Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0434954
Nº Convencional: JTRP00037244
Relator: GONÇALO SILVANO
Descritores: INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
COMPRA E VENDA
DEFEITOS
Nº do Documento: RP200410150434954
Data do Acordão: 10/15/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: É de admitir a intervenção acessória do construtor de um imóvel requerida pela vendedora de uma das suas fracções demandado por defeitos alegadamente existentes na dita fracção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

I- Relatório
B........... e mulher C............. intentaram acção declarativa sob a forma ordinária contra D.............., pedindo a condenação desta a reparar os diversos defeitos no prédio que lhe adquiriram e ainda o montante de 1500,00€ decorrente de despesas com o abandono temporário da casa para efectuar as obras e a quantia de 2500,00€ a título de danos morais.

Em contestação a Ré alegou que mandou construir o prédio urbano em causa por contrato de empreitada à E............ ,S.A., vindo os autores a adquirir o seu prédio depois de se fazerem sócios da Ré e de candidatarem a tal.
Impugnou a existência dos defeitos invocados pelos autores ,pois que todos os que lhe foram denunciados foram reparados.
No final da contestação a Ré alegou que a construtora do prédio E............, S.A. tem cooperado na eliminação de defeitos detectados nas moradias por si construídas para a Ré, sendo por isso responsável perante a ré pela execução do imóvel e pela reparação dos defeitos da mesma que porventura surjam.
E daí concluiu que lhe assistia o direito de chamar a juízo a empreiteira E..........., SA como associada da requerente.

Por despacho de fls. 50 foi ordenada a notificação da ré para esclarecer qual a espécie de incidente de intervenção de terceiro que pretende deduzir: principal ou acessório.
Em requerimento de fls. 52 a ré veio esclarecer que a espécie de intervenção de terceiros que pretende deduzir é a principal.

No despacho prévio ao saneador indeferido o incidente com o fundamento de que “nos autos se verifica que a ré foi demandada, na qualidade de vendedora de um imóvel, para ser condenada a reparar os defeitos que, no entendimento dos autores, se verificam, e a indemnizá-los por prejuízos emergentes da privação da utilização do prédio em consequência da reparação de defeitos do mesmo. E não se vislumbrando qualquer situação litisconsorcial ou coligacional que justifique a intervenção da sociedade que a ré quer fazer intervir no processo, já que a mesma, de acordo com a petição inicial e contestação, não é titular de qualquer relação jurídica com os autores - cfr. arts. 28° e 30° do CPC”.

Inconformado com o decidido a ré recorreu, tendo concluído as suas alegações, pela forma seguinte:

A - O Agravante requereu a intervenção provocada de terceiro.
B - Alegou factos que demonstram pretender a intervenção provocada acessória.
C - Instado para qualificar o tipo de intervenção provocada desejada, qualificou-a de principal.
D - Contudo, os factos alegados integram claramente a intervenção provocada acessória.
E - O Juiz pode oficiosamente, ouvidas as partes, praticar actos que melhor se ajustem ao fim do processo (artigo 265-A) "a contrario sensu".
F - E não está vinculado à qualificação jurídica dos factos que as partes façam.
G - Assim, o deduzido incidente sempre deveria ser julgado procedente qualificando-o de intervenção provocada acessória e ordenando os seus termos.
H - Ao não decidir assim violou a douta decisão em crise, entre outros, o disposto nos artigos 264°, 265° A, 330° e ss e ainda 664° todos do C.P.Civil.

Não houve contra-alegações.

II- Fundamentos
a)- A matéria de facto a tomar em conta na decisão deste agravo é a que acima se relatou.
b)- Sendo que é pelas conclusões que se determina o objecto do recurso (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº1 do CPC), vejamos pois do seu mérito:

1-Sabemos que nesta acção a ré D.............., deduziu no final da sua contestação incidente que apelidou simplesmente de intervenção provocada, peticionando que se admita a intervir na lide, como sua associada, E............., S.A.
O que alegou para este efeito, resulta do próprio teor da contestação, onde é referido que a E.............., S.A. foi a empreiteira que construiu os imóveis que a ré vendeu (já totalmente cosntruídos-artº 27º) aos seus associados (e em concreto aos autores que também se tornaram seus associados), dentro do objecto social da Cooperativa de construções de fogos para os seus associados, que para adquirir os imóveis têm de reunir determinadas condições.
A ré impugnou por outro lado a invocada existência de defeitos no imóvel dos autores, mas alegou que a demonstrarem os autores a sua existência chamava por isso à acção como sua associada a referida sociedade empreiteira responsável pela execução das obras.

2-Tal como foi deduzida a acção, direccionada apenas a responsabilizar a Ré como vendedora do imóvel, a intervenção da empreiteira efectivamente nunca poderia ocorrer ao abrigo de uma situação de listisconsórcio ou de coligação tal como previsto nos artsº 28º e 30º do CPC.
Não existe de facto, segundo o que é alegado, relação substancial contratual entre os autores e a empreiteira, já que os autores adquiriram directamente o imóvel à ré, quando o mesmo estava completamente acabado na sua construção.
Portanto estaria afastado incidente de intervenção principal provocada.
Os factos que a ré alega não configuram na verdade essa situação.

3-Existe contudo uma relação conexa (por parte da empreiteira) com o contrato de compra e venda dos autores à ré, mas essa verifica-se tão só entre a Ré e essa construtora.
Por isso o facto de ter sido notificada a ré para esclarecer qual o tipo de intervenção pretendida, (tendo respondido que era a intervenção principal) não pode justificar por si só o indeferimento, já que se trata de qualificar factos e não o incidente em si.
A ré no final da sua contestação requerera, como se referiu, a intervenção provocada da empreiteira e como é dito no despacho recorrido a ré alega em concreto que o pedido de intervenção de E............., S.A. se deve à circunstância de a mesma ter procedido à construção do prédio urbano referido na petição inicial e ter cooperado na eliminação de defeitos detectados e ser a responsável exclusiva dos mesmos.
Ora esta alegação não pode deixar de interpretar-se como uma alegação a sustentar a existência dessa relação conexa e configuradora de um eventual direito de regresso sobre a empreiteira por parte da ré, caso se venham a provar os defeitos invocados pelos autores. E daí ter pedido a sua intervenção provocada (embora se reconheça que lhe veio a chamar erradamente intervenção principal).
Depreende-se, de facto, da contestação e do teor dos artigos 41º a 43º,onde expressamente é suscitado o incidente, que a pretensão da ré é a de que a empreiteira seja sua associada (mais apropriadamente auxiliar-artº 330º, nº 1 do CPC) na causa, para que na eventualidade de virem a provar-se os defeitos que os autores alegam possa intentar acção de regresso contra a chamada empreiteira.

4-Porém, para isso, tem de suscitar-se o incidente de intervenção de terceiros, sendo o adequado, o da intervenção acessória provocada.
Os factos alegados pela ré permitem a sua qualificação como integradores deste incidente de intervenção acessória provocada.
A intervenção provocada que foi requerida pela ré com os factos alegados insere-se, pois, dentro da intervenção acessória (que também é uma intervenção provocada) e não principal como erradamente esclareceu a ré.
Efectivamente a intervenção principal, perante uma acção visa proporcionar a terceiros (que são os intervenientes), o listisconsórcio ou a coligação com alguma das partes da causa.
No caso dos autos a construtora ,tal como foi configurada a acção pelos autores não tem um interesse em intervir igual ao da ré, pois que a sua relação com o que se discute na acção é conexa ou dependente daquela que é discutida na acção entre as partes principais.
Trata-se antes de uma intervenção ao abrigo do artº 330º do CPC.

5-Esta intervenção (cfr. Salvador da Costa-Os incidentes da Instância, pág.120) acessória ou subordinada, sub-espécie do incidente de intervenção principal, substituiu o antigo incidente de chamamento à autoria, inspirado na romana litis denuntiatio, por se entender, face à estrutura do incidente de intervenção principal, que se não justificava a autonomia que a lei outrora lhe consagrava.
Com este incidente de intervenção acessória provocada pode a ré contar com o auxilio na sua defesa relativamente à discussão das questões susceptíveis de se repercutirem na acção de regresso ou de indemnização invocada como fundamento do chamamento.
Isto não é mais do que “um incidente de intervenção acessória suscitado pelo réu que pretende fazer intervir no processo o sujeito passivo de uma relação jurídica material controvertida conexa com a que é objecto da acção” (cfr. Salvador da Costa op. Citada, pág.121 e também Ac. RC de 18.10.1983-CJ, ano 1983, tomo IV, pág.59).

Esta qualificação do incidente de intervenção acessória provocada pode e deve ser efectuada por parte do tribunal ao abrigo do disposto nos artºs 264º, 265-A e 664º do CPC, nada impedindo a tal a existência do requerimento de fls. 52 da ré que veio chamar-lhe simplesmente de intervenção principal.
Os autores não se opuseram ao incidente e como tal haverá que ordenar a sua admissibilidade e o posterior prosseguimento nos termos dos artºs 331º e ss. do CPC.
Assiste ,assim, razão à agravante, impondo-se a revogação do despacho.

III- Decisão.
Pelo exposto acorda-se em dar provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro, onde se admita o incidente como de intervenção acessória provocada, fazendo-se prosseguir os seus ulteriores termos.
Sem custas.
Porto, 15 de Outubro de 2004
Gonçalo Xavier Silvano
Fernando Manuel Pinto de Almeida
João Carlos da Silva Vaz