Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0633332
Nº Convencional: JTRP00039358
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: EMPREITADA
CADUCIDADE
Nº do Documento: RP200606290633332
Data do Acordão: 06/29/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: LIVRO 676 - FLS. 86.
Área Temática: .
Sumário: I- Estabelecendo o Cód. Civil, nos arts. 1220º, nº1, 1224º e 1225º, prazos de caducidade, e não de prescrição, para a denúncia dos defeitos da obra e para o exercício dos direitos que são conferidos ao comitente nos arts. 1221º e segs., os mesmos não estão sujeitos à interrupção nem à suspensão (artº 328º) e só poderão ser impedidos (artº 331º).
II- Embora o artº 1225º do CC respeite à empreitada, com a entrada em vigor do DL 267/94, de 25.10 os prazos naquele previstos passaram a aplicar-se, também, à compra e venda de coisa imóvel defeituosa - destinada, portando, a longa duração--, a fim de se exigir a indemnização ou a eliminação ou reparação dos defeitos existentes, sendo inaplicáveis os prazos previstos nos arts. 916º e 917º do mesmo Código.
III- O reconhecimento do direito, impeditivo da caducidade tem de ser expresso e concreto, de forma a que não subsistam dúvidas de que o devedor aceitou o direito alegado pelo credor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO:

No ….º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real, B…….. e mulher C…….., instauraram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra D…….., Ld.ª, com sede na Rua ….., n.º …., Gulpilhares

Pedem:
Que a ré seja condenada a eliminar os defeitos de construção enunciados na petição inicial e a indemnização, em execução de sentença, pelos danos patrimoniais sofridos.

Alegam que:
- Adquiriram à ré, por compra, efectuada através da competente escritura de 1 de Setembro de 2000, uma fracção autónoma, por esta construída;
- tal fracção destina-se à sua habitação própria e permanente;
- desde 2001 começaram a manifestar-se determinados defeitos.
- desde 2001 os autores por si e através da administração do condomínio solicitaram à aqui ré, por diversas vezes que assumisse as suas responsabilidades, enquanto entidade construtora do referido prédio.

A ré apresentou contestação invocando a caducidade do direito dos autores a reclamar a reparação dos aludidos defeitos e impugnando, quanto ao mais, a matéria vertida na petição inicial.

A autora replicou, defendendo a improcedência da excepção de caducidade arguida pela demandada.

No despacho saneador foi julgada procedente a excepção da caducidade e, em consequência, absolvida a ré “D………, Ld.ª” do pedido efectuado pelos autores.

Inconformados, recorreram os autores, apresentando alegações que rematam com as seguintes

CONCLUSÕES:
“A - Não podem os recorrentes conformar-se de maneira alguma com o despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz a quo, de fls. 90 e seguintes, pelo que se impõe o presente recurso.
B - Com a propositura da presente acção pretendem os autores obter por parte da ré a reparação dos defeitos de que padece o imóvel por si adquirido a esta e por esta construído, bem assim que lhes seja pague indemnização por danos patrimoniais.
C - Os autores adquiriram à ré, por compra, efectuada através da competente escritura pública de compra e venda datada de 1 de Setembro de 2000, a fracção autónoma por esta construída e a acção deu entrada em Juízo em 26 de Agosto de 2005.
D - Ou seja, a acção deu entrada no tribunal antes de decorridos cinco anos após a venda.
E - Ao presente caso aplica-se o regime do artigo 1225 do Código Civil.
F- Mas ainda que se considere que o regime aplicável ao caso em apreço é o constante do artigo 916° do Código Civil, sempre terá o comprador o prazo de um ano a contar da data do conhecimento do defeito para efectuar a respectiva denúncia ao vendedor, devendo sempre a mesma ter lugar dentro do prazo de cinco anos.
G - Pelo que se dúvidas houvesse ( que não há e só à cautela se considera), só seriam se a denúncia ao vendedor foi feita dentro do prazo de um ano a contar da data do conhecimento do defeito.
H - E sobre a Ré que recai o ónus da prova de que os prazos legais, já haviam decorrido, o não se encontra provado nos autos.
I - Assim quer se considere o regime do artigo 1225° do Código Civil ou o regime do artigo 916° do mesmo diploma legal, só poderia e deveria o Meritíssimo Juiz considerar improcedente a excepção da caducidade invocada.
J - Ou se assim não quisesse desde logo entender o Meritíssimo Juiz, então o conhecimento e decisão da invocada caducidade porque dependente da apreciação de factos que foram impugnados, e como tal constituem matéria controvertida entre as partes, deveria ter-se abstido de apreciar a mesma no despacho recorrido e relegar o seu conhecimento e decisão para a sentença.
L - O Meritíssimo juiz interpretou incorrectamente as normas aplicáveis.
M - Teria e deveria o Meritíssimo Juiz que proferir despacho saneador, onde seleccionasse a matéria de facto, relegando quando muito, por falta de elementos, a questão da caducidade para final.
N - Pelo que o despacho recorrido deve ser revogado, e substituído por outro onde seja seleccionada a matéria de facto a provar.

Nestes termos, nos melhores de direito,
Com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido, no sentido formulado pelo agora recorrente.”

Contra-alegou a ré/apelada, sustentando a improcedência da apelação.

Foram colhidos os vistos.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. AS QUESTÕES:
Tendo presente que:
- O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

a única questão a resolver consiste em saber se deve, ou não, proceder a excepção da caducidade do direito de acção dos autores, invocada pela ré.

II. 2. OS FACTOS:

No Tribunal a quo foram considerados provados, “Documentalmente e por acordo das partes”, os seguintes factos:
1) Os autores adquiriram à ré, por compra, efectuada através da competente escritura pública de compra e venda datada de 1 de Setembro de 2000, uma fracção autónoma, por esta construída - documento que se mostra a fls. 9 e ss. dos autos;
2) Tal fracção destina-se à sua habitação própria e permanente;
3) Desde 2001 começaram a manifestar-se manchas de humidade nas superfícies das paredes da fracção nomeadamente nos quartos de dormir do alçado voltado a norte.
4) Perante tais anomalias, os autores por si e através da administração do condomínio, solicitaram à aqui ré por diversas vezes desde 2001 que assumisse as suas responsabilidades, enquanto entidade construtora do referido prédio.
5) A presente acção deu entrada em Juízo em 26 de Agosto de 2005.

III. O DIREITO:

Vejamos, então, a questão suscitada pelos apelantes: da caducidade do direito de acção dos autores.

Antes de passarmos ao fundo da questão propriamente dita - dos normativos legais aplicáveis ao caso sub judice--, cremos ser útil definir o conceito de caducidade aqui em aplicação, em contraposição com a prescrição.
Assim, enquanto a prescrição é e forma de extinção de direitos subjectivos que opera quando não sejam actuados durante determinado lapso de tempo fixado por lei (Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1979-789), caducidade é a extinção automática do contrato, como mera consequência de algum evento a que a lei atribui esse efeito. O contrato resolve-se ipso jure, sem necessidade de qualquer manifestação de vontade, jurisdicional ou privada, tendente a extingui-lo (Galvão Telles, Contratos Civis, 45 e Pires de Lima e A. Varela, C.C.Anot., 2º, 314).
Na caducidade prevalecem considerações de certeza e de ordem pública, no sentido de ser necessário que, ao fim de certo tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis, estando em causa prazos peremptórios de exercício do direito; na prescrição avulta a ideia de negligência do titular do direito ao não exercê-lo durante certo lapso de tempo tido como razoável pelo legislador (ver Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 1996, págs. 544 e 555).
Baseando-se caducidade e prescrição na inércia do titular do direito e sendo institutos que têm a ver com o tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas, a verdade é que, quando um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição, assim como são aplicáveis ao não uso de um direito as regras da caducidade, na falta de disposição em contrário (art.º 298º n.ºs 2 e 3), pelo que não se encontra regra geral que faça prevalecer o regime da prescrição na falta do da caducidade.

Por outro, logrando a caducidade conferir certeza às situações jurídicas e solucionar com brevidade os conflitos, logo se compreenderá que os prazos a ela respeitantes, incluindo os do direito de acção, devam ser curtos, como normalmente são.
Efectivamente, a existência de prazo curto para a propositura de acções relativas ao exercício de direitos, maxime emergentes de cumprimento defeituoso - como é o caso sub judice-- tem assentado nos seguintes motivos:
- Prevalência da segurança à justiça a fim de evitar indefinição das situações por um período grande, de forma a facilitar a circulação de bens;
- Os direitos devem se exercidos rapidamente, também para não dificultar “a contraprova de posterioridade do vício.

Diga-se, desde já, que o Cód. Civil, nos arts. 1220º, nº1, 1224º e 1225º, estabeleceu prazos de caducidade para a denúncia dos defeitos da obra e para o exercício dos direitos que são conferidos ao comitente nos arts. 1221º e segs. Não foram estabelecidos prazos de prescrição, mas de caducidade, pelo que não estão sujeitos à interrupção nem à suspensão (artº 328º) e só poderão ser impedidos (artº 331º).

Voltando ao caso em apreciação, vemos que por esta acção visam os autores a eliminação dos defeitos da fracção que a ré lhes vendeu.
Efectivamente, a fracção em causa padecia de defeitos, como resulta dos articulados (ut artºs 12º ss da p.i. e 7º e 8º da contestação).
Assim sendo, sem mais delongas, impõe-se ver se é aplicável ao caso (em matéria de prazos para a denúncia dos defeitos e direito de acção) o regime da venda de coisas defeituosas (arts. 916º/917º), ou o regime previsto para a empreitada (artº 1225º).
Desde logo, impõe-se salientar que o legislador português foi original ao marcar dois prazos: um para denunciar o defeito – arts.º 916º, n.º 1 e 1225º, nº2--, outro para intentar a acção judicial – arts.º 917º e 1225º, nº2.
A questão do regime aplicável foi alvo de longa controvérsia como a doutrina e jurisprudência bem patenteiam.
É bom salientar que a ré foi, não só a vendedora da fracção, mas também a sua construtora.
Adiantamos, desde já, que discordamos da sentença, não da decisão final, mas nos normativos aplicáveis, pois temos como aplicáveis, não os prazos dos artsº 916º e 917º, mas os previstos no artº 1225º [Dispõe este normativo:
“(Imóveis destinados a longa duração)
1. Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219º e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.
2. A denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia.
3. Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, previstos no artigo 1221º.
4. O disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado.”
(Redacção do Dec.-Lei 267/94, de 25-10)]

A este propósito, citar o Ac. STJ, de 06.07.2004 (relator Consº Noronha do Nascimento), disponível na Internet, site www.dgsi.pt, onde se escreveu:
“O D.L. nº 267/94 de 25/10, que alterou o disposto nos arts. 916 e 1225 do C.Civil, [....], é de aplicação imediata segundo o disposto no art. 12 nº 2, 2ª parte, tal como já decidimos anteriormente (revista nº 793/99). O D.L. nº 267/94 veio, neste particular, introduzir duas modificações fundamentais: por um lado, sujeitou ao regime do contrato de empreitada (mais favorável para o adquirente – consumidor) o vendedor que tenha sido simultaneamente o construtor do edifício vendido; por outro lado, alargou o prazo de denuncia dos defeitos (quer na empreitada quer na venda de coisa defeituosa) e do subsequente direito de acção judicial, uniformizando tais prazos nos dois tipos contratuais.
Quanto ao primeiro ponto (alteração do artº, 1225), aquele diploma veio seguir a solução há muito proposta por Vaz Serra, e durante muito tempo rejeitada até que as iniquidades da vida social tornaram demasiado patente a justeza da sua posição; assim, o empreiteiro tornou-se responsável pelos prejuízos causados por defeitos na construção de imóveis não só perante o dono da obra mas também perante o terceiro-adquirente, além de o regime legal da empreitada de imóveis poder ser invocado pelo comprador sempre que o empreiteiro tenha sido também o vendedor.
Com esta modificação legal, obstaculizou-se a uma das iniquidades flagrantes e frequentes: o mau empreiteiro, vendia a terceiro o produto defeituoso da sua empreitada e, a seguir, confrontado com o cumprimento defeituoso alijava o regime legal do contrato de empreitada, e invocava – a seu favor – o regime mais favorável da venda de coisa defeituosa.
O segundo ponto – uniformização de prazos quanto aos arts. 916 e 1225 – veio reforçar essa preocupação legal.
Antes do diploma de 1994, o regime do art. 1225 (relativo à empreitada de imóveis de longa duração) era manifestamente mais favorável ao dono da obra do que o dos arts. 916 e 917 (referentes à venda de coisa defeituosa) para o comprador.
Após a alteração legislativa, os prazos tenderam a uniformizar-se, harmonizando-se a tutela dos interesses do comprador e do dono da obra; a própria previsão do nº 4 do art. 1225 sugere a aplicação desta norma, e dos seus prazos, no contrato de coisa defeituosa sempre que o vendedor seja simultaneamente o empreiteiro.”

Assim, portanto, em matéria de caducidade, temos que o período legal da garantia dos imóveis, vendidos ou não por quem os construiu, está previsto na empreitada (artigo 1225ª) e na compra e venda de bens defeituosos - (Artigo 916º).
Ao passo que o artº 1225 confere um prazo de 5 anos, durante o qual o construtor é responsável por eventuais defeitos da sua obra, já o artº
916 - que não distingue móveis ou imóveis--, fixa o prazo de 6 meses para a garantia pela compra e venda de bens defeituosos.
Anote-se que havia quem entendesse que nestes casos de imóveis destinados a longa duração se devia aplicar o prazo de prescrição de vinte anos, estabelecido no artº 309º (cfr. , v.g., L. P. Moitinho de Almeida, Responsabilidade Civil do Construtor-Vendedor do Edifício com defeitos, Portugal Judiciário, IV, 1980, pág. 64).
Mas é claro que tal entendimento era de todo irrazoável, pois sendo o artº 1225º norma especial que pretende ver a situação do empreiteiro rapidamente resolvida, não parecia admissível a aplicação do prazo ordinário que, ainda por cima, é… de prescrição e não de caducidade!

O certo é que com o surgimento do aludido Decreto-Lei 267/94 de 25 de Outubro [Que iniciou a sua vigência no dia 1 de Janeiro de 1995 - pelo que só as aquisições efectuadas a partir desta data beneficiariam do novo prazo de garantia]-- que visou, embora, reformular o regime da propriedade horizontal--, teve lugar uma alteração (substancial) dos aludidos normativos, acrescentando o nº 3 ao artº 916º e os nºs 3 e 4 ao artº 1225º, passando, então, a dispor aquele artº 916º, nº3, que se a coisa vendida for um imóvel, o prazo de garantia passará a ser de 5 anos, devendo a denúncia do defeito ocorrer dentro de 1 ano a contar do seu conhecimento, e alargando-se nos nºs 3 e 4 do artº 1225º o período de 5 anos para a eliminação dos defeitos por parte do construtor, além de se atribuir responsabilidade, dentro do mesmo prazo, ao vendedor do imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado.

Portanto, do exposto se conclui que, embora o artº 1225º não respeite a um contrato de compra e venda, mas a um contrato de empreitada, o certo é que tratando-se de compra e venda de imóvel em que o vendedor tenha sido também quem o construiu, modificou ou reparou ( nº 4 do mesmo artº, na redacção introduzida pelo aludido DL 267/94), é aplicável esse normativo legal, sendo à sua luz que deve decidir-se a questão sub judice atinente à determinação do prazo de caducidade do direito de accionar.

Ou seja, embora o normativo respeite à empreitada, os prazos aí previstos devem aplicar-se, também, à compra e venda de coisa imóvel defeituosa - destinada, portando, a longa duração--, sem a existência de um contrato de empreitada, a fim de se exigir a indemnização ou a eliminação ou reparação dos defeitos existentes (nº3). “Para tal solução apontam, de resto, razões ponderosas, desde a analogia das situações até ao carácter de interesse e ordem pública da responsabilidade do empreiteiro ou construtor, passando pelos efeitos socialmente injustos da aplicação ao comprador do imóvel com defeitos de um curto prazo de caducidade do seu direito de acção com vista à reparação dos mesmos. “ (Ac. RP, de 27.04.2006, in www.dgsi.pt).
E claro está que tratando-se de compra e venda de imóvel em que o vendedor tenha sido também o construtor do prédio, já resulta do aludido nº 4 do artº 1225º que igualmente é aplicável este normativo.

Esta posição não só emerge do aludido normativo legal, como já vem sendo sustentada pela jurisprudência e doutrina [Ver, o Ac. desta Relação acabado de citar e doutrina aí referida, salientando-se Calvão da Silva (Compra e venda de coisas defeituosas, 98), referindo que quando na compra e venda o alienante tenha sido o construtor do imóvel, mas inexiste e apesar de inexistir empreitada entre ele e o comprador, aos defeitos da coisa transmitida deve aplicar-se o regime do art. 1225º e não o do art. 916º. Ver, ainda, o Acs. Rel. Lisb., de 9.4.92, BMJ, 416º-696 e de 31.11.92, Col. Jur., 1995, 5º-127.]

Assim, vemos que neste normativo estão previstos três (3) prazos:
Um de um ano para a denúncia dos defeitos, a contar do descobrimento destes (artigos 1220°, n° 1 ex vi do artº 1225º- nºs 1 e 2); outro de um ano, a contar dessa denúncia, para pedir a indemnização ou a eliminação dos defeitos (nº2); um terceiro de cinco anos, a contar da entrega da fracção, dentro dos quais terá que ser feita a denúncia e proposta a acção de indemnização ou reparação do imóvel (nº1).
Como resultado nº 3 ( resultante da alteração do DL 267/94), tais prazos são aplicáveis também ao direito à eliminação dos defeitos.

Portando, ao contrário do sustentado na decisão recorrida, temos que perante as alterações introduzidas pelo aludido Dec.-Lei nº 267/94, em especial o nº 4, são aplicáveis ao caso sub judice os prazos de denúncia e exercício do direito de acção previstos naquele artº 1225º e não os previstos nos artsº 916º e 917º.
E assim sendo - embora, portanto, com diferente fundamentação, já que na decisão recorrida entendeu-se serem aplicáveis os prazos dos arts. 916º e 917º-- , teve, efectivamente, lugar a caducidade do direito dos apelantes de exigir da ré a eliminação dos defeitos da fracção.
É que, por força do disposto no artº 1225º, nº2, se a denúncia dos defeitos deve ser feita no prazo de um ano a contar do seu conhecimento, também a acção destinada à sua eliminação deve ser propostas no ano seguinte à denúncia (nº3) - ex vi do nº 4.
E a presente acção não foi instaurada nesse período temporal!

Com efeito, assente está que:
- Os autores tiveram conhecimento dos alegados defeitos “desde 2001” ( artº 12º pi e 1º da contestação);
- denunciaram os defeitos à ré “por diversas vezes, desde 2001” ( artº 18º da pi e 2º da contestação);
- porém, só em Agosto de 2005 instauraram a presente acção (fls.2).
Daqui ter caducado o direito de acção dos autores/apelantes.
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Poder-se-ia questionar se teve lugar o reconhecimento do direito dos autores por banda da ré, de forma a poder considerar-se impedida a caducidade.
Porém, não só tal questão não foi suscitada pelos apelantes, como também perante a factualidade alegada pelos próprios autores nos parece jamais poder concluir-se pela existência do reconhecimento do aludido direito.

Com efeito, e desde logo, os autores tão somente alegam que a ré, desde 2001, tem “procedido apenas a alguns trabalhos de reparação” ( artº 19º pi) - referindo no artº 20º tratar-se de trabalhos “escassos”.
Por outro lado, não descriminam quais desses “trabalhos de reparação” fazem parte dos “defeitos” alegados nos arts. 13º a 17º da mesma petição.
Por outro lado, ainda, a ré não alega que tivesse procedido à reparação dos (todos) “defeitos” alegados pelos autores, apenas alega que reparou aqueles “que eram da sua responsabilidade” (artº 7º da contestação) - desconhecendo-se, assim, portanto, desde logo, que “defeitos” foram reconhecidos. E por isso entendemos que jamais se pode concluir do alegado pelas partes que a ré tenha reconhecido o direito dos autores à reparação dos defeitos que alegam.
Tudo vago e impreciso!

Ora, o artº 331º preceitua que, tratando-se de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível - como é o caso presente--, impede a caducidade “ o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido” - devendo salientar-se que se a caducidade pode ser impedida, não pode, no entanto, ser interrompida. O impedimento corresponde à efectivação do direito, não se gerando novo prazo, ficando o direito definido sujeito às disposições que regem a prescrição (Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ 107-233 e 234; Aníbal Castro, A Caducidade, 2ª ed., 144 e 145).

Não é, porém, qualquer atitude do vendedor ou do empreiteiro que pode ser reputada como sendo um reconhecimento do direito impeditivo da caducidade. Ao invés, o procedimento do responsável não pode ser dúbio, mas, sim, perfeitamente claro, de forma a dele se concluir que o cumprimento se apresenta como defeituoso.
É o que entendem, designadamente, Pedro Romano Martinez (Cumprimento defeituoso, a págs. 427 e 428) e João Cura Mariano (Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, pág. 123 [Refere este último autor que se é o empreiteiro quem, de forma inequívoca, reconhece a existência do direito no decurso do prazo de caducidade, mesmo que não pratique os actos equivalentes à sua realização, não há razão nenhuma para manter a protecção a uma situação de incerteza que já não se verifica pelo reconhecimento efectuado.]).

Assim, portanto, não obsta à caducidade a realização de “alguns” - “escassos” - “trabalhos de reparação”, pois não só se desconhece de que “trabalhos” se trata, muito menos vindo alegado que a ré tivesse tomado conhecimento e tenha reconhecido todos os alegados “defeitos” reclamados nesta acção.
Como vimos, o que vem alegado a respeito do reconhecimento do direito dos autores à eliminação dos alegados “defeitos” é vago, impreciso, o que não traduz uma aceitação clara e inequívoca da ré de que a prestação foi, de facto, defeituosamente cumprida e de que lhe assiste o dever de proceder à respectiva reparação.
E, como já explanado supra, o reconhecimento do direito, impeditivo da caducidade, tinha de ser expresso, concreto, preciso, não deixando quaisquer dúvidas sobre a aceitação, pela ré (devedora), dos direitos dos autores (credor), não sendo suficiente a simples admissão vaga ou genérica desse direito (cfr. Ac. do STJ de 25.11.98, BMJ 481-430 e também Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil).

É certo que feita a denúncia pelos autores - que constitui mera condição de que depende o exercício dos direitos dos autores (“dono da obra”) estabelecidos nos arts. 1221º e segs e que, como mera condição, pressupõe o exercício posterior desses direitos (B.M.J.211, pág. 299 e Col. Jur. IX, Tomo I, pág. 236)--, à ré incumbia provar, ou que a mesma ocorreu ultrapassado o prazo de um ano previsto na lei, ou, então, que a acção não foi instaurada no prazo previsto no mesmo normativo legal.
In casu, tal prova logrou-a fazer a ré/apelada.

Assim sendo - embora (repete-se) com fundamentação diferente da seguida na decisão recorrida--, cremos que bem andou o tribunal a quo ao decidir pela procedência da excepção de caducidade, já que à data da instauração da acção estava (há muito) decorrido (sobre a efectivação da denúncia dos alegados “defeitos”) o prazo para tal demanda, previsto no citado artº 1225º.

CONCLUINDO:
Estabelecendo o Cód. Civil, nos arts. 1220º, nº1, 1224º e 1225º, prazos de caducidade, e não de prescrição, para a denúncia dos defeitos da obra e para o exercício dos direitos que são conferidos ao comitente nos arts. 1221º e segs., os mesmos não estão sujeitos à interrupção nem à suspensão (artº 328º) e só poderão ser impedidos (artº 331º).
Embora o artº 1225º do CC respeite à empreitada, com a entrada em vigor do DL 267/94, de 25.10 os prazos naquele previstos passaram a aplicar-se, também, à compra e venda de coisa imóvel defeituosa - destinada, portando, a longa duração--, a fim de se exigir a indemnização ou a eliminação ou reparação dos defeitos existentes, sendo inaplicáveis os prazos previstos nos arts. 916º e 917º do mesmo Código.
O reconhecimento do direito, impeditivo da caducidade tem de ser expresso e concreto, de forma a que não subsistam dúvidas de que o devedor aceitou o direito alegado pelo credor.

IV. DECISÃO:

Termos em que acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes.

Porto, 29 de Junho de 2006
Fernando Baptista Oliveira
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves