Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0644660
Nº Convencional: JTRP00039765
Relator: FERREIRA DA COSTA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
NEGLIGÊNCIA
Nº do Documento: RP200611200644660
Data do Acordão: 11/20/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 39 - FLS. 65.
Área Temática: .
Sumário: I. Tendo a autoridade administrativa condenado a arguida a título de negligência, observando a respectiva moldura, ficou a mesma a saber, pelo menos aí, que a imputação lhe era feita a esse título.
II. Na actividade normal da arguida (entidade bancária), os actos praticados por cada um dos trabalhadores são actos dela, uma vez que se trata do desempenho da sua actividade corrente. Daí que, se o trabalhador a quem foi distribuída a tarefa de proceder ao registo do trabalho suplementar, não a cumprir, não pratica um ilícito contra-ordenacional, mas apenas, se for caso disso, um ilícito disciplinar, pois agindo como mero elemento da organização produtiva do empregador, é este sempre o autor da contra-ordenação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Não se conformando com a decisão da Inspecção-Geral do Trabalho que lhe aplicou a coima de € 2.000,00 pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pela conjugação dos Art.ºs 204.º, n.ºs 1 e 4, 663.º, n.º 2 e 620.º, n.º 3, alínea e), todos do Cód. do Trabalho, veio a arguida B…………, S.A. recorrer para o Tribunal do Trabalho.
Porém, tendo este considerado, pela douta sentença de fls. 125 a 131, que o recurso era improcedente, decidiu confirmar a referida decisão administrativa.
Inconformada com tal decisão, interpôs a arguida recurso para esta Relação, pedindo a sua absolvição, tendo formulado a final as seguintes conclusões:

1. Na douta Sentença recorrida, ficou provado que: "...O recorrente dá instruções aos seus trabalhadores para que procedam ao registo imediato de todo o trabalho suplementar realizado ...Os factos provados e não provados resultaram da análise crítica da prova produzida em audiência, nomeadamente das declarações... das arroladas pelo recorrente, todas seus funcionários, que declararam que receberam formação da sua entidade patronal, na qual se inclui ordens para proceder ao mencionado registo, o que fazem quando tal se verifica...".
2. Verifica-se, assim e ao contrário do que se considerou na douta Sentença ora recorrida que a Entidade Patronal diligenciou por todos os meios ao seu alcance e no estrito cumprimento do critério de um bonus pater familiae no sentido de serem cumpridos todos os normativos legais referentes ao registo do trabalho suplementar, pelo que da sua parte não existiu qualquer comportamento negligente que permita imputar-lhe a prática de qualquer contra-ordenação.
3. Aliás, a falta de registo do trabalho suplementar que estava a ser prestado pelos trabalhadores ficou a dever-se a uma omissão do trabalhador responsável pela realização do registo.
4. E, ao não proceder ao registo da prestação do trabalho suplementar em conformidade com as exigências legais, o trabalhador responsável pela realização do registo da agência autuada procedeu contra as instruções expressas da Entidade Patronal.
5. De facto, a responsabilidade de efectuar o registo do trabalho suplementar cabe, dentro de cada uma das agências da sociedade autuada, ao respectivo responsável ou, na sua ausência, aos colaboradores autorizados.
6. 6. Adianta ainda aquela douta Sentença que; "...a negligência nas contra-ordenações laborais é sempre punível..."
7. Invocando para o efeito o disposto no Art.º 616º do Código do Trabalho.
8. Porém, tal situação só deverá operar no caso da aludida negligência se verificar, ou seja, no caso do comportamento do agente prevaricador consubstanciar o preenchimento dos pressupostos do elemento subjectivo do tipo negligente.
9. Preenchimento que não se logrou alcançar de forma alguma, de acordo com o que anteriormente havia alegado, em sede de impugnação judicial da Decisão da IGT e, tal como veio posteriormente a ser dado como provado, pela douta Sentença alvo do presente recurso, conforme supra se transcreveu.
10. Ora, é um dado assente que a negligência não se presume!!!
11. Pelo contrário, visto que nos encontrarmos no domínio de um processo de contra-ordenação o qual embora sem as mesmas formalidades do processo penal, exige ainda assim que os mesmos princípios, de presunção de inocência, cfr. Art° 32°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa, e de apuramento de responsabilidade objectiva, sejam assegurados, por força da remissão do Art.º' 41°, n.° 1 do Dec-Lei 433/82 de 27 de Outubro.
12. Acresce que o regime das contra-ordenações, nomeadamente das laborais, encontra-se estruturado no sentido da responsabilização das pessoas colectivas/entidades patronais, porém, não deixa de se exigir que se verifiquem certos pressupostos subjectivos infracção.
13. De facto, estatui o artigo 8.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro, que "só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência."
14. E o artigo 616.° Código do Trabalho que "A negligência nas contra-ordenações laborais é sempre punível".
15. Pelo que, é necessário que esses pressupostos subjectivos se verifiquem na pessoa colectiva autuada.
16. E no caso sub judice verifica-se que, da parte da entidade patronal, não existiu comportamento negligente, tendo esta, pelo contrário, dado instruções expressas para que os seus empregados cumprissem as obrigações legais relativas ao registo do trabalho suplementar.
17. E a falta de registo da data da prestação do trabalho suplementar, como referimos supra, deveu-se a uma omissão do trabalhador responsável pela realização do registo.
18. Nestes termos, não pode a presente contra-ordenação ser imputada à sociedade Arguida.
19. Neste mesmo sentido, veja-se o Parecer da Procuradoria Geral da República de 7.7.94, publicado no Diário da República, II Série de 28.4.95, onde se lê que fica excluída a responsabilidade contra-ordenacional da pessoa colectiva no caso de:
20. "(...) se demonstrar que o agente actuou contra ordens ou instruções expressas da pessoa colectiva ou que actuou exclusivamente no seu próprio interesse."
21. Acresce ainda que, nos termos do Art.º 4.°, n.° 1, alínea a) da Lei n.° 116/99, sob a epígrafe "Sujeitos responsáveis pela infracção":
"1. São responsáveis pelas contra-ordenações laborais e pelo pagamento das coimas: A entidade patronal, quer seja pessoa singular ou colectiva, associação sem personalidade jurídica ou comissão especial,- (..). "
22. Decorria da citada norma que, nas situações de facto como a dos presentes autos, em que apesar da materialidade da infracção fosse praticada pelo trabalhador dependente, a punição da respectiva entidade patronal encontrava expresso suporte legal na referida norma.
23. Tal previsão normativa foi, porém, expressamente revogada, nos termos do artigo 21.°, n.° 1, aa) da Lei 99/2003, de 27 de Agosto.
24. Tendo sido expressamente revogada a referida norma, não se encontra no novo regime (previsto no Código do Trabalho), nenhuma disposição legal semelhante.
25. De facto, a norma que corresponde ao revogado artigo 4.° da Lei n.° 116/99, é o artigo 617.° do Código do Trabalho, que dispõe em termos diversos quanto aos sujeitos das contra-ordenações laborais.
26. Como se refere no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04/03/2004, que com a devida vénia se transcreveu.
27. Ora, não tendo ficado provada qualquer matéria de facto que permita co-imputar a conduta omissiva à entidade patronal,
28. E não existindo, em relação a ela, qualquer vínculo de imputação subjectiva relativamente à prática da infracção,
29. Sempre se imporá a sua absolvição.

O Sr. Procurador da República, no Tribunal a quo, apresentou douta alegação de resposta, concluindo pela improcedência do recurso.
Nesta Relação, a Ex.m.ª Sr.ª Procuradora da República emitiu douto parecer, no sentido do não provimento do recurso, tendo acompanhado a posição expressa pelo Sr. Procurador da República, no Tribunal a quo.
A Recorrente tomou posição acerca do teor de tal parecer, concluindo no sentido anteriormente indicado na sua impugnação.
Recebido o recurso, correram os legais vistos.

Cumpre decidir.

São os seguintes os factos considerados provados e não provados, pelo Tribunal a quo:

a) - No dia 24 de Maio de 2005, pelas 18:00 horas, no estabelecimento da arguida, sito na Rua ………., Santo Tirso, encontravam-se no exercício das suas funções, os seus trabalhadores C…………, D………. e E………….;
b) - De acordo com o horário de trabalho afixado, tais trabalhadores deveriam ter terminado o trabalho pelas 16:30 horas;
c) - Não existia registo do trabalho que os aludidos trabalhadores estavam a executar para além do estabelecido horário;
d) - A recorrente dá instruções aos seus trabalhadores para que procedam ao registo imediato de todo o trabalho suplementar realizado;
e) - Na delegação em causa encontrava-se um responsável da recorrente;
f) - O volume de negócios da recorrente, conforme mapa de quadro do pessoal de 2004, foi superior a € 10.000.000,00.
g) - Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para a boa decisão da causa.

O direito.
Sendo pelas conclusões respectivas que se delimita o respectivo objecto, a única questão a decidir neste recurso consiste em saber se a contra-ordenação dos autos é imputável à arguida a título de negligência.
Vejamos.
O presente recurso é restrito à matéria de direito, atento o disposto nos Art.ºs 75.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, ex vi do disposto no Art.º 615.º do Cód. do Trabalho, salvo se se verificar qualquer dos vícios previstos nas alíneas [a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova] do n.º 2 do Art.º 410.º do Cód. Proc. Penal, situação em que a Relação pode reenviar o processo ao Tribunal do Trabalho para novo julgamento, atento o disposto no Art.º 426.º, n.º 1 deste último diploma, ou alterar a matéria de facto se dispuser dos elementos previstos em qualquer das alíneas do Art.º 431.º do mesmo código [Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se, havendo documentação da prova, esta tiver sido impugnada, nos termos do artigo 412.º, n.º 3; c) Se tiver havido renovação da prova].
Porém, in casu, considerando os documentos juntos aos autos e sendo os factos pertinentes necessários à decisão do recurso, alteramos a matéria de facto, atento o disposto na referida alínea a) do Art.º 431.º do Cód. Proc. Penal, substituindo o constante da alínea g), supra, pelos seguintes factos, que consideramos provados:
h) - Na notificação de fls. 7, pela qual foi remetido o auto de notícia, consta que a Arguida poderá proceder ao pagamento voluntário da coima pelo seu montante mínimo, correspondente à infracção praticada com negligência, no montante de € 1.335,00.
i) A Inspecção-Geral do Trabalho condenou a recorrente na coima de € 2.000,00, em aplicação da moldura prevista no Art.º 620.º, n.º 3, alínea e) do Cód. do Trabalho.
j) No âmbito da formação referida na alínea d) a recorrente informou por escrito os seus trabalhadores de “…que os empregados não são responsáveis pelo pagamento das coimas emergentes de contra-ordenações laborais, recaindo tal ónus sobre a entidade patronal”.
Vejamos agora a questão propriamente dita.
Tendo a Inspecção Geral do Trabalho [de ora em diante, apenas IGT] aplicado à recorrente a coima de € 2.000,00, imputando-lhe uma contra-ordenação grave, prevista e punida pela conjugação dos Art.ºs 204.º, n.ºs 1 e 4, 663.º, n.º 2 e 620.º, n.º 3, alínea e), todos do Cód. do Trabalho, logo se verifica que fez a imputação a título de negligência, pois o mínimo da respectiva moldura é de € 1.335,00 [15UC x € 89,00 = € 1.335,00].
Ora, a negligência, definindo-se como a inobservância do dever objectivo de cuidado imposto por lei, traduz-se num comportamento [por omissão]. Assim, impondo a lei determinada conduta e provando-se que um agente não a adoptou, verifica-se desde logo a contra-ordenação, imputável a título de negligência, pelo menos. Saber se é dolosa, já exige a prova da prática de factos [por acção], donde se possa concluir a intenção consciente e deliberada de adoptar determinado comportamento ilícito. De qualquer modo, tendo a contra-ordenação sido punida dentro da moldura da negligência, fica arredada a hipótese da sua imputação a título de dolo.
Ora, no que à negligência, in casu, respeita, importa referir também que a norma do Art.º 204.º, n.º 1 do Cód. do Trabalho impõe o dever de elaborar um registo que documente o trabalho suplementar prestado, sendo certo que a IGT constatou que ele não foi efectuado. Daqui segue-se que a omissão é imputável a quem, como a arguida, a lei impõe a obrigação de elaborar o registo, sem necessidade de prova de quaisquer outros factos. Não é que a negligência se presuma, mas deduz-se de determinada conduta omissiva.
Convém referir, de igual modo, que podendo a imputação da infracção ser feita a título de dolo ou a título de negligência, é da experiência comum que no direito de mera ordenação social, como antes nas transgressões e contravenções, a imputação regra é feita a título de negligência, permitindo a lei o pagamento voluntário pelo mínimo dentro da moldura da negligência. Não se tratará certamente de capricho do legislador, mas certamente a constatação – da vida – de que o dolo não se prova, por via de regra, nem isso será muito importante dada a natureza do direito – do bem jurídico – em causa.
De qualquer modo, a própria enunciação da contra-ordenação constante do auto de notícia de fls. 4 e 5 – inexistência do registo do trabalho suplementar que estava a ser efectuado – inculca a ideia de inobservância de dever objectivo de cuidado, a integrar o conceito de negligência, sem necessidade de outra alegação. Na verdade, tendo a arguida trabalhadores seus que asseguram o funcionamento de determinado estabelecimento seu, a falta de registo do trabalho suplementar prestado, imposto por lei, revela, no mínimo e sem mais, que a arguida fez, nesse aspecto, uma gestão descuidada – o que se afirma por mero dever de ofício.
Por outro lado, como vem provado,
h) - Na notificação de fls. 7, pela qual foi remetido o auto de notícia, consta que a Arguida poderá proceder ao pagamento voluntário da coima pelo seu montante mínimo, correspondente à infracção praticada com negligência, no montante de Euros 1.335,00.
Ora, com esta notificação, ficou claro que a IGT fez a imputação da contra-ordenação à recorrente pela forma menos gravosa, ou seja, a título de negligência.
De qualquer forma, tendo a autoridade administrativa condenado a arguida a título de negligência, observando inclusive a respectiva moldura, pelo menos aí a arguida tinha ficado a saber que a imputação era feita a título de negligência, ficando assim superada a falta - invocada - de indicação do elemento subjectivo da infracção. É que, não é o auto de notícia que equivale à acusação em processo crime, como por vezes se pretende fazer crer, mas apenas a remessa dos autos da autoridade administrativa ao Ministério Público e deste ao Juiz, como decorre claramente do disposto no Art.º 62.º, n.º 1, in fine, do RGCO.
{O processo de contra-ordenação constitui uma realidade sui generis que representa um meio termo [um tertium genus] entre o tradicional processo administrativo sancionador e o tradicional processo criminal, como refere Mário Gomes Dias, Contra-Ordenações, Notas e Comentários, Escola Superior de Polícia, citado na nota (24) do Assento n.º 1/2003, de 2002-10-16, in Diário da República, I Série-A, de 2003-01-25}.
Ora, nesse momento, se ainda persistissem, teriam terminado as dúvidas que pudessem existir acerca da forma da imputação da infracção, podendo a arguida suscitar as questões que entendesse pertinentes no recurso que interpôs para o Tribunal do Trabalho.
Concluimos deste modo no sentido de que foi indicada pela IGT a forma de culpa através da qual a contra-ordenação foi imputada, a negligência.
Noutra linha argumentativa, pretende a recorrente que dá instruções aos seus trabalhadores para que procedam ao registo imediato de todo o trabalho suplementar e que a falta de registo do trabalho suplementar que estava a ser prestado pelos trabalhadores ficou a dever-se a uma omissão do trabalhador responsável pela realização do registo, o qual procedeu contra as instruções expressas da entidade patronal, como se vê das primeiras 4 conclusões da presente impugnação. Depois, do cotejo da norma constante do disposto no Art.º 4.º, n.º 1, alínea a) do regime geral das contra-ordenações laborais, anexo à Lei n.º 116/99, de 4 de Agosto, segundo o qual “São responsáveis pelas contra-ordenações laborais e pelo pagamento das coimas a entidade patronal, quer seja pessoa singular ou colectiva…”, com a que lhe corresponde actualmente, no Código do Trabalho, o Art.º 617.º, n.º 1, [que estabelece: Quando um tipo contra-ordenacional tiver por agente o empregador abrange também a pessoa colectiva, a associação sem personalidade jurídica, bem como a comissão especial.], pretende extrair o argumento de que no domínio da aplicação do CT o trabalhador também pode ser o autor de uma contra-ordenação e, por isso, sê-lo-ia in casu, assim entendendo que deveria ter sido absolvida.
Ora, do cotejo de ambas as normas se vê que no regime anterior a contra-ordenação tinha como autor, independentemenete de outras vicissitudes, o empregador, apesar de ser materialmente praticada por um trabalhador. O Código, no entanto, alterou esta realidade, estabelecendo como autor da contra-ordenação, qualquer sujeito a quem ela seja imputável, nomeadamente, o empregador ou o trabalhador.
[Cfr. António Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 12.ª edição, 2004, págs. 59 a 61 - referindo a págs. 60, nomeadamente, o seguinte: «…tanto o empregador como o trabalhador podem ser alvo da aplicação de coimas. E o art. 617º/1 (“quando um tipo contra-ordenacional tiver por agente o empregador…”) confirma-o implicitamente.» - e João Soares Ribeiro, in Contra-Ordenações Laborais, 2.ª edição, 2003, págs. 60 e 88 e 89, Análise do Novo Regime Geral das Contra-Ordenações Laborais e Contra-Ordenações no Código do Trabalho, in Questões Laborais, respectivamente, Ano VII-2000, n.º 15, págs. 12 a 18, nomeadamente e Ano XI-2004, n.º 23, págs. 10 a 16, nomeadamente].
Daí que, relativamente aos transportes, nomeadamente TIR, se tenha vindo a entender agora que embora as contra-ordenações possam ter como autor, por regra, o empregador, dada a natureza do ilícito e dos valores jurídicos que se pretende tutelar, importa verificar, no entanto, face aos factos provados, caso a caso, se a contra-ordenação não será imputável a outro sujeito, nomeadamente, ao trabalhador, uma vez que a lei deixou de direccionar a autoria das infracções, como acontecia no regime anterior, para a entidade empregadora.
O caso dos autos, no entanto, não se compagina com a situação vivida nos transportes rodoviários.
Na verdade, a actividade profissional é desenvolvida, por via de regra, directamente sob as ordens, direcção e fiscalização do empregador ou de representante seu, em estabelecimentos determinados e durante horários de trabalho fixados, quando a actividade dos motoristas é desenvolvida fora de tal controle imediato, em viagens afastadas do empregador no tempo e no lugar – efectuadas durante vários dias e a grandes distâncias das instalações da entidade empregadora, nomeadamente, no estrangeiro – ficando-se sempre sem saber se, verificada uma contra-ordenação, o motorista agiu de determinada forma porque quis ou porque tal lhe foi ordenado pelo empregador ou por outra causa.
Na actividade normal, como a desenvolvida pela recorrente, agindo ela através de pessoas singulares como qualquer pessoa colectiva, os actos praticados por cada um dos trabalhadores são actos dela, imputáveis a ela, pois se trata do desempenho da sua actividade corrente. Tanto assim é que, apesar do disposto no Art.º 617.º, n.º 1 do Cód. do Trabalho, o seu Art.º 204.º, n.º 1 apenas refere o empregador como autor da obrigação de efectuar o registo do trabalho suplementar. Daí que todas as questões que possam eventualmente surgir no que respeita ao registo do trabalho suplementar tenham de ser resolvidas no âmbito das relações de trabalho, entre empregador e trabalhador, por via do poder disciplinar, nao respeitando no entanto ao domínio do ilícito contra-ordenacional. Assim, se o trabalhador a quem foi distribuída a tarefa de proceder ao registo do trabalho suplementar quando ele é realizado, não a cumprir, não pratica um ilícito contra-ordenacional, mas apenas e se for caso disso, um ilícito disciplinar. Pois, agindo o trabalhador como mero elemento da organização produtiva do empregador, é este sempre o autor da contra-ordenação, como o Art.º 204.º, n.º 1 do Cód. do Trabalho estabelece. Aliás, até a arguida o reconhece, embora para outros efeitos, como se vê do facto assente sob a alínea j):
No âmbito da formação referida na alínea d) a recorrente informou por escrito os seus trabalhadores de “…que os empregados não são responsáveis pelo pagamento das coimas emergentes de contra-ordenações laborais, recaindo tal ónus sobre a entidade patronal”.
De todo o exposto resulta, destarte, que a contra-ordenação dos autos foi imputada – e bem – à entidade empregadora, ora recorrente, a título de negligência.
Por último, nem se diga que se mostra violado o princípio da presunção de inocência, atento o disposto no Art.º 32.º, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa, face ao teor da conclusão que se acaba de extrair.

Assim tendo considerado o Tribunal a quo, rejeitando o recurso, bem decidiu, pelo que a sentença não deve ser revogada.

Decisão.
Nestes termos, acorda-se em rejeitar o recurso, assim confirmando a douta sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Porto, 20 de Novembro de 2006
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Domingos José de Morais
António José Fernandes Isidoro