Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP00038604 | ||
| Relator: | HENRIQUE ARAÚJO | ||
| Descritores: | ANULAÇÃO JULGAMENTO APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO | ||
| Nº do Documento: | RP200512130524615 | ||
| Data do Acordão: | 12/13/2005 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | PROVIDO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I- O julgamento pelo juiz singular das questões de facto, quando o deve ser pelo Tribunal Colectivo, leva à anulação do julgamento. II- Não estabelecendo a lei prazo para a anulação, pode ser decretado ou declarado até ao trânsito em julgado da sentença em regime semelhante ao da incompetência absoluta. III- Hoje, o regime é do artº 110 nº 4, por remissão do nº 3 do artº 646 do C. P. Civil (conhecimento até ao encerramento da audiência). | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: RELATÓRIO B......... e mulher, C.........., residentes na Rua ......, n.º ...., ....., Vila Nova de Gaia, intentaram, no Tribunal Judicial dessa localidade, contra D........... e mulher, E........., residentes na Rua ......, n.º ..., ...., Vila Nova de Gaia, a presente acção de condenação, com processo ordinário, pedindo que os Réus sejam condenados a pagar-lhes a quantia de Esc. 4.200.000$00, acrescida de juros à taxa legal de 15% a contar da citação até integral pagamento, alegando para o efeito que: - Por contrato verbal, o Autor marido deu de arrendamento ao Réu marido uma dependência do prédio urbano identificado no art. 1º da petição inicial, pelo prazo de um ano, renovável, com início em 01.06.1989, para o Réu marido aí exercer a actividade industrial de moagem, mediante a contrapartida anual de Esc. 300.000$00, paga em duodécimos de Esc. 25.000$00; - O Réu marido abandonou o locado em Junho de 1991, sem que tivesse pago qualquer renda; - Por outro lado, o Réu marido danificou completamente a dita dependência, fazendo obras para as quais não obteve qualquer autorização por banda do Autor e de sua mulher; - Os Réus são casados sob o regime de comunhão de adquiridos e vivem dos proventos que o Réu marido aufere da actividade comercial de moagem. Em 17.11.1994 foi ordenada a citação dos Réus, constando dos autos, a fls. 9 e 12, as respectivas certidões de citação. Porque não foi apresentada contestação, o Mmº Juiz mandou cumprir o disposto no art. 484º, n.º 2 do CPC e, de seguida, proferiu sentença em que condenou os Réus no pedido. A Ré E.........., através do requerimento de fls. 19 a 21, deduziu o incidente de falsidade da citação constante da certidão de fls. 12. Sem prejuízo, recorrerem os Réus da sentença que os condenou. O recurso foi admitido como sendo de apelação, com efeito suspensivo. O Autor respondeu ao incidente. Foi citada para o incidente a Srª Oficial de Justiça, F........, que contestou pela forma que consta de fls. 42 a 44. Instruiu-se o incidente de falsidade, elaborando-se a Especificação e o Questionário que foram alvo de reclamação não atendida – v. fls. 54 e 58. Realizado o julgamento do incidente, respondeu-se à matéria do Questionário, em 28.10.2003, pela forma e com a fundamentação que consta de fls. 126. No dia designado para possíveis reclamações à decisão sobre a matéria de facto (10.03.2004!) a Ré E....... requereu a nulidade do julgamento, com base na inobservância das regras da competência e reclamou das respostas. Por despacho datado de 22.03.2004, o Mmª Juiz julgou improcedente a invocada nulidade e indeferiu a reclamação deduzida. A Ré recorreu, tendo o respectivo recurso sido admitido como de agravo, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo – v. fls. 217. A fls. 230/231, o Mmº Juiz proferiu decisão sobre o incidente de falsidade, julgando-o improcedente e condenando a E........ na multa de 80 Ucs, como litigante de má fé. Dessa decisão interpôs recurso a Ré. O recurso foi admitido como de agravo, com subida imediata nos próprios autos e como efeito suspensivo do processo – v. fls. 247. Na motivação dos três recursos que interpôs (apelação e dois agravos), a Ré E....... defende a revogação dos julgados e formula, para esse fim, as seguintes conclusões: A. Na apelação (fls. 39/41): 1. A sentença de que se recorre está prejudicada pela alegada falta de citação, acto indispensável para a verificação do pressuposto fundamental do instituto de contraditoriedade que no caso foi violado, como dispõe o art. 228º do CPC. 2. Assim, a sentença em apreciação é nula, pois todo o processado a partir da petição o é, porque a Ré, apelante, não foi citada para a acção como estipula o art. 194º do CPC que a mesma violou. 3. Ainda, a sentença violando a norma da al. a) do art. 510º do CPC devia conhecer a nulidade da citação antes de decidir de mérito, bem como pelas mesmas razões violou o n.º 1 do art. 660º do mesmo diploma, sendo certo que contrariamente ao que lhe faculta o n.º 2 do art. 666º, devia a mesma sentença suprir as nulidades invocadas e ordenar se repetisse a citação, como o dispõe o n.º 1 do art. 242º do diploma referido, que foi omitido. 4. Finalmente, a douta decisão fez errada aplicação do n.º 1 do art. 484º e do n.º 2 do art. 486º, pois por um lado a Ré não foi citada e não pode, como o fez, considerar os factos articulados pelo A. como confessados, e, por outro lado, havendo, como haverá, prazo para a Ré contestar, este pode aproveitar ao Co-Réu, seu marido. B. No 1º agravo (fls. 220 a 225): 1. Impugna o efeito e a forma de subida do recurso de agravo, a que deve ser fixado o efeito suspensivo com subida imediata, pois, de outra forma, a sua retenção o tornará totalmente inútil, além da sua subida diferida não se compadecer com a arguição da incompetência suscitada nos autos, pelo que o douto despacho no que concerne ao efeito e ao regime de subida do recurso omitiu o disposto nos artigos 740º e 734º do CPC. 2. O mesmo despacho em apreciação ao julgar improcedente a nulidade do julgamento fez errada aplicação do disposto pelo n.º 1 do art. 23º do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro e art. 647º, n.º 1, do CPC. 3. É que, reiterando, como resulta da notificação de fls. 54 verso dos autos, as partes foram notificadas nos termos e para os efeitos do art. 512º do CPC, segundo a redacção de 1961 e, dispondo o art. 364º, nos seus números 1º, al. c) e 2º do CPC, que o julgamento do incidente será feito segundo as regras do processo ordinário consoante o valor, no caso em apreço é uma acção com processo ordinário e competia ao Tribunal Colectivo julgar o incidente como bem se defende no despacho de fls. 67. 4. E, mesmo que se entendesse, o que não se aceita, que ao caso seria aplicável o regime do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, as partes por um lado não foram notificadas para requerer a gravação da audiência e, por outro não a requereram, pelo que o despacho recorrido violou, por errada interpretação, o disposto no n.º 1 do art. 23º deste último diploma citado e as normas do art. 646º, bem como do n.º 1 do art. 512º, ambos do CPC. 5. É que expressamente se refere no n.º 1 deste preceito que a discussão e julgamento da causa são feitos com intervenção do Tribunal Colectivo. A excepção, no caso, seria se uma das partes tivesse requerido gravação da audiência final. No caso em juízo não ocorreu. 6. Ainda, o Senhor Juiz ofendeu, por não aplicação do disposto no n.º 4 do art. 110º, pois deixou de conhecer uma questão de que devia tomar conhecimento e omitiu o que vem disposto nos arts. 68º e 69º, todos do CPC. C. No 2º agravo 1. A sentença em recurso deixou de considerar os factos admitidos por acordo, concretamente os factos alegados nos arts. 17º e 18º do requerimento a arguir a falsidade, violando, pois, o disposto pelo n.º 3 do art. 659º do CPC. 2. A sentença, sem prejuízo do que ao diante expenderá, ocupou-se de factos, alterando-os quanto ao local que a Senhora Funcionária refere na sua contestação, pois alega ter citado a Recorrente na Rua ......, n.º 26, em ....., desta comarca, tendo o Tribunal respondido que a citou na Travessa de ......, n.º 26, ...., Vila Nova de Gaia, pelo que violou o disposto nos arts. 660º, n.º 2 e 664º, que impõe ao Juiz que só pode servir-se dos factos articulados pelas partes e a resposta dada aos quesitos quanto ao local da pretensa citação não se enquadram na previsão do art. 514º do mesmo diploma. Se a Senhora Funcionária alega que citou a Recorrente na R. ..... não podia o Tribunal subrogar-se a ela para concluir que a citação foi feita na Travessa ....., pelo que também não podia conhecer de tal questão sob pena de praticar a nulidade, como o fez, prevista na al. d) do n.º 1 do art. 668º do diploma citado. 3. E, até numa fase anterior à prolação da douta sentença, e nesta, o Tribunal, ao responder como respondeu à matéria dos arts. 2º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 16º, 17º, 18º, 19º e 20º violou os mais elementares princípios da prova estabelecidos pelos arts. 371º e 372º e n.º 2 do art. 393º, todos do Código Civil. 4. Pois, por um lado, dá como provado que a Recorrente não compareceu no Tribunal após a citação do demandado referida na al. c) da especificação (resposta ao quesito 1º), e, por outro, atesta o teor da certidão de fls. 12 que a citação se efectuou em Gaia, daí que se imponha, face ao disposto no n.º 2 do art. 393º do CC, alterar as respostas dadas à matéria dos quesitos mencionados na conclusão n.º 3 destas alegações quanto aos factos a que não era admissível prova testemunhal de “provada” para “não provada”. 5. Ainda, o Tribunal deixou de fazer aplicação do disposto no n.º 1 do art. 242º do CPC então em vigor, que impunha ao senhor oficial de justiça que no duplicado lançasse nota com a menção do dia, hora da citação, do prazo marcado para a defesa e da cominação aplicável. Ora, nem a Senhora Funcionária alega no n.º 7 da sua contestação ter a certeza se entregou à Recorrente um duplicado da petição inicial, porquanto o duplicado destinado aos Réus apresentado pelos AA. havia já sido entregue ao Réu marido aquando da citação remetendo essa alegação para fls. 22 a 26 que são, em suma, a certidão da citação do seu marido, os duplicados da petição e um documento particular. 6. Nesses documentos de que se prevaleceu não constam as menções impostas pelo art. 242º do CPC. Nem o Tribunal recorrido considerou, não obstante dar como provado aquilo que a Senhora Funcionária timidamente invocou quanto à entrega dos duplicados, se nesses duplicados estavam lançadas as já aludidas menções, sendo certo que nem a alegação que ela faz de que a assinatura da Recorrente aposta na certidão era igual à da procuração de fls. 28 “a assinatura se encontra reconhecida por notário”. A fls. 28, a assinatura não está reconhecida notarialmente, como se depreende da consulta dos autos. 7. Pelo que o Tribunal não considerou questões que devia conhecer, pois por um lado deixou de especificar a matéria dos números 17 e 18 do requerimento em que foi suscitado o incidente, por não contestada, e, por outro, não levou ao questionário os factos a que se refere o n.º 1 do dito art. 242º, violando, pois, a disciplina do n.º 1 e n.º 3 do art. 511º do CPC. 8. E a má fé ilidir-se-á com toda a argumentação da Recorrente, sendo a sua conduta lícita, transparente, fundamentada e jamais temerária ou sem fundamento, e a condenação na multa de 80 Ucs., além de na sentença não se vislumbrarem os motivos e critérios em que ela se fundamenta, mesmo se motivos houvesse para a sua condenação, no equivalente a 1.427.432$00, é, efectivamente, uma enormidade que o signatário, com já mais de trinta anos de advocacia, nunca viu. Crê, porém, que não é certamente porque a visada no incidente foi uma Senhora Funcionária da justiça, que não podia ser questionada nas suas funções que, e reiterando, teria cumprido em Gaia, no Tribunal, como refere ao elaborar uma pretensa citação de fls. 12 e como, mais tarde, ela também diz contra o que atestou seria uma rua que nem existe na R. ....., .... . Apenas isto afastará a má fé que emerge na sentença, mas não a qualquer título no comportamento da Recorrente. Os recorridos não responderam em nenhum dos recursos. O Mmº Juiz proferiu despacho de sustentação tabelar relativamente às decisões impugnadas nos agravos. Foram colhidos os vistos legais. * Sendo o objecto de cada um dos recursos delimitado pelas respectivas conclusões da recorrente – arts. 684º, n.º 3 e 690º do CPC – as questões que reclamam solução são: - o 1º agravo devia ter subido imediatamente e com efeito suspensivo? - verifica-se a nulidade do julgamento motivada pela incompetência do tribunal singular? - deve ser modificada a decisão da matéria de facto? - deve ser alterada a decisão na parte relativa à condenação da agravante como litigante de má fé? - a sentença que condenou os Réus é nula? * II. FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS Importa considerar, para além do que consta do antecedente relatório, os factos que resultaram provados em sede de incidente de falsidade: 1. Por sentença proferida a fls. 13 verso a 17 verso foi a presente acção declarativa, com processo ordinário, julgada procedente e, em consequência, os demandados condenados a pagar aos demandantes a quantia de 4.200.000$00, acrescida de juros moratórios desde 09.01.95 até integral pagamento, à taxa anual de 15% até 29.09.95 e à taxa anual de 10% a partir do dia imediato (alínea A da especificação). 2. A sentença referida foi notificada aos demandados através de carta registada expedida em 2 de Julho de 1996 (alínea B). 3. Na aludida sentença diz-se que os Réus foram regularmente citados na sua própria pessoa, o que ocorreu em 9 de Janeiro de 1995 e não contestaram (alínea C). 4. A demandada mulher chama-se E.......... e não apenas E....., como consta da mesma sentença (alínea D). 5.O demandado foi citado para a acção em 2 de Dezembro de 1994, tendo-lhe sido entregue o duplicado da petição inicial (alínea E). 6. A demandada não compareceu no tribunal para ser citada em consequência do aviso postal que ao demandado marido e a ela foi enviado, os quais vivem em economia comum (alínea G). 7. A requerente não compareceu no tribunal após a citação do demandado referida na alínea E) da especificação (artigo 1º do questionário). 8. A demandada foi citada em 9 de Janeiro de 1995 (artigo 2º). 9.Em sua casa (artigo 3º). 10. No dia 9 de Janeiro de 1995 a demandada esteve acamada após, pelo menos, as 16h30, com uma infecção respiratória que lhe provocou um estado febril (artigos 4º, 5º e 6º). 11. No referido dia 9 de Janeiro de 1995 a demandada assinou a certidão constante de fls. 12 (artigo 8º). 12. E foi-lhe explicado que pendia contra ela e o marido a presente acção, cujo duplicado da petição inicial lhe foi entregue (artigo 9º). 13. E foi-lhe indicado o prazo para deduzir oposição (artigo 10º). 14. E advertida de que a falta de contestação importava a confissão dos factos articulados pelo demandante (artigo 11º). 15. A demandada foi contactada pela funcionária do ....º Juízo Cível, F......., no dia 9 de Janeiro de 1995 na residência dela, sita na Travessa de ...., nº26, ...., Vila Nova de Gaia (artigo 12º). 16. E foi pela mesma funcionária citada para no prazo de 20 dias contestar, querendo, a presente acção que lhe movia B......... e esposa (artigo 13º). 17. No fim do contacto e explicação referidos nos artigos 11º, 12º e 13º a demandada, pelo seu próprio punho, apôs a sua assinatura na certidão constante de fls. 12 (artigo 14º). 18. A referida assinatura é igual à que consta na procuração junta a fls. 28 (artigo 15º). 19. Foi a demandada que disse à requerida o seu nome completo (artigo 16º). 20. A requerida entregou à demandada uma nota de citação, mencionando o dia da citação, o prazo para contestar, a cominação em que incorreria caso não contestasse e o número do processo e juízo em que corria termos (artigo 17º). 21. E foi-lhe entregue o duplicado da petição inicial (artigo 18º). 22. O contacto e citação da demandada verificou-se junto ao portão da sua residência (artigo 20º). O DIREITO Começaremos por apreciar os agravos. 1º Agravo: Começa a agravante por contestar o efeito e o regime de subida do recurso, pretendendo que, ao contrário do que foi determinado a fls. 217, o dito agravo tenha subida imediata e o seu efeito seja suspensivo, por a sua retenção o tornar totalmente inútil e a decisão impugnada respeitar a uma questão de competência. Cremos, porém, que não lhe assiste razão. Além da subida imediata poder ser ditada pela inutilidade resultante da sua retenção (art. 734º, n.º 2), a lei prevê ainda esse regime de subida nas situações especificadas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do art. 734º. Uma dessas situações é a do despacho ter apreciado a competência absoluta do tribunal, ditada pelas regras em razão da matéria (arts. 66º e 67º) e da hierarquia (arts. 70º a 72º) ou pelas regras de competência internacional. Nesse quadro não se integra a competência dos tribunais singulares e dos tribunais colectivos decorrente do valor e da forma de processo aplicável (arts. 68º e 69º). Também não colhe o argumento de que a retenção do agravo o torna totalmente inútil – art. 734º, n.º 2. Como explicita Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume III, pág. 155, “a jurisprudência tem interpretado de forma exigente o requisito da absoluta inutilidade, considerando que a eventual retenção deverá ter um resultado irreversível quanto ao recurso, não se bastando uma mera inutilização de actos processuais, ainda que contrária ao princípio da economia processual”. Sendo assim, a subida do recurso só podia ser diferida para o momento da subida do primeiro recurso que depois dele ser interposto houvesse de subir imediatamente, ou seja, o recurso de agravo interposto da decisão final do incidente de falsidade – art. 735º, n.º 1. Ajuizemos agora da competência do tribunal para o julgamento do incidente. Para esse fim, atentemos no seguinte: - A presente acção deu entrada no Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia em 7 de Novembro de 1994, sendo autuada, como acção ordinária. - Em 1 de Julho de 1996 foi proferida sentença. - Em 12 de Julho de 1996 foi suscitado o incidente de falsidade da citação. - Em 30 de Outubro de 1998 foram elaborados o despacho saneador, a especificação e o questionário, relativos ao incidente de falsidade. - Por carta registada de 2 de Março de 2000 foram as partes notificadas nos termos e para os efeitos do disposto no art. 512º do CPC, na sua anterior redacção – 1961 (v. fls. 54, verso). - No dia 21 de Outubro de 2003 teve lugar o julgamento do citado incidente, com intervenção de tribunal singular. À data da dedução do incidente, o art. 364º, dispunha no n.º 1, al. c) e no n.º 2 do CPC que: “O incidente é julgado com a causa principal …” e que “ … a instrução e julgamento far-se-ão segundo as regras do processo ordinário ou sumário, consoante o valor da causa, salvo o disposto no art. 304º …”. O valor do incidente é o da causa e o desta estava fixado em Esc. 4.200.000$00 – v. fls. 4, verso. Logo, cabendo à acção a forma ordinária, o julgamento do incidente deveria ser feito com intervenção do tribunal colectivo, de acordo com o que então regiam os arts. 462º, n.º 1 e 646º, n.º 1 – cfr. art. 20º da LOTJ. Em 12 de Dezembro de 1995 foi publicado o DL 329-A/95 que operou uma profunda reforma do processo civil. Esse diploma foi aperfeiçoado pelo DL 180/96, de 25 de Setembro, que, entre o mais, aditou àquele os arts. 18º a 29º. O bloco normativo constituído por esses dois diplomas consagrou um sistema misto no que concerne à sua aplicação no tempo. Algumas normas poderiam ser imediatamente aplicadas às acções então pendentes, enquanto que outras (a larga maioria) só o seriam nos processos iniciados a partir do dia 1 de Janeiro de 1997. É o que decorre do art. 16º do DL 329-A/95, na redacção final do DL 180/96, segundo o qual: “Sem prejuízo do disposto no artigo 17º, o DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as modificações decorrentes do presente diploma, entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997 e só se aplica aos processos iniciados após esta data, salvo o estipulado no artigo 13º e nos artigos seguintes”. Deste modo, o disposto no artigo 13º (disposição que prescrevia a derrogação das disposições do CCJ que impunham a prévia contagem do processo ou de quaisquer incidentes nele inseridos antes da subida dos recursos), nos artigos 18º a 22º (que respeitam aos prazos processuais – art. 18º, ao regime das citações e notificações – art. 19º, à marcação de diligências – art. 20º, às limitações ao direito de acesso aos tribunais e do direito à produção de prova documental – art. 21º, e aos procedimentos cautelares) e nos artigos 23º a 25º (que concernem à tramitação dos processos declaratórios) constituíam excepções ao princípio de que a reforma processual só abarcaria as acções iniciadas após o dia 1 de Janeiro de 1997. Todas as situações contempladas nesses artigos seriam, portanto, reguladas pela lei nova. Centremos, todavia, a nossa atenção no estatuído no art. 23º do DL 329 - A/95, introduzido pelo DL 180/96, já que foi este preceito que motivou o indeferimento da nulidade e que originou o presente agravo. Esse artigo, sob a epígrafe “Instrução” refere que: “Às provas propostas em prazo iniciado após a entrada em vigor do presente diploma, bem como a quaisquer diligências instrutórias oficiosamente ordenadas após aquela data, é aplicável o regime de direito probatório emergente da lei nova, incluindo o disposto no artigo 512º-A, bem como o preceituado no n.º 4 do artigo 181º e no artigo 647º do Código de Processo Civil, na redacção introduzida por este diploma”. De acordo com este artigo, seriam de aplicação imediata: - o estipulado no art. 512º-A, relativamente à possibilidade de alteração do rol de testemunhas, até 20 antes da data da realização da audiência final – n.º 1 do art. 23º; - o disposto no art. 181º, n.º 4, abrindo a possibilidade de o juiz, perante o não cumprimento atempado de carta precatória, determinar a comparência pessoal do depoente na audiência final, quando considerasse a sua presença essencial à descoberta da verdade e se não prefigurasse uma situação de sacrifício desproporcionado – n.º 1 do art. 23º; - o estabelecido no art. 647º, relativamente à prova pericial destinada ao apuramento de danos, com vista a acelerar o andamento de acções indemnizatórias bloqueadas em consequência de demora anormal na produção da prova pericial – n.º 1 do art. 23º; - o preceituado quanto à prova documental, designadamente no que se refere ao regime de impugnação da genuinidade de documento – n.º 2 do art. 23º No despacho que indeferiu a nulidade da competência do tribunal para o julgamento, o Mmº Juiz escreveu: “(…) em 30.10.98 foi elaborado despacho saneador, especificação e questionário relativo ao incidente. Uma vez que o referido despacho foi elaborado no âmbito da vigência do Código de Processo Civil na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, nos termos do art. 23º, n.º 1, do referido diploma é aplicável ao presente processo o regime consagrado no artigo 646º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aí revisto: ‘A discussão e julgamento da causa são feitos com intervenção do tribunal colectivo se alguma das partes a tiver requerido’ requerimento esse previsto na nova redacção introduzida ao art. 512º, n.º 1, do mesmo diploma. Ora, nenhuma das partes do incidente requereu a intervenção do Tribunal Colectivo. Pelo exposto, julgo improcedente a arguida nulidade” Da leitura deste despacho ressalta uma imprecisão que inquinou o raciocínio do Mmº Juiz a quo, qual seja a de, contrariamente ao que é afirmado, em nenhum momento o invocado preceito do art. 23º, n.º 1, mandar aplicar imediatamente aos processos pendentes o disposto no art. 646º, n.º 1, na redacção revista. Como resulta do que acima se explicitou com detalhe, o art. 23º, n.º 1, nem sequer faz qualquer referência ao artigo 646º. Daqui se conclui que o julgamento do incidente de falsidade teria de ser realizado com intervenção do tribunal colectivo, pois que o disposto no art. 646º, n.º 1, na redacção anterior (aplicável à situação por força do disposto no art. 16º, n.º 1 do DL 329-A/95) a tal obrigava, e também porque as partes não fizeram uso da possibilidade aberta pelo art. 28º do DL 329-A/95, consistente na adequação do processado à nova legislação, caso os autos não estivessem ainda conclusos – como não estavam – para elaboração do despacho saneador. Já vimos, porém, que o julgamento decorreu perante tribunal singular. Ora, o n.º 3 desse art. 646º do CPC dispunha que “se as questões de facto forem julgadas pelo juiz singular quando o devam ser pelo tribunal colectivo, será anulado o julgamento”. Não estabelecendo a lei prazo para a anulação, entendia-se que as partes podiam requerê-la e o tribunal podia oficiosamente decretá-la a todo o tempo, até ao trânsito em julgado da sentença, em regime semelhante ao da incompetência absoluta – v. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, Tomo IV, pág. 497, Lebre de Freitas, ob. cit., Vol. II, pág. 605 e Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, Vol. III, págs. 138/139. Actualmente, a tal nulidade aplica-se o regime do art. 110º, n.º 4, do CPC, por força da remissão do n.º 3 do art. 646º, sendo assim possível argui-la ou dela conhecer oficiosamente até ao encerramento da audiência, momento que se alcança com a decisão sobre da matéria de facto e após pronúncia sobre as reclamações que eventualmente lhe sejam dirigidas – art. 653º. Foi precisamente na altura em que o tribunal se aprestava para decidir as reclamações apresentadas pela agravante sobre a decisão da matéria de facto, que esta suscitou a incompetência do tribunal. Temos, assim, que a arguição da agravante foi tempestiva, dado que ocorreu antes do trânsito em julgado da decisão do incidente de falsidade. E não há dúvida de que o fundamento dessa arguição tem plena justificação e suporte legal, como se viu. Por isso, o 1º agravo, nessa parte, merece provimento. 2º Agravo e Apelação A anulação do julgamento do incidente de falsidade impede o conhecimento da apelação, cujo objecto depende da decisão a proferir no citado incidente. Por seu turno, a decretada anulação prejudica o conhecimento do 2º agravo. * III. DECISÃO Nos termos que ficaram expostos, decide-se: A. Conceder provimento ao 1º agravo, anulando-se o julgamento do incidente de falsidade e determinando-se que o mesmo seja repetido com intervenção do tribunal colectivo. Não tomar conhecimento do 2º agravo e da apelação. * Custas de acordo com o vencimento que se verificar a final. * Porto, 13 de Dezembro de 2005Henrique Luís de Brito Araújo Alziro Antunes Cardoso Albino de Lemos Jorge |