Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
706/11.9TTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: INFRACÇÃO DISCIPLINAR
ESCUTA TELEFÓNICA
INVOCAÇÃO DE DEPOIMENTOS PRESTADOS NOUTRO PROCESSO
Nº do Documento: RP20130710706/11.9TTPRT.P1
Data do Acordão: 07/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A prova por escutas telefónicas está limitada ao processo criminal, não podendo ser usada em processos de outra natureza, designadamente no processo em que se discute infracção disciplinar laboral ainda que consistente nos mesmos factos que integram a imputação criminal.
II - A natureza urgente da acção de impugnação da licitude e regularidade do despedimento não impede as partes de oferecerem, nos limites temporais processualmente definidos, os meios de prova que entenderem adequados à defesa das respectivas posições.
III - Deve por isso deferir-se, salvo manifesta inutilidade ou impertinência, o requerimento de junção de documentos reputados relevantes para a prova dos factos e admitir-se a junção, pela contraparte, dos documentos que a propósito entender oferecer.
IV - Podem ser juntos aos autos os depoimentos prestados por testemunhas noutros processos em que seja parte aquele contra o qual os depoimentos são neste oferecidos, desde que tenham sido salvaguardadas as garantias de defesa da mesma parte no processo em que os depoimentos foram prestados, não sendo porém necessário demonstrar que a parte efectivamente os contraditou, sendo ainda que tal junção é independente do facto da decisão formada sobre tais depoimentos no processo em que foram proferidos ter transitado em julgado.
V - A junção de depoimentos testemunhais prestados noutro processo é tanto mais justificada quanto as testemunhas já tenham também deposto no processo ao qual se pretende a junção, em sentido invocado como diverso daquele em que, no outro processo, ocorreu o depoimento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 706/11.9TTPRT.P1
Apelações

Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 244)
Adjunto: Desembargador João Diogo Rodrigues
Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B…, supervisor de infra-estruturas, residente em Vila Nova de Gaia, veio opor-se ao despedimento promovido em 3.6.2011 por Rede Ferroviária Nacional REFER, E.P.E., com sede em Lisboa, pedindo que seja declarada a ilicitude e irregularidade do mesmo.
Frustrada a audiência de partes, a Ré (assim será doravante designado o empregador) apresentou articulado motivador do despedimento, juntando o procedimento disciplinar em três volumes, apensos por linha, no qual concluiu que o despedimento deve ser declarado lícito, invocando para tanto e essencialmente que, na sequência de procedimento disciplinar regular e válido (comportando nota de culpa e aditamento), se provou que o A. acompanhou o processo de pesagem e recolha de resíduos economicamente valorizáveis que constituíam os lotes .. e .., os quais foram objecto de concurso público, lotes em cujo levantamento pela adjudicatária pertencente ao grupo empresarial de C… actualmente sob prossecução criminal no processo conhecido por D…, o A. – por conhecer os objectivos ilícitos prosseguidos pelo grupo e aceitar colaborar nos esquemas que lhe permitiram levantar resíduos economicamente valorizáveis sem pesagem ou com adulteração da mesma – ter permitido que fossem levantadas quantidades muito superiores às que foram declaradas nos autos de medição, guias de remessa e guias de acompanhamento, lesando a Ré em milhares de euros.

Contestou o Autor (designação doravante aplicada ao trabalhador), por excepção, invocando a invalidade do processo disciplinar, a prescrição do procedimento disciplinar e a caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar, e por impugnação, essencialmente por não lhe competir o destino a dar aos materiais residuais da empresa, só ter tido conhecimento na antevéspera do dia em que iria participar na recolha dos materiais do lote .., o peso deste lote ter sido feito por estimativa, o A. limitar-se a cumprir a mera formalidade de assinar os “mapas de sucata” onde o encarregado de via ia anotando a pesagem ao longo de anos, confiando nos valores que por este encarregado lhe eram apresentados, ter sido apenas incumbido de fiscalizar o acto de carregamento do material, evitando que pudesse ser carregado material não considerado como “sucata”, não ter presenciado a pesagem, à qual assistiram superiores hierárquicos seus, e ter preenchido as guias de remessa de acordo com a quantidade de material que resultou dos talões de pesagem, conforme tal quantidade lhe foi transmitida por outro funcionário, por consulta aos ditos talões. Assim, o A. está convencido de que não foi levantada quantidade superior, sendo certo que no procedimento disciplinar movido ao funcionário encarregado de manter actualizado o registo de quantidades de material usado e resíduos, a Ré afirmou que a conduta do mesmo tornou muito difícil aferir das quantidades efectivamente recolhidas pelas adjudicatárias, ficando precludida a possibilidade de atestar, com o rigor exigido, a veracidade dos pesos insertos nos documentos emitidos na altura da recolha. Por outro lado, foram feitos levantamentos anteriores de material, pela própria Ré, que não foram anotados nos mapas de sucata. Deste modo, a adjudicatária não terá recolhido material em quantidade superior à registada na documentação correspondente, em nada ficando lesada a Ré.
O A. nega as relações e interesses que lhe são imputadas com o grupo de C…, pois que não deu qualquer informação que não fosse pública e que o suposto benefício de um emprego para a filha numa das empresas não se compatibiliza com as características e vicissitudes do mesmo vínculo laboral, e quanto às imputações relacionadas com o lote .., de novo afirma que o peso que a Ré invoca que tal lote tinha não corresponde à verdade. O A. nem sequer esteve presente nos dois dias de carregamento do lote, mas apenas num.
O A. sempre foi um trabalhador exemplar e, quanto à justa causa, invoca que a Ré processou disciplinarmente outros funcionários, sem porém lhes aplicar a sanção máxima, tratando desigualmente o que é igual.
O A. deduziu reconvenção, reproduzindo os fundamentos da contestação, e acrescentando apenas que se sentiu e sente profundamente abalado e consternado, injustiçado e maltratado com o despedimento, vivendo dias extremamente triste e estando imensamente preocupado com o futuro, e conclui pedindo a condenação da Ré a reintegrá-lo, a pagar as retribuições vencidas deste o despedimento até à data do trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida, com desconto de eventuais quantias auferidas a título de subsídio de desemprego, e a condenação da Ré a pagar-lhe 10.000,00 euros de indemnização por danos morais, e finalmente juros de mora sobre todas as quantias.

Respondeu a Ré, esclarecendo os trâmites do procedimento disciplinar de modo a negar as excepções invocadas pelo Autor, e contestando também o pedido de indemnização por danos morais, por falta de verificação dos mesmos e do pressuposto da ilicitude da conduta causal.

Foi proferido despacho saneador tabelar, com dispensa de selecção de matéria de facto assente e controvertida.

O A. veio requerer que o tribunal se pronunciasse sobre a admissibilidade da reconvenção e sobre todos os meios de prova por si requeridos, o que não mereceu qualquer despacho.

Notificados para deporem em julgamento como testemunhas, E… e F…, inspectores da Polícia Judiciária, o Departamento de Investigação Criminal de Aveiro da Polícia Judiciária veio transmitir ao processo o parecer emitido pelo Procurador da República junto do processo 362/08.1JAAVR (D…) no sentido de que os mesmos inspectores estão sujeitos a sigilo profissional que os impossibilita de deporem nestes autos, devendo a autorização para prestar depoimento ser, em primeira linha, decidida pelo Director Nacional Adjunto da Polícia Judiciária que os superintende.
Pelo Mmº Juiz foi proferido o despacho de 26.10.2011 no qual desde logo julgou legítima a escusa a depor dos ditos dois inspectores, despacho do qual não foi interposto recurso.

Após uma suspensão da instância por acordo das partes, e após o reinício do prosseguimento dos autos com marcação de julgamento sobre indicação conjunta das partes, veio a Ré requerer, em 5.12.2011, com os fundamentos mencionados no seu requerimento e em face de dois documentos a juntar posteriormente (e que foram juntos e ficaram apensos por linha, dada a sua extensão), “a suspensão dos presentes autos até que seja julgado o Processo nº 362/08.1JAAVR, que corre os seus termos na Comarca do Baixo Vouga”. No entendimento da Ré, estando o A. a ser julgado como arguido no indicado processo pela prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito e, ainda, de dois crimes de burla qualificada com base nos mesmos factos nos quais a Ré aqui baseia o seu despedimento, mesmo que o processo crime não se apresente em rigor como causa prejudicial, a semelhança das situações deve determinar a suspensão da instância nos termos do artigo 279º nº 1 do CPC, mais que não seja por força de ocorrer “outro motivo justificado”.

Opôs-se o Autor, alegando a independência das causas e notando que justamente no caso concreto, não ocorre outro motivo justificado, dada a complexidade do processo crime, cujo termo se mostra imprevisível.

O tribunal recorrido proferiu então o seguinte despacho: “Requerimento de suspensão apresentado pela R. em 5/12/2011:
Pretende a R. Refer, E.P.E., que a instância da presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento do A. B… seja suspensa até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo criminal nº 362/08.1JAAVR, conhecido por processo “D…”, a correr termos pela Comarca do Baixo Vouga, no qual o A. também é arguido.
Em síntese, funda a Ré a sua pretensão, por um lado, na existência de “causa prejudicial” (arts. 20º do Cód. Proc. Trabalho e 97º do Cód. Proc. Civil) ou, quando assim não se entenda, na existência de “motivo justificado” (art. 279º, nº 1, do C.P.C.).
Contudo e atenta a oposição manifestada pelo A., julgamos não assistir efectivamente razão à R..
Com efeito e quanto ao primeiro dos fundamentos invocados, é corrente na jurisprudência o entendimento de que só existe relação de prejudicialidade entre duas causas quando a decisão a proferir numa dependa em absoluto da decisão a proferir na outra (a prejudicial) ou quando a decisão a proferir nesta retire causa de pedir ou fundamento jurídico àquela.
No caso, a decisão a proferir nesta causa – de apreciação judicial do despedimento do A. pela R. – não depende da condenação ou absolvição do A. no processo criminal, pois que, embora os factos pelos quais o A. foi despedido coincidam em grande parte com aqueles de que está acusado no processo crime – vd. a decisão de pronúncia criminal junta pela R. e autuada por apenso, no que ao A. concerne -, a verdade é que a responsabilidade disciplinar, do A. é distinta da sua responsabilidade criminal: depende da violação de deveres ou valores distintos (no caso, os deveres laborais do art. 128º do Cód. Trabalho) e de uma gravidade também distinta (aqui dependente sobretudo da quebra da relação de confiança, nos termos do art. 351º do C.T.).
Por outro lado e entrando agora no segundo fundamento invocado para a suspensão, temos a considerar que, embora a condenação criminal do A. não possa deixar de ser vista como causa justificativa do despedimento, nem por isso a presente acção deixa de poder proceder, pois que aqui se aprecia, não só a existência ou não de justa causa, mas também a regularidade e licitude do despedimento. De facto e em concreto, o A. invocou vícios do procedimento disciplinar – nulidade por omissão de diligência instrutória, prescrição do procedimento, caducidade do direito a aplicar a sanção – que, a procederem e ainda que houvesse justa causa, implicariam a ilicitude do seu despedimento e, nessa medida, a procedência da acção (cfr. art. 382º do C.T.).
Acresce ainda que a eventual condenação ou absolvição do A. no processo criminal não valeria, mesmo em relação aos factos coincidentes com os deste processo, senão como presunção da sua verificação ou não verificação, não eximindo à necessidade de julgamento nestes autos e à livre apreciação da prova aqui produzida – cfr. arts. 674º A e B do Cód. Proc. Civil.
Por último, não será despiciendo lembrar que o processo criminal implica vários outros arguidos, é um processo extenso, cheio de incidentes e de julgamento prolongado, como refere o A. e se alcança, quer da extensão da decisão instrutória junta pela R., quer da multiplicidade de sessões de julgamento que é do conhecimento público. Tal circunstancialismo denota que, fazer depender a prossecução desta instância do julgamento do processo crime – e, mais, segundo pretende a R., do trânsito em julgado da decisão final – seria contrariar, se não mesmo inviabilizar, o carácter urgente que o legislador conferiu a esta acção especial no art. 26º, nº 1, al. a), do C.P.C..
Termos em que, sem mais delongas, se indefere a suspensão da instância requerida pela R./Entidade empregadora (mantendo-se o julgamento agendado para o próximo dia 13/12/11)
Custas pela R./requerente, com 1 UC de taxa de justiça.
Notifique de imediato.
Junte copia destes despacho ao processo físico e guarde na secção os dois volumes de documentos apresentados pela R. com o requerimento ora indeferido”.

Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação, com subida imediata e em separado, que não foi por então (por ora) admitido com fundamento na não inutilidade do mesmo caso não subisse imediatamente, do que a Ré reclamou, tendo este Tribunal da Relação confirmado a decisão.

Iniciou-se a audiência de julgamento, que decorreu em diversas sessões, intermediadas por vários requerimentos probatórios, junção de documentos e pronúncias, e no decurso da qual o A. declarou optar, em caso de procedência da acção, pela indemnização de antiguidade em substituição da reintegração.
Na sessão de 13.3.2012 a Ré formulou o seguinte requerimento: “Nos termos do disposto no nº 1 do artº. 522º e nº 2 do artº. 523 ambos do CPC, requer-se a junção aos autos de certidão das declarações prestadas por E…, Inspector da Policia Judiciaria e pelo arguido G… no âmbito do processo nº 362/08.1JAAVR que corre sobre termos na Comarca do Baixo Vouga.
A junção aos presentes autos da referida certidão destina-se a provar o alegado nos artigos nº 29º, 34º, 38º, 39º, 40º, 54º e 55º do articulado do empregador.
Antecipando, desde já oposição do autor á junção do presente documento, salienta-se que, tratando-se aqui de depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento publica (publicidade essa que tem protecção constitucional), os mesmos tornaram-se, após e esse facto e em virtude do mesmo, do conhecimento publico, pelo que devem ser levadas em consideração no âmbito da decisão a formar nos presentes autos.
Para evitar violar o selo aposto no envelope que contem o CD com a gravação dos referidos depoimentos, a ré não tem cópias das mesmas, pelo que se requer a V. Exa. que seja o tribunal a efectuar tais cópias, disponibilizando a ré para os efeitos os respectivos CDs.
Mais requer nos termos do nº 2 do 523º do CPC, a junção aos autos de outra certidão extraída dos autos processo-crime supra identificados.
A supra certidão que foi extraída depois do despacho judicial que autorizou a sua utilização fora do âmbito do processo-crime e reproduz as conversas telefónicas havidas entre o autor do presente processo e o Sr. H…, bem como conversas telefónicas entre estes e o Sr. C… nas quais o autor é mencionado.
Por este motivo, e tendo ainda em atenção o teor das referidas conversas telefónicas, entende a ré que o documento cuja junção ora se requer é relevante para prova do alegado nos artº. 39º, 43º, 55º e 56º do articulado do empregador. (…)”

O Autor veio pronunciar-se em requerimento autónomo e, não se opondo à admissibilidade dos documentos, no entanto alegou razões para que os mesmos não fossem relevados.

Seguidamente, o tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho:
“Conhecendo dos requerimentos probatórios da R./Empregadora apresentados na sessão de julgamento de 13/03/2012:
1 – Requereu a R. a junção das declarações prestadas pelo Inspector da Policia Judiciária E… e pelo arguido G… no âmbito do julgamento do processo criminal nº 362/08.1JAAVR que corre termos na Comarca do Baixo Vouga.
Ora, quanto a esse requerimento e independentemente do interesse das declarações em causa para os factos do presente processo que a R./requerente indica (vd. fls. 590), cumpre observar que:
- O referido Inspector da Policia Judiciária, E…, foi arrolado como testemunha para o presente processo, tendo no entanto solicitado escusa a depor por sigilo profissional, o que foi deferido por despacho de 26/10/2011, já transitado em julgado (vd. fls. 165 a 168).
- O art. 522º do Cód. Proc. Civil permite que os depoimentos produzidos num processo possam ser invocados noutro processo, mas desde tenham sido prestados com audiência contraditória da parte, da mesma parte a que sejam opostos e desde que o primeiro processo não tenha sido anulado, na parte relativa à produção da prova invocada. Ora, no caso, o aqui Autor B… – contra quem os depoimentos pretendem ser opostos – não figura na mesma posição processual em que figura no processo-crime – aí como arguido; desconhece-se se exerceu efectivamente o contraditório aquando da prestação dos depoimentos ou se o teria exercido caso soubesse que os depoimentos poderiam contra si ser opostos noutro processo (laboral); e o processo crime ainda não teve qualquer decisão sobre a matéria de facto, muito menos final, antes até havendo noticia, como refere o A. na sua pronúncia sobre o requerimento, de que foi impugnada a produção da prova no processo crime, o que pode envolver a anulação da mesma e, consequentemente, a não atendibilidade dos depoimentos em causa – cfr. o nº 2 do art. 522º do C.P.C..
Por esses motivos e atendendo ainda ao principio da imediação na produção da prova – art. 621º do C.P.C. -, bem como às limitações de apresentação de depoimentos por escrito – cfr. art. 639º do C.P.C. -, decide-se não admitir a junção aos autos dos depoimentos (gravados) em causa.
2 – Requereu ainda a R. a junção de outra certidão extraída do mesmo processo-crime, reproduzindo conversas telefónicas havidas entre o A. do presente processo e o Sr. H…, bem como entre este e o Sr. C….
Quando a este requerimento probatório, fundamenta-o a R./requerente no art. 523º, nº 2, do Cód. Proc. Civil (relativo à apresentação de documentos depois dos articulados).
Contudo, as escutas telefónicas são um meio de prova distinto da prova documental e, mais, um meio de prova que, por envolver violação de direitos fundamentais constitucionalmente garantidos – vd. art. 32º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa -, implica autorização judicial prévia, limitada aos fins e âmbito da investigação criminal – vd. art. 18º, nº 2, da C.R.P..
Como tal e ainda que o processo criminal já esteja numa fase pública, afigura-se-nos que a utilização daquele meio de prova, já de si excepcional, fora ou para além dos fins para que foi autorizado (no âmbito da instrução criminal) seria inadmissível ou abusiva.
Por esses motivos e pelo demais que alega o A. na pronúncia sobre o requerimento – a qual aqui damos por reproduzida (fls. 594 e 595) -, também se decide não admitir a junção aos autos das escutas telefónicas (transcritas) em causa.
Notifique.
Tendo terminado a produção de prova e com vista a evitar mais diligências ou deslocações, notifique os ilustres mandatários para, querendo e em 5 dias, produzirem alegações por escrito – cfr. art. 72º, nº 3, do C.P.T. e arts. 265º e 265º A do C.P.C.”.

Inconformada, interpôs a Ré recurso, formulando a final as seguintes conclusões da sua alegação:
“I. Por requerimento oral apresentado em juízo no dia 13.03.2012, a Ré, ora Recorrente, requereu, com base no artigo 522.º do C.P.C., a junção aos presentes autos das declarações prestadas pelo Inspector da Polícia Judiciária E… e pelo Arguido G… no âmbito do julgamento do processo criminal n.º 362/08.1JAAVR, que corre seus termos na Comarca do Baixo Vouga, para prova do alegado nos artigos 29º, 34º, 38º, 39º, 40º, 54º e 55º do Articulado do Empregador.
II. O Tribunal a quo indeferiu a junção aos autos das referidas declarações, por entender que, não ocupando o aqui Recorrido idêntica posição processual no processo judicial em que tais depoimentos foram prestados, e por não se saber se o mesmo exerceu, efectivamente, naquele processo o seu direito ao contraditório, não se encontravam reunidos os requisitos de que depende a admissibilidade deste meio de prova.
III. Dispõe o n.º 1 do artigo 522.º do Código de Processo Civil que Os depoimentos ou arbitramentos produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 355.º do Código Civil; se, porém, o regime de produção de prova do primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e arbitramentos produzidos no primeiro só valem no segundo como princípio de prova.
IV. Não se exige, pois, contrariamente ao que é alegado no despacho recorrido, que a parte tenha efectivamente exercido o contraditório, bastando que tal possibilidade lhe tivesse sido conferida, dado que o que é essencial é que à parte a quem se pretenda opor um depoimento prestado no âmbito de um outro processo judicial tenham sido concedidas as garantias essenciais de defesa, mormente o direito de exercer o princípio do contraditório, ainda que a parte, no livre exercício do seu arbítrio e da sua liberdade processual, tenha optado por não exercer tal direito.
V. Ora, está suficientemente demonstrado nos autos (sendo, aliás, um facto público e notório), que o Recorrido é, simultaneamente, Arguido no processo crime em referência (comummente designado por “D…”), facto que, aliás, o Tribunal a quo não questionou.
VI. O referido processo crime está a ser julgado num Tribunal Judicial Português, e os depoimentos em causa foram prestados em sede de audiência de discussão e julgamento do processo crime, que é o momento, por excelência, onde o contraditório é exercido, não se podendo, ainda esquecer, que o aqui Recorrido está devidamente representado por mandatário naquele processo, e que este estava presente no momento da tomada de declarações das testemunhas.
VII. Por outro lado, o n.º 1 do artigo 522.º do C.P.C. não exige, sequer, a identidade das partes no processo em que a prova é produzida e naquele em que é invocada. Exige, sim, que a parte contra quem a prova é invocada, isto é, aquela que resulta desfavorecida com o resultado probatório, tenha sido parte no primeiro processo, que é questão bem diversa.
VIII. Em suma: a possibilidade de utilizar como meio de prova num processo judicial o depoimento de uma testemunha que haja sido inquirida num outro processo judicial, depende, somente, de a parte para quem tal depoimento é desfavorável tenha sido parte no processo em que tal depoimento foi produzido (independentemente da posição que nele ocupava) e que tenha tido a possibilidade de exercer o princípio do contraditório (ainda que, efectivamente, o não tenha feito).
IX. Requisitos, esses, que estão clara e indubitavelmente preenchidos no caso em apreço, pelo que as declarações prestadas pelo Inspector da Polícia Judiciária E… e pelo Arguido G… no âmbito do julgamento do processo criminal n.º 362/08.1JAAVR, que corre seus termos na Comarca do Baixo Vouga, constantes de CD gravado pelos funcionários deste Tribunal, deveriam ter sido juntas aos presentes autos.
X. Por assim não ter entendido, o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 1 do artigo 522.º do C.P.C..
XI. Dispõe o n.º 2 do artigo 522.º do C.P.C. que o disposto no n.º 1 (ou seja, a possibilidade de recorrer a depoimentos prestados noutros processos judiciais) não tem aplicação quando o primeiro processo tiver sido anulado, na parte relativa à produção da prova que se pretende invocar (ou seja, quando tiver sido, efectivamente, anulado).
XII. Deste modo, ao entender que a mera possibilidade de a produção de prova no processo crime venha a ser anulada é, por si só, suficiente para afastar a aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 522.º do C.P.C., o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 2 da mesma disposição legal.
XIII. Negar a admissão nos autos das transcrições das escutas telefónicas, por entender que «ainda que o processo criminal já esteja numa fase pública, afigura-se-nos que a utilização daquele meio de prova, já de si excepcional, fora ou para além dos fins para que foi autorizado (no âmbito da instrução criminal) seria inadmissível ou abusiva», consubstancia a aplicação de uma norma segundo a qual a utilização das transcrições das escutas telefónicas – licitamente realizadas em processo penal e colhidas por certidão na fase pública do processo – como meios de prova não é admissível fora do processo penal, designadamente no processo laboral, ainda que esteja em causa o apuramento de responsabilidade disciplinar decorrente dos factos averiguados para efeitos de ilícito penal e em relação às mesmas pessoas arguidas em processo penal.
XIV. Norma que é inconstitucional por violação dos artigos 13.º, 18.º, 20.º e 61.º da Constituição.
XV. Sendo certo que a liberdade de iniciativa privada, enquanto também critério tutelar do empregador, é aplicável a todas as relações laborais de trabalho, independentemente de a empregadora ser uma empresa pública ou de se tratar – o que não é aqui o caso – de uma relação pública de trabalho, sob pena de violação do princípio da proporcionalidade e, in casu, de desconsideração do tipo de relação de trabalho estabelecida entre o Autor e a aqui Ré.
XVI. O que, aliás, é agravado pela circunstância de o tribunal recorrido ter recusado a suspensão do processo, por entender que a distinta natureza penal e disciplinar dos processos afasta a prejudicialidade.
XVII. É que a dupla concepção jurisdicional que obsta à suspensão e, concomitantemente, obsta à junção da prova do processo penal agrava a inconstitucionalidade supra invocada, por impedir, a montante e a jusante, a unidade do sistema jurídico.
Nestes termos, e nos melhores de direito que doutamente se suprirão, deve o presente recurso ser considerado procedente por provado, substituindo-se o despacho recorrido por outro que acolha as pretensões da Recorrente, (…)”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Por requerimento de 12.4.2012, o A. veio requerer a junção aos autos dum documento datado de 14.10.2009 e intitulado de “informação”, da autoria do Eng. I…, Diretor Adjunto do J… e responsável pela gestão de vendas de materiais da R., com o qual pretendia fazer contra-prova dos factos vertidos nos artigos 27º (até (“pesagem”), 28º, 29º 32º, 34º (última linha), 37º, 38º, 39º, 40º, 46º, 47º, 48º, 49º, 50º (1ª parte), 55º, 58º, 60º, 63º, 64º e 65º, do douto articulado da R. e prova dos vertidos nos artigos 82º, 84º, 85º, 87º, 94º, 95º, 97º, 98º, 109º, 110º, 149º, 150º, 151º 155º, 156º, 157º, 158º e 160º, da sua contestação.

A Ré pronunciou-se sobre o mesmo, rejeitando a sua virtualidade para provar o que o A. pretendia provar com o mesmo, mas salientando que “as justificações que constam do documento junto pelo A., como aquelas que resultam do documento elaborado pela K… e que serviu de base ao primeiro, foram manifestamente contrariadas pela prova que sobre esses mesmos factos vem sendo feita no processo-crime que corre os seus termos junto do Juízo de Instância Criminal – Juiz 2 da Comarca do Baixo Vouga, sob o número 362/08.1JAAVR (comummente designado como processo “D…”), no qual o aqui A. está acusado e pronunciado pela prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito e dois crimes de burla qualificada.
16. Nesta sede, a informação agora junta foi contrariada pelo depoimento prestado, no passado dia 17 de Abril, na audiência de julgamento do processo crime pela (também aqui) testemunha L….
17. No seu depoimento e a instâncias do Exmo. Senhor Procurador do Ministério Público, esta testemunha confirmou que, nos levantamentos dos lotes de resíduos em que participou (Lotes .. e ..) só foram pesados 3 eixos de cada um dos camiões utilizados para as cargas de material.
18. De acordo com este depoimento, este procedimento foi adoptado tanto na pesagem da tara, como na pesagem do peso bruto dos camiões, o que permitiu – como facilmente se compreenderá – a adulteração, por defeito, do peso do material que integrava cada um dos lotes em causa.
19. A adopção deste procedimento foi igualmente confirmada por outro dos trabalhadores que acompanharam os levantamentos dos Lotes .. e .. e que depôs nos presentes autos como testemunha do A. – M…
Mais afirmou esta testemunha – quando ouvida em audiência de julgamento do processo-crime, no passado dia 17 de Abril – que, para além da pesagem de apenas 3 eixos de cada camião, o aqui A. conhecia as quantidades existentes nos Lotes .. e .. e, bem assim, que, em Vila Real, o mesmo conseguia ver a pesagem dos camiões, podendo, por isso, aperceber-se, que apenas estavam a ser pesados os referidos 3 eixos.
21. A testemunha M… referiu ainda, naquele julgamento, que a alegada justificação do transporte de carril para o …, em comboios carrileiros, só surgiu mais tarde, já depois dos levantamentos da …, ou seja, em momento algum, no momento da carga dos resíduos que compunham o Lote .., foi referido pelo aqui A., B…, que a diferença, para menos, do peso apurado resultava daqueles transportes.
(…)
23. Ora, na medida em que as referidas testemunhas não depuseram no mesmo sentido nos presentes autos, que as afirmações que produziram em sede de processo-crime contrariam a tese do A. e demonstram inequivocamente os factos alegados pela Ré, mostra-se de extrema relevância para a decisão a tomar nos presentes autos, a admissão da junção aos mesmos de certidão com o depoimento que aquelas testemunhas prestaram no âmbito do Processo nº 362/08.1JAAVR (cfr. Doc. n.º 8), nos termos do disposto no artigo 522.º do C.P.C..
24. Na hipótese, porém, de tal junção não ser admitida por V. Exa. – o que apenas por dever de patrocínio se concebe, sem conceder, atenta a circunstância de tais depoimentos terem sido produzidos em audiência contraditória, estando o aqui A. devidamente representado pela sua Ilustre Mandatária, desde já se requer a V. Exa. que, atenta a evidente contradição entre os depoimentos prestados por estas testemunhas no âmbito dos dois processos, e com vista ao apuramento da verdade material, designe uma data para a (re)inquirição de L… e M…, de modo a que esclareçam qual a versão dos factos que corresponde à realidade, sem o que se tornará impossível, na perspectiva da Ré, a decisão sobre a matéria de factos nos presentes autos”.

Pelo tribunal recorrido foi então proferido o seguinte despacho: “Requerimentos do Autor de fls. 601 e segs. (de 12/04/12) e resposta/requerimento da R. de fls. 680 e segs. (de 30/04/12):
(…) constatamos que, mais uma vez, pretendem trazer para estes autos documentos, gravações e outros meios de prova que foram produzidos no processo criminal.
Ora, já ficou expressa a nossa posição sobre a autonomia dos processos (laboral e criminal), tendo aliás sido indeferida já a reclamação da R. contra o despacho de não suspensão desta instância até à decisão da causa criminal.
Acresce que, como refere a R., o documento a que o A. alega ter tido acesso no processo criminal, foi aí objecto de uma contra-prova com base documentos e testemunhos diversos dos produzidos na audiência de julgamento destes autos – cfr. art. 522º do C.P.C..
É ainda de notar que o dito documento, mesmo que viesse ou venha a ser considerado pela decisão penal – a qual, no caso, ainda parece estar longe, muito mais do trânsito em julgado – não teria qualquer força obrigatória ou necessária relevância nestes autos, como se infere, à contrario, do estatuído nos arts. 674º A e 674º B do C.P.C..
Por tudo isso, pela urgência do processo e ao abrigo do art. 265º do C.P.C., não se admite a junção aos autos, quer do documento apresentado pelo A. a fls. 601 e segs. (e aliás já datado de 14/10/2009), quer dos documentos e certidão dos depoimentos apresentada pela R. na sequência da resposta/requerimento de 30/04/12 (fls. 712 a 827)”.

Inconformada, veio a Ré interpor recurso de apelação, nos termos do disposto na alínea i) do n.º 2 do artigo 79.º-A do CPT e da alínea i) do n.º 2 do artigo 691.º do CPC, indicando-o com subida imediata e em separado, e com efeito meramente devolutivo, e formulando a final as seguintes conclusões:
I. Por requerimento apresentado nos autos em 30 de Abril de 2012, a Ré, ora RECORRENTE, requereu a junção aos presentes autos de certidão judicial dos depoimentos prestados pelas testemunhas M… e L…, na audiência de julgamento do processo criminal n.º 362/08.1JAAVR, que corre termos junto do Juízo de Instância Criminal de Ovar – Juiz 2 da Comarca do Baixo Vouga, assim como de outros documentos que entendeu serem relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da presente causa.
II. O Tribunal a quo sustentou a sua decisão de não admissão da requerida junção de documentos nos seguintes fundamentos:
a. O comportamento das partes em litígio, ao requererem a junção aos autos de documentos, é lamentável porque não contribui «para uma rápida resolução do litígio»;
b. A autonomia, anteriormente afirmada pelo Juiz do Tribunal a quo, dos processos laboral e criminal, impede a pretensão de as partes trazerem para os presentes autos «documentos, gravações e outros meios de prova que foram produzidos no processo criminal»;
c. Não é admissível a junção, ao abrigo do artigo 522.º do CPC, de um documento que tenha sido objecto de contra-prova no processo com audiência contraditória.
d. A decisão, em sede de processo criminal, quanto a tais documentos, gravações e outros meios de prova, não tem qualquer relevância ou força obrigatórias nos presentes autos, nos termos do disposto nos artigos 674.º-A e 674.º-B do CPC;
e. Estas circunstâncias e, para além delas, a urgência do processo e o poder de direcção do processo, que cabe ao Juiz, ao abrigo do artigo 265.º do CPC, determinam o indeferimento da requerida junção de prova documental aos autos.
III.O Tribunal a quo, no despacho de indeferimento dos requerimentos de junção de prova, de ambas as partes, elevar o carácter urgente do processo a valor absoluto e determinante da presente acção, considerando, por isso, implicitamente, que o benefício obtido pelas partes com uma «rápida resolução do litígio» se sobreporá à necessidade de, com a sentença que venha a ser proferida, se proceder à justa composição do litígio.
IV. O entendimento subjacente ao despacho recorrido, a ser admissível, importaria os seguintes efeitos: as partes – em rigor, aquelas que primeiramente têm interesse na obtenção de uma solução rápida nos presentes autos – requerem a junção de elementos que, em seu entender, são pertinentes para a decisão da causa, considerando, portanto, que a necessidade de valoração daqueles meios prova se sobrepõe ao benefício da dita rápida resolução do litígio; no entanto, o Tribunal a quo entende que as partes não só não contribuem para este fim, como persistem na tentativa de trazer para os presentes autos «documentos, gravações e outros meios de prova que foram produzidos no processo criminal».
V. Como facilmente se compreenderá, o entendimento vertido no despacho recorrido, não só não encontra acolhimento na lei processual, como chega mesmo a incorrer num erro quanto à origem dos meios de prova, cuja junção aos autos, a Ré, ora RECORRENTE, requereu.
VI. O despacho recorrido não distingue, por isso, e como era devido, os meios prova que resultam do referido processo-crime – neste caso, apenas a certidão neste emitida, com o registo dos depoimentos em audiência das testemunhas M… e L… – e aqueles cuja origem e existência não resulta daquele processo, constituindo, por isso, meios de prova autónomos (documentos), juntos ao abrigo do disposto no artigo 523.º do CPC.
VII. A afirmação da autonomia entre o processo laboral e o processo-crime significa que a valoração das provas pode ser distinta numa jurisdição e noutra, e não, como pretende o despacho recorrido, que essa diferença resulte, pura e simplesmente, da exclusão de meios de prova relevantes tanto numa como noutra sede, valendo este raciocínio, tanto quanto à valoração da prova documental, junta ao abrigo do disposto no artigo 523.º do CPC, como dos depoimentos juntos, por certidão judicial, nos termos do artigo 522.º do CPC.
VIII. O Tribunal a quo deveria, por conseguinte, ter admitido a junção da certidão com os depoimentos prestados, na audiência do processo-crime, pelas referidas testemunhas, bem como, se entendesse que tal era necessário para efeitos de valoração da respectiva prova nestes autos, ter ordenado a sua reinquirição – dando, aliás, provimento ao pedido que lhe foi subsidiariamente formulado pela ora RECORRENTE no seu requerimento de 30 de Abril de 2012.
IX. O artigo 522.º do CPC não se aplica à prova documental, mas apenas à prova resultante de depoimentos e perícias produzidos num processo distinto daquele em que são invocados.
X. A admissibilidade da produção/valoração de prova com recursos ao disposto no artigo 522.º do CPC não depende de qualquer averiguação prévia da existência ou não de contra-prova naqueles outros autos, exigindo a lei processual que os depoimentos prestados noutro processo sejam produzidos em audiência contraditória (mesmo que com menos garantias) e que a produção de prova, naquela sede, não tenha sido anulada.
XI. A exigência legal de prestação dos depoimentos em audiência contraditória não significa, porém, que a parte contra quem é invocado o depoimento haja efectivamente intervindo na sua inquirição.
XII. Tratando-se de depoimentos prestados em audiência de julgamento do processo-crime é evidente que as garantias de defesa do Arguido – aqui A. e RECORRIDO – são iguais, senão mesmo superiores, às que existem em qualquer outra instância, incluindo no processo laboral, uma vez que aquela audiência constitui o momento, por excelência, onde o contraditório é exercido.
XIII. Sendo certo que, a exigência de contraditório e de garantias de defesa da parte contra quem os depoimentos são invocados, para efeitos de aplicação do artigo 522.º do CPC, nem sequer se situa no nível garantístico resultantes das regras de processo penal.
XIV. Ao Tribunal a quo estava vedada a possibilidade de indeferir a junção aos autos da certidão judicial com os depoimentos das referidas testemunhas e, bem assim, dos demais documentos, com fundamento na existência de contra-prova na audiência de julgamento do processo-crime, antes lhe competindo valorar toda a prova produzida nestes autos, de acordo com as regras de valoração de prova aplicáveis – cfr. artigos 362.º a 396.º do CÓDIGO CIVIL –, tomando-as em consideração na sentença a proferir nesta sede.
XV. Ao não admitir a junção aos autos, requerida pela ora RECORRENTE, da certidão com os depoimentos das testemunhas e, bem assim, dos demais documentos, o Tribunal a quo violou o n.º 1 do artigo 522.º e os n.ºs 1 e 2 do artigo 523.º do CPC, restringindo o âmbito de aplicação destas normas de forma totalmente inaceitável e injustificada.
XVI. A produção e a valoração de prova nos termos dos artigos 522.º e 523.º e seguintes do CPC, em nada se confunde com os efeitos da decisão penal, que decorrem dos artigos 674.º-A e 674.º-B do CPC, dado que, nestes dois preceitos, o que se regula são os efeitos da própria sentença penal nas acções em que se discutam relações jurídicas dependentes ou relacionadas com a prática da infracção.
XVII. A urgência do processo não é incompatível com a junção de meios que permitam a produção de toda prova necessária à descoberta da verdade e, por seu intermédio, à boa composição do litígio, pelo que ao Tribunal a quo estava vedada a possibilidade de indeferir a possibilidade de junção aos autos dos elementos requeridos apenas com fundamento no carácter urgentes dos presentes autos.
XVIII. Também a invocação do artigo 265.º do CPC pelo Tribunal a quo, como fundamento do indeferimento da junção requerida pela ora RECORRENTE, carece da respectiva fundamentação, uma vez que, num processo em que o ónus da iniciativa processual compete às partes em litígio, a invocação do poder de direcção do Juiz, sempre que esteja em causa a utilização de alegados meios dilatórios, depende da indicação do fundamento que leva o Tribunal a considerar determinado requerimento como meramente dilatório.
XIX. A invocação do artigo 265.º do CPC, sem mais – como sucede no despacho recorrido –, equivale não ao exercício legítimo, mas arbitrário, daquele poder de direcção, de forma a impedir a junção de prova considerada relevantes pela parte, sem necessidade de indicar a fundamentação que o justifique.
XX. A este propósito, refira-se ainda que o entendimento do Tribunal a quo tem ínsita uma contradição: é que, normalmente, os meios dilatórios são utilizados por uma das partes em litígio – que não tem interesse na obtenção da decisão ou no seu trânsito em julgado – em prejuízo da sua contraparte e não por ambas as partes, simultaneamente, apenas e tão só, para impedir que o Tribunal decida.
XXI. Apesar desta evidência, esse parecer ser o sentido do despacho recorrido.
XXII. Deste modo, e também com este fundamento, deve o despacho recorrido considerar-se ilegal, por violação do disposto no artigo 265.º do CPC.
Nestes termos, e nos melhores de direito que doutamente se suprirão, deve o presente recurso ser considerado procedente por provado, substituindo-se o despacho recorrido por outro que acolha as pretensões da RECORRENTE, (…)”

Não foram produzidas contra-alegações.

Prosseguiu entretanto a audiência, tendo na última sessão sido proferido o despacho com a decisão da matéria de facto e a respectiva fundamentação, da qual reclamou o Autor, reclamação que não tendo sido atendida, no entanto ressalvou lapsos de escrita.

O Autor, “tendo sido notificado, por um lado, do (…) despacho (…) com a referência 1200415, de 08.05.2012, que não admitiu a junção aos autos, quer do documento anexo ao requerimento do A. de 12.04.2012, quer da certidão judicial e do documento anexos ao requerimento da R. de 30.04.2012 e, por outro lado, do requerimento de interposição de recurso e respetiva alegação que, desse despacho, apresentou a R.”, veio, “ao abrigo do disposto nos artigos 79º-A/2, al. i), 81º/4, 682º e 691º/2, al. i), do CPT e do CPC, respetivamente”, interpor recurso do referido despacho para o Venerando Tribunal da Relação do Porto, “que é de APELAÇÃO e subordinado ao recurso também dele interposto pela R., com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo, formulando a final as seguintes conclusões:
1ª Ainda que os factos em apreço no presente processo laboral, correspondam, em parte, aos que se encontram a ser apreciados no processo criminal, é inequívoca a autonomia entre ambos, de tal sorte que a decisão proferida num, não pode condicionar a decisão a proferir no outro.
2ª A pretensão de junção aos presentes autos do documento em causa, não deriva do facto de o seu conteúdo e respetivo valor probatório poder ter sido apreciado no processo criminal, mas deriva, ao invés, do seu exclusivo e intrínseco conteúdo probatório e dos factos que revela.
3ª Tendo sido, por isso mesmo, requerida a sua junção ao abrigo do previsto no artigo 523/2º do CPC.
4ª O artigo 522º do CPC, com base no qual foi proferida a decisão recorrida, não lhe dá suporte.
5ª Com efeito, o preceito referido apenas prevê a invocação, num processo, de prova testemunhal e pericial produzida noutro, não tendo qualquer aplicação no domínio da prova documental.
6ª Também não pode colher o argumento de que a junção aos autos do dito documento colide com o carácter urgente do presente processo.
7ª Tal significaria sobrepor ilegitimamente a urgência da decisão da causa à necessidade de busca da verdade material e da justa composição do litígio, com ofensa dos mais elementares princípios de direito.
8ª Por outro lado, nenhum dos preceitos dos artigos 674º-A e 674º- B obsta a que um determinado documento seja utilizado em processos distintos, embora sujeito, obviamente, à livre apreciação e valoração dos julgadores respetivos.
9ª O que cada um deles regula é a eficácia probatória da sentença proferida em processo penal, nas ações em que se discutam relações jurídicas que emanem da mesma infração, não tendo pois qualquer aplicação no caso em apreço.
10ª Finalmente, se é certo que ao julgador incumbe o poder-dever de providenciar pelo célere e regular andamento do processo, também não é menos certo que tal se imponha ou oponha à produção de prova útil para a descoberta da verdade.
11ª E menos se entende ainda que, prevendo a Lei esse poder-dever do Juiz, para obstar ou combater qualquer atuação impertinente e/ou dilatória das partes, não esteja o douto despacho recorrido minimamente fundamentado a esse respeito.
12ª Olvidou ainda o Meritíssimo Juiz a quo o disposto no número 3 do artigo 265º, que lhe impunha o dever de realizar ou ordenar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, tendo sido prosseguido precisamente o contrário.
13ª Resulta do exposto que o Tribunal recorrido violou, por omissão de aplicação, os artigos 265º/3 e 523º/2 e aplicou indevidamente os artigos 265º/1, 522º, 674º-A e 674º-B, todos do CPC.
Nestes e nos melhores termos de direito do douto suprimento de V. Exª, deve o presente recurso merecer provimento e, consequentemente, ser revogado o douto despacho recorrido e substituído por outro que admita aos autos o documento anexo ao requerimento do A./recorrente, apresentado a juízo em 12 de Abril de 2012.

Não foram produzidas contra-alegações.


Foi então proferida sentença de cuja parte dispositiva consta: “Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente por provada, declarando-se ilícito o despedimento do Autor B… pela Ré Refer – Rede Ferroviária Nacional, E.P.E., e condenando-se esta a pagar-lhe:
- as retribuições que, à razão de 1 332,87 euros por mês, o Autor tenha deixado de auferir desde o despedimento (em 3 de Junho de 2011) até ao trânsito em julgado da sentença, a liquidar em execução desta;
- uma indemnização pela antiguidade desde 26 de Abril de 1982 até ao trânsito em julgado da sentença, à razão de 1 332,87 euros por cada ano de antiguidade ou fracção, também a liquidar em execução de sentença, computando-se a já vencida em 39 986,10 euros.
No mais, vai a Ré absolvida do que vinha peticionado pelo Autor.
Custas pela R. e pelo A., na proporção do decaimento, que se calcula em 9/10 para aquela e 1/10 para este.
Fixa-se à causa o valor de 53 314,80 euros (atendendo às retribuições e indemnização susceptíveis de ser liquidadas até ao presente)”.

A Ré “tendo sido notificada da sentença proferida nos presentes autos, bem como do despacho que indeferiu a requerida suspensão da instância, e não querendo nem podendo com os mesmos conformar-se, vem deles interpor recurso, com reapreciação da prova gravada, o qual é de apelação, com subida imediata e nos próprios autos”, formulando a final as seguintes conclusões:
“CONCLUSÕES
DA JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
I. A prova produzida nos presentes autos é mais do que elucidativa da veracidade do que foi alegado pela Recorrente quanto à quantidade de resíduos economicamente valorizáveis que integravam o Lote n.º .. (Estação …) e, em particular, do alegado no artigo 37.º do Articulado do Empregador, no qual se afirmava que Em 23 de Julho de 2009, os resíduos que constituíam o Lote n.º .. pesavam no seu conjunto, pelo menos, 300 toneladas. Senão vejamos:
II. A respeito desta matéria foram ouvidas as testemunhas N… (ouvido no dia 13.12.2011, tendo o seu depoimento ficado registado em suporte áudio das 11.45.16 às 12.42.27), O… (ouvido em 13.12.2011, tendo o seu depoimento ficado registado em suporte áudio das 10.19.29 às 11.44.28) e P… (que prestou declarações no dia 13.03.2012, tendo o seu depoimento ficado gravado em suporte áudio das 10.00.57 às 11.37.48).
III. Da conjugação dos depoimentos prestados por cada uma destas testemunhas – que souberam afiançar qual a quantidade de resíduos que constituíam o Lote n.º .. à medida que o mesmo foi sendo formado – com os mapas de existência de sucata juntos aos autos, resulta a seguinte evolução:
- Em Agosto de 2008, o Lote n.º .. era constituído por 338.560 kg de carril e 33 kg de sucata miúda;
- Em Setembro de 2008 foram retiradas 44 toneladas de carril e acrescentadas cerca 10 toneladas do mesmo material;
- As toneladas de carril que saíram em Setembro de 2008 correspondem a um dos transportes de carril feito para o …;
- No entanto, as cerca 10 toneladas que foram acrescentadas ao Lote em Setembro voltaram a sair da … nesse mesmo mês;
- Por força deste movimento, em Setembro de 2008, o Lote n.º .. passou a ser constituído por 294.050 kg de carril, mantendo-se a sucata miúda em 33 kg;
- Por lapso do Sr. N… este movimento não foi correctamente registado no mapa de existência de sucata de Setembro de 2008, que continuava a mencionar a existência de 304.826 kg de carril e de 33 kg de sucata miúda;
- Pelo que, no mês de Outubro de 2008, o Sr. N… rectificou o lapso e registou as quantidades correctas que integravam o Lote n.º ..,
- Ou seja: 294.050 kg de carril e 33 kg de sucata miúda;
- Sendo que, por força de um novo levantamento de resíduos ocorrido Novembro de 2008 (mencionado pela testemunha N… e devidamente registado nos mapas de resíduos), neste mês o Lote n.º .. passou a ser constituído por 248.986 kg de carril e 33 kg de sucata miúda;
- O levantamento levado a cabo em Novembro de 2008 – correspondente a cerca de 60 toneladas – foi transportado por comboio para o …;
- O que equivale a dizer que, contrariamente ao que é defendido pelo Recorrido, os levantamentos de material com destino ao … (que estão devidamente documentados nos autos) foram registados nos mapas de existência de sucata pelas duas pessoas que acompanharam a formação do Lote em 2008 e 2009;
- Depois de Novembro de 2008 não houve qualquer levantamento de material;
- Em Maio de 2009 foram acrescentadas cerca de 37 toneladas de sucata miúda e 7 toneladas de carril ao Lote n.º .. provenientes de obras da linha do …;
- Passando o Lote n.º .. a ser integrado por 255.250 kg de carril e 70 de sucata miúda.
IV. Pelo que deveria ter dado como provado que o referido Lote n.º .., em Junho de 2009, era constituído, pelo menos, por 255.250 kg de carril e 70 de sucata miúda, num total de 325.250 kg de resíduos.
V. Ou, caso não se queira aceitar como suficiente a recordação da testemunha O…, quanto ao aumento da sucata miúda em Maio de 2009, sempre se teria de concluir que, em Junho de 2009 (mês imediatamente anterior ao do levantamento dos resíduos), o Lote n.º .. era constituído por 255.250 kg de carril e 33 de sucata miúda, num total de 288.250 kg de resíduos!
VI. Tendo sido dado como provado que No dia 23 de Julho de 2009, a empresa adjudicatária Q…, S.A. procedeu ao levantamento da totalidade dos resíduos que constituíam o Lote n.º .., depositados na Estação … (artigo 8.º da NC e facto provado n.º 26) – negrito nosso, e que Dos documentos emitidos e assinados pelo A. e por outros três trabalhadores da Ré, na altura da operação de levantamento – em especial, os autos de medição, as guias de remessa e as guias de acompanhamento de resíduos – consta o levantamento de apenas 189,305 toneladas de resíduos valorizáveis economicamente,
VII. E devendo ter sido dado como provado – como se viu – que o Lote n.º .. era constituído no seu conjunto por, pelo menos, 300 toneladas,
VIII. Não pode deixar de se concluir que A empresa adjudicatária levantou, no mínimo, mais 111 toneladas de resíduos do que aquelas que foram, efectivamente, declaradas nos autos de medição, nas guias de remessa e nas guias de acompanhamento de resíduos (artigo 16.º da nota de culpa e 38.º do Articulado do Empregador).
IX. Por outro lado, e ainda no que concerne ao Lote n.º .. (Estação …), a prova carreada para os autos é mais do que elucidativa da veracidade do que foi alegado no artigo 39.º do Articulado do Empregador.
X. A propósito do conhecimento do Recorrido quanto à quantidade de resíduos que constituíam o Lote n.º .., haverá que atender aos depoimentos das testemunhas O… (ouvido em 13.12.2011, tendo o seu depoimento ficado registado em suporte áudio das 10.19.29 às 11.44.28), e N… (ouvido no dia 13.12.2011, tendo o seu depoimento ficado registado em suporte áudio das 11.45.16 às 12.42.27), tendo ambos afirmado que o Recorrido recebia, todos os meses, os mapas de existência de sucata, dos quais constava a indicação da quantidade de resíduos existentes na … em cada um dos meses a que tais mapas diziam respeito.
XI. Por outro lado, da conjugação dos Factos Provados n.º 54, 92 e 93 não resulta apenas que o Recorrido não procedia à pesagem (por estimativa ou de outra forma) dos materiais que integravam os Lotes que foram a concurso, o que não é o mesmo que dizer que o mesmo não tinha conhecimento das quantidades de resíduos existentes na ….
XII. Na verdade, se ao Recorrido, no exercício das suas funções, competia apor a assinatura nos mapas de existência de resíduos, tal assinatura – ainda que correspondesse a uma mera formalidade, entendida como tal apenas porque o Recorrido não verifica a veracidade das informações que lhe chegavam – demonstra, pelo menos, que o mesmo tinha perfeito conhecimento dos valores que constavam desses mapas como sendo os que se encontravam na Estação ….
XIII. Mais, se o Recorrido confiava nas informações que lhe eram transmitidas – nunca as tendo posto em causa – a análise dos mapas que lhe eram enviados (e que o mesmo assinava) formaria no mesmo a convicção de que as quantias neles registadas correspondiam às que efectivamente se encontravam no local.
XIV. Para mais, ficou cabalmente demonstrado nos autos – facto provado n.º 25 – que O A. tinha conhecimento processo de pesagem e recolha dos resíduos que constituíram a fracção à qual veio a ser atribuída a designação de Lote n.º .., depositada na Estação … (artigo 5.º da NC).
XV. Não podendo, pois, senão concluir-se que o Recorrido sabia qual a quantidade de resíduos que integravam o Lote n.º .. (Estação …).
XVI. Conclusão que não é afastada pelo que ficou provado nos factos 97 e 98, pois que o Recorrido bem sabia que os valores que inscreveu nas guias de remessa eram inferiores às quantidades de resíduos que estavam a ser levantadas, o que não o impediu, como deveria, de efectuar o registo das cargas em desconformidade com a realidade.
XVII. Por outro lado, haverá ainda que ter em consideração que a circunstância de o A. apenas ter acompanhado e fiscalizado o específico acto de carregamento de material, com o estrito desígnio de impedir que pudesse ser carregado material não considerado de “sucata” e, como tal, não compreendido, na adjudicação (facto provado n.º 94) não prejudica, em nada, o que se deixou dito.
XVIII. Pois que daqui resulta, somente, que competia ao Recorrido desempenhar uma concreta e específica tarefa, o que não é o mesmo que dizer que, por esse motivo, deixavam de lhe estar acometidos os mais básicos deveres de lealdade para com a Recorrente.
XIX. Da conjugação do Facto Provado n.º 122 com o Facto Provado n.º 123 resulta que no “quadro resumo das cargas de resíduos” (junto aos autos de processo disciplinar a fls. 1202) a Recorrente fez constar que o Lote n.º .. era constituído por 30 toneladas de resíduos.
XX. No entanto, não pode esquecer-se que o “quadro resumo das cargas de resíduos” foi elaborado pela J… com base na informação que foi recolhida junto das unidades locais depois do levantamento de todos os Lotes que foram a concurso e antes de ter sido aberto e conduzido o processo de averiguações que permitiu à Recorrente concluir que foram levantadas mais quantidades do que as que foram declaradas, reflectindo, assim, uma informação datada e totalmente errada, obtida numa fase em que a Recorrente ainda não tinha elementos suficientes que lhe permitissem saber que a mesma não era verdadeira (bastando ouvir o depoimento da testemunha P… para chegar a essa conclusão).
XXI. Pelo que, ao Facto Provado n.º 123, deve ser acrescentada a informação relativa ao momento em que o documento nele referido foi elaborado, passando, pois, tal facto a ter a seguinte redacção: É esse o peso que consta do “quadro resumo das cargas de resíduos” que a R. ordenou fosse junto aos autos de processo disciplinar e que consta de fls. 1202, o qual foi elaborado imediatamente a seguir ao levantamento dos resíduos e antes de serem conhecidas as conclusões do processo de averiguações interno.
XXII. No que concerne ao Lote n.º .. (Estação de …), deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que o mesmo era, inicialmente, composto por 92 toneladas de carril e 6 toneladas de sucata miúda (como alegado pela Recorrente no artigo 58.º do Articulado do Empregador) e não, apenas, que essa era a quantidade que constava dos mapas de existência de sucata (Facto Provado n.º 41).
XXIII. Efectivamente, tal prova resultou quer do depoimento da testemunha P… (que prestou declarações no dia 13.03.2012, tendo o seu depoimento ficado gravado em suporte áudio das 10.00.57 às 11.37.48), quer do foi dito a este respeito pela testemunha S… (ouvido em 30.01.2012, tendo o seu depoimento ficado gravado em suporte áudio das 10.42.40 às 11.50.30).
XXIV. Mas, a veracidade deste facto resulta não só do depoimento destas testemunhas, como da sua conjugação com as guias de remessa relativas ao levantamento do Lote n.º .., bem como o mapa de sucata elaborado em Junho de 2009 e assinado pelo Recorrido.
XXV. Como deveria, também, ter dado como provado parte do que foi alegado pela Recorrente no artigo 64.º do Articulado do Empregador, ou seja, que o Recorrido permitiu à Q…. recolher os resíduos acrescentados fazendo omitir da respectiva documentação esse levantamento.
XXVI. Com efeito, o Recorrido bem sabia que o Lote n.º .. era constituído, antes de ao mesmo terem sido acrescentadas as 70 toneladas a que faz referência o facto provado n.º 42, por, pelo menos, 92 toneladas de carril e 6 toneladas de sucata miúda, como o atesta o facto de os mapas de sucata relativos aos meses de Maio e Junho de 2009 estarem assinados por ele.
XXVII. Acresce que, estando o Recorrido presente no dia em que foi decidido adicionar as 70 toneladas de resíduos resultantes da decisão de desmantelar a linha do … e sabendo bem que existiam, pelo menos, 98 toneladas no local, o mesmo bem sabia que as guias de remessa não reflectiam as quantidades efectivamente carregadas e levantadas.
XXVIII. Sendo forçoso concluir-se que o mesmo, com o seu comportamento, permitiu à Q… recolher os resíduos acrescentados, fazendo omitir da respectiva documentação esse levantamento.
XXIX. Para mais, deveria ainda ter sido dado como provado o vertido no artigo 65.º do Articulado do Empregador, atendendo a que estando demonstrado que foram levantadas, pelo menos, mais 70 toneladas do que as declaradas na documentação assinada pelo Recorrido e que apenas foram pagas cerca de 102 toneladas pela Q… à Refer, é evidente que aquela não pagou à Recorrente cerca de 70 toneladas de resíduos valorizáveis economicamente, o que representa um prejuízo de, pelo menos, € 16.000.
XXX. Por último, deveriam ainda ter sido transpostas para a matéria de facto as infracções disciplinares que foram praticadas pelos trabalhadores M… e L… e que estiveram na génese da aplicação da sanção disciplinar de suspensão a cada um deles.
XXXI. Com efeito, entendendo o Tribunal a quo, como entendeu, que assume relevância para a decisão ao tomar nos autos o facto de terem sido movidos processos disciplinares a outros funcionários da Recorrente e bem assim as sanções que foram aplicadas a cada um deles, não poderia o Tribunal a quo desconsiderar (como desconsiderou) os factos e as circunstâncias que estiveram na génese da aplicação dessas sanções.
XXXII. Pelo que devem ser aditados os seguintes factos à matéria de facto dada como provada:
Facto Provado n.º 137: Ao trabalhador M… foi aplicada a sanção de suspensão porquanto o mesmo, de acordo com o processo disciplinar que lhe foi movido, terá violado os deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência, de obediência e de lealdade, não se tendo demonstrado, porém, que o tenha feito de forma deliberada ou com a intenção de prejudicar a sua entidade patronal em benefício de terceiros.
Facto Provado n.º 138: Ao trabalhador L… foi aplicada a sanção de suspensão porquanto o mesmo, de acordo com o processo disciplinar que lhe foi movido, terá violado os deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência, de obediência e de lealdade, não se tendo demonstrado, porém, que o tenha feito de forma deliberada ou com a intenção de prejudicar a sua entidade patronal em benefício de terceiros.
XXXIII. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não poderia ter dado como provada a parte final do Facto Provado n.º 104, onde se lê que “(…) desconhecendo-se se e em que medida essa quantidade foi descontada nos mapas de existência posteriores”.
XXXIV. Com efeito, é o próprio Tribunal a quo que, nos factos 102, 103 e 105 a 110 acaba por explicar (e concluir) que os resíduos que foram retirados do Lote n.º .. (as 104 toneladas a que faz referência o facto provado n.º 104) foram, efectivamente, descontados e reflectidos nos mapas de existência de sucata (pese embora com uma ligeira variação de quantidades).
XXXV. A simples análise dos comportamentos adoptados pelo Recorrido permite concluir que outra não poderia ter sido a sanção disciplinar aplicada pela Recorrente que não aquela que lhe foi, efectivamente, aplicada: o despedimento. Senão vejamos:
XXXVI. A infracção disciplinar consiste numa violação dos deveres inerentes à situação jurídica de trabalho subordinado, seja dos deveres que se prendem com a execução da actividade laboral em si mesma seja dos deveres relacionados com a posição do trabalhador na organização à qual o trabalho é prestado, independentemente dos comportamentos em causa atingirem ou não a correcta execução da actividade laboral, devendo ainda atender-se ao grau de culpa com que o mesmo actuou e às circunstâncias que rodearam a prática do acto ilícito.
XXXVII. Sendo certo que se considera que actua culposamente quem adopta um comportamento que sabe ou tem obrigação de saber que não lhe é permitido adoptar, na medida em que se traduz no incumprimento, por acção ou omissão, de um dever que está obrigado a observar.
Nestes casos, a conduta do trabalhador é passível do juízo de censura em que a culpa se traduz, precisamente porque lhe era exigível que não praticasse o acto em causa.
XXXVIII. Já no que concerne à sanção de despedimento propriamente dita, é sabido que no despedimento por facto imputável ao trabalhador a que se refere o artigo 351.º do Código do Trabalho, o núcleo essencial do conceito de justa causa reside na impossibilidade de manutenção da relação de trabalho, impossibilidade essa entendida não em sentido material mas em sentido jurídico e como sinónimo de inexigibilidade.
XXXIX. Na situação dos autos, é patente que o Recorrido adoptou infracções disciplinares de extrema gravidade, traduzidas na circunstância de ter permitido, com o seu comportamento, que a empresa adjudicatária do concurso para a alienação de .. Lotes de resíduos economicamente valorizáveis procedesse ao levantamento de material que não pagou.
XL. Para mais, é óbvio que o mesmo agiu com culpa, precisamente porque sabia ou tinha a obrigação de saber que não lhe era permitido adoptar os diversos comportamentos que anteriormente se descreveram e que resultaram provados no decurso do procedimento de despedimento.
XLI. Por outro lado, a conduta do Recorrido é particularmente grave, atento o seu carácter continuado e reiterado, ao facto de ter provocado prejuízos patrimoniais consideráveis para a Recorrente, e ainda à circunstância de assumir, igualmente, relevância penal, ao ponto de o Recorrido ter sido constituído Arguido num processo crime onde se discutem, essencialmente, os mesmos comportamentos em causa no processo disciplinar que culminou com a aplicação da sanção de despedimento ao Recorrido e que constitui o fundamento da presente acção.
XLII. Finalmente, não pode deixar de se valorar o facto de o Recorrido negar a relevância das falhas e irregularidades que cometeu, pois essa atitude concorre decididamente para impossibilitar a manutenção da relação de trabalho.
XLIII. Ora, isto visto, é indubitável que o Recorrido adoptou, com culpa grave, comportamentos que violam os deveres a que está contratual e legalmente obrigado, designadamente os dever de realizar o trabalho com zelo e diligência [previsto no artigo 128.º, n.º 1, alínea c), do Código do Trabalho], o dever de obediência [previsto no artigo 128.º, n.º 1, alínea e), do Código do Trabalho] e, sobretudo, o dever de lealdade [previsto no artigo 128.º, n.º 1, alínea f), do Código do Trabalho].
XLIV. Comportamentos esses que, em si mesmos e nas suas consequências são de extrema gravidade, quer porque afectam irremediavelmente a relação de confiança que tem de existir numa relação laboral – pois que a Recorrente não pode confiar num trabalhador que, deliberada e conscientemente, adopta comportamentos que lesam o seu património -, quer porque provocaram na Recorrente prejuízos patrimoniais elevados, correspondentes à diferença entre o valor dos resíduos efectivamente levantados e o valor dos resíduos declarados.
XLV. Tendo presente o que antecede, o tipo e a gravidade das infracções cometidas implicam a total perda da confiança da Recorrente no Recorrido, não sendo exigível, do ponto de vista da confiança laboral, que a Recorrente mantivesse o Recorrido ao seu serviço. Dito de outro modo, sabendo-se que no contrato de trabalho assumem especial relevo as relações pessoais inter-partes e que, nesse âmbito, a honestidade e a lealdade constituem os valores mais importantes, os mais essenciais, era totalmente impossível manter a relação de trabalho com o Recorrido.
XLVI. E nem se diga, como diz o Recorrido, que o facto de outros trabalhadores da Recorrente terem tido comportamentos que também contribuíram para este resultado e aos quais não foi aplicada a sanção de despedimento é suficiente para concluir pela ilicitude da mesma no caso do Recorrido.
XLVII. Na verdade, entre a situação do Recorrido e a dos trabalhadores com quem este se pretende comparar (os Srs. M… e L…) existem duas diferenças substanciais e que assumem extrema importância: a gravidade da infracção e o grau de culpa de cada um dos trabalhadores em apreço.
XLVIII. Pois que os trabalhadores M… e L…, ao que foi possível apurar, não contribuíram deliberadamente para esse fim, nem mesmo tinham consciência do que estava a suceder, tendo, somente, incumprido, de forma negligente as obrigações que sobre eles impendiam, como resulta do relatório final proferido no âmbito do processo disciplinar contra eles instaurado.
XLIX. Face a todo o exposto, deverá considerar-se adequada e proporcional a sanção de despedimento sem indemnização ou compensação aplicada ao Recorrido, nos termos do artigo 328.º, n.º 1, alínea f), do CT.
L. Por assim não ter entendido, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 328.º, n.º 1, alínea f), do CT e no artigo 351.º do mesmo Código.
DO DESPACHO QUE INDEFERIU A SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
LI. Por decisão do 2.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia foi indeferida a suspensão da instância requerida pela Ré, ora RECORRENTE, com fundamento na circunstância de se encontrar a correr os seus termos – em fase de julgamento –, na Comarca do Baixo Vouga, o processo nº 362/08.1JAAVR, no qual o Autor na presente acção, ora RECORRIDO, foi acusado e pronunciado pela prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito e, ainda, de dois crimes de burla qualificada, bem como na constatação da existência da total coincidência entre os factos em que a RECORRENTE fundamentou o despedimento contestado nos presentes autos e aqueles que poderão sustentar a eventual condenação do RECORRIDO naquele processo-crime.
LII. Contrariamente ao sustentado no despacho recorrido – que indefere a requerida suspensão da instância, entre outras razões, por não existir uma dependência absoluta entre as duas acções –, na apreciação da prejudicialidade entre acções, o que verdadeiramente interessa é saber se, entre as decisões possíveis do alegado processo prejudicial, pode vir a transitar uma que fixe um pressuposto fundamental para a acção a suspender ou, pior, em caso de não suspensão, dê lugar a uma contradição de julgados quanto à mesma questão (ainda que decidida, num dos casos, como pressuposto da questão principal).
LIII. No caso dos autos, a questão que ficará decidida no processo penal é a da ilicitude e da culpa por factos que adquirem relevo criminal e que traduzem simultaneamente uma violação de deveres laborais conducente à quebra da relação de confiança essencial à subsistência do vínculo laboral.
LIV. O Tribunal a quo reconheceu expressamente no despacho recorrido que a condenação criminal do Autor, ora RECORRIDO, não pode deixar de ser vista como causa justificativa do despedimento, o que deixa implícito, no entender da ora RECORRENTE, a aceitação da existência da prejudicialidade num quadro normal das possíveis decisões jurídicas,
LV. Dado que, entre as alternativas decisórias do processo-crime, figura pelo menos uma que sobressai incompatível com a hipotética procedência da presente acção, ou seja, com o reconhecimento judicial da ilicitude da decisão de despedimento: a condenação do Autor, ora RECORRIDO, pela prática dos factos descritos na acusação do Ministério Público.
LVI. A prejudicialidade entendida nestes termos não sofre qualquer restrição perante a alegação de que a acção laboral pode merecer provimento por razões estranhas ao apuramento da justa causa de despedimento, pois, a ser como sustenta o despacho recorrido, só se poderia suspender o processo no termo do julgamento, com pendência exclusiva da sentença.
LVII. Para que haja prejudicialidade basta que a questão se coloque perante uma das referida alternativas decisórias, o que sempre impedirá o tribunal da causa dependente de decidir sem dispor de todos os elementos essenciais para alguma daquelas alternativas.
LVIII. A distinção entre a responsabilidade disciplinar e a responsabilidade criminal, in casu, não concorre para a preterição da prejudicialidade, mas para a sua evidenciação, dado o relevo do apuramento da responsabilidade criminal: assim, se se pode aceitar que o absentismo de um trabalhador não releve para a responsabilidade criminal do mesmo – embora releve para a disciplinar –, já não se pode aceitar que um crime cometido no exercício de funções contra o empregador não determine necessariamente a sua responsabilidade disciplinar.
LIX. A solução oposta contrariaria patentemente o princípio de unidade do sistema jurídico, cuja prevalência sobre a natureza distinta das diversas formas de responsabilidade se impõe inequivocamente.
LX. O Tribunal a quo tem razão quanto à eficácia da decisão penal absolutória (artigo 674.º-B do CPC), mas o mesmo já não sucede quanto ao efeito que o mesmo pretende assacar à decisão penal condenatória – como é evidente, inter partes, só pode valer a regra do caso julgado.
LXI. Na verdade, a invocação das normas dos artigos 674.º-A e 674.º-B do CPC pelo Tribunal a quo reforça a posição da RECORRENTE quanto à prejudicialidade da condenação definitiva proferida no processo penal, «no que se refere [para usar os termos do artigo 674.º-A do CPC] à existência de factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção».
LXII. Caso assim não fosse, o Tribunal que julgasse a causa dependente, ao recusar a prejudicialidade, permitiria o afastamento da eficácia erga omnes da eventual decisão condenatória no processo penal.
LXIII. Sendo que o afastamento desta eficácia resultaria apenas da mera falta de anterioridade cronológica entre o momento em que é proferida a sentença de condenação no processo-crime e aquele em que são apreciados os pressupostos da licitude da decisão de despedimento.
LXIV. O carácter urgente da acção também não obsta à suspensão dos presentes autos com fundamento no reconhecimento da existência de uma questão prejudicial, desde logo, porque a subsistência da responsabilidade disciplinar enquanto a criminal correspondente não prescrever revela um claro sinal do legislador quanto à prevalência da substância sobre a eficácia.
LXV. In casu, está-se perante uma situação semelhante àquela que ocorre entre responsabilidade penal e responsabilidade civil e que está na origem do princípio da adesão, ou seja, o despedimento (e, por consequência, em termos negativos, a respectiva impugnação) funda-se na prática de factos que consubstanciam, igualmente, crime.
LXVI. O facto de a lei restringir o princípio da adesão à responsabilidade civil estritamente entendida, excluindo do seu âmbito casos de estrutura e significado material semelhantes – ou seja, em que estejam em causa efeitos jurídicos fundamentados essencialmente nos mesmos factos –, não significa que, nestes casos, a conexão entre matérias seja totalmente despida de relevância e efeitos (como sucede, por exemplo, na equiparação dos prazos através da extensão dos prazos prescricionais de natureza não penal, em atenção aos prazos mais longos da prescrição penal, bem como na busca pela coerência e harmonização das decisões judiciais, tal como resulta dos artigos 674.º-A e 674.º-B do CPC).
LXVII. Os artigos 97.º e 279.º do CPC contêm o princípio segundo o qual – sobretudo já estando pendentes ambos os processos – o juiz pode ordenar a suspensão quando estiver dependente de outra já proposta – princípio este aplicável ao presente caso, pelo menos, numa interpretação extensiva ou em aplicação analógica.
LXVIII. Ainda que assim não se entenda – o não se concede e só por cautela de patrocínio se admite – sempre no caso presente se imporia a suspensão do processo mediante decisão judicial, nos termos do artigo 279.º, n.º 1, II parte, do CPC, ou seja, por ocorrer “outro motivo justificado”.
LXIX. A rejeição da suspensão dos presentes autos envolveria, necessariamente, uma interpretação dos artigos 1.º e 20.º do CPT e 97.º e 279.º do CPC inconstitucional, por violação dos artigos 13.º, 20.º e 18.º da Constituição.
Nestes termos, e nos melhores de direito que doutamente se suprirão, deve o presente recurso ser considerado procedente e tanto a sentença como o despacho recorrido serem alterados em conformidade,

Contra-alegou o A., sem formular conclusões finais, mas pugnando pelo não provimento do recurso, enquadrando a apreciação das questões em notas que já vinha formulando ao longo dos autos, e salientando em particular, do que aqui fazemos síntese:
- quanto ao lote .., que a Ré parte da premissa errada de que o primeiro levantamento de resíduos do lote, ocorrido em 10 de Setembro de 2008 foi de 44 toneladas e que o ocorrido em 23.10.2008, foi de 60 toneladas, ambos transportados para o …, quando se verificou precisamente a inversa, sendo que a premissa da Ré condiciona toda a sua argumentação. Deste modo, as respostas dadas pelo Tribunal a quo quanto aos factos números 102 a 110, não podiam, obviamente ser outras.
No que concerne à prova testemunhal, socorre-se a R. dos depoimentos referidos, a que atribui extrema credibilidade, mas que, na verdade, nenhuma credibilidade podem ter.
P… é uma testemunha que, até pelas funções que exercia à data (Diretora do J…), com posto de trabalho fixo em Lisboa, nenhum conhecimento direto tem dos factos, limitando-se a transmitir ao Tribunal aquilo que lhe foi transmitido a ela e a fazer um depoimento interpretativo dos documentos que analisou em audiência. A sua razão de ciência, ou a falta dela, consta devidamente explanada na fundamentação das respostas dadas à matéria de facto.
A falta de credibilidade do depoimento de N… (um dos Encarregados de T…) que era quem normalmente fazia constar dos mapas de resíduos os movimentos respectivos, tem várias frentes, sendo que a R. trás à colação os depoimentos prestados pela testemunha em causa no âmbito do processo disciplinar, mas indevidamente, pois que a prova recolhida em sede de processo disciplinar apenas pode servir para sustentar a decisão nele proferida, não tendo qualquer relevância nos presentes autos, pois que, para estes, apenas releva a prova produzida em audiência de julgamento.
O depoimento do outro Encarregado de T…, O…, cuja falta de rigor com que depôs motivou até que a R., em requerimento com a referência 9216873, que dirigiu aos autos em 27 de Janeiro de 2012, viesse tentar esclarecer aquilo de que ele não foi capaz,
juntando, para o efeito, vários documentos, dentre eles, o depoimento que prestou no âmbito do processo prévio de inquérito instaurado pela R..
O Tribunal a quo deu como provados os factos alegado pelo Autor, não só por virtude do conteúdo dos atinentes documentos, como em atenção à credibilidade que lhe mereceram os depoimentos das testemunhas M…, L… e U…, todos superiores hierárquicos do A., sendo que foram os dois primeiros que assistiram às pesagens.
- Quanto ao lote .., não deixa de se descortinar uma flagrante contradição na argumentação da R. que, por um lado, diz que o A. não inscreveu tal material nos ditos mapas e, por outro lado, afirma no artigo 75º do seu articulado que tal competia ao Encarregado de T….
O A. logrou provar o lote em apreço apenas era constituído por 30 toneladas de carril-sucata e que inexistia qualquer sucata miúda e que, depois de acrescentada a quantidade de material mandada carregar pelo Eng. V…, que foi todo devidamente pesado, resultou num total de 102,520 toneladas.
Do ponto de vista testemunhal, não deixaram dúvidas os depoimentos das testemunhas M… e U…, ambos superiores hierárquicos do A., com a particularidade de o primeiro ter participado no processo de pesagem dos resíduos.
Mas, se dúvidas pudessem suscitar tais depoimentos, o documento que faz folhas
1202 do PD, do qual consta o valor estimado do lote (30 t) e a quantidade resultante da pesagem (103,200 t).
Mais uma vez o tribunal a quo sustentou a prova daqueles factos nos depoimentos das testemunhas M… e L…, que assistiram ao ato de pesagem e carregamento e, ainda, no testemunho de U… que, não tendo assistido, confirmou que as funções desempenhadas pelo A. no dia 24 de Julho de 2009, foram as mesmas que lhe atribuiu no dia 23, ou seja, a de fiscalizar o tipo de material carregado e não também de fiscalizar as pesagens.
A respeito deste lote trás a R. à colação o depoimento da testemunha S…, motorista da empresa transportadora de resíduos, a qual, em parte alguma do seu depoimento afirmou que os carregamentos que efetuou foram do lote nº ...
- Sem prejuízo de se reiterar que o A. não praticou qualquer das infrações que lhe são imputadas, deve dizer-se que, pelos mesmos ou factos de idêntica gravidade, a R. acionou disciplinarmente, como se disse, outros trabalhadores seus, embora também sem fundamento, nomeadamente o M… e o Eng. L…, ambos superiores hierárquicos do A..
Nenhum deles a R. sancionou com a pena de despedimento com justa causa, mas apenas com a pena de suspensão com perda de retribuição sendo pois evidente que, na apreciação da justa causa de despedimento, usou a R. diferentes critérios de valoração.
Mais grave, a R. tão pouco moveu ao Eng. V… qualquer ação disciplinar, ele que, à revelia de qualquer concurso público, decidiu unilateral e discricionariamente que a empresa adjudicatária levantasse mais cerca de 72 toneladas de resíduos para além daqueles que constavam do lote e que haviam sido submetidos a concurso.
Como tem sido jurisprudência corrente, deve a entidade patronal, na ponderação da decisão disciplinar, seguir um princípio de coerência e levar ainda em conta a categoria hierárquica em que o trabalhador se insere. A propósito, os seguintes arestos:
“A impossibilidade de subsistência do vínculo laboral não pode deixar de ter em conta a antiguidade do trabalhador, o seu passado disciplinar, os serviços prestados, e, até, a coerência interna da prática disciplinar da empresa” (AC. da Rel. De Évora, de 20.04.1982, in BMJ 318º, pág. 491) e “Em cargos de direção ou de chefia, a responsabilidade do trabalhador é acrescida. O chefe tem de servir de exemplo aos seus subordinados, observando estritamente as diretivas e ordens legítimas emanadas da empresa. O comportamento do trabalhador tem que ser analisado na perspetiva da sua projeção sobre o vínculo laboral em atenção às funções que exerce e à possibilidade de estas subsistirem sem lesão irremediável dos deveres fundamentais inerentes. Esta lesão é tanto mais grave quanto mais grave e responsável for a função do trabalhador no complexo da atividade em que se integra” (Ac. do STJ, de 16.06.1993, in AD, 380º, pág. 956).
- Sobre a suspensão da instância, não há qualquer razão, objetiva ou subjetiva, para que seja acolhida tal pretensão, tudo confluindo para se concluir ser de todo desaconselhável a suspensão do presente processo, visto que ele está já em fase final e o processo crime, por seu turno, em fase em que ainda nem se vislumbra quando terá fim e qual será o seu desfecho, pelo menos no que respeita ao A. Desse modo, as eventuais vantagens da suspensão são sobremaneira bem menos relevantes do que os prejuízos que ela acarretaria (artigo 279º/2, parte final, do CPC). Nem se alcança que prazo de suspensão o juiz deveria fixar, nos termos do artigo 279º/3 CPC, tratando-se dum processo crime com a complexidade e morosidade de todos conhecida.
A jurisprudência deste Tribunal tem-se pronunciado pelo indeferimento da suspensão em casos destes, como é disso exemplo o Acórdão de 30 de Maio de 2011, publicado na CJ, ano XXXVI, Tomo III/2011, pág. 241: I - “Ainda que os factos objecto do processo-crime sejam os mesmos que se discutem na acção laboral, a decisão a proferir no processo-crime não é indispensável ao julgamento da acção laboral, desde logo porque são diferentes os fundamentos e pressupostos em cada um dos processos.
II- Pela razão apontada e também pela celeridade impostas no processo laboral face aos interesses que lhe estão subjacentes, a pendência de processo-crime contra a ré empregadora, não constitui fundamento bastante para a suspensão da instância laboral”.

A Ré veio requerer que o Mmº Juiz se pronunciasse sobre a admissão dos recursos interlocutórios, tendo os mesmos – e também o recurso subordinado do A. – sido admitidos.

Os autos subiram a este tribunal de recurso desacompanhados do processo disciplinar, e dos documentos juntos com o requerimento de suspensão da instância, o que só a consulta do processo electrónico permitiu perceber, mostrando-se ainda o processo físico com inúmeras omissões, incluídos requerimentos e despachos, tudo dificultando a compreensão das questões a decidir e seus fundamentos.

O Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto nesta Relação pronunciou-se no sentido do não provimento dos recursos da Ré (ficando o recurso subordinado do A. prejudicado).

Corridos os vistos legais cumpre decidir.

II. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância:
1 - O Autor foi admitido na CP – Caminhos de Ferro Portugueses em 26 de Abril de 1982, tendo transitado para a empresa Ré aquando da criação da sua criação em 1997, com reconhecimento da antiguidade que tinha ao serviço da CP.
2 - O A. vinha desempenhando, na altura da cessação do seu contrato de trabalho, as funções de Supervisor de Infra-estrutura,
3 - Auferindo, como contrapartida da prestação de trabalho, € 1.219,37 (mil duzentos e dezanove euros e trinta e sete cêntimos), a título de retribuição base e € 113,50 (cento e treze euros e cinquenta cêntimos), a título de diuturnidades,
4 - E recebendo ainda, por cada dia de trabalho efectivamente prestado, um subsídio de refeição no valor de € 6,96 (seis euros e noventa e seis cêntimos),
5 - Tendo sido despedido em 3 de Junho de 2011, na sequência de um processo disciplinar levado a cabo pela Ré.
6 - A decisão de despedimento foi precedida da instauração contra o A., em 09 de Junho de 2010, do competente processo disciplinar (cfr. fls. 1 do processo disciplinar junto como Doc. n.º 1 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
7 - Tendo-lhe sido comunicada a intenção de promover o seu despedimento com justa causa, juntamente com a entrega da nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos susceptíveis de justificar a aplicação desta sanção (cfr. fls. 3 a 17 do processo disciplinar).
8 - No dia 09 de Junho de 2010, foi entregue ao A., em mão, a referida nota de culpa (NC) – fls. 17 do Doc. n.º 1 junto.
9 - O A. veio a responder à nota de culpa (RNC) em 23 de Junho de 2010 (cfr. fls. 23 a 40 do processo disciplinar), tendo requerido a junção aos autos de 10 documentos e a inquirição de três testemunhas, as quais foram ouvidas em Julho de 2010 (cfr. fls. 45 a 50 do processo disciplinar).
10 - Posteriormente, foram juntos aos autos de processo disciplinar diversos documentos, nomeadamente, mapas dos resíduos depositados na Estação …, referentes ao período compreendido entre Junho de 2008 e Junho de 2009.
11 - Procedeu-se, ainda, à inquirição, por iniciativa dos instrutores do processo, dos Senhores O… e N…,
12 - Sendo que este último acabou por ser inquirido uma segunda vez.
13 - Em Novembro de 2010, depois de ter tomado conhecimento da acusação em processo crime deduzida pelo DIAP de Aveiro contra vários trabalhadores da Ré, incluindo o A., o Conselho de Administração da Ré decidiu ordenar o aditamento à nota de culpa (ANC) de alguns factos constantes dessa mesma acusação (cfr. fls. 78 a 80 do processo disciplinar).
14 - Esta decisão foi comunicada ao A. por carta remetida no dia 23 de Novembro de 2010 (cfr. fls. 184 a 186 do processo disciplinar).
15 - Nessa altura, atendendo à gravidade das infracções em causa, e tendo sido considerada inconveniente a presença do A. nas instalações da Ré, foi decidido suspendê-lo preventivamente, sem perda de retribuição.
16 - Por carta de 23 de Dezembro de 2010, foi remetido ao A. o referido aditamento à nota de culpa e, ao mesmo tempo, foi-lhe comunicada a decisão de manutenção da suspensão preventiva que lhe havia sido aplicada em Novembro do mesmo ano (cfr. fls. 1082 a 1089 do processo disciplinar já junto).
17 - O A. respondeu ao aditamento à nota de culpa em 7 de Janeiro de 2011 (cfr. fls. 1091 a 1120 do processo disciplinar), tendo requerido a junção aos autos de 15 documentos e a inquirição de 8 testemunhas, que foram ouvidas no final do mês de Janeiro de 2011.
18 - Por se entender necessário à descoberta da verdade material, determinou-se a junção aos autos de diversos documentos, entre os quais o expediente relativo ao concurso público ….
19 - Em Maio de 2011, foi o processo disciplinar remetido à comissão de trabalhadores da Ré, com vista à emissão do respectivo parecer.
20 - Não se tendo esta pronunciado sobre o processo disciplinar instaurado contra o A..
21 - E, assim, depois de concluída a instrução do processo disciplinar aqui em causa, a Ré comunicou ao A., por carta recebida por este no dia 03 de Junho de 2011, a sua decisão de aplicação da sanção de despedimento por ocorrência de justa causa, tendo em conta a gravidade dos factos apurados e imputados ao A. e constantes dessa mesma decisão final de despedimento, bem como do respectivo relatório final de instrução.
22 - Em 30 de Julho de 2008, a K…, solicitou à J…, a abertura de um concurso público para a alienação de resíduos valorizáveis economicamente por terceiros - isto é, materiais que, não podendo ser reutilizados pela Ré, conservam um valor económico positivo (exemplo: carris sem uso ferroviário, bem como, outras sucatas metálicas ferrosas e não ferrosas) - existentes na área geográfica correspondente à K… (artigo 2.º da NC).
23 - Na sequência desta solicitação, a Ré lançou o concurso público n.º …. (artigo 3.º da NC).
24 - O concurso público n.º … teve por objecto .. lotes de resíduos valorizáveis economicamente (formados em função da sua dispersão geográfica) (artigo 4.º da NC).
25 - O A. tinha conhecimento do processo de pesagem e recolha dos resíduos que constituíram a fracção à qual veio a ser atribuída a designação de Lote n.º ..., depositada na Estação … (artigo 5.º da NC).
26 - No dia 23 de Julho de 2009, a empresa adjudicatária Q…, S.A. procedeu ao levantamento da totalidade dos resíduos que constituíam o Lote n.º .., depositados na Estação … (artigo 8.º da NC).
27 - O A. acompanhou o processo de recolha daqueles resíduos, tendo emitido e assinado as guias de remessa.
28 - Aquando da preparação do concurso (designadamente, em Novembro de 2008) e segundo informações da K… ao J…, o peso total estimado dos resíduos que constituíam o Lote n.º .. ascendia a 325,25 toneladas (255,25 toneladas de sucata carril e 70 toneladas de sucata miúda).
29 - Dos documentos emitidos e assinados pelo A. e por outros três trabalhadores da Ré, na altura da operação de levantamento - em especial, os autos de medição, as guias de remessa e as guias de acompanhamento de resíduos -, consta o levantamento de apenas 189,305 toneladas de resíduos valorizáveis economicamente.
30 - O cálculo do peso por estimativa é feito, em relação ao carril, através de critérios relativamente objectivos - designadamente, através da fórmula metros de carril x peso por metro de carril - por via dos quais é possível estabelecer uma correspondência aproximada com o peso real.
31 - Nos termos das cláusulas gerais 3.2. e 3.4. do Caderno de Encargos, o preço pago por cada lote de resíduos (no caso, € 75.850,00) podia sofrer um acerto posterior, sempre que se verificasse uma variação superior a 5% entre o peso constante do Caderno de Encargos (no caso, 327, 5 toneladas) e o peso medido na operação de recolha (artigo 21.º da NC).
32 - O acerto posterior do preço era feito através da aplicação das fórmulas estabelecidas na cláusula geral 3.4. do Caderno de Encargos (mais tarde sujeitas a uma correcção de escrita) (artigo 22.º da NC).
33 - Tendo em conta que o A., e os outros trabalhadores da Ré, fizeram inscrever nos autos de medição, nas guias de remessa e nas guias de acompanhamento de resíduos, 189,305 toneladas de resíduos valorizáveis economicamente,
34 - aplicou-se a fórmula constante da alínea b) da cláusula geral 3.4. do Caderno de Encargos (artigo 23.º da NC),
35 - nos termos da qual o valor a devolver pela Ré à empresa adjudicatária correspondeu ao seguinte cálculo: [peso real – (0,95 x peso estimado) x preço proposto] / peso estimado (artigo 24.º da NC).
36 - Nesta medida, a Ré ficou obrigada a devolver à empresa adjudicatária a quantia de € 28.213,88 (vinte e oito mil, duzentos e treze euros e oitenta e oito cêntimos) (artigo 25.º da NC).
37 - A R. tinha a devolver a quantia de € 28.212,88 à empresa adjudicatária SCI por diferença entre o peso estimado e o real relativamente ao lote nº .., segundo o documento junto a fls. 417; tendo devolvido apenas € 11.015,21 por compensação com o crédito de 17 198,68 euros encontrado nas diferenças (aqui de peso real superior ao estimado) relativamente ao lote nº .., segundo consta do mesmo documento, que aqui se dá por reproduzido.
38 - Da documentação relativa à pesagem e recolha de resíduos resulta que: enquanto as guias de acompanhamento de resíduos apresentam uma numeração em ordem decrescente, as guias de remessa ostentam uma numeração em ordem crescente.
39 - De acordo com a documentação emitida e assinada pelo A., todos os transportes de resíduos terão sido realizados pela empresa W….
40 - No âmbito do concurso …, o Lote n.º .. de resíduos valorizáveis economicamente, depositados na Estação …, foi adjudicado à Q… (artigo 15.º da ANC).
41 - Dos mapas de existência de sucata da K… referentes a Fevereiro, Abril e Maio de 2009 constava que aquele lote teria 92 toneladas de carril e 6 toneladas de sucata miúda, conforme mapas juntos a fls. 554 a 556, que aqui se dão por reproduzidos.
42 - Nas vésperas do carregamento pela empresa adjudicatária, foram adicionadas a esse lote 72,520 toneladas de resíduos que não estavam previstos para a alienação, por ordem do Eng.º V…, Director da K….
43 - O A. também foi designado para fiscalizar os trabalhos de levantamento de resíduos valorizáveis economicamente que compunham o Lote n.º .. do concurso (artigo .º da ANC).
44 - A recolha dos resíduos valorizáveis economicamente que compunham o Lote n.º .. foi realizada nos dias 24 e 27 de Julho de 2009 (artigo 20.º da ANC).
45 - A filha do A., X…, frequentou e obteve o curso de solicitadora no ano de 2007 (artigo 12.º da RANC).
46 - Nessa data não tinha ocupação profissional, dependente ou independente, relacionada com a sua formação profissional ou outra (artigo 13.º da RANC).
47 - Sabedor desse facto, um funcionário de uma das empresas de C…, de nome Y…, conhecido do A., disponibilizou-se para, junto daquele, tentar conseguir-lhe emprego numa das ditas empresas (artigo 14.º da RANC).
48 - O referido Y… não falou directamente com C… para o efeito pretendido, mas antes com o sobrinho deste, Z… (artigo 15.º da RANC).
49 - Em determinada altura, a filha do A. foi convocada para uma entrevista a realizar nas instalações de uma das empresas de C… (artigo 16.º da RANC).
50 - Em data não concretamente apurada, a filha do A. compareceu na dita entrevista, que terá sido dirigida pelo Dr. G… (artigo 17.º da RANC).
51 - A filha do A. foi contratada pela empresa “..”, após essa entrevista, para exercer as funções de escriturária, através um contrato de trabalho a termo certo, celebrado pelo prazo de 6 meses, com início em 09 de Junho de 2008 e termo em 08 de Dezembro de 2008 (artigo 18.º da RANC).
52 - O referido contrato não cessou na data prevista (08.12.2008), tendo-se renovado por igual período de 6 meses (artigo 19.º da RANC).
53 - Mas veio a cessar por acordo de ambas as partes em 16 de Fevereiro de 2009 (artigo 20.º da RANC).
54 - Cabe ao encarregado de infra-estruturas fazer constar o material ferroso nos mapas de existência de resíduos, competindo ao A. apor-lhes a sua assinatura (artigos 57.º e 58.º da RANC).
55 - O A. esteve no local do levantamento dos resíduos do Lote .. no dia 24 de Julho de 2009 (artigo 62.º da RANC).
56 - O A. foi constituído Arguido num processo crime – o processo nº 362/08.1JAAVR que corre termos na Comarca do Baixo Vouga - onde se discutem comportamentos que também estão em causa no processo disciplinar que culminou com a aplicação da sanção de despedimento ao A. e que constitui o fundamento da presente acção.
57 - Consta do artigo 10º do aditamento à nota de culpa deduzida contra o A., que este, por contacto telefónico estabelecido no dia 20 de Março de 2009 com H…, filho de C…, lhe deu a conhecer que a REFER iria realizar dois concursos, sendo que um deles (…) respeitava à alienação de .. lotes de resíduos valorizáveis economicamente, dispersos por várias estações da K….
58 - Sobre esta matéria pronunciou-se o A. na respectiva resposta, nos termos que constam dos artigos 33º a 37º desta peça e que por economia se dão aqui por integralmente reproduzidos (fls 1160 do PD).
59 - Na parte final da referida resposta e tendo em vista a prova dos factos por si alegados, requereu o A. que fosse junto pela REFER ao processo disciplinar todo o expediente documental relativo ao concurso … (fls 1150 do PD).
60 - Do ponto 10º do relatório final elaborado pelos Senhores Instrutores, ao qual a R. aderiu e com base no qual fundamentou a decisão proferida no processo disciplinar, resulta que tal documentação – requerida sob a alínea b) do requerimento de prova apresentado com a RANC - não teria sido junta, com o argumento de que se tornou desnecessária em face da desconsideração, no âmbito do processo disciplinar, de toda a matéria relativa à pesagem e recolha de resíduos, no contexto dos trabalhos de desmantelamento da linha do … (fls 1328 do PD).
61 - Sucede que, contrariamente ao assim referido no dito relatório, a documentação em causa em nada tem que ver com os trabalhos de desmantelamento da referida linha do Tâmega, mas sim com o referido concurso para alienação de resíduos respeitantes a .. lotes dispersos por várias estações da K…, entre os quais os existentes nas estações da … (lote ..) e de … (lote ..).
62 - Ou seja, trata-se precisamente dos dois lotes em cujos processos de pesagem e recolha é apontada a prática de infracções ao A..
63 - De todo o modo e também contrariamente ao que ficou a constar do relatório, a verdade é que a documentação solicitada pelo A. não deixou de ser junta ao processo disciplinar, tendo tal junção sido referida no relatório final da instrução (fls. 22 deste documento e fls. 1357-V do PD junto aos autos) e constando aquela documentação de fls. 1192 a 1198 do P.D.
64 - A referência no ponto 10º do relatório final à não junção da documentação requerida pelo A. sob a alínea b) da RANC por desconsideração da matéria relativa à Linha do … ficaram a dever-se a lapso, já que se pretendia aludir à alínea a) daquela RANC (por ser aí que se trata da matéria relativa à Linha …).
65 - Não houve pois efectiva rejeição de uma diligência de prova requerida pelo A..
66 - No mesmo dia em que ocorreu a pesagem e recolha do material ferroso do lote .. referido na nota de culpa – 23 de Julho de 2009 - toda a documentação atinente ao processo, nomeadamente, as “guias de remessa”, as “guias de transporte” e os “autos de medição” estavam também à disposição dos funcionários M… e Eng. L…, que também participaram no acto, ambos superiores hierárquicos do A..
67 - Na sequência da acusação criminal proferida no âmbito do processo nº 362/08.1JAAVR, que correu termos pela 1ª secção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Aveiro (conhecido por processo D…), na qual são imputados ilícitos criminais ao A., alegadamente praticados na sua qualidade de funcionário da REFER, decidiu o Ex.mo Presidente do Conselho de Administração da R., em 11 de Novembro de 2010, ordenar que fosse elaborado um aditamento à nota de culpa inicial que contemplasse tais factos, com o argumento de que os mesmos só vieram ao conhecimento da empresa com a prolação da referida acusação pública (fls 78, 79 e 80 do PD).
68 - Consequentemente, com data de 23 de Novembro de 2010 (segundo fls. 184 a 186 do PD), foi o A. notificado do referido aditamento, no qual, em suma, a R. o acusa de ter colaborado em esquemas que permitiram ao grupo empresarial de C… retirar proveitos ilegítimos no âmbito de concursos lançados pela REFER para alienação de resíduos ferrosos, em prejuízo desta empresa.
69 - Em concreto, refere a R. que, tendo sido o A. designado para fiscalizar os trabalhos de levantamento, nos dias 24 e 27 de Julho de 2009, dos resíduos que compunham o chamado lote nº .., existente junto da Estação de Caminhos de Ferro de .., que haviam sido adjudicados à “Q… ….S.A”, no âmbito do referido concurso público, terá omitido os seus deveres funcionais, permitindo que esta empresa retirasse maior quantidade de resíduos do que a registada na sua documentação interna, nomeadamente mais 70 toneladas, o que se teria traduzido num prejuízo de cerca de € 16.000,00.
70 - À semelhança do que sucedeu com a documentação atinente ao processo de recolha e pesagem dos resíduos que compunham o lote nº .. existente junto da Estação .., também toda a documentação relativa ao processo de recolha e pesagem dos resíduos existentes neste lote nº .. estava igualmente ao dispor dos funcionários M… e Eng. L….
71 - Na Ré apenas o Conselho de Administração tem competência disciplinar.
72 - O processo disciplinar iniciado contra o A. surgiu na sequência de uma auditoria interna que visava determinar se teriam ou não sido adotados comportamentos lesivos dos seus interesses e por quem.
73 - Só depois de concluída tal auditoria e, mais concretamente, em 12 Maio de 2010, é que a R., no seu C.A., teve conhecimento de que havia motivos para procedimentos disciplinares.
74 - No que concerne aos factos constantes do aditamento à nota de culpa (ANC), os mesmos chegaram ao conhecimento da R. quando foi notificada da acusação deduzida pelo Ministério Público contra o A. e outros arguidos.
75 - As diligências de prova levadas a cabo relativamente aos factos constantes da primitiva nota de culpa, iniciaram-se com a audição das três testemunhas arroladas pelo A. na resposta respectiva, que ocorreu nos dias 13 e 14 de Julho de 2010 (fls 45 a 50 do PD).

76 - Por despacho dos Instrutores nomeados pela R., datado de 13 de Setembro de 2010, foi levada a efeito nova diligência de prova, com a junção aos autos, ex oficio, dos mapas dos resíduos depositados na Estação … (lote ..), relativos ao período compreendido entre Junho de 2008 e Junho de 2009 (fls 51 a 68 do PD).
77 - Também por iniciativa dos Senhores Instrutores, foram inquiridos como testemunhas, no dia 15 de Outubro de 2010, os Senhores O… e N… (fls 69 a 74 do PD).
78 - Finalmente, no dia 28 de Outubro de 2010, também por determinação dos Senhores Instrutores, em despacho fundamentado, datado de 21 de Outubro, foi novamente inquirida a testemunha N… (fls 75 a 77 do PD).
79 - Tendo os factos entretanto aditados à nota de culpa chegado ao conhecimento da R. no dia 09 de Novembro de 2010, como a própria refere (art. 4º do aditamento à nota de culpa), veio o correspondente aditamento a ser remetido ao A. em 23 de Novembro de 2010 (fls. 184 a 186 do PD).
80 - No que respeita às diligências de prova realizadas a respeito dos factos constantes do aditamento à nota de culpa, iniciaram-se elas com a junção aos autos do processo disciplinar, de parte do despacho de acusação criminal, proferido no processo nº 362/08.1JAAVR, da 1ª secção do DIAP de Aveiro (fls 81 a 183 do PD).
81 - Prosseguiram depois com a audição das testemunhas arrolados pelo A., realizada no dia 28 de Janeiro de 2011 (fls 1176 e ss do PD).
82 - Em 21 de Março de 2011, foi junto aos autos o expediente documental referido no despacho de folhas 1199 do PD.
83 - Em 10 de Maio de 2011, a R. remeteu à Comissão de Trabalhadores cópia integral do processo disciplinar, para esta emitir, querendo, o parecer a que alude o art. 356º, nº 5, do Cód. Trabalho no prazo aí previsto de 5 dias úteis (ou seja, até 17/05/2011).
84 - A decisão final veio a ser comunicada ao A. por carta remetida pela R. em 27 de Maio de 2011 e recepcionada por aquele em 3 de Junho de 2011.
85 - Incumbia ao A. o exercício de funções inerentes à supervisão de trabalhos de conservação e melhoramento das infra-estruturas da via férrea.
86 - Nomeadamente, a elaboração de planos de trabalho, a coordenação de trabalhos e sua fiscalização, o cumprimento e a obrigação de fazer cumprir as normas e regulamentos de segurança da empresa.
87 - Já o destino a dar aos materiais residuais da empresa, valorizáveis ou não economicamente, incumbe ao J….
88 - Só 1 ou 2 dias antes do dia 23 de Julho de 2009 é que o A. soube que iria participar no processo de recolha dos materiais residuais que constituíam o denominado lote nº .., através de um telefonema do Senhor U…, Especialista da REFER e seu superior hierárquico, que expressamente lhe pediu que ajudasse outros colegas a desempenhar tal tarefa, nomeadamente os funcionários M… e Eng. L….
89 - Os materiais de que era composto o denominado lote nº .., foram sendo acumulados junto da Estação … ao longo de anos (pelo menos, 4 ou 5).
90 - À medida que foi sendo acumulado, ao longo de anos, o material que deu origem ao lote .. da Estação …, foi dele sendo feita uma pesagem por estimativa, sobretudo em atenção à extensão e natureza do material respectivo.
91 - Esse critério era utilizado para estimar o peso do material carril, porque no que respeitava à sucata dita miúda, o cálculo era menos rigoroso, como que feito “a olho”.
92 - A referida pesagem e o resultado dela iam sendo anotados pelo encarregado da … no chamado mapa de sucata ou de existências.
93 - O A. limitava-se a cumprir a mera formalidade de assinar alguns desses mapas, confiando nos valores que lhe eram apresentados pelo referido encarregado.
94 - No dia 23/07/2009 o A. apenas acompanhou e fiscalizou o específico acto de carregamento do material, com o estrito desígnio de impedir que pudesse ser carregado material não considerado de “sucata” e, como tal, não compreendido na adjudicação.
95 - Efectuados os carregamentos, os camiões dirigiram-se depois, para efeitos de pesagem, para junto da balança, pertença da R. REFER, que se encontrava situada nas proximidades da escola local, a cerca de 100 metros de distância do local de carga onde o A. se encontrava, do qual nem sequer era visível.
96 - No local da pesagem encontravam-se outros funcionários da REFER, nomeadamente o M…, o Eng. L… e o Especialista AB…, que fiscalizava o acto.
97 - O A. preencheu as “guias de remessa” das quais consta a quantidade de material carregado por cada veículo e assinou-as juntamente com outros funcionários.
98 - O peso de material inscrito pelo A. em cada uma das guias foi o que resultou dos talões emitidos pela balança após o acto de pesagem, segundo informações que lhe iam sendo transmitidas pelo funcionário M…, por consulta aos ditos talões, que ficavam na posse do funcionário AB…r, responsável do J….
99 - A R. moveu, em Junho de 2009, um processo disciplinar ao funcionário M…, onde lhe imputou a violação do dever de manter permanentemente actualizado os registo das quantidades de material usado e resíduos existentes na área geográfica da linha do Douro, entre outras, conforme documento junto a fls. 97 a 107.
100 - Como consequência da violação (segundo a R.) daquele dever, diz-se na respectiva nota de culpa que ficou muito dificultado o controlo rigoroso dos resíduos que compunham o lote .., entre outros, facto que, também segundo a R., tornou muito difícil aferir das quantidades de material efectivamente recolhidas pelas empresas adjudicatárias.
101 - Acrescentando-se ainda que ficou “precludida ainda a possibilidade de atestar, com o rigor exigido, a veracidade dos pesos inscritos nos documentos emitidos na altura da recolha daquele material”.
102 - No dia 10 de Setembro de 2008 e segundo a declaração de expedição junta a fls. 33 do PD, a REFER retirou do referido lote (nº ..) cerca 60 toneladas de material carril – embora calculadas em cerca de 44 toneladas pelo encarregado de … O… -, que transportou em vagões da CP, desde a … até ao … (docs. de folhas 27, 28 e 33 do PD).
103 - No dia 23 de Outubro de 2008, a REFER voltou a retirar mais material carril do mesmo lote, igualmente com destino ao …, desta feita na quantidade de 44 toneladas (docs. de folhas 29, 31 e 32, do PD).
104 - Assim e segundo as facturas emitidas pela CP à REFER, esta terá retirado do lote nº .. material carril correspondente a 104 toneladas, desconhecendo-se se e em que medida essa quantidade foi descontada nos mapas de existências posteriores.
105 - Se atentarmos no mapa do mês de Setembro de 2008, elaborado no dia 23, portanto, em data posterior ao carregamento das 60 (ou, pelo menos, 44) toneladas (ocorrido no dia 10), infere-se que aquele carregamento não foi descontado, pelo menos na sua totalidade, ao peso estimado do lote.
106 - Verificando-se um decréscimo de peso do mês de Agosto para o de Setembro, quanto a material carril, de apenas 33,734 toneladas, cuja justificação não consta do mapa.
107 - No que respeita ao carregamento das 44 toneladas, ocorrido no dia 23 de Outubro, deveria ele estar reflectido no mapa do mês de Novembro, uma vez que o de Outubro foi elaborado em data anterior (19.10.2008).
108 - Consultando-se o mapa de Novembro verifica-se uma variação de cerca de 45 toneladas e não 44, cuja justificação também não é referida.
109 - Resulta das “observações” apostas no mapa do mês de Outubro de 2008 que cerca de 10.780 toneladas de carril, por terem sido transportadas para o … (pela empresa “AC…”, segundo aí consta), são descontadas nesse mês (Out./08).
110 - Procurou dessa forma o encarregado de … subscritor (N…) corrigir a falta de desconto, no mapa de Setembro, da totalidade das cerca de 44 toneladas por ele avaliadas como tendo sido as transportadas para o … em 10/09/08.
111 - As “guias de remessa” foram, como se disse, preenchidas pelo A. segundo indicações do M… e tais indicações foram dadas atendendo ao resultado da pesagem fornecido pela balança.
112 - Não era o A. quem preenchia ou assinava as “guias de acompanhamento”, estando ele incumbido de preencher e assinar apenas as “guias de remessa”
113 - As guias de remessa, preenchidas e assinadas pelo A., foram-no por ordem crescente.
114 - Os concursos públicos que a REFER lançava para alienação de resíduos ferrosos economicamente valorizáveis eram da exclusiva competência da Direcção de J…, com sede na Estação de …, em Lisboa.
115 - O A. redigiu, a pedido do seu superior U…, um auto de notícia que dava conta à R. de que uma das empresa de C…, no caso a “..”, havia procedido ao levantamento indevido de carril na linha do …, conforme documento junto a fls. 424 e segs..
116 - Esse auto, que depois foi assinado pelos funcionários, Eng. AD…, U… e AE…, haveria de despoletar um processo judicial movido pela R. à referida empresa.
117 - Na altura da contratação da filha do A., a empresa .. encontrava-se num processo de mudança de instalações para a Zona Industrial de Ovar, estando a proceder a um recrutamento de pessoal.
118 - Depois de ter comparecido à entrevista de selecção, recebeu a filha do A. um telefonema da dita empresa em que lhe foi comunicado que seria admitida.
119 - Depois desse telefonema, a filha do A. ainda reflectiu cerca de uma semana sobre se aceitaria ou não a contratação, atento o baixo salário proposto e as deslocações implicadas.
120 - O concurso para alienação dos .. lotes de resíduos dispersos por várias estações da K… foi publicado nos jornais o “AF…” e “AG…”, nas suas edições de 09 de Março de 2009 (fls 1192 e 1193 do PD).
121 - No mesmo dia 09 de Março, em que o concurso foi anunciado nos jornais “AF…” e “AG…”, duas das empresas do grupo empresarial de C…, solicitaram via fax remetido à R., elementos documentais relativos ao concurso (fls 1195 a 1197).
122 - O concurso relativo ao lote nº .., com o nº …, tinha por objecto 30 toneladas de carril.
123 - É esse o peso que consta do “quadro resumo das cargas de resíduos” que a R. ordenou fosse junto aos autos de processo disciplinar e que consta da folhas 1202.
124 - O A. apenas esteve no local do carregamento no dia 24 de Julho de 2009 e não também no dia 27.
125 - Durante aquele dia 24, o A. não assistiu à pesagem do material, pois sempre esteve no parque donde eram retirados os resíduos, por forma a fiscalizar a natureza dos materiais retirados que, depois, eram transportados para a balança para efeitos de pesagem.
126 - Assistiram à pesagem os funcionários M…, AB… e Eng. L…, todos superiores hierárquicos do A..
127 - Na altura, o Eng. V…, Director da K…, decidiu que a empresa Q… levantasse também mais 72,520 toneladas de resíduos.
128 - Esses resíduos também foram objecto de pesagem.
129 - Ou seja, no total, a Q… carregou 102,520 toneladas de resíduos, como consta do mapa elaborado pelo funcionário M… (doc. 10 junto com a resposta ao aditamento à nota de culpa) a partir dos talões de pesagem.
130 - As guias de remessa (docs. 11 a 15, juntos com a resposta ao aditamento à nota de culpa) encontram-se assinadas pelo A., com excepção da referente ao dia 27 em que não esteve presente (sendo substituído pelo AB…), pelo Eng. L… e pelo M…, por banda da REFER e por um representante da “Q…”.
131 - O A. sempre foi considerado como um bom funcionário.
132 - A R. accionou disciplinarmente outros trabalhadores seus, nomeadamente o M… e o Eng. L…, ambos superiores hierárquicos do A..
133 - Esses trabalhadores M… e L… não foram sancionados com a pena disciplinar de despedimento com justa causa.
134 - Foram sancionados, ambos, com penas de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade por 15 e 20 dias, respectivamente, conforme decisões documentadas a fls. 267 e 327.
135 - O A. sentiu-se e sente-se consternado com o despedimento de que foi alvo.
136 - Tem vivido dias preocupado com o futuro.

III. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:
A – Na apelação interlocutória da Ré a fls. 689, saber se devia ter sido admitida a junção aos autos do CD contendo as declarações do arguido G… e o depoimento da testemunha E…, inspector da Polícia Judiciária, prestados na audiência de julgamento do processo nº 362/08.1JAAVR e se devia ter sido admitida a junção aos autos da certidão extraída do mesmo processo-crime, reproduzindo conversas telefónicas havidas entre o A. do presente processo e o Sr. H…, bem como entre este e o Sr. C….
B – Na apelação interlocutória da Ré a fls. 881, saber se devia ter sido admitida a junção aos autos de certidão judicial e CD dos depoimentos prestados pelas testemunhas M… e L… na audiência de julgamento do processo criminal n.º 362/08.1JAAVR, e bem assim se devia ter sido admitida a junção aos autos dos documentos juntos a fls. 712 a 825 a propósito do requerimento de 30.4.2012, no qual a Ré se pronunciou sobre documento requerido juntar pelo A. no requerimento deste a fls. 601, e constante de fls. 604 a 610.
C – Na apelação interlocutória subordinada do A.: - saber precisamente se devia ter sido admitida a junção aos autos do documento acabado de referir, isto é, constante de fls. 604 a 610.
D – Na apelação da sentença e do despacho que indeferiu a suspensão da instância, interposto pela Ré:
- reapreciação da decisão sobre a matéria de facto;
- saber se o despedimento do A. foi lícito e em consequência deve a Ré ser absolvida de todos os pedidos pelo A. formulados.
- saber se a instância devia ter sido suspensa até à decisão final do processo-crime nº 362/08.1JAAVR (conhecido por D…).

Porque se referem ao mesmo despacho, conheceremos conjuntamente as apelações referidas sob B e C.

A – Na sessão da audiência de julgamento de 13.3.2012 a Ré formulou o seguinte requerimento: “Nos termos do disposto no nº 1 do artº. 522º e nº 2 do artº. 523 ambos do CPC, requer-se a junção aos autos de certidão das declarações prestadas por E…, Inspector da Policia Judiciaria e pelo arguido G… no âmbito do processo nº 362/08.1JAAVR que corre sobre termos na Comarca do Baixo Vouga.
A junção aos presentes autos da referida certidão destina-se a provar o alegado nos artigos nº 29º, 34º, 38º, 39º, 40º, 54º e 55º do articulado do empregador.
(…) salienta-se que, tratando-se aqui de depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento publica (publicidade essa que tem protecção constitucional), os mesmos tornaram-se, após e esse facto e em virtude do mesmo, do conhecimento publico, pelo que devem ser levadas em consideração no âmbito da decisão a formar nos presentes autos.
(…)
Mais requer nos termos do nº 2 do 523º do CPC, a junção aos autos de outra certidão extraída dos autos processo-crime supra identificados.
A supra certidão que foi extraída depois do despacho judicial que autorizou a sua utilização fora do âmbito do processo-crime e reproduz as conversas telefónicas havidas entre o autor do presente processo e o Sr. H…, bem como conversas telefónicas entre estes e o Sr. C… nas quais o autor é mencionado.
Por este motivo, e tendo ainda em atenção o teor das referidas conversas telefónicas, entende a ré que o documento cuja junção ora se requer é relevante para prova do alegado nos artº. 39º, 43º, 55º e 56º do articulado do empregador”.
O Mmº Juiz a quo indeferiu o requerido quanto à junção do CD com as declarações do arguido G… e da testemunha E…, com o fundamento de que a testemunha E… tinha sido arrolada como testemunha nestes autos e fora escusada por motivo de sigilo profissional por despacho transitado em julgado; o art. 522º do Cód. Proc. Civil permite que os depoimentos produzidos num processo possam ser invocados noutro processo, mas desde tenham sido prestados com audiência contraditória da parte, da mesma parte a que sejam opostos e desde que o primeiro processo não tenha sido anulado, na parte relativa à produção da prova invocada. Ora, no caso, o aqui Autor B… – contra quem os depoimentos pretendem ser opostos – não figura na mesma posição processual em que figura no processo-crime – aí como arguido; desconhece-se se exerceu efectivamente o contraditório aquando da prestação dos depoimentos ou se o teria exercido caso soubesse que os depoimentos poderiam contra si ser opostos noutro processo (laboral); e o processo crime ainda não teve qualquer decisão sobre a matéria de facto, muito menos final, antes até havendo noticia, como refere o A. na sua pronúncia sobre o requerimento, de que foi impugnada a produção da prova no processo crime, o que pode envolver a anulação da mesma e, consequentemente, a não atendibilidade dos depoimentos em causa – cfr. o nº 2 do art. 522º do C.P.C.; atendendo ainda ao principio da imediação na produção da prova – art. 621º do C.P.C. -, bem como às limitações de apresentação de depoimentos por escrito – cfr. art. 639º do C.P.C..
Por outro lado, indeferiu o requerimento de junção da certidão contendo a transcrição de escutas telefónicas entre o aqui Autor e H… e entre este C…, com o fundamento de que, apesar da Ré invocar o artigo 523º nº 2 do CPC, “as escutas telefónicas são um meio de prova distinto da prova documental e, mais, um meio de prova que, por envolver violação de direitos fundamentais constitucionalmente garantidos – vd. art. 32º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa -, implica autorização judicial prévia, limitada aos fins e âmbito da investigação criminal – vd. art. 18º, nº 2, da C.R.P..
Como tal e ainda que o processo criminal já esteja numa fase pública, afigura-se-nos que a utilização daquele meio de prova, já de si excepcional, fora ou para além dos fins para que foi autorizado (no âmbito da instrução criminal) seria inadmissivel ou abusiva.
Por esses motivos e pelo demais que alega o A. na pronúncia sobre o requerimento – a qual aqui damos por reproduzida (fls. 594 e 595) -, também se decide não admitir a junção aos autos das escutas telefónicas (transcritas) em causa”.
O que o A. alegou a fls. 594 e 595 foi que as escutas não eram aptas a provar quanto constava dos artigos 39º, 43º e 55º do articulado motivador, que apenas resultava das escutas que o aqui A. dera conhecimento a H… de que a Ré ia lançar em breve um concurso público para alienação de sucata e para que este avisasse o seu pai, C…; que o A. não falara com C… o que diz muito sobre a inexistência duma relação de proximidade entre ambos; que o A. não fez alusão às quantidades do lote .., o que também diz muito do desconhecimento do A. sobre a substância do concurso, o que aliás também resulta de C… ter dito ao filho que o A. “não sabe de nada”; que o A. não sabia de nada resulta também de que, à data da conversa telefónica, o concurso já fora lançado (data de lançamento que a própria Ré admitiu no processo disciplinar); em suma, que o A. nada transmitiu ao grupo de C… que não fosse já do conhecimento do mesmo; o documento não acrescenta nada mais do que o A. já havia referido na sua contestação, nos artigos 140º a 146º; não resulta que alguém que dá conhecimento da existência de um concurso público a um potencial concorrente, esteja a beneficiá-lo em prejuízo de quem o lança, antes quantos mais concorrentes, maiores as possibilidades de subida do preço da alienação.
Ora bem, antes de mais, peguemos já nesta afirmação do A. de que o documento não acrescenta mais do que o que ele tinha admitido nos artigos 140º a 146º, porque dela podia assim abstractamente resultar a desnecessidade do documento. Compulsada a matéria de facto, a referência ao telefonema está no nº 57, como constando o mesmo do artigo tal do aditamento à nota de culpa. Simplesmente, percorrida mais à frente a matéria que o tribunal efectivamente entendeu dar como provada, não há referência a este telefonema. É certo que, em função da contestação do A., e do alegado pela Ré no articulado motivador, há acordo nos articulados quanto à realização do telefone. Porém os termos desse telefonema não são inequívocos: - veja-se o que se alegou no artigo 139º da contestação, onde se diz que o A. realizou o telefonema para assunto sem relação nenhuma, e que no seguimento da conversa é que comunicou o que comunicou sobre o lançamento do concurso. Neste sentido, as escutas telefónicas ajudam, porque permitem perceber se houve essa conversa que nenhuma relação tinha e se depois, por mera lembrança que então acorreu à mente, o A. resolveu ainda falar sobre o concurso, ou se pelo contrário o telefonema só abordou o tema do concurso. E isto ajuda não só a perceber o facto articulado no artigo 56º da motivação – que está provado por acordo nos articulados e poderia então simplesmente ser aditado por este tribunal – mas ajuda a perceber a ligação do A. ao grupo empresarial de C…, e a relacionar a conduta do A. com essa ligação – o que vinha articulado na motivação sob os artigos 39º, 43º e 55º, além dos factos relacionados com o emprego da filha do Autor. Neste sentido, não assiste razão ao Autor quanto se pronuncia sobre a junção das escutas dizendo que não servem para provar os artigos 39º, 43º e 55º. Pelo contrário. A ligação pode ser ténue, e como tal ter de ser considerada: - quando o tribunal decide a matéria de facto – considerada no seu conjunto, ou no fundo, considerando o núcleo essencial das imputações que são feitas ao A. – tem de considerar factos essenciais mas também factos instrumentais, ainda que ténues. Muito diferente é o A. ser despedido não tendo nenhuma relação com o grupo de C… – hipótese onde, em termos de experiência comum a usar na apreciação da prova, nos orientamos para um trabalhador que no máximo terá sido negligente – de um trabalhador que tem uma relação com um grupo empresarial que conhecidamente está a ser perseguido criminalmente por burlas em prejuízo da Ré, onde logicamente acorre ao espírito do julgador, pelo menos dum modo geral a descartar miúda e pormenorizadamente em cada prova concreta, a hipótese de olhar toda a factualidade segundo o prisma de tal ligação. Serve isto para dizer que a questão do desinteresse do documento não se restringe ao facto concreto do telefonema, e antes influencia não só a prova dos artigos do articulado motivador indicados pela Ré, como a apreciação de toda a matéria de facto, ainda que indirectamente e repetimos, com o especial dever do julgador desmantelar essa impressão, para não ficar a decidir só com (por) ela.
Já que aqui estamos, na questão das escutas, vejamos se a sua junção era admissível, e depois abordemos a questão das declarações do arguido G… e do depoimento do Inspector E… no processo-crime.

Dispõe o artigo 34º nº 1 da Constituição da República Portuguesa que “O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis”, concretizando o nº 4 do mesmo preceito que “É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal”.
Em consonância com este preceito, o legislador ordinário optou por uma concepção restrita dos casos excepcionais que justificam a ingerência nas comunicações telefónicas, que estabeleceu no artigo 187º do Código de Processo Penal, segundo o qual:
“1 - A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes:
a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos;
b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;
c) De detenção de arma proibida e de tráfico de armas;
d) De contrabando;
e) De injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz e do sossego, quando cometidos através de telefone;
f) De ameaça com prática de crime ou de abuso e simulação de sinais de perigo; ou
g) De evasão, quando o arguido haja sido condenado por algum dos crimes previstos nas alíneas anteriores.
2 - A autorização a que alude o número anterior pode ser solicitada ao juiz dos lugares onde eventualmente se puder efectivar a conversação ou comunicação telefónica ou da sede da entidade competente para a investigação criminal, tratando-se dos seguintes crimes:
a) Terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada;
b) Sequestro, rapto e tomada de reféns;
c) Contra a identidade cultural e integridade pessoal, previstos no título iii do livro ii do Código Penal e previstos na Lei Penal Relativa às Violações do Direito Internacional Humanitário;
d) Contra a segurança do Estado previstos no capítulo i do título v do livro ii do Código Penal;
e) Falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda prevista nos artigos 262.º, 264.º, na parte em que remete para o artigo 262.º, e 267.º, na parte em que remete para os artigos 262.º e 264.º, do Código Penal;
f) Abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.
3 - Nos casos previstos no número anterior, a autorização é levada, no prazo máximo de setenta e duas horas, ao conhecimento do juiz do processo, a quem cabe praticar os actos jurisdicionais subsequentes.
4 - A intercepção e a gravação previstas nos números anteriores só podem ser autorizadas, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, contra:
a) Suspeito ou arguido;
b) Pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido; ou
c) Vítima de crime, mediante o respectivo consentimento, efectivo ou presumido.
5 - É proibida a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objecto ou elemento de crime.
6 - A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações são autorizadas pelo prazo máximo de três meses, renovável por períodos sujeitos ao mesmo limite, desde que se verifiquem os respectivos requisitos de admissibilidade.
7 - Sem prejuízo do disposto no artigo 248.º, a gravação de conversações ou comunicações só pode ser utilizada em outro processo, em curso ou a instaurar, se tiver resultado de intercepção de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no n.º 4 e na medida em que for indispensável à prova de crime previsto no n.º 1.
8 - Nos casos previstos no número anterior, os suportes técnicos das conversações ou comunicações e os despachos que fundamentaram as respectivas intercepções são juntos, mediante despacho do juiz, ao processo em que devam ser usados como meio de prova, sendo extraídas, se necessário, cópias para o efeito”.
Além da limitação da possibilidade de escutas telefónicas aos crimes que catalogou, o legislador constituiu o juiz como especial garante da conformidade da limitação ao direito ao sigilo e do mesmo passo instituiu um sistema rigoroso de recolha, como resulta do artigo 188º do Código de Processo Penal.
Nada disto põe a recorrente em causa. O que a recorrente defende é que posto que validamente obtidas e produzidas as escutas enquanto meio de prova no processo penal, e autorizado, na fase pública do processo, o seu uso pelo juiz do processo-crime respectivo, com emissão da certidão da transcrição das mesmas, esta certidão passa a constituir um documento que pode ser livremente junto a outro processo, neste caso, ao processo laboral em que se discutem os mesmos factos, enquanto fundamento da pretensão laboral. E diz mais: a interpretação feita pelo tribunal recorrido, no sentido da limitação da utilização das escutas ao processo penal, consubstancia a aplicação de uma norma inconstitucional por violação dos artigos 13.º, 18.º, 20.º e 61.º da Constituição. Ou seja, uma vez obtida a prova e constituindo ela um documento acessível, na fase pública do processo, neste caso concreto até porque a recorrente é assistente no processo-crime, a não admissibilidade do documento introduz um factor de desigualdade entre empregador e trabalhador, violando a tutela jurisdicional efectiva do direito fundamental à iniciativa privada do empregador. Esta inconstitucionalidade é aliás agravada no caso concreto pelo facto do tribunal recorrido ter recusado a suspensão do processo, por entender que a distinta natureza penal e disciplinar dos processos afasta a prejudicialidade: a “dupla concepção jurisdicional que obsta à suspensão e, concomitantemente, obsta à junção da prova do processo penal agrava a inconstitucionalidade supra invocada, por impedir, a montante e a jusante, a unidade do sistema jurídico”.
Todavia e com o devido respeito, parece-nos que a recorrente branqueia, digamos assim, o passo inicial que dá, sobre o qual depois discorre sobre o seu próprio direito à iniciativa privada e à tutela efectiva deste. É no primeiro passo – produzida a prova na fase pública, a prova passa a ser pública e torna-se num documento de uso livre – que a recorrente limpa a exigência constitucional do fim para o qual é admissível a escuta telefónica. Ou seja, do ponto de vista do legislador constitucional na protecção que faz ao direito fundamental à privacidade das comunicações[1], não é apenas necessário que a prova seja obtida no âmbito e com as garantias e cautelas do processo penal, é preciso que seja também apenas usada para os fins para os quais foi concebida a limitação ao direito, isto é, para a prova do crime. Do crime ou crimes que se prosseguem no processo penal, desde que catalogados, ou de crime também catalogado mas prosseguido noutro processo-crime ou até em processo, mas crime, a instaurar – nº 7 do artigo 187º citado, parte final: “(…) na medida em que for indispensável à prova de crime previsto no n.º 1”.
Citando o Professor Costa Andrade: “No contexto do direito positivo português vigente, tanto constitucional como ordinário, não é admissível colocar os dados conhecidos através das escutas telefónicas ao dispor da investigação parlamentar. Se chegarem a uma investigação parlamentar – e isso só pode acontecer em afronta ao direito e à lei – aqueles dados estarão cobertos por uma fechada e intransponível proibição de valoração ou utilização” e mais aproximadamente ao nosso caso de utilização em processo judicial não penal: “A circulação de dados obtidos através das escutas telefónicas e a respectiva utilização ou valoração probatórias só são possíveis dentro das fronteiras do processo criminal. E suposta sempre – condição necessária, mas não suficiente – a continuidade de um crime de catálogo”, in “Escutas Telefónicas, Conhecimentos Fortuitos e Primeiro Ministro”, RLJ 139º p. 273 e 274.

Veja-se também neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.10.2008, que transcrevemos, pela extensão, em nota de rodapé[2].
Esta interpretação viola o direito constitucional da recorrente à iniciativa económica e o direito também constitucionalmente garantido ao acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva desse direito à iniciativa económica, introduzindo uma desigualdade entre este e o direito ao trabalho?
Desde logo, é claro que falando da valoração fora de um processo crime de um meio de prova constitucional e legalmente apenas previsto para o processo penal, a violação de qualquer outro direito constitucionalmente protegido processualizado em qualquer outra via que não a penal, estaria também em cheque, e do mesmo modo poderíamos afirmar a desigualdade entre os sujeitos do processo não penal – donde, assim sendo, todo o direito outro que o sigilo da comunicação privada poderia colocar-se na primeira linha de contestação a este. Mas, além desta consideração genérica e marginal, se o direito reclamado pela recorrente carece de adequada protecção, com respeito da igualdade substancial das partes, então não é menos certo que, no que toca às escutas telefónicas, entra em colisão com o direito à privacidade das comunicações. Ora, não só o princípio civilístico antigo da prevalência do direito que deva considerar-se superior, abordado no nº 2 do artigo 335º do Código Civil, obriga à ponderação do posicionamento relativo dos direitos em confronto, como a Constituição da República Portuguesa estabelece, no seu artigo 18º nº 2 que: “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. Esta medida da necessidade, não pode “diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais” – nº 3 parte final. O conteúdo essencial do preceito contido no artigo 34º da Constituição é espelho da amplitude que caracteriza a pessoa individual, física e moral, do cidadão, com uma vastidão de interesses e valores muito maior do que a sua caracterização enquanto agente económico (qualquer que seja o lado em que se encontra nesse agenciamento), reputando-o pois unidade nuclear da própria criação do Direito. Veja-se também a localização sistemática, ao nível civilístico, da protecção dos direitos de personalidade, bem antes do pensamento sobre as formas de associação que geram a personalidade colectiva. Considere-se também que a Constituição, logo no seu artigo 1º, estabelece como primeiro fundamento da República soberana, a dignidade da pessoa humana. Não nos parece pois que possa colocar-se o direito a prosseguir uma actividade económica em posição sequer de igualdade com o direito à reserva da vida privada, na sua concretização ao nível da comunicação telefónica. Não nos parece portanto defensável a posição da recorrente quanto à inconstitucionalidade da interpretação da norma processual sobre junção de documentos que, restringindo a utilização das escutas telefónicas ao processo penal, não admite a junção das transcrições em processo laboral. De resto, o agravamento desta inconstitucionalidade, reclamado pela recorrente para o caso concreto por via do tribunal recorrido não ter admitido a suspensão da instância até à decisão final do processo crime, sempre sairia prejudicado, como veremos a final, pelo bem fundado da decisão de não suspensão.
Termos em que, face a esta ilegalidade de valorização em processo laboral, onde se discute a responsabilidade disciplinar do trabalhador, da prova adquirida no processo-crime em que o mesmo trabalhador é arguido, se confirma o despacho recorrido na parte em que não admitiu a junção aos autos da certidão contendo as transcrições das escutas telefónicas.

Da não admissão da certidão/CD das declarações do co-arguido G… e do depoimento do Inspector da Polícia Judiciária, indicado como testemunha nestes autos e escusado de depor, com fundamento em sigilo profissional, por despacho transitado em julgado, requerida pela recorrente no decurso da audiência de julgamento, nos termos do disposto no nº 1 do artº. 522º e nº 2 do artº. 523 ambos do CPC, e para prova dos factos articulados na motivação sob os artigos 29º, 34º, 38º, 39º, 40º, 54º e 55º, alegando a recorrente desde logo que tais declarações e depoimento foram prestados em sede de audiência de julgamento pública, pelo que os mesmos se tornaram, após esse facto e em virtude do mesmo, do conhecimento público.
Considerou o Mmº Juiz a quo o trânsito em julgado do seu despacho que deferira a escusa da testemunha E…, e que, para efeito de subsunção ao disposto no artigo 522º do Código de Processo Civil, não se demonstrava que o aqui Autor figurasse na mesma posição processual em que figurava no processo crime, que se desconhecia se havia exercido o contraditório ou que o teria exercido se soubessem que as provas em causa podiam ser usadas contra si no processo laboral, e que não havia notícia da decisão final no processo crime, pelo que não havia garantia de que a produção de prova não viesse a ser anulada. Além disto, a junção era também contrariada pelo princípio da imediação da prova e pelas limitações à apresentação de depoimentos escritos.

O art. 522º do Cód. Proc. Civil estabelece que:
“1 - Os depoimentos e arbitramentos produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 355.º do Código Civil; se, porém, o regime de produção da prova do primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e arbitramentos produzidos no primeiro só valem no segundo como princípio de prova.
2 - O disposto no número anterior não tem aplicação quando o primeiro processo tiver sido anulado, na parte relativa à produção da prova que se pretende invocar”.
Comecemos pelo fim: - é manifestamente claro que o preceito não exige que tenha havido decisão sobre a matéria de facto no processo em que o depoimento foi produzido, e que apenas exige que, produzido, não tenha a produção da prova que se pretende invocar – depoimento – sido anulada. Não, portanto – porque o legislador se exprime com rigor senão jurídico pelo menos gramatical, artigo 9º do Código Civil – que o depoimento possa vir a ser anulado. Assim, a preocupação muito justificada sobre a demora da decisão do processo crime não tem aqui cabimento.
Continuando a percorrer inversamente o caminho, é também manifesto que as garantias de defesa oferecidas pelo processo penal são muito superiores às garantias do processo laboral e civil.
Imaginemos agora que os depoimentos em causa não foram prestados perante o arguido aqui Autor ou perante o seu advogado, que por qualquer razão não estiveram presentes na sessão respectiva da audiência de julgamento. Não está então demonstrado que os depoimentos foram prestados com exercício ou possibilidade de exercício de contraditório por parte do aqui Autor, ali arguido? Esse contraditório ou a possibilidade do mesmo tem de presumir-se: - nos termos do artigo 60º do Código de Processo Penal, desde o momento em que o aqui Autor ali adquiriu a qualidade de arguido que lhe foi assegurado o exercício do direito de estar presente nos actos processuais que directamente lhe dizem respeito – artigo 61º nº 1 al. a) do CPP – e de constituir advogado ou solicitar a nomeação de defensor – artigo 61º nº 1 al. e) do CPP – bem como o direito de ser assistido pelo advogado constituído ou pelo defensor em todos os actos processuais em que participou – alínea f) do mesmo preceito – sendo certo que é obrigatória a assistência do defensor na audiência – artigo 64º nº 1 al. c) do CPP – e que a não comparência do advogado constituído ou do defensor origina a nomeação de outro defensor ou a interrupção ou adiamento da audiência – artigo 67º nº 3 do CPP.
O aqui A. não figura na mesma posição processual nos dois processos? Curiosamente, a estrutura da actual acção de impugnação da licitude e regularidade do despedimento coloca o trabalhador despedido na posição passiva, do sujeito ao qual o tribunal, na procedência do pedido, declarará, confirmando, que o despedimento é lícito e regular. Mas a questão é indiferente. O artigo 522º do CPC possibilita o aproveitamento de prova por depoimento ou arbitral, válida, produzida num processo noutro, desde que a parte contra quem tal prova é oposta neste outro processo tenha tido a oportunidade, por ser também parte no processo em que a prova foi produzida, de exercer o contraditório.
Quanto ao princípio da imediação, lembremos que, tal como a prova testemunhal, também esta prova por depoimento aproveitada, digamos assim, está sujeita à livre apreciação do tribunal – artigo 396º do Código Civil. A livre apreciação do tribunal valora todos os aspectos do depoimento de que logra aperceber-se. Se a imediação é o que permite o apercebimento da totalidade do depoimento, a sua falta não impede que o depoimento seja valorado, só acarreta é mais cautelas na valoração do mesmo, justamente porque a sua percepção é parcelar. A situação é exactamente idêntica à do tribunal de recurso ao qual é pedida a reapreciação da decisão sobre a matéria de facto baseada em depoimentos prestados na audiência, o que, se gera especiais cautelas e orienta o tribunal de recurso a buscar primeiramente erros notórios na apreciação das provas, não isenta este tribunal da obrigatoriedade de formar uma convicção própria – sendo aliás certo que se se gerarem que absolutamente impossibilitem o apuramento da verdade, deve ser ordenada a renovação dos meios de prova – artigo 712º nº 3 do CPC.
Aqui chegados porém, é verdade que o Mmº Juiz não poderia lançar mão desta possibilidade no que toca à testemunha E…, por força do caso julgado formal – artigo 672º do CPC – resultante do seu despacho que escusara a testemunha E… de depor nestes autos.
Poderia então ter admitido a junção do CD na parte respeitante a esta testemunha? Com o devido respeito sim, e valorando-o portanto ainda com a mais acrescida cautela de não poder renovar o depoimento. A partir do momento em que a mesma testemunha prestou depoimento na audiência pública – artigo 321º nº 1 do CPP – do processo criminal, vigora o princípio da publicidade que implica o direito de obtenção de cópias, extractos ou certidões de quaisquer partes do processo, designadamente das gravações de depoimentos nele prestados, nos termos do artigo 86º nº 6 al. c) do CPP, pelo que assim cessa a razão de ser do segredo de justiça que vinculava a testemunha, obviamente centrado no prejuízo para os interesses da investigação do crime, caso os seus conhecimentos fossem divulgados antes do tempo e lugar próprios para a sua divulgação.
Este mesmo acesso público aplica-se às declarações do arguido G…, não restringindo o artigo 522º do CPC, na formulação do seu nº 1 em que se refere à prova por depoimento, o seu campo de aplicação apenas aos depoimentos testemunhais.
A referência às limitações decorrentes da admissibilidade de depoimento escrito, sendo certo que, coerentemente com o que afirmámos, o artigo 639º-A do CPC prevê a possibilidade do juiz ordenar a renovação do depoimento, em sua presença, não colhem ao caso porque não se trata de depoimentos escritos, antes de depoimentos orais, de apreciação livre, mas cautelosa, mas obviamente com menor cautela que aquela que exige um depoimento escrito – no fundo, trata-se do grau ou distância da mediação entre o julgador e a prova.
Resta por fim apurar, embora isso não tenha sido posto em causa no despacho recorrido, se os ditos meios de prova são pertinentes à prova dos factos para que foram indicados. Se essa pertinácia não é evidente para os factos indicados sub 29º, 34º, 38º, 39º, 40º, seguramente se verificará quanto aos factos 54º e 55º, sobre a teia empresarial de C… e a aceitação do Autor em colaborar nela, do que nos parece manifestamente crível que um co-arguido e um Inspector da Polícia Judiciária tenham conhecimento.
Assim sendo, nada obstava à admissão de junção a estes autos do CD contendo as declarações do arguido G… e do Inspector E…, nem à renovação das declarações que o julgador viesse a entender necessária, neste processo, quanto ao arguido G….
Procede pois parcialmente este recurso.

B) e C) – Da não admissão de junção dos depoimentos prestados pelas também aqui testemunhas M… e L… na audiência de julgamento do processo criminal n.º 362/08.1JAAVR, e da não admissão dos documentos juntos pela Ré a fls. 712 a 825 a propósito do requerimento de 30.4.2012, no qual se pronunciou sobre documento requerido juntar pelo A. no requerimento deste a fls. 601, documento este constante de fls. 604 a 610 e da não admissão deste mesmo.
O Mmº Juiz reportou-se ao seu anterior entendimento da autonomia dos processos laboral e criminal, e acrescentou que: “como refere a R., o documento a que o A. alega ter tido acesso no processo criminal, foi aí objecto de uma contra-prova com base documentos e testemunhos diversos dos produzidos na audiência de julgamento destes autos – cfr. art. 522º do C.P.C..
É ainda de notar que o dito documento, mesmo que viesse ou venha a ser considerado pela decisão penal – a qual, no caso, ainda parece estar longe, muito mais do trânsito em julgado – não teria qualquer força obrigatória ou necessária relevância nestes autos, como se infere, à contrario, do estatuído nos arts. 674º A e 674º B do C.P.C..
Por tudo isso, pela urgência do processo e ao abrigo do art. 265º do C.P.C., não se admite a junção aos autos, quer do documento apresentado pelo A. a fls. 601 e segs. (e aliás já datado de 14/10/2009), quer dos documentos e certidão dos depoimentos apresentada pela R. na sequência da resposta/requerimento de 30/04/12 (fls. 712 a 827)”.
De novo, começando pelo fim, com o devido respeito ao esforço de síntese do Autor, é brilhante a alegação da Ré sobre o argumento da urgência. Essa alegação coloca o tribunal na exactíssima localização em que tem de estar para cumprir a sua missão, que é a de fazer justiça nos casos concretos que lhe são submetidos. A missão do tribunal não é contribuir para uma imagem de celeridade da Justiça, com o propósito de encantar investidores estrangeiros nem sequer de seduzir a comunidade por via da mediação dos meios de comunicação social, nem é a de poupar dinheiro ao Estado, evitando a cominação prescrita pelo artigo 98º-N do Código de Processo do Trabalho, o que constituiu uma preocupação constante do Mmº Juiz ao longo de vários despachos em que consignou que as dilações deles decorrentes não contavam para o prazo. O brilho da peça alegatória da Ré resulta de lucidez de quanto ali foi escrito e da sua valência como escudo contra quem, dentro e fora da magistratura, entende que o centro do alvo é a imagem da Justiça célere.
A lei processual sanciona monetariamente a conduta das partes que é intempestiva – artigo 523º nº 2 do CPC – quando é intempestiva (artigo 523º nº 1, ou seja, não no caso em que os documentos não puderam ser produzidos anteriormente, artigo 523º nº 2 parte final e artigo 524º ambos do CPC) – mas é essa a única punição prevista e é essa a única batuta que, em matéria de junção de provas, se acolhe ao seio do artigo 265º do CPC.
Porque o que se discute no processo são as pretensões das partes e estas são, antes de mais constituídas pelas versões factuais que terão de ser seleccionadas, e a cuja selecção aportará a convocação das normas jurídicas pertinentes, sua interpretação e aplicação (artigo 659º do CPC) todo o esforço probatório das diferentes versões é não só admissível como absolutamente necessário à eficácia da própria submissão a juízo.
Vejamos portanto se as provas em causa eram admissíveis.
Tudo começou – antes do encerramento da discussão – com a pretensão do A. de juntar aos autos uma informação de serviço elaborada pelo Engenheiro I…, Director Adjunto do J… e responsável pela gestão de vendas de materiais da Ré. O A. pretendia essa junção pois que da mesma informação resultava a razão da divergência entre o peso real e o peso estimado dos lotes. O Autor indicou que pretendia com este documento fazer a contra-prova duma longa lista de artigos do articulado motivador e provar também uma igualmente extensa porção dos artigos da sua contestação.
Resulta claramente das posições assumidas por ambas as partes que é ponto essencial saber o peso real dos lotes (diferente do peso estimado), pois o A. afirma que está até convencido de que não houve levantamento de mais quantidade do que a declarada por parte da adjudicatária. Se assim for, ou como se viu na sentença, se for considerado impossível saber qual era verdadeiramente o peso, muito dificilmente se chega à responsabilidade disciplinar do A. Na primeira hipótese, ficará provado que nenhum prejuízo houve para a Ré ao qual se possa associar um comportamento voluntário do Autor. Na segunda poderá discutir-se se o A. inscrevia pesos de levantamento inferiores aos pesos estimados declarados nos mapas de sucata que conhecia – com o que obviamente incumpriria o dever de execução zelosa do trabalho e se este incumprimento é justa causa de despedimento, mas não se lhe poderá associar a conclusão de efectivo prejuízo. Trata-se portanto duma questão fundamental para o processo, sobre a qual aliás assenta grande parte do recurso da sentença final – reapreciação da decisão sobre a matéria de facto.
À pretensão probatória do A. – cuja intempestividade justificou a final do seu requerimento mas que não precludia a junção, por não ter ainda ocorrido o encerramento da discussão em primeira instância – artigo 523º nº 2 do CPC – veio a Ré pronunciar-se, alegando que o documento era irrelevante porque a informação de serviço, baseada na informação primeiramente prestada por L…, não tinha sido acolhida, como o provava o despacho que constituía o primeiro documento do procedimento disciplinar, e como o provava o inquérito que na sequência desse não acolhimento tinha sido mandado realizar pela Ré – inquérito que também pretendia então juntar – e ainda como o provavam as declarações prestadas pelas testemunhas M… (N…) e L… na audiência do processo criminal, sendo que M… e L… tinham aliás prestados depoimentos não coincidentes com os que haviam prestado nestes autos, em demonstração do que pretendia também juntar o CD com a gravação dos depoimentos testemunhais de M… e L… no processo D…, ou, subsidiariamente, pedia a sua reinquirição.
Já tendo acima referido que a junção do documento oferecido pelo A. é absolutamente pertinente para a resolução duma questão de facto nuclear nestes autos, é também claro que a Ré tem o direito de oferecer prova que anule o efeito que desse documento o A. pretende extrair – e que no fundo, na perspectiva da Ré, serve precisamente para provar a sua versão. Aliás, indo ainda mais longe, e sendo certo que o Mmº Juiz se baseou nos depoimentos das testemunhas M… e L… para fundamentar a sua convicção quanto aos factos, parece bastante claro que é pertinente submeter à sua consideração versões diferentes que essas testemunhas tenham dado noutro processo, para apreciar da consistência e credibilidade dos depoimentos aqui prestados.
Ora, sendo a admissão do documento do A. (e dos contra-documentos da Ré) regulada pelo artigo 523º nº 2 do CPC, nada deste resultando que lhes obste, sendo o processo laboral autónomo em relação ao processo criminal, sendo pois irrelevante a contra-prova a que o mesmo documento do Autor tenha sido sujeito no processo crime, pois aqui terá de ser ponderado, com independência, pelo julgador laboral, que o apreciará livremente, no cotejo com as demais provas produzidas, sendo os documentos pertinentes - segundo a indicação que as partes fazem e com reconhecimento objectivo dessa pertinência – à prova e contra-prova, descartada a condução processual delimitada pelo artigo 265º do CPC e a exigência de celeridade, nada obstava à admissibilidade dos documentos.
Quanto ao CD com as gravações dos depoimentos de M… e L…, como resulta de quanto dissemos na análise do recurso anterior, e aplicando-se a disciplina do artigo 522º do CPC, era também admissível – e aliás muito recomendável para a credibilidade de tais depoimentos considerados como fundamento da convicção do tribunal recorrido, como já referimos – a sua junção.
Termos em que procedem tanto este recurso da Ré quanto o recurso subordinado do A.

Na conformidade do provimento parcial do primeiro recurso da Ré analisado e do provimento total do segundo recurso da Ré e do recurso subordinado do A., importa anular a decisão sobre a matéria de facto e ordenar a reabertura da audiência de discussão e julgamento, para que as partes possam alegar sobre as provas ora admitidas na sua conjugação com as demais produzidas, ficando ainda salva ao Mmº Juiz a possibilidade de ordenar a renovação de meios de prova no tocante a G… e a reinquirição das testemunhas M… e L…, caso lhe surja a necessidade de esclarecimentos complementares após a audição dos depoimentos que prestaram no processo criminal, após o que deve ser proferida nova decisão sobre a matéria de facto e nova sentença em conformidade com os factos que se vierem a apurar.
Fica assim prejudicado o conhecimento do recurso da sentença final. Cumprirá apenas e ainda pronunciarmo-nos sobre o recurso do despacho que não admitiu a suspensão da instância.

D) A Ré requereu a suspensão da instância com fundamento no facto do Autor ser arguido em processo criminal no qual se discutem os mesmos factos sobre os quais a Ré assenta a formulação do seu juízo de justa causa, ao que o Autor se opôs, notando a independência das causas e a especial complexidade do processo criminal mediaticamente conhecido por D…. O tribunal indeferiu a requerida suspensão da instância, não considerando existir prejudicialidade, sendo que apesar da prova dos factos o A. também arguira a invalidade do procedimento disciplinar, considerando que a eventual condenação criminal não dispensa a realização de julgamento, sujeito à livre apreciação do julgador e notando que tal suspensão é contrária à natureza urgente deste processo.
Conclui a recorrente que “a questão que ficará decidida no processo penal é a da ilicitude e da culpa por factos que adquirem relevo criminal e que traduzem simultaneamente uma violação de deveres laborais conducente à quebra da relação de confiança essencial à subsistência do vínculo laboral”, a qual não pode deixar de ser vista como causa justificativa do despedimento, existindo pois prejudicialidade num quadro normal das possíveis decisões jurídicas, dado que, entre as alternativas decisórias do processo-crime, figura pelo menos uma que sobressai incompatível com a hipotética procedência da presente acção, ou seja, com o reconhecimento judicial da ilicitude da decisão de despedimento: a condenação do Autor, pela prática dos factos descritos na acusação do Ministério Público. “A prejudicialidade entendida nestes termos não sofre qualquer restrição perante a alegação de que a acção laboral pode merecer provimento por razões estranhas ao apuramento da justa causa de despedimento, pois, a ser como sustenta o despacho recorrido, só se poderia suspender o processo no termo do julgamento, com pendência exclusiva da sentença”. “A distinção entre a responsabilidade disciplinar e a responsabilidade criminal, in casu, não concorre para a preterição da prejudicialidade, mas para a sua evidenciação, dado o relevo do apuramento da responsabilidade criminal: assim, se se pode aceitar que o absentismo de um trabalhador não releve para a responsabilidade criminal do mesmo – embora releve para a disciplinar –, já não se pode aceitar que um crime cometido no exercício de funções contra o empregador não determine necessariamente a sua responsabilidade disciplinar”. “A solução oposta contrariaria patentemente o princípio de unidade do sistema jurídico, cuja prevalência sobre a natureza distinta das diversas formas de responsabilidade se impõe inequivocamente”. “O Tribunal a quo tem razão quanto à eficácia da decisão penal absolutória (artigo 674.º-B do CPC), mas o mesmo já não sucede quanto ao efeito que o mesmo pretende assacar à decisão penal condenatória – como é evidente, inter partes, só pode valer a regra do caso julgado”. “a invocação das normas dos artigos 674.º-A e 674.º-B do CPC pelo Tribunal a quo reforça a posição da RECORRENTE quanto à prejudicialidade da condenação definitiva proferida no processo penal, «no que se refere [para usar os termos do artigo 674.º-A do CPC] à existência de factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção»”. “Caso assim não fosse, o Tribunal que julgasse a causa dependente, ao recusar a prejudicialidade, permitiria o afastamento da eficácia erga omnes da eventual decisão condenatória no processo penal”. “Sendo que o afastamento desta eficácia resultaria apenas da mera falta de anterioridade cronológica entre o momento em que é proferida a sentença de condenação no processo-crime e aquele em que são apreciados os pressupostos da licitude da decisão de despedimento”. “O carácter urgente da acção também não obsta à suspensão dos presentes autos com fundamento no reconhecimento da existência de uma questão prejudicial, desde logo, porque a subsistência da responsabilidade disciplinar enquanto a criminal correspondente não prescrever revela um claro sinal do legislador quanto à prevalência da substância sobre a eficácia”. “In casu, está-se perante uma situação semelhante àquela que ocorre entre responsabilidade penal e responsabilidade civil e que está na origem do princípio da adesão, ou seja, o despedimento (e, por consequência, em termos negativos, a respectiva impugnação) funda-se na prática de factos que consubstanciam, igualmente, crime”. “O facto de a lei restringir o princípio da adesão à responsabilidade civil estritamente entendida, excluindo do seu âmbito casos de estrutura e significado material semelhantes – ou seja, em que estejam em causa efeitos jurídicos fundamentados essencialmente nos mesmos factos –, não significa que, nestes casos, a conexão entre matérias seja totalmente despida de relevância e efeitos (como sucede, por exemplo, na equiparação dos prazos através da extensão dos prazos prescricionais de natureza não penal, em atenção aos prazos mais longos da prescrição penal, bem como na busca pela coerência e harmonização das decisões judiciais, tal como resulta dos artigos 674.º-A e 674.º-B do CPC)”. “Os artigos 97.º e 279.º do CPC contêm o princípio segundo o qual – sobretudo já estando pendentes ambos os processos – o juiz pode ordenar a suspensão quando estiver dependente de outra já proposta – princípio este aplicável ao presente caso, pelo menos, numa interpretação extensiva ou em aplicação analógica”. “Ainda que assim não se entenda – o não se concede e só por cautela de patrocínio se admite – sempre no caso presente se imporia a suspensão do processo mediante decisão judicial, nos termos do artigo 279.º, n.º 1, II parte, do CPC, ou seja, por ocorrer “outro motivo justificado”. “A rejeição da suspensão dos presentes autos envolveria, necessariamente, uma interpretação dos artigos 1.º e 20.º do CPT e 97.º e 279.º do CPC inconstitucional, por violação dos artigos 13.º, 20.º e 18.º da Constituição”.

Dispõe o artigo 97º do CPC: “1 - Se o conhecimento do objecto da acção depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie.
2 - A suspensão fica sem efeito se a acção penal ou a acção administrativa não for exercida dentro de um mês ou se o respectivo processo estiver parado, por negligência das partes, durante o mesmo prazo. Neste caso, o juiz da acção decidirá a questão prejudicial, mas a sua decisão não produz efeitos fora do processo em que for proferida”.
Dispõe por seu turno o artigo 279º do mesmo diploma: “1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
2 - Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
(…)”
Escrevem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio da Nora, no seu Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª Edição, 1985, pág. 221: “Quando, porém, a decisão a proferir na acção dependa da resolução prévia de uma questão do foro criminal ou administrativo (questão prejudicial) (2), o tribunal da causa (civil) pode sobrestar na decisão até que o tribunal competente resolva a questão prejudicial. Ao interesse da celeridade processual sobreleva nesse caso um outro interesse fundamental, que o da maior garantia de acerto ou perfeição na decisão (2)”.
Aproveitemos a citação do Acórdão do STJ de 18.11.2008, no processo 08B3160: “Alberto dos Reis ensinava que as causas da suspensão podem agrupar-se em duas classes ou categorias: 1ª - Causas de suspensão legal; 2ª - Causas de suspensão judicial. Umas vezes è a lei que impõe a suspensão (casos do nº 1 a), b), d) do art 276º do CPC); outras vezes é o Juiz que, perante certa ocorrência, ordena a suspensão (caso do nº 1 c) do art 276ºe 279º, do CPC).(2)
Ou seja, no caso de suspensão legal o juiz tem o dever de determinar a suspensão, logo que julgue verificada a circunstância a que a lei atribui esse efeito suspensivo, enquanto que no caso de suspensão judicial o juiz tem a faculdade de ordenar a suspensão, mas com as condicionantes postas no nº2 e 3 do art. 279º do CPC, ou seja, essa faculdade ou poder atribuído ao juíz está subordinado no seu uso pela observância do condicionalismo que a lei, a esse propósito, estipula, sendo, pois, um poder legal limitado.
Diz, ainda o ilustre Mestre que uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode destruir o fundamento ou a razão de ser desta.(3)
Para melhor se compreender a suspensão da instância que ora nos ocupa, (a do art. 279º do CPC), interessa comparar com a suspensão da instância a que se refere o art. 97º do mesmo Código.
Alberto dos Reis chama, ainda à comparação o art. 96º e, quanto ao artº279º (actual), diz que no a sua disposição tanto abrange os casos de a acção prejudicial ter por objecto a apreciação de um facto criminoso ou dum acto administrativo, como o ter por objecto o julgamento de uma questão de competência do tribunal comum ou de qualquer outro tribunal especial.
De modo que, no aspecto material o art. 279º engloba os casos dos artigos 96º e 97º; a diferença entre o campo de aplicação daquele e destes está, somente campo processual: nos casos dos artigos 96º e 97º a questão prejudicial surge como incidente duma causa, tomada a palavra incidente no sentido lato. No caso do art. 279º a questão prejudicial constitui objecto duma acção separada e distinta. Dizem os referidos preceitos (nos segmentos que ora nos importam):
(…)
“Primo conspectu”, parecem idênticas as situações; mas não o são.
No primeiro caso, quando o juiz vai apreciar o mérito da causa depara-se-lhe uma questão prejudicial para resolver, da competência do tribunal criminal ou da jurisdição administrativa; então, o juiz, sopesando vantagens e inconvenientes, se assim entender, pode sobrestar na decisão, utilizando a única via processual adequada, decretando a suspensão da instância.
Mas o vocábulo “pode” do nº1 e o preceituado no nº 2 do normativo em apreço (art. 97º) legitimam a conclusão de que o juiz da causa – ele próprio – pode resolver a questão prejudicial sem deferir a sua resolução ao respectivo tribunal competente, com a consequência, porém, de que, sobre essa parte da decisão se forma apenas, caso julgado formal, porquanto a sua força esgota-se dentro do próprio processo.
Como se diz no acórdão do STJ de 12/01//1994 (4), …o art. 97º nº1 do CPC não impõe ao juiz o dever de suspender a instância, na hipótese nele prevista, antes lhe concedendo a faculdade de o fazer, quando o entender.
Para Manuel de Andrade (citado por Alberto dos Reis (5)) só há verdadeira prejudicialidade e dependência quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental como teria de o ser, desde que a segunda causa é a reprodução, pura e simples da primeira. Mas nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos. Assim pode considerar-se prejudicial, em relação a um outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal.
Por outras palavras, a expressão legal “… a decisão de uma causa está dependente do julgamento de outra” significa que a decisão de uma causa (principal), depende do julgamento de outra (prejudicial) quando nesta se aprecia uma questão, cujo resultado pode influir substancialmente na decisão daquela. (6)
Diga-se, ainda mais claramente, que, para que possa haver lugar à suspensão da instância na causa principal, é necessário que a decisão que resulte da causa prejudicial possa formar caso julgado na causa principal”. (fim de citação)
Sobre caso julgado, dispõem os artigos 674º-A e B do CPC:
- 674º-A: “A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção”;
- 674º-B: “1 - A decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer acções de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário.
2 - A presunção referida no número anterior prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil”.
Sublinhe-se que, mesmo na hipótese de se verificar uma causa prejudicial, a suspensão não decorre automaticamente da lei, mas da decisão do juiz, fundada na adequada ponderação de todos os factores em causa. Neste sentido, citemos o sumário do Ac. Relação do Porto de 6.7.2010, no processo 998/05.2TBVCD.P1: “III- Do teor do n° 1 artigo 279° - o juiz pode ordenar — decorre que o julgador não se encontra obrigado a suspender o processo, mesmo na pendência de causa prejudicial. Trata-se de uma faculdade que exercerá, ou não, consoante a avaliação que faça. E essa avaliação surgirá do balanceamento entre, por um lado, as necessidades de segurança e certeza jurídicas (a aconselharem a suspensão) e, por outro, a exigência de decisão “em prazo razoável” (evitando — ou tentando evitar — o que possa provocar demoras excessivas)”.
Com estas notas em mente, consideremos ainda que, conforme resulta do despacho de pronúncia que constitui o documento nº 1 com que a recorrente instruiu o seu requerimento de suspensão, que foram pronunciados 36 arguidos, por múltiplos crimes – associação criminosa, corrupção activa e passiva para actos ilícitos, corrupção activa e passiva no sector privado, tráfico de influência, furto qualificado, burla qualificada, falsificação de notação técnica, perturbação de arrematações, receptação, participação económica em negócio e abuso de poder – ao longo dum despacho de 1575 páginas, com 1890 artigos, inúmera prova por escuta telefónica, prova pericial, prova documental organizada, ao tempo do despacho, em 74 volumes, iniciando-se o 74º a fls. 25.068, com muito mais de cem apensos, e 164 testemunhas, não contando com as que vieram a ser arroladas pela defesa. Consideremos também que conforme consta do despacho judicial que constitui o documento nº 2 instruindo o requerimento de suspensão, “(…) não é possível prever minimamente o número de sessões que será necessário para concluir a audiência. Por outro lado, impõem-se, de forma a não arrastar a sua realização por tempo excessivo, agendar várias sessões semanais (…) todas as terças, quartas, quintas e sextas-feira, iniciando-se no dia 8 de Novembro de 2011 (…)” havendo sessões de manhã e de tarde.

Por também aqui brilhante que seja a argumentação recorrente, em dois pontos essenciais entendemos, com o devido respeito, não lhe assistir razão: - a condenação do arguido no processo crime pelos mesmos factos sobre os quais é formulada a justa causa não implica a licitude do despedimento realizado, por três ordens de razões: foram invocados vícios formais do procedimento disciplinar – e a recorrente não tem de todo razão quando invoca que quando assim fosse (e o juiz decidisse só conhecer a final da invalidade do procedimento disciplinar) nunca haveria suspensão, porque está a desvirtuar o argumento, a questão não é essa, é a da independência duma causa em relação à outra, é saber se basta a condenação criminal para obter a declaração de justa causa de despedimento, ou dito de outro modo, se os pressupostos de uma e outra são totalmente coincidentes – foi invocada a violação do princípio da coerência disciplinar – e por último a recorrente esquece-se de que, ao contrário do Estado, implicado na defesa do interesse colectivo pela via da definição de crimes públicos e semi-públicos e não podendo por isso deixar de prosseguir tal interesse, a recorrente – como qualquer empregador – é livre de defender o seu interesse ou deixar de o defender, em qualquer altura, antes ou durante o processo disciplinar até que a decisão de despedimento chegue ao conhecimento do trabalhador, mas mais, até depois disso, mesmo juridicamente, pela simples não motivação do despedimento, pela simples não junção do procedimento disciplinar, ou pela confissão do pedido reconvencional em qualquer fase do processo até ao momento em que o trabalhador ainda não tivesse formulado a sua opção pela indemnização de antiguidade – o que, à data do despacho sob recurso, ele ainda não tinha feito, e sendo certo que se tal confissão ocorresse em audiência de conciliação, fosse de partes ou de julgamento, sem necessidade de homologação (artigos 52º, 55º nº 2 e 70º nº 2 do CPT) e portanto sem hipótese do Autor optar pela indemnização.
Mesmo no caso do trabalhador comitente dum ilícito disciplinar até tipificado como justa causa, a decisão de prossecução e sancionamento disciplinar procede do princípio de oportunidade da livre gestão empresarial. Repare-se aliás que em matéria de tipicidade, o legislador se escusou de considerar como ilícito típico a prática de crime que não vise a pessoa física ou moral ou a liberdade de pessoa física – alíneas i) e j) do nº 2 do artigo 351º do actual Código do Trabalho. O legislador – artigo 9º do Código Civil – não desconhecia a possibilidade dum trabalhador praticar crimes contra o património do empregador, e ainda assim não consagrou imediatamente que a prática dum crime contra o património do empregador fosse justa causa de despedimento. Essa construção vem aliás sendo feita pela jurisprudência na base da perda irreversível da confiança, assente sobre o ditado popular do cesteiro. Reafirmamos portanto que o empregador é livre de sancionar ou não independentemente da prova da comissão de um crime contra si em processo penal. E aqui falamos das componentes abstractas dum exercício de investigação de prejudicialidade e dependência, sendo certo que neste exercício importam não só as componentes concretas. Retomando as palavras da recorrente, se da condenação em processo crime resulta a prática do comportamento culposo e ilícito, não resulta necessariamente que a relação de trabalho se torne insustentável.
E no caso dos autos, apesar da recorrente firmar a sua decisão de despedir, em cada actuação processual, e designadamente ao requerer a suspensão, estava em discussão a violação do princípio da coerência disciplinar que podia, em procedendo, revelar que o afirmado juízo de insustentabilidade da relação laboral afinal não era verdadeiro.
O segundo ponto da nossa discórdia reside no desvalor dado à natureza urgente dos autos. Não é porque o prazo de prescrição disciplinar se alarga para o prazo criminal que assim se revela uma unidade do sistema jurídico que nos afirma que para o legislador a definição judicial das consequências jurídico-penais e jurídico-laborais dum mesmo comportamento tem o mesmo valor e merece o mesmo tratamento processual. Primeiro, a prescrição não está relacionada com a subsistência do contrato de trabalho, mas com a data da prática da infracção, ou explicando melhor, o prazo prescricional alongado pelo preenchimento típico penal pode correr substancialmente na pendência do contrato de trabalho. Segundo, não é a definição formal da urgência processual que releva, mas o que lhe subjaz. A nova acção de impugnação da licitude e regularidade do despedimento vem, ex-novo (DL 295/2009 de 13.10) e processualmente classificada como urgente, numa coerência substantivo-processual. Se a substância visou agilizar e assim pacificar o mercado de emprego (pelo prazo de 60 dias para oposição ao despedimento) até aí considerado anquilosado pelo reputado excessivo direito à estabilidade que decorria duma concepção constitucional duma sociedade em construção do socialismo, ultrapassada na prática há décadas, o processo foi-lhe atrás – artigo 26º nº 1 al. a) do CPT – ou até mais à frente, pois que o legislador processual resolveu libertar o empregador do ónus da demora processual, onerando ao invés a segurança social, ele mesmo e nós todos, muitos, muitos de fora do mercado de emprego activo pelas mais diversas razões, assim agilizando o sucesso empresarial, nacional ou estrangeiro – artigo 98º-N do CPT. A urgência processual não é portanto definida em especial atenção ao trabalhador, mas a um interesse maior do Estado na aceleração do mercado em aproximação ao espaço comunitário. Este interesse é aquele que menos se coaduna com a demora dos processos criminais, pelas maiores garantias de defesa que neles imperam, e menos ainda com um processo mediático.
Se a urgência processual não é especialmente dedicada ao trabalhador, também não se pode acusar o legislador de o ter esquecido ou menosprezado: - não podia, é da evidência das coisas do mundo, sobre a qual a Constituição ainda lança um cabo de aço. É que a organização económica assenta, ainda ou em última análise acabará por lá voltar, sobre o valor do trabalho, e esta noção é tão funda que é constituída como condição de desenvolvimento da personalidade humana. Fosse portanto o trabalhador comum liberto das exigências metálicas para a sua subsistência e ainda assim o trabalho – ocupação – era uma condição essencial do seu desenvolvimento. Fosse, mas como é notório, em regra, a grande maioria, não é liberta dessas preocupações. Em suma, o legislador não podia esquecer o duplo valor do emprego, enquanto garante de subsistência (que é como quem diz, vida física) individual e condição de constituição de família, e enquanto garante do desenvolvimento da personalidade, não lhe dando protecção judicial eficaz, ou em tempo útil, em termos constitucionais. O valor do emprego é pois também fundamento da urgência, agora desesperada, de solução judicial. E traduzindo isto para o caso concreto, a urgência na definição da estabilidade deste emprego do Autor na Ré (e note-se que à data do requerimento de suspensão da instância o A. ainda não tinha optado pela indemnização de antiguidade) não podia jamais considerar-se compatível, nem querida pelo legislador dum sistema jurídico uno, com a demora do processo D….
Com efeito, como resulta dos tópicos que com base nos documentos juntos com a instrução do requerimento de suspensão acima pontuámos, o processo em causa é de grande complexidade e demora de resolução. Aliás, basta consultar as mais recentes notícias públicas sobre o caso para se encontrar que em Julho deste ano se conclui, após mais de 148 sessões, a inquirição de testemunhas, que foram 300, mas que a conclusão da audiência ainda não está prevista porque depende duma perícia que não foi concluída. E por isso pode reafirmar-se o sábio despacho que é o documento nº 2 junto com o requerimento, que não é minimamente previsível quando (em que ano) é que haverá decisão com trânsito em julgado. Basta pensar na fase de recursos, com reapreciação de provas. Ora, consideramos pois totalmente incompatível com a natureza dos direitos a assegurar pela urgência processual legalmente imposta às acções de impugnação do despedimento, que esta instância ficasse suspensa pelo tempo (imprevisíveis anos). Além de que o aqui trabalhador não está ali acusado senão de três crimes, e duma posição de franca menoridade em relação a arguidos muito mais importantes, com muito mais práticas criminosas, ou seja, com muito potencialidade e muito mais terreno para suscitarem questões em recurso. Resultaria assim a suspensão destes autos, além do mais, numa intolerável falta de acesso à justiça enquanto meio de efectivação do eventual direito do A. à sua reintegração (questão pendente ao tempo do despacho recorrido), completamente desproporcionada do ponto de vista da importância relativa da pronunciada comissão criminosa do aqui recorrido e ali arguido, face a (bastantes) outros arguidos.

Consideramos pois que não se verifica dependência desta acção laboral ao processo crime em causa, não existindo prejudicialidade, e que mesmo que assim não fosse não devia ser ordenada a suspensão, pelo prejuízo que da mesma adviria aos interesses subjacentes à natureza urgente da acção laboral, prejuízos que também nos levam a considerar que não ocorre nenhum outro motivo – muito antes pelo contrário – pelo qual devesse ser ordenada a suspensão da instância.

Esta interpretação viola o direito constitucional da Ré à iniciativa económica, privilegiando sem razão o trabalhador, na medida em que impossibilita a respectiva tutela jurisdicional, pronta e eficaz?
Com o devido respeito, não. Evidentemente, a posição processual da Ré ficaria enormemente facilitada se pudesse convocar as maiores exigências probatórias e por isso o maior acerto da decisão penal para o estabelecimento nestes autos da prática pelo trabalhador dum comportamento ilícito e culposo. Note-se que, apesar da recorrente ser assistente no processo penal, podia não o ser, e assim não exercer qualquer esforço probatório naquela acção, e reduzir o seu esforço probatório nesta à simples junção de certidão da decisão daquela: - é neste sentido que falamos na enorme facilitação, o que não deixa de nos convocar algum favorecimento em relação ao trabalhador aqui Autor. Mas, basta pensar na independência das causas e na quantidade de despedimentos com justa causa promovidos sobre factos com relevância penal que todavia não ser perseguidos em sede criminal, para perceber que a normalidade das situações – nas quais se releva uma igualdade de armas entre os litigantes laborais – não carecem da contribuição de outras jurisdições. Não há nenhum esforço acrescido – no caso em que o facto de que o trabalhador é acusado é simultaneamente um facto com relevância disciplinar e criminal – que dificulte anormalmente e coloque em situação de desvantagem no exercício de apelação à tutela jurisdicional do direito do empregador a prosseguir a sua actividade económica, na exigência de que o mesmo produza na instrução e discussão da causa laboral as provas desse facto. A interpretação não está pois ferida da inconstitucionalidade invocada pela recorrente.

Termos em que improcede o recurso e se confirma o despacho recorrido.

IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam os juízes que compõem este colectivo da Secção Social deste Tribunal da Relação do Porto:
I. Conceder provimento parcial à apelação da Ré do despacho que não admitiu a junção aos autos de CD contendo as gravações dos depoimentos de G… e E… prestados na audiência de processo criminal, revogando nessa parte o despacho recorrido, e ordenando a junção aos autos do dito CD, sem prejuízo da possibilidade do tribunal recorrido determinar a renovação do depoimento de G…;
II. Acordam ainda conceder provimento total à apelação da Ré do despacho que não admitiu a junção aos autos do CD contendo as gravações dos depoimentos das testemunhas M… e L… prestados na audiência do processo criminal, e que não admitiu a junção aos autos dos documentos juntos na sequência do requerimento da Ré de 30.4.2012, constantes de fls. 712 a 827, revogando o despacho recorrido e ordenando a junção aos autos dos mesmos documentos e do indicado CD, sem prejuízo do tribunal recorrido entender necessário proceder à reinquirição das testemunhas M… e L…;
III. Acordam conceder provimento total à apelação subordinada do Autor do despacho que não admitiu aos autos a junção do documento a fls. 604 a 610, ordenando a sua junção aos autos;
IV. Em consequência, anulam a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal recorrido e ordenam a reabertura da audiência de discussão e julgamento nestes autos, para que as partes produzam alegações, sem prejuízo do tribunal recorrido poder determinar previamente a renovação do depoimento de G… e a reinquirição de M… e de L…, após o que deverá ser proferida nova decisão sobre a matéria de facto e oportunamente nova sentença em conformidade com tal decisão;
V. Acordam considerar prejudicado o conhecimento da apelação da Ré da sentença;
VI. Acordam negar provimento ao recurso da Ré do despacho que indeferiu a suspensão da instância por ela requerida, e confirmar o despacho recorrido.
Custas pelo vencido a final quanto aos recursos dos despachos que não admitiram meios de prova.
Custas pela Ré pelo decaimento no recurso do despacho que não admitiu a suspensão da instância.

Porto, 10.7.2013
Eduardo Petersen Silva
João Diogo de Frias Rodrigues
Paula Maria Mendes Ferreira Roberto
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[1] Veja-se a definição do âmbito deste ponto de vista, digamos assim, através do seguinte excerto do Acórdão nº 407/97 do Tribunal Constitucional, de 21MAI97, publicado in BMJ 467-199: “a existir ingerência nas telecomunicações, no quadro de uma previsão legal atinente ao processo criminal (a única constitucionalmente tolerada), carecerá sempre de ser compaginada com uma exigente leitura à luz do princípio da proporcionalidade, subjacente ao art. 18º, nº 2, da Constituição, garantindo que a restrição do direito fundamental em causa (de qualquer direito fundamental que a escuta telefónica, na sua potencialidade danosa possa afectar) se limite ao estritamente necessário à salvaguarda do interesse constitucional na descoberta de um concreto crime e punição do seu agente”.
[2] “3. O que ora está em causa é, como sabemos, o pedido de condenação da Federação Portuguesa de Futebol a desentranhar do processo disciplinar onde o Requerente foi condenado pela prática da infracção de corrupção na forma tentada - com a pena de um ano de suspensão do exercício das funções de dirigente no âmbito das competições organizadas pela Liga e na multa de 4000 euros - as certidões passadas pelo DIAP do ... e pelo M.P. de .... constituídas pelas transcrições das conversas telefónicas que lhe foram interceptadas no âmbito dos processos crime que correram termos naquelas entidades, o que passa pela análise da questão da legalidade da transposição dessas transcrições dos processos crime para o processo disciplinar.
Inexiste controvérsia de que:
a) estas transcrições foram obtidas por meios lícitos nos processos crime
b) o sigilo de correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis e constituem direitos fundamentais
c) e de que as escutas telefónicas constituem um forte ataque à reserva da vida privada e da intimidade e, por isso, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal, é proibida a ingerência das autoridades públicas nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação – n.ºs 1 e 4 do art.º 34.º da CRP
E, porque assim, a questão que se nos coloca é, apenas e tão só, a de saber se as escutas licitamente interceptadas no processo penal podem ser «tomadas de empréstimo» para o apuramento da responsabilidade por outro tipo de ilícito, nomeadamente o ilícito disciplinar, quando este esteja conexo com o ilícito penal que justificou a sua realização daquelas escutas. Ou seja, e revertendo para o caso dos autos, a questão a reclamar a nossa decisão é a de saber se a transposição e a sua posterior valoração para o processo disciplinar onde o Requerente foi punido das escutas licitamente efectuadas nos processos crimes instaurados contra ele foi legal.
Vejamos, pois.
4. O art.º 34 da CRP proclama de forma clara e taxativa que os meios de comunicação privada são invioláveis e que “é proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal” (vd. seus n.ºs 1 e 4) comando esse que constitui o paradigma sobre o qual o legislador processual-penal teve de assentar o edifício legislativo nesta matéria.
E ao fazê-lo estatuiu no art.º 187.º do CPP:
(…) (O art.º 248.º do CPP tem a seguinte redacção (…)
Retira-se dos citados normativos, de forma segura, por um lado, que a obtenção de prova através violação do sigilo inerente aos meios de comunicação privada é excepcional, só possível de adoptar quando haja a convicção de que é indispensável para a descoberta da verdade ou que, de outra forma, a prova seria impossível ou de muito difícil obtenção e, por outro, que a utilização desse meio obter a prova só é lícita quando em causa estiverem os crimes enumerados naquele n.º 1, os crimes de catálogo.
Deste modo - e esta é uma premissa que tem de estar presente em todo o discurso argumentativo sobre esta delicada matéria - o recurso a escutas telefónicas só é legal quando elas se destinem a obter prova para crimes que constem do citado normativo o que quer dizer que em todos os demais processos onde se investigue a prática de outros ilícitos, quer de natureza penal quer de outra natureza, designadamente disciplinar, o recurso a esse meio de obtenção de prova é ilegal e, consequentemente, é ilegal a sua utilização e valoração.
Por outro lado, o mesmo preceito é claro ao proibir a transposição da gravação de conversas ou comunicações de um processo penal para outro e a sua posterior utilização se este último respeitar a crime que não admita escutas telefónicas (vd. n.º 7 do transcrito art.º 187.º do CPP), o que só pode querer significar que a proibição de obtenção da prova por meio de escutas telefónicas abrange todos os processos que não os respeitantes aos crimes de catálogo e, por maioria de razão, os processos de natureza não penal como são os processos disciplinares. Com efeito, se os comportamentos sociais perseguidos nestes processos são menos graves e menos danosos do que os perseguidos nos processos penais, seria de todo incompreensível que se aceitasse a utilização das escutas telefónicas naqueles processos quando as mesmas eram proibidas na grande maioria dos processos crime. E, deve acrescentar-se que a excepcionalidade das restrições autorizadas ao referido comando constitucional, tal como a doutrina vem afirmando, não pode deixar de estar sujeita aos princípios jurídico-constitucionais das leis restritivas como sejam os da necessidade, da adequação, da proporcionalidade e da determinabilidade (Vd. G. Canotilho V. Moreira, CRP Anotada, 4.ª ed., pg. 543.).
Ou seja, a proibição do aproveitamento das escutas legalmente efectuadas num processo disciplinar mais não é do que a concretização da proibição constitucional de ingerência das autoridades públicas na correspondência e demais meios de comunicação, proibição que é taxativa e que só admite excepção quando esteja em causa a instrução de processos relativos aos crimes de catálogo.
Finalmente, convém ainda referir que o art.º 190.º do CPP(Reza assim este normativo: “Os requisitos e condições referidos nos artigos 187.º, 188.º e 189.º são estabelecidos sob pena de nulidade.”) fulmina com a nulidade a violação do disposto nos seus artigos 187.º, 188.º e 189.º o que evidencia que o legislador não só quis restringir o recurso a este meio de obtenção de prova aos casos especialmente previstos na lei como também que não admitiu a possibilidade do decurso do tempo poder sanar as ilegalidades cometidas nessa matéria.
Em suma, o legislador ordinário, corporizando a mencionada exigência constitucional, rodeou de especiais cuidados o recurso à obtenção e utilização das escutas telefónicas como meio de prova, o que bem se compreende não só porque elas constituem um sério ataque ao direito à privacidade e à liberdade de palavra da pessoa suspeita da prática de crime, como também daqueles que nada tendo a ver com o crime investigado vêm esses seus direitos irremediavelmente sacrificados só pelo facto de se comunicarem com a pessoa suspeita da prática de um crime.
De tudo o que fica dito ressalta uma conclusão: a de que estando a possibilidade da utilização das escutas telefónicas blindada por uma cerrada teia de restrições, a legalidade da sua realização não basta para, por si só, assegurar a legalidade da sua utilização, o que quer dizer que não se pode sustentar que o facto da prova ter sido validamente obtida através das escutas telefónicas seja suficiente para que a mesma possa ser utilizada num outro processo, ainda que essa utilização se destine à prossecução de finalidades razoáveis, como seja, por ex., a perseguição e punição de infracções. Dito de forma diferente, uma prova validamente adquirida não tem garantida a admissibilidade da sua utilização.
E daí que acompanhemos o que se afirmou no Parecer junto aos autos a fls. 319 a 363, onde se lê que “dificilmente se poderia excogitar mais frontal e irremível afronta aos desígnios constitucionais do que: com uma mão, proclamar que o processo disciplinar não pode, ele próprio, fazer escutas; e com a outra mão, permitir que o processo disciplinar vá ao processo criminal abastecer-se, à descrição, de escutas. Se fosse assim, o processo disciplinar conseguiria pela porta de trás o que a Constituição lhe veda alcançar pela porta da frente. E subverteria o direito processual penal, degradando-o de um ordenamento preordenado à protecção de direitos fundamentais, num entreposto de contrabando de escutas para o processo disciplinar, fugindo à vigilância da Constituição.”
5. Descendo ao caso sub judice, e aplicando os princípios acabados de descrever, é forçoso concluir que a transposição das escutas dos processos penais para o processo disciplinar instaurado contra o Requerente e a sua utilização e valorização nesse foi ilegal.
E não se argumente com a possibilidade da autoridade judiciária poder autorizar a passagem de certidão em que se dê conhecimento do conteúdo de determinado documento em segredo de justiça desde que necessária à instrução de outro processo, maxime disciplinar (n.º 11 do art.º 86.º do CPP (É a seguinte a redacção deste normativo: “A autoridade judiciária pode autorizar a passagem de certidão em que seja dado conhecimento do conteúdo de acto ou de documento em segredo de justiça, desde que necessária a processo de natureza criminal ou à instrução de processo disciplinar de natureza pública, bem como à dedução do pedido de indemnização civil.”)), porquanto essa autorização tem de estar sujeita aos princípios constitucionais acima referenciados e tem respeitar o que se estatui no n.º 1 do art.º 187.º do CPP. Ou seja, o prescrito no citado n.º 11.º do art.º 86.º não pode ignorar e, muito menos, fazer tábua rasa do que se estatui no capítulo referente às escutas telefónicas.
Como também não faz sentido sustentar que o dano na intercepção das escutas se consome no momento da sua realização e que, por isso, não haveria violação de qualquer direito na sua transposição para outro processo e a sua valoração neste, desde logo, porque tal constituiria uma flagrante violação do princípio constitucional que restringe essa possibilidade aos processos penais onde se investigam certo tipo de crimes e, para além disso, porque a devassa em que as escutas se traduzem é potenciada de cada vez que se alarga o número de pessoas que a elas têm acesso, sendo que é sobretudo no momento da sua utilização/valoração que se materializa a danosidade delas decorrente e se concretiza a violação dos direitos fundamentais que a proibição da sua realização visa acautelar.
Finalmente, não se desconhece que a interpretação do mencionado quadro legislativo ora acabada de fazer poderá fragilizar a perseguição e punição de determinadas infracções e, no limite, consente que se absolva disciplinarmente um agente que foi punido em sede penal pelos mesmos factos só porque a prova obtida no processo crime não pode ser utilizada em sede disciplinar. Mas essa possibilidade foi um risco assumido pelo legislador e, por isso, não resta ao intérprete senão respeitar a sua opção. (…)”.
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Sumário:
I. A prova por escutas telefónicas está limitada ao processo criminal, não podendo ser usada em processos de outra natureza, designadamente no processo em que se discute infracção disciplinar laboral ainda que consistente nos mesmos factos que integram a imputação criminal.
II. A natureza urgente da acção de impugnação da licitude e regularidade do despedimento não impede as partes de oferecerem, nos limites temporais processualmente definidos, os meios de prova que entenderem adequados à defesa das respectivas posições.
III. Deve por isso deferir-se, salvo manifesta inutilidade ou impertinência, o requerimento de junção de documentos reputados relevantes para a prova dos factos e admitir-se a junção, pela contraparte, dos documentos que a propósito entender oferecer.
IV. Podem ser juntos aos autos os depoimentos prestados por testemunhas noutros processos em que seja parte aquele contra o qual os depoimentos são neste oferecidos, desde que tenham sido salvaguardadas as garantias de defesa da mesma parte no processo em que os depoimentos foram prestados, não sendo porém necessário demonstrar que a parte efectivamente os contraditou, sendo ainda que tal junção é independente do facto da decisão formada sobre tais depoimentos no processo em que foram proferidos ter transitado em julgado.
V. A junção de depoimentos testemunhais prestados noutro processo é tanto mais justificada quanto as testemunhas já tenham também deposto no processo ao qual se pretende a junção, em sentido invocado como diverso daquele em que, no outro processo, ocorreu o depoimento.

Eduardo Petersen Silva
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).