Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0812897
Nº Convencional: JTRP00041516
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: PENA ACESSÓRIA
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO
CARTA DE CONDUÇÃO
Nº do Documento: RP200807090812897
Data do Acordão: 07/09/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 539 - FLS 177.
Área Temática: .
Sumário: A falta de carta de condução não obsta à aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor a condenado por crime de condução em estado de embriaguez.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO (Tribunal da Relação)
Recurso n.º 2897/08
Processo n.º …/07. 3PAESP
Em conferência na 1.ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto
RELATÓRIO
1- No ..º juízo do Tribunal Judicial de Espinho, no processo acima referido, o arguido B………., com os demais sinais dos autos, foi julgado e condenado nestes termos:
- pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso de um crime de condução de veículo sem habilitação, p. e p. pelo artigo 3º, nº 2 do D.L. nº2/98, de 3.01, conjugado com os art. 121º e 122º, ambos do C.Estrada, e um crime de condução de veículo em estado de embraiguez, p. e p. pelo art. 292º, nº 1 do CodPenal: a pena de três (3) meses de prisão, pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez; a pena de nove (9) meses de prisão, pela prática do crime de condução sem habilitação legal; em cúmulo jurídico, na pena única de 7 meses de prisão, suspensa por 3 anos
- absolvido o arguido do pedido de condenação na pena acessória de inibição de conduzir.

2- Inconformado, recorreu o Ministério Publico, tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte:
No caso dos autos, atendendo aos antecedentes criminais que constam do seu C.R.C., entendemos ter ficado demonstrado que o arguido não interiorizou a gravidade das suas condutas, pois que as penas aí aplicadas não se revelaram suficientes por forma a dissuadi-lo da prática de futuros crimes.
De facto, pelas sucessivas condenações infligidas ao arguido o mesmo revela uma personalidade perniciosa aos valores de convivência em sociedade e que a nova recidiva mostrou a ineficácia das penas que lhe foram já aplicadas (penas de multa e pena de prisão suspensa na sua execução).
Ressalta, da análise do certificado de registo criminal do arguido, a prática pelo mesmo deste tipo de factos, sendo que foi já também condenado por uni crime de condução perigosa de veículo rodoviário, tendo já o Tribunal, na última condenação feito um juízo de prógnose favorável e suspendeu a execução dessas penas. Contudo, e não obstante, o arguido persiste em adoptar condutas ilícitas, designadamente, em conduzir veículos automóveis sem previamente se habilitar para o efeito, e como se tal não bastasse, em fazê-lo sob o efeito do álcool.
Conclui-se que o juízo de prógnose favorável ao arguido encontra-se absolutamente gorado, pois que B.......... continuou a adoptar uma conduta censurável, frustrando todas e quaisquer expectativas de reintegração e demonstrando que a advertência da condenação não teve para si qualquer efeito, sendo muitas e prementes as exigências de prevenção geral, não se compadecendo, neste caso concreto, com uma simples ameaça de pena de prisão, sendo que tais finalidades só serão perfeitamente garantidas se ao arguido for aplicada uma pena de prisão efectiva.
O artigo 69°, n° 1, alínea a) do CódPenal impõe a aplicação da proibição de conduzir ao condutor condenado por crime de condução de veículo em estado de embriaguez. Tal proibição tem natureza de pena acessória, manifestando-se numa censura complementar pelo crime principal praticado, desde que tal cominação se encontre justificada pela gravidade do ilícito e pela culpa do agente.
Assim, pelos 2 crimes deve ser fixada a pena em 3 meses de prisão, a cumprir em dias livres, e deve ser fixada a pena acessória de 4 meses de proibição de conduzir veículos motorizados

3- Nesta Relação, o Exmo PGA, diz, em resumo: o recurso é manifestamente improcedente porquanto que pede uma pena de prisão de 3 meses, quando o arguido foi condenado em duas penas de 3 e 9 meses, além de que a sanção acessória pressupõe a titularidade da carta da condução; mas a sentença é nula porquanto é completamente omissa quanto à escolha da concreta pena única, ignorando que a pena parcelar mais alta é de 9 meses de prisão e fixa a pena única em 7 meses

4- Foi colhido o visto legal e teve lugar a conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
Os factos
Na 1.ª instância foram dados como provados os factos seguintes:
1. No dia 07 de Maio de 2007, cerca das 02 h 07m horas, na Rua .., em Espinho, o arguido conduzia o automóvel ligeiro de passageiros, marca Citroen, modelo .., matrícula ..-..-AE, com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos 1,68 g/l, correspondente à TAS de 1, 82 g/l, registada, deduzido o valor do erro máximo admissível.
2. Ao proceder conforme o descrito tinh ao arguido perfeito conhecimento de que não podia circular, na via pública, conduzindo o mencionado veículo, sob a influência do álcool, mas não obstante essa cognição, ingeriu, antes de iniciar a condução, bebidas alcoólicas necessárias e suficientes para acusa e a supra referida taxa de alcoolémia.
3. Além disso, o arguido não é possuidor de carta, licença de condução ou qualquer outro documento que o habilitasse à condução do referido veículo.
4. Ao assim proceder bem sabia o arguido que só poderia conduzir automóveis na via pública desde que fosse titular de carta de condução.
5. Ao assim proceder bem sabia o arguido que só poderia conduzir automóveis na via pública desde que fosse titular de carta de condução.
6. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
7. Confessou integralmente e sem reservas os factos;
8. O arguido é corticeiro, mas encontra-se actualmente desempregado, e aufere a quantia mensal de 400,00 Euros a título de subsídio de desemprego;
9. O arguido vive sozinho em casa arrendada, e paga de renda a quantia mensal de 125,00 euros.
10. O arguido tem uma filha menor e dá-lhe a título de alimentos a quantia mensal entre 40,00 a 60, 00 euros.
11. O arguido foi em 13-11-2000 condenado no âmbito do processo nº …/2000 do .º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 800$00, pela prática do crime de condução ilegal de veículo automóvel, p. e p. pelo art. 121º do C. Estrada e pelo artº 3º do Dec Lei 2/98., de 3/1, praticado em 03-07-1999.
12. O arguido foi, em 30-01-2003, condenado no âmbito do processo nº ../03.8GAVFR do .º Juizo Criminal do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de 2,50 euros, pela prática do crime de condução em estado de embriaguez, e na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 2,50 euros, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 292º do C. P. e pelo art. 3º do Dec Lei 2/98., de 3/1, praticado em 19-01-2003, em cumulo jurídico na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 2,50 euros.
13. O arguido foi, em 18-06-2003, condenado no âmbito do processo nº …/02.9GAVFR do .º Juizo Criminal do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, no cumulo jurídico na pena de 28 meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de 3 anos, pela prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291, art. 3º, nº 1 e 2 do Dec Lei 2/98., de 3/1, e art. 4º, nº 1 e 2 do C.P.; um crime de coacção, p. e p. pelo art. 154º, nº 1 do C.P.; um crime de condução sem habilitação legal , p. e p. pelo art. 3º do Dec. lei 2/98, de 3/1 ; resistência e coacção sobre funcionário, p.e p. pelo art. 291º, nº 1, al. b), art. 3º, nº 1 e 2 do Dec. Lei nº 2/98, praticado em 20/09/2002.
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O direito
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pela recorrente, extraídas da motivação apresentada, cabe agora conhecer das questões ali suscitadas.
Pede o recorrente, em primeiro lugar, que pelos 2 crimes pelos quais foi condenado o arguido deve ser fixada a pena em 3 meses de prisão, a cumprir em dias livres, isto por não se mostrar bastante a pena de prisão suspensa na sua execução.
Como bem refere o Exmo PGA, o pedido é ininteligivel, pois que tendo sido o arguido condenado em duas penas (de 3 meses e 9 meses de prisão), correspondentes a dois crimes, e tendo o cúmulo jurídico sido fixado em em 7 meses de prisão suspensa, não se percebe, face ao disposto no art. 77.º-2 do CodPenal, que manda fixar como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, como se pode estabelecer em 3 meses a pena de prisão.
Esta pretensão é completamente inviável atento o referido.
Ora, entende-se que o recurso é manifestamente improcedente, nos termos a que alude o nº 1 do art. 420º do CódProcPenal, quando, numa análise necessariamente perfunctória a que se procede no exame preliminar, se pode concluir, face à alegação do recorrente, à letra da lei e às posições jurisprudenciais sobre as questões suscitadas, que aquele recurso está votado ao insucesso, que é evidente a sua inviabilidade (cfr. os acs. do STJ de 20/10/2005, 11/01/2006 e 6/04/2006, todos publicados em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. nº 05P2886, 05P4002 e 06P1167). Ou, como também refere o acórdão do STJ de 1/03/2000 (no endereço citado, proc. nº 00P012), «quando, através da sua avaliação sumária, se puder concluir, sem margem para dúvidas, que, por serem os seus fundamentos inatendíveis, está votado ao insucesso». E, sendo o recurso manifestamente infundado, como escreve Prof. Germano Marques da Silva, não há razão para prosseguir para a fase seguinte (Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª edição, Editorial Verbo, p. 359). E isto quer se trate de razões de forma ou de fundo (de mérito) --- Ac STJ, de 9-2-2000, proc. 1161.

Uma segunda questão, também suscitada pelo Emo PGA, tem a ver com a pretensão manifestada pelo recorrente de ao arguido ser aplicada a sanção da proibição de conduzir ao arguido condenado por crime de condução de veículo em estado de embriaguez. É que, segundo o Exm PGA, e também de acordo com o entendimento da sentença recorrida, tal sanção não é possível porque o arguido não tinha carta de condução.
Verdadeiramente, não se trata de uma situação de manifesta improcedência, nos termos antes referidos, mas de uma situação de discordância em relação à interpretação-aplicação da lei feita pelo recorrente, ou, se se preferir, de uma dissenção em relação à interpretação da lei. Pois tudo depende de se entender que para ser decretada aquela medida acessória o arguido tem necessáriamente de ter título que o habilite a conduzir, ou se, independentemente de tal título, se pode sempre decretar aquela sanção acessória quando esteja em causa um dos crimes enunciados no art. 69.º do CodPenal.
Como veremos de imediato, a questão não é de tão evidente clareza e certeza quanto o enuncia o digno parecer, sendo a mesma objecto de controvérsia na nossa jurisprudência.
Sumáriamente diremos, contra alguma outra jurisprudência, que a falta de carta de condução não obsta, nem pode obstar, a que o agente seja condenado em proibição de conduzir veículos motorizados nos termos do artigo 69.º-1, a) do CódPenal, pois que a lei, em tal normativo, não estabelece distinção entre condutores habilitados ou não habilitados com tal título, e admite a possibilidade de aplicação da medida a quem não esteja habilitado ao impedir, no artigo 126.º -1-d) do Código da Estrada, a obtenção desse título a quem esteja a cumprir inibição de conduzir. E que assim, após a recente alteração levada a cabo ao CodPenal pela Lei 59/07, de 4/09, fica sem se perceber muito bem a manutenção e vigência do disposto naquele art. 126º, nº 1, al. d) do CodEstrada, que prevê como requisito para a obtenção da licença de condução o «não estar a cumprir proibição ou inibição de conduzir…».
Diz Germano Marques da Silva (Crimes Rodoviários, Pena Acessória e Medidas de Segurança, pág. 32 e nota 54): «a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pode ser aplicada a agente que não seja titular de licença para o exercício legal da condução; o condenado fica então proibido de conduzir veículo motorizado, ainda que entretanto obtenha licença» e que «diferentemente quando for aplicada a medida de segurança de cassação e o agente não seja titular de licença, caso em que ao agente não pode ser concedida licença durante o período de interdição», pois «a proibição de conduzir veículo motorizado não pressupõe habilitação legal». Também S.Santos e L. Henriques lembram que «na Comissão Revisora a consagração da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados... foi referida como correspondendo a uma necessidade de política criminal. A sua necessidade, mesmo para os não titulares de licença de condução, foi justificada para obviar a um tratamento desigual que adviria da sua não punição, tendo-se procurado abranger essa hipótese com a redacção dada ao nº 3 (...) mesmo no caso da falta de licença, a sanção não será inútil, já que ficará fazendo parte do cadastro do condenado, poderá, se vier a habilitar-se no prazo, ser aplicável efectivamente e é-o sempre também em relação aos veículos cuja condução exija aquela licença» (Cód.Penal Anot., 1995, pág. 541).
Será, pois, mais razoável e justo que aquela proibição de conduzir abranja tanto aquele que tem título de condução como aquele que o não possui e, em qualquer caso, ocorre privação do direito de conduzir. Simplesmente, se tal restrição não abranger as pessoas que não tenham título de condução, ficam as mesmas, sem justificação legal e razoável, beneficiadas frente aos que cometem um delito contra a segurança rodoviária e que tenham um titulo habilitante de conduzir
(No sentido do exposto, entre outros: Ac RPorto, de 1-10-2001, proc. 0111526, www.dgsi.pt; Ac RPorto, de 20-12-2006, proc. n.º 0644417, www.dgsi.pt; Ac Rlisboa, de 26-9-2007, proc. 5103/2007-3, www.dgsi.pt; G.Marques da Silva, Crimes Rodoviários, pág. 32.).

Finalmente, a sentença recorrida incorre num erro na aplicação do direito quando condena o recorrido numa pena de 3 meses de prisão (pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez), e na pena de 9 meses de prisão (pela prática do crime de condução sem habilitação legal), concluindo depois por condenar o mesmo recorrido, em cúmulo juridico, na pena única de 7 meses de prisão, suspensa por 3 anos. Porque, como vimos, face ao disposto no art. 77.º-2 do CodPenal, há que fixar como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, ou seja, a pena única nunca poderá, no caso em apreço, ser inferior a 9 meses de prisão.

Considerando o passado criminal do arguido em matéria de crimes estradais (com uma condenação anterior por condução com álcool e duas anteriores condenações por conduzir sem habilitação legal), realçando-se assim a forte exigência de prevenção especial, acentuando-se a necessidade de prevenção geral dada a grande ocorrência deste tipos de crimes por que o arguido foi condenado, atendendo ao grau de alcoolémia (com uma acentuada ilicitude), considera-se oportuno fixar a pena unitária em 11 meses de prisão, mantendo-se as penas parcelares fixadas na sentença recorrida. A esta pena unitária acresce a sanção acessória da proibição de conduzir veículos com motor, que, atentos os factores referidos, se fixa em 5 meses.
Mantem-se a suspensão da execução da pena de prisão porquanto o arguido é pessoa socialmente inserida e, não obstante o seu passado em matéria de infracções rodoviárias, é de crer que a simples ameaça da pena de prisão será bastante para servir de correcção e de prevenção de futuras condutas deste tipo
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DECISÃO
Pelos fundamentos expostos:
I- Rejeita-se, por manifestamente improcedente, o recurso quanto à alteração da pena de prisão.

II- No mais julga-se procedente o recurso e assim condena-se o arguido:
- pela prática um crime de condução de veículo sem habilitação, p. e p. pelo artigo 3º, nº 2 do D.L. nº 2/98, de 3.01, conjugado com os art. 121º e 122º, ambos do C.Estrada, na pena de nove (9) meses de prisão;
- pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, nº 1 do CodPenal, na pena de três (3) meses de prisão.
Em cumulo jurídico, na pena única de 11 (onze) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 11 (onze) meses.
- condena-se o mesmo arguido na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 ( quatro ) meses

III- Sem taxa de justiça
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Tribunal da Relação do Porto, 09-07-2008
Jaime Paulo Tavares Valério
Luís Augusto Teixeira