Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0630365
Nº Convencional: JTRP00038852
Relator: DEOLINDA VARÃO
Descritores: EXECUÇÃO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Nº do Documento: RP200602160630365
Data do Acordão: 02/16/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: A execução na qual não é possível encontrar bens penhoráveis ao executado deve ser declarada extinta por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide com custas a cargo do executado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B.........., LDª instaurou execução com forma de processo sumário contra C.......... .

Percorrida a tramitação normal, em 15.07.05 a exequente requereu a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Como fundamento, alegou que se mostraram infrutíferas todas as diligências efectuadas nos autos de execução para obter o pagamento da quantia exequenda, sendo desconhecidos bens, direitos ou rendimentos do executado, susceptíveis de penhora.
Aquele requerimento foi indeferido por despacho de 19.09.05, assim fundamentado, em síntese:
Não há inutilidade da lide porque a razão de ser dos presentes autos se reconduz à existência de um crédito e à sua cobrança coerciva e enquanto este crédito subsistir a utilidade dos autos mantém-se; e não há impossibilidade pois a inexistência de bens do executado não prejudica a possibilidade de eles virem a existir em momento posterior.

Inconformada, a exequente interpôs recurso de agravo, formulando as seguintes

Conclusões
1ª – A exequente, ora recorrente, requereu em 15.07.05 que fosse decretada a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide com custas pelo recorrido, tudo nos termos do disposto nos artºs 287º, al. e) e 447º, ambos do CPC. Por despacho de fls. 215 e segs. dos autos, o Mº Juiz a quo indeferiu o requerido, decisão de que ora se recorre.
2ª – “Não logrando o credor/exequente, apesar da sua acção diligente, cobrar o seu crédito, por inexistência de bens penhoráveis no património do executado, ocorre extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, sendo as custas da execução da responsabilidade do executado por ter dado causa à extinção da instância executiva, já que, de outro modo, violar-se-á o princípio da proporcionalidade” – Ac. da RP de 27.06.05, Processo 0552766, na Internet em www.dgsi.pt (no mesmo sentido, vide Ac. da RP de 15.11.04, Processo 0455216, idem).
3ª – No caso concreto, dos elementos constantes dos autos, nomeadamente do resultado das diligências efectuadas, das informações dele constantes e do silêncio a que se remeteu o recorrido sobre tal matéria, resulta objectivamente a inexistência de bens, direitos e rendimentos deste susceptíveis de penhora e que garantam o normal prosseguimento e o sucesso da cobrança coerciva do crédito do recorrente nestes autos, tornando-se pois inútil o prosseguimento dos presentes autos de execução.
4ª – A decisão ora recorrida, ao assim não entender, violou o espírito subjacente ao disposto no artº 287º, al. e) do CPC, o que constitui fundamento bastante para o presente recurso de agravo.
5ª – Objectivamente, o facto que determina a inutilidade superveniente dos presentes autos é, sem dúvida, imputável ao recorrido, na medida em que se trata da sua situação patrimonial actual que torna inútil o prosseguimento dos mesmos para a cobrança coerciva do crédito da recorrente, pelo que é ao recorrido que, atento o disposto na 2ª parte do artº 447º do CPC compete pagar as custas que vierem a ser apuradas uma vez decretada a extinção da instância por inutilidade superveniente da presente lide.
6ª – A decisão ora recorrida, ao assim não entender, violou o disposto naquela disposição legal, o que constitui fundamento bastante para o presente recurso de agravo.

Não foram apresentadas contra-alegações.
O Mº Juiz sustentou o despacho.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.
O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (artºs 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

No presente recurso, a questão a decidir é a seguinte:
- Se a execução na qual não é possível encontrar bens penhoráveis ao executado deve ser declarada extinta por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide com custas a cargo do executado.

Os artºs 916º a 919º do CPC (Diploma a que pertencem todas as normas adiante citadas sem menção de origem, na redacção anterior à entrada em vigor do DL 38/03 de 08.03, aqui aplicável) indicam as principais causas extintivas da instância executiva.
As causas indicadas no artº 916º correspondem aos vários modos de extinção das obrigações exequendas (pagamento, quitação, perdão, renúncia, etc.).
O artº 918º trata a desistência do exequente.
O artº 919º, nº 1 faz referência a outras causas de extinção da instância executiva.
Entre essas outras causas distinguem-se aquelas que são próprias do processo de execução, tais como a anulação, revogação ou substituição da sentença de modo incompatível com a execução, se esta for provisória (artº 47º, nº 2), a procedência de oposição que tiver sido deduzida (artºs 812º e segs.) e a rejeição oficiosa da acusação (artº 820º). E ainda as previstas no artº 287º, desde que não sejam incompatíveis com a natureza e os fins da acção executiva.
As causas de extinção da instância previstas no artº 287º são: a) O julgamento; b) O compromisso arbitral; c) A deserção; d) A desistência, confissão ou transacção; e) A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
Destas últimas, são indubitavelmente aplicáveis ao processo de execução a deserção e a desistência previstas nas als. c) e d) daquele normativo, respectivamente (esta última também especificamente prevista para o processo executivo no artº 918º, como acima se disse).
As previstas nas als. a) e b) e a confissão prevista na al. d) não têm cabimento no processo executivo: não há julgamento, o compromisso arbitral é inadmissível e a confissão é inoperante.
Quanto à transacção também prevista na al. d) tem-se igualmente defendido que a mesma é inadmissível. Lopes Cardoso [“Manual da Acção Executiva”, 3ª ed., pág. 672] entende que o CPC não consente que a execução se extinga por acordo entre o exequente e o executado, conforme permitia o artº 616º da Novíssima Reforma Judiciária.
Lebre de Freitas, [“A Acção Executiva à Luz do Código Revisto”, 2ª ed., pág. 293] defende que a transacção é admissível como forma de extinção da execução por ter um alcance paralelo ao da desistência do pedido.
Este paralelismo entre a desistência do pedido e a transacção suscita-nos algumas reservas, porque, enquanto a desistência do pedido se limita a extinguir a execução, a transacção extingue-a mas também define direitos e obrigações entre as partes e cria um novo título executivo que é a respectiva sentença homologatória. Parece-nos que assim se extravasa do fim da acção executiva que é apenas a efectiva reparação de um direito que já se encontra definido (cfr. artº 4º, nº 3).
Perfilhamos, por isso, a opinião de Lopes Cardoso no sentido da inadmissibilidade da transacção como forma de extinção da execução.

Deixando por ora de lado a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, temos, pois, como formas extinção da execução as seguintes:
1ª - extinção da obrigação exequenda;
2ª - desistência;
3ª - procedência de oposição total;
4ª - rejeição oficiosa da execução;
5ª - anulação, revogação ou substituição da sentença, de modo incompatível com a execução, se esta for provisória;
6ª - deserção.
A extinção da obrigação exequenda pode ser extrajudicial, por qualquer uma das formas de extinção das obrigações previstas no direito substantivo e pode ser extrajudicial através do pagamento coercivo (artºs 872º e 919º), da remição da execução (artºs 916º e 917º) e da consignação em depósito (artº 1032º).

Quanto à impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide prevista na al. e) do artº 287º, tem sido igualmente defendido que aquela forma de extinção não se concebe em relação à execução.
A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide pressupõe a ocorrência de um facto, posterior à entrada em juízo da acção, que extingue os direitos e obrigações cuja existência se discute na acção.
Assim, numa acção declarativa, se a obrigação é cumprida, a lide torna-se inútil porque já não há que definir direitos nem obrigações.
Ora, na acção executiva não se discutem direitos nem obrigações: como já acima se disse, o que se pretende é a reparação efectiva de um direito que já se encontra definido (artº 4º, nº 3).
Por isso, se a obrigação exequenda foi cumprida, a lide não se torna inútil porque a execução alcançou o seu fim. E se a obrigação exequenda não foi cumprida, então a lide não perdeu utilidade porque a execução ainda não atingiu o seu objectivo.
É esta a posição de Lopes Cardoso, [Obra citada, pág. 673] que foi acolhida no despacho recorrido.

Ocorrem, no entanto, algumas situações em que é admissível a possibilidade de a execução se extinguir por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
Uma dessas situações é precisamente aquela em o exequente vê frustradas as suas reiteradas diligências com vista à penhora de bens do executado.
Através da execução pretende-se obter a cobrança coerciva do crédito do exequente, e esta passa, em primeiro lugar, pela apreensão de bens do executado através da penhora; a inexistência de bens torna inviável aquela apreensão e simultaneamente torna inviável a continuação da lide.
Neste caso, a declaração de extinção da instância impõe-se como decorrência de uma situação que passou a impossibilitar a continuação da lide.
A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide nos termos do artº 287º, al. e) tem assim cabimento como causa de extinção da execução, integrando a “outra causa de extinção da instância executiva” prevista na parte final do artº 919, nº 1.
Naquele sentido se têm pronunciado vários autores e tem sido decidido nos arestos mais recentes, designadamente do STJ e desta Relação. [Cfr. Remédio Marques, “Curso de Processo Executivo”, pág. 381, Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, pág. 633 e Lopes do Rego, “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 611; e os Acs. do STJ de 06.06.04, www.dgsi.pt e desta Relação de 15.07.04, 30.05.05, 02.06.05 e 27.06.05, base citada, nºs conv. 37134, 38129, 38146 e 38237, respectivamente, e de 15.11.04, CJ-04-V-173]

Estipula o artº 447º que quando a instância se extinguir por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, as custas ficam a cargo do autor, salvo se a impossibilidade ou inutilidade resultar de facto imputável ao réu, que neste caso as pagará.
Como se lê no citado Ac. de 27.06.05, foi o executado que deu causa à execução na medida em que não procedeu ao pagamento da quantia exequenda, sendo-lhe igualmente imputável a impossibilidade superveniente da lide por inexistência de bens penhoráveis, já que, no mínimo, não angariou os meios necessários à satisfação do crédito exequendo, honrando a dívida assumida, como lhe era manifestamente exigível.
E, como se argumenta no mesmo aresto, a entender-se de outro modo, cairíamos numa situação de manifesta desproporcionalidade, já que, confrontado com a impossibilidade de obter a cobrança do crédito exequendo, o credor arcaria injustificadamente com os custos processuais resultantes da conduta de devedores relapsos, não sendo também exigível que o credor, portador de título executivo bastante, tenha de desenvolver uma actividade particular no sentido de obter uma informação sobre a existência de património do devedor, quando é certo que só o poder público poderá dispor de meios coercivos bastantes e adequados a obter todas as informações pertinentes à averiguação da existência de tal património.

O caso em apreço é precisamente um caso de inexistência de bens penhoráveis do executado após a exequente ter feito as diligências possíveis para os encontrar, pelo que se configura uma situação de impossibilidade superveniente da lide nos termos acima expostos.

Procedem assim as conclusões da agravante, pelo que, no provimento do agravo, o despacho recorrido terá de ser revogado e substituído por outro que julgue extinta a instância nos termos acima mencionados.
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III.
Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao agravo e, em consequência:

- Revoga-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que julgue extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, com custas a cargo do executado.

Sem custas (artº 2º, nº 1, al. g) do CCJ).
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Porto, 16 de Fevereiro de 2006
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Ana Paula Fonseca Lobo
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha