocadas pela arguida no respectivo requerimento de abertura de Instrução.
Sobre as mesmas o Ministério Público relegou para a fase de alegações em audiência de debate instrutório a tomada de posição (cfr. fls. 277), sendo que nesta audiência deu o seu contributo pedindo justiça.
Por seu turno o assistente assumiu posição formal nos autos quanto às mesmas, sustentando, no essencial, o seguinte:
- quanto à inadmissibilidade da acusação particular por extemporaneidade do requerimento de constituição como assistente, alega que o requerimento foi tempestivo, simplesmente dirigido ao Tribunal da Maia, que o reencaminhou para Santo Tirso subsequentemente;
- quanto à nulidade decorrente da falta de identificação da arguida, sustenta que a mesma foi correctamente identificada, apenas se tendo omitido o primeiro nome de Maria, por se desconhecer tal facto, sendo que quanto à falta de referência dos restantes elementos, as mesmas não seriam obrigatórias e a prática forense nesse sentido apontaria, sendo certo que sempre se estaria perante uma nulidade sanável, nos termos dos artigos 119.º e 120.º, ambos do Código de Processo Penal;
- por último e quanto à falta de alegação dos factos integradores do dolo, sustenta que não se trata de elemento obrigatório, atento o carácter objectivo da injúria, sendo certo que no artigo 9.º da acusação particular haveria referência a factos integrantes do dolo, sendo certo que mesmo que assim não se entendesse sempre se estaria perante uma nulidade sanável, nos termos dos artigos 119.º e 120.º, ambos do Código de Processo Penal.
Cfr. fls. 267 a 271.
Decidindo:
Recordaremos que a arguida veio, em primeira linha, alegar a inadmissibilidade da acusação particular, porquanto teria havido constituição de assistente fora do prazo legal, já que o assistente não teria formulado o respectivo requerimento no prazo de dez dias subsequentes à notificação que lhe foi efectuada nos termos e para os efeitos do art.º 246.º, n.º 4, do Código de Processo Penal.
Como flui de fls. 09, o ofendido C………, foi notificado da necessidade da constituição como assistente no prazo de dez dias, sendo a notificação datada de 27-11-2007, o seu requerimento deu entrada, via correio electrónico em 07 de Dezembro de 2007, como flui de fls. 19, sendo dirigido ao processo correcto, embora por lapso, para os serviços do Ministério Público da Maia, o que é irrelevante, já que a incompetência territorial determina apenas o reencaminhamento para o tribunal competente respectivo – cfr. o art.º 33.º, do Código de Processo Penal.
O mencionado prazo de dez dias foi, pois, observado, sendo certo que mesmo que assim não fosse, em todo o caso tal prazo sempre se teria de ter como meramente indicativo, como decorre do entendimento preconizado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-10-2009, in www.dgsi.pt/jtrp, em cujo sumário se pode ler:
I - Apresentada queixa por crime particular deve o ofendido ser advertido da obrigatoriedade de se constituir assistente no prazo de 10 dias a contar daquela apresentação.
II - Nada requerendo neste prazo, fica-lhe precludido o direito de se constituir assistente no mesmo processo.
III - Todavia, não se mostrando extinto o seu direito de queixa, pode ele renovar esta, iniciando-se novo e autónomo procedimento criminal.”
No caso dos autos, datando os factos 22-11-2007 (cfr. fls. 03) e sendo o prazo para apresentação ou renovação da queixa de seis meses, nos termos do art.º 115.º, n.º 1, do Código Penal, mesmo que se entendesse que o mencionado prazo de dez dias não fora observado (o que não é o caso, salienta-se), ainda assim se teria como tempestivo o requerimento formulado, por estar dentro do prazo de seis meses da queixa.
Improcede, pois, tal questão e nulidade invocada.
Em segunda linha a arguida veio alegar nulidade processual, decorrente da violação do preceituado no art.º 285.º, n.º 2 e 283.º, n.º 3, al.ª a), ambos do Código de Processo Penal; nesse domínio vem alegar que na acusação particular nada é referido quanto à identificação da arguida, não se aludindo nem ao nome da mesma e nem sequer se reportando aos autos em geral, sendo que a arguida se chamaria B………. e não simplesmente B1……. como refere a acusação, não podendo tal omissão e nulidade ser suprida pelo despacho de acompanhamento do Ministério Público.
Como se pode ler no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-09-2001, in wwww.dgsi-pt/jtrl : “A total omissão de identificação do arguido é causa de rejeição da acusação, porque nesse caso será necessário prever um meio legal para obstar à continuação de um processo inviável por falta de sujeito; a deficiente identificação do arguido na acusação só poderá levar à rejeição desta se acarretar qualquer dúvida ou confusão quanto à identidade da pessoa acusada e não for possível esclarecer o equívoco (…)”.
No caso dos autos, pese embora a forma nitidamente incompleta como a arguida vem identificada, não existem quaisquer dúvidas sobre quem é a mesma (que inclusivamente soube requerer a abertura de Instrução), pelo que aderindo-se ao entendimento preconizado no supra citado Acórdão, entende-se não haver qualquer nulidade – no mesmo sentido, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-05-2009, mesmo endereço electrónico supra mencionado e os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 15-10-2007 e 02-04-2008, estes in www.dgsi.pt/jtrp.
De resto, como também se pode ler no Código de Processo Penal Anotado e Comentado de Manuel Lopes Maia Gonçalves, 13.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2002, pág. 578: “A expressão indicações tendentes à identificação do arguido e não simplesmente identificação do arguido, pode afigurar-se de algum modo enigmática. Foi, porém, usada de caso pensado, visando resolver aqueles casos em que se não sabe ao certo qual é a identificação do arguido (…)”, o que não é o caso dos autos, onde se sabe perfeitamente quem é a arguida.
Improcede, pois, também, esta questão invocada, repetindo-se, sabendo-se bem quem é a arguida acusada nos presentes autos e a sua identidade.
A arguida veio ainda invocar nulidade decorrente da falta de alegação dos factos integradores do dolo, nada tendo sido alegado nesse âmbito pelo assistente na sua acusação particular, havendo nulidade nos termos do art.º 283.º, n.º 3, al.ª b), do Código de Processo Penal.
Já esta questão suscita-nos as mais sérias dúvidas; na verdade, se admitindo-se que a acusação particular deduzida está longe de ser formalmente perfeita, mas entendeu-se em relação às questões anteriormente analisadas que ainda assim não haveria qualquer nulidade ou invalidade que impedisse o prosseguimento dos autos, já no que a esta concreta questão respeita, cremos ser a mesma discutível. (sic)
Constata-se, efectivamente, que a acusação particular deduzida é totalmente omissa quanto aos factos integrantes do elemento subjectivo de qualquer tipo legal, sendo que o Ministério Público, por referência ao crime de injúria, veio colmatar a lacuna do assistente, imputando os factos subjacentes ao dolo.
Havendo jurisprudência que entende que tal colmatação por parte do Ministério Público da lacuna da acusação particular é suficiente para o prosseguimento dos autos (cfr. os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 24-03-2004 e 13-12-2006, todos in www.dgsi.pt/jtrp), há, também, jurisprudência que vai no sentido oposto; veja-se a tal propósito, no mesmo sítio, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28-10-2009, em cujo sumário se pode ler: “O Ministério Público não pode colmatar as deficiências da acusação particular do assistente atinentes a qualquer facto, seja reportado aos elementos objectivos, seja ao elemento subjectivo do tipo legal imputado; a falta de alegação do dolo, mormente num crime essencialmente doloso, não é um pormenor que possa ser tido como implícito, na descrição dos elementos objectivos do tipo”, podendo ler-se mais adiante, no corpo do texto do mencionado Acórdão: “A consequência prática e imediata da apontada omissão da acusação particular será a consideração da acusação como deficiente (…) a fundamentar a sua rejeição (…); os factos ali descritos não constituem, com efeito, crime, pois que à descrita acção, típica e ilícita falta a necessária descrição da voluntariedade e da imputação a título doloso, no caso concreto, todos eles elementos que «constituem os pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena», na noção contida no art.º 1.º, al.ª a), do Código de Processo Penal”.
Procede, pois, esta questão prévia invocada, a qual leva à impossibilidade de prossecução do procedimento criminal, designadamente no que tange ao crime de injúria objecto dos autos.
Outra questão se impõe apreciar, a título oficioso, integrante de uma nulidade: sendo certo que o assistente não procede a qualquer qualificação jurídica dos factos integrantes da acusação particular por si deduzida, não citando qualquer normativo legal do Código Penal, para além da menção simples à prática de um crime de injúria, efectua, ainda, a menção da prática pela arguida de um crime de ameaça.
Ora, como é bom de ver, tratando-se de um crime que reveste natureza semi-pública (cfr. o art.º 153.º, n.º 2, do Código Penal,), nos termos do art.º 48.º, parte final e 49.º, ambos do Código de Processo Penal, a legitimidade para deduzir eventual acusação competia ao Ministério Público, sendo que tal autoridade judiciária optou por proferir despacho final em sede de Inquérito e quanto a tal crime, de arquivamento (cfr. fls. 185 e 186), pelo que caso a assistente pretendesse formalmente vir discordar de tal decisão, deveria ter requerido a abertura de Instrução, nos termos do art.º 287.º, n.º 1, al.º b), do Código de Processo Penal e não deduzir acusação particular pela prática de tal crime, já que apenas em relação aos crimes particulares (e não é o caso da ameaça) é que tem legitimidade para tal.
Inexistindo quaisquer outras nulidades, questões prévias, incidentais e/ou supervenientes que cumpra conhecer e que invalidem o processado, para além das já apreciadas e decididas, na procedência de parte das quais impõe-se, pois, a prolação de despacho de não pronúncia da arguida requerente da Instrução.
*
Em conformidade com o exposto, ao abrigo do art.º 308.º, n.º 1, parte final, do Código de Processo Penal, o tribunal decide:
não pronunciar a arguida B……… pela prática dos factos que lhe vinham imputados na acusação particular deduzida pelo assistente C……… e no acompanhamento efectuado pelo Ministério Público nos presentes autos.
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Fixa-se a taxa de justiça em 02 (duas) UCs, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que o assistente beneficia (vide fls. 69 a 71) – cfr. o art.º 515.º, n.º 1, al.ª a), do Código de Processo Penal.
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Oportunamente arquivem-se os autos.
Notifique.
*
(Processado em computador e revisto pelo signatário - cfr. o art.º 94.º, n.º 2, do C.P.P.)
Santo Tirso, 09 de Abril de 2010
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O assistente deduziu acusação particular contra a arguida nos termos supra referidos. Dispõe o n.º 3 do art. 283.º do C. P. Penal, aplicável à acusação particular, ex vi art. 285.º, n.º 3, do mesmo código, que a acusação contém, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhes deve ser aplicada. Face à cominação de nulidade no caso da acusação que não preencha os requisitos estabelecidos naquela disposição legal, importa ter algum cuidado na sua elaboração, como, aliás, salientam Leal-Henriques e Simas Santos no Código de Processo Penal, 2.ª edição, tomo II, pág. 140, em anotação ao artigo 283.º, os quais, a propósito desta questão, escreveram que “No que se reporta à elaboração da acusação interessa também chamar a atenção para a necessidade de se conferir o máximo cuidado à sua feitura, não apenas no aspecto de explanação geral, como sobretudo na vertente da descrição fáctica, que deve ser suficientemente pormenorizada e precisa, até porque, como se sabe, está legalmente vedada uma alteração substancial dos factos transportados para a acusação, limitativa dos poderes do J.I.C. (quanto à amplitude da instrução e decisão instrutória – art.ºs 303.º e 309.º) e dos poderes do juiz do julgamento (arts.ºs 358.º e 359.º).”
Como resulta da decisão recorrida, esta baseou-se essencialmente na circunstância de, na acusação particular, não constarem os factos integradores do elemento subjectivo do crime de injúria por que a arguida foi acusada e de tal lacuna não poder ser colmatada no despacho do M.º P.º em que este declara acompanhar a acusação particular.
O crime de injúria por que a arguida foi acusada é de natureza dolosa. A acusação, tal como foi formulada, não contém factos que preencham o elemento subjectivo do crime em causa. Para o seu preenchimento, ao contrário do que alega o assistente na conclusão n.º 1, não é suficiente que o autor saiba que está a dirigir palavras e expressões cujo significado ofensivo do bom nome e consideração do ofendido conhece e mesmo assim as profere. Ou seja, o preenchimento do elemento subjectivo não se basta com a descrição da materialidade dos factos integradores do crime. É necessário que sejam alegados os factos donde o mesmo se possa retirar
Trata-se de uma questão que não é pacífica, havendo decisões dos tribunais superiores e nomeadamente das Relações quer num sentido, quer noutro, como nos dá conta Vinício Ribeiro, no Código de Processo Penal, notas e comentários, 1.ª edição, pág. 645 e 646, no qual faz a citação de vários arestos sobre ambas as correntes.
Quanto a nós, como já acima foi assinalado, entendemos que na acusação (ou no requerimento de abertura de instrução, quando for o caso) devem constar os factos consubstanciadores do dolo. Para além do mais porque não existem presunções de dolo, não sendo possível afirmar-se a sua existência simplesmente a partir dos factos materiais.
Questão diferente é a da prova do dolo, que pode ser feita com recurso ao conjunto da demais matéria de facto provada, conjugada com o princípio da normalidade das coisas e bem assim com as regras da experiência comum.
É verdade que no pedido de indemnização cível formulado contra a arguida o assistente alegou que “As injúrias e ameaças que lhe foram proferidas foram intencionais pois visaram propositadamente ofendê-lo na sua honra e dignidade bem como causar-lhe medo e pânico a si e à sua família com quem reside na casa, propriedade da arguida”, facto este que, com alguma boa vontade, sempre poderia ser considerado como integrador do elemento subjectivo do crime de injúria. Em todo o caso, insuficiente. Acontece que, como acima foi referido, tal facto foi alegado no pedido cível propriamente dito, no qual se alegaram os danos, para o assistente, resultantes da actuação da arguida, e não na acusação, e se é certo que a acusação e o pedido cível foram formulados numa única peça processual, tal como previsto na 1.ª parte do n.º 1 do art. 77.º do C. P. Penal, também é certo que não se confundem, não podendo os factos alegados neste ser considerados como integrando a acusação, ao contrário do que acontece com os factos alegados nesta relativamente àquele. Isto porque o pedido cível se funda na prática de um crime.
No despacho em que declarou acompanhar a acusação particular quanto ao crime de injúria, o M.º P.º articulou os factos integradores do elemento subjectivo deste crime. Podia fazê-lo? Entendemos que não. Ou pelo menos que não podem ser levados em conta na decisão instrutória para efeitos de colmatação de uma falha da acusação.
Vejamos.
Dispõe o n.º 4 do artigo 285.º do C. P. Penal que o Ministério Público pode, nos cinco dias posteriores à apresentação da acusação particular, acusar pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles.
Nos termos da al. f) do artigo 1.º do C. P. Penal, constitui alteração substancial dos factos aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
Os factos articulados pelo M.º P.º no seu despacho em que declara acompanhar a acusação particular constituem uma alteração substancial dos factos. Na verdade, os factos constantes da acusação particular, por si sós, quanto ao crime de injúria, não integram a prática deste crime ou de qualquer outro. Só passam a constituí-lo com os factos articulados pelo M.º P.º. Assim sendo, mesmo que a arguida fosse submetida a julgamento apenas com os factos que lhe foram imputados na acusação particular, quer por força do recebimento da acusação, quer por força de uma decisão instrutória, no caso de ter sido formulado requerimento de abertura de instrução, sempre o resultado seria a sua absolvição. Com a introdução na decisão instrutória dos factos articulados pelo Ministério Público já assim não aconteceria: no caso de virem a ser provados em sede de julgamento, juntamente com os articulados na acusação, a consequência seria a condenação da arguida.
Embora a al. f) do art. 1.º do C. P. Penal classifique como alteração substancial dos factos aquela que tem por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis e com a introdução dos factos articulados pelo M.º P.º não esteja propriamente em causa a imputação de um crime diverso do que consta da acusação ou a agravação das sanções aplicáveis, a situação não pode deixar de se equiparar à da previsão da al. f) e, consequentemente, de se enquadrar na previsão desta disposição legal. É que, tal como constam da acusação, os factos imputados à arguida não integram a prática de qualquer crime, designadamente do crime de injúria. Trata-se de factos inócuos para efeitos da pretendida condenação da arguida. Com o acrescento feito pelo M.º P.º já assim não acontece, uma vez que passam a integrar a prática de um crime.
Neste sentido, Ac. RP de 18/12/2002, CJ, XXVII, tomo V, pág. 215, de cujo sumário consta que “Há alteração substancial dos factos constantes da acusação particular, se os aí descritos, só por si, não integram qualquer crime, passando a integrá-lo com os factos acrescentados pelo MP.”
Alega o assistente que a lacuna da acusação pode ser colmatada em sede de julgamento através do cumprimento do disposto nos arts. 358.º ou 359.º do C. P. Penal. Não tem razão. É que tais artigos não têm a finalidade de colmatar as falhas constantes da acusação ou da decisão instrutória, no caso de ter sido requerida a abertura de instrução, tendo antes em vista acautelar a situação de uma alteração não substancial ou substancial dos factos verificada no decorrer da audiência de julgamento. Se se atendesse esta pretensão do assistente, estar-se-ia a fazer depender o sucesso da acusação ou da pronúncia, em sede de julgamento, do acordo do M.º P.º, do assistente e do arguido, nos termos do n.º 2 do art. 359.º, quanto ao julgamento por factos não constantes daquelas peças processuais
O prosseguimento dos autos para julgamento sem que da acusação ou da decisão instrutória constassem todos os factos integradores do crime imputado à arguida implicaria a prática de actos inúteis, pois a mesma, a menos que não houvesse oposição da sua parte quanto à inclusão de factos novos na matéria de facto provada, designadamente os referentes ao elemento subjectivo do crime por que foi acusada, o que não é crível que, segundo a normalidade das coisas, viesse a acontecer, teria necessariamente de ser absolvida, por os factos constantes da acusação particular não preencherem todos os elementos constitutivos do crime de injúria.
A acusação é assim manifestamente infundada.
Dispõe o n.º 1 do art. 308.º do C. P. Penal que se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido; caso contrário, profere despacho de não pronúncia. Consta da decisão de não pronúncia da arguida que a mesma foi proferida em conformidade com o disposto no art. 308º, n.º 1, do C. P. Penal, ou seja com o fundamento de que até ao encerramento da instrução não foram recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que de depende a aplicação à arguida de uma pena ou de uma medida de segurança. Bem vistas as coisas, porém, verifica-se que a decisão não foi proferida com base em tal fundamento, mas antes com base numa falha da acusação particular, nos termos supra referidos, falha esta que tem como consequência a nulidade da acusação, nos termos do n.º 3, al. b), do art. 283.º do C. P. Penal, aplicável ex vi n.º 2 do art. 285.º do mesmo código. O que significa que o despacho de não pronúncia não foi proferido por a acusação ser manifestamente infundada – art. 311.º, n.ºs 1, al. a), e 3, al. a), do C. P. Penal – mas com fundamento na sua nulidade.
Como acima foi referido, a arguida, notificada da acusação particular, invocou a sua nulidade em requerimento autónomo, ao contrário do alegado pelo assistente – foi notificada da acusação particular no dia 22 de Maio de 2009, tendo o requerimento em que arguiu a nulidade sido junto ao processo no dia 4 de Junho do mesmo ano, como se pode verificar de fls. 196 a 199 v.º dos autos. Ou seja, no décimo dia posterior ao da data da notificação (23 de Maio, sábado; 24 de Maio, domingo). Dentro, portanto, do prazo que tinha para o fazer, já que, não se tratando de qualquer das nulidades expressamente previstas no art. 120.º do C. P. Penal nem havendo prazo especial, a nulidade tinha de ser arguida no prazo de 10 dias, nos termos do art. 105.º, n.º 1, do C. P. Penal.
Não tendo sido proferida decisão sobre o requerimento em que a arguida, autonomamente, invocou a nulidade da acusação particular, devia o processo ser remetido à 1.ª instância a fim de sobre o mesmo ser proferida decisão, ficando deste modo prejudicado o conhecimento do recurso. Acontece que a arguida, no requerimento de abertura de instrução, voltou a arguir tal nulidade, tendo-se a decisão instrutória pronunciado sobre a mesma nos termos supra referidos, assim permitindo que este tribunal se pronuncie, também, sobre tal questão, tornando-se, desta forma, desnecessária a remessa dos autos à 1.ª instância para o referido efeito.
Assim, embora com fundamento em disposição legal diferente da invocada na decisão recorrida, confirma-se esta e, em consequência, nega-se provimento ao recurso.
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Deste modo, nega-se provimento ao recurso.
Condena-se o assistente na taxa de justiça que se fixa em 6 (seis) UC.
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Porto, 2010/11/03
David Pinto Monteiro
José João Teixeira Coelho Vieira