Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0726795
Nº Convencional: JTRP00041112
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: LIBERDADE RELIGIOSA
DOCUMENTO PARTICULAR
FALSIDADE
SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
Nº do Documento: RP200802190726795
Data do Acordão: 02/19/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 265 - FLS. 5.
Área Temática: .
Sumário: 1. A liberdade religiosa e de culto têm necessariamente limites impostos pela ordem jurídica e constitucional vigente e pelos valores fundamentais nela consagrados, como sejam a liberdade, os direitos alheios, a ordem pública e a realização da justiça.
2. A notificação da requerida (Pessoa Religiosa) para juntar cópia do registo dos seus associados e comprovativos da convocatória da assembleia geral efectuada aos mesmos, não visando saber a convicção religiosa destes mas apenas a sua qualidade de associados, não colide com aquele princípio nem com a reserva da respectiva comunidade religiosa.
3. Não é possível a arguição de falsidade no plano da autoria ou genuinidade do documento particular, apenas sendo permitido que estes sejam postos em crise mediante a impugnação da letra ou da assinatura.
4. A falsidade apenas pode ser invocada se, depois de estabelecida a autoria ou genuinidade, a parte contra quem o documento é apresentado pretender elidir a respectiva força probatória mediante a arguição da falsidade do respectivo contexto ou declarações nele contidas.
5. Nos termos do art. 396º do CPC, a suspensão de deliberações sociais depende de dois requisitos essenciais: um, de natureza formal, consistente na ilegalidade ou irregularidade da deliberação social, porque violadora da lei, estatutos ou contrato; outro, de cariz substancial, atinente ao dano que provavelmente advirá da execução de tal deliberação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


1.

B………………. instaurou contra C………………… providência cautelar de suspensão de deliberações sociais.

Peticionou, com os fundamentos invocados que sejam imediatamente suspensas as deliberações tomadas na Assembleia Geral de 17.05.2007, mais concretamente a pretensa aprovação do “Regulamento Interno”, dada a ilegalidade e o teor anti-estatutário das mesmas e o dano apreciável que resultará da sua execução.

2.
Prosseguiu o processo os seus legais termos.

2.1.
A fls.116 foi proferido despacho a ordenar à requerida que juntasse aos autos cópia do registo actualizado dos seus associados e comprovativos da convocatória em apreço efectuada aos mesmos.

Inconformada com tal deespacho dele agravou a requerida.

Terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. Ao ordenar a junção aos autos de documentos que levam à identificação dos associados da requerida, o despacho de fls. 116 é inconstitucional por violação de um direito fundamental reconhecido a todas as pessoas pela Constituição da República Portuguesa no seu art. 41º/3, designadamente o direito à reserva da privacidade em matéria de identificação religiosa.
2. Ao ordenar a junção aos autos de documentos que levam à identificação dos associados da requerida, o despacho de fls. 116 é ilegal porque viola o disposto no art. 9º/1/c da Lei da Liberdade Religiosa;
3. Ao ordenar a junção aos autos de documentos que levam à identificação dos associados da requerida, o despacho de fls. 116 é ilegal porque não respeita o fundamento de escusa previsto no art. 519º/3/b do CPC.

Contra-alegou o requerente pugnando pela manutenção do decidido.

2.2.
A fls.177 foi proferido despacho que indeferiu a arguição, feita pelo requerente, da falsidade, nos termos do artº 546º do CPC, da acta nº 79 junta aos autos pela requerida.

Deste despacho agravou o requerente.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

a) Discordamos do entendimento daMeritíssima Juíza a quo, pois considera que pelo facto da acta não ser um documento autêntico, não é aplicável no caso em apreço o art. 546º CPC.
b) Também neste sentido, transcrevemos alguns excertos do GUIA DAS ASSEMBLEIAS GERAIS, da autoria de M. Roque Laia (9ª Edição, Editorial Caminho, S.A.):
“É lícito opôr às actas das sessões da Assembleia Geral a alegação de sofrer dos vícios de falsidade, e o de falsificação, que se podem opôr a todos os outros documentos.”- pág. 273 (sublinhado nosso).
Só depois de ter sido votado, aprovado e legalizado pelas competentes assinaturas dos presidente e secretários da mesa, é que o projecto se transforma em «acta». A distinção que parece à primeira vista pueril, tem razão de ser, e é fundamental. Enquanto se não transforma em acta, o projecto – como atrás se disse – pertence a quem o redige e escreve, podendo fazer nele todas as modificações que entenda estarem mais de harmonia com a realidade dos factos.” – pág. 274 (sublinhado nosso).
“Resulta que, se os componentes da Mesa, sem estarem para tanto devidamente autorizados pela Assembleia, assinarem uma acta que não esteja aprovada pela votação da Assembleia, cometem um falsificação, pela qual podem ser responsabilizados, pois imprimem autenticidade, e força probatória, a um documento que as não possui, por não ter sido «aprovado» pela Assembleia.” – pág. 283 (sublinhado nosso).
c) Assim, entendemos que a invocada falsidade deve ser julgada procedente, com todas as legais consequências.

d) É a própria requerida quem vacila entre a existência e a inexistência da acta da deliberação em causa nos autos.
e) Conforme a requerida confessa nestes autos, a acta da deliberação de 17-05-2007 ainda não foi aprovada.
f) Contudo, o texto que não foi aprovado já foi escrito no livro de actas da requerida e assinada por quem “ocupou” a mesa da assembleia geral – formalismo que é reservado às “verdadeiras” actas, ou seja, que já foram objecto de aprovação na Assembleia Geral.
g) Mais grave ainda, logo em seguida, o documento junto aos autos designado “Acta nº 79” foi enviado pela requerida para o Registo Nacional de Pessoas Colectivas – Registo de Pessoas Religiosas, que mediante a aparência de estar perante uma verdadeira acta (e não de uma mera minuta ou projecto de acta), procedeu ao Registo de Pessoa Colectiva Religiosa da C……………..
h) Podemos portanto concluir que Registo Nacional de Pessoas Colectivas – Registo de Pessoas Religiosas foi “enganado” pela requerida, pois fez um registo com base num documento que não é o adequado para esse efeito, mas que lhe foi apresentado pela requerida como de título suficiente e adequado se tratasse.
i) Ora, se o documento junto aos autos designado “Acta nº 79” não é uma acta - mas antes uma minuta ou um projecto de acta – conforme a própria requerida esclareceu, não poderia ter sido assinada por quem “ocupava” a Mesa da Assembleia Geral antes da aprovação em falta;

j) Mais, nunca poderia ter sido enviada para o RNPC – Registo Nacional de Pessoas Religiosas como se de verdadeira acta se tratasse, para efeitos de registo;

k) Por fim, conforme dispõe o art. 397º n 1 CPC, e os despachos de fls. 84 e 116, a citação da requerida foi feita com a cominação de que a contestação não seria recebida sem vir acompanhada da cópia da acta,
l) Pelo que a não apresentação da acta em falta, deveria assim a Meritíssima Juíza a quo logo no início da audiência de julgamento, ter dado efectivo cumprimento à cominação prevista no art. 397º nº 1 CPC, sem perder de vista o art. 519º nº 2 CPC.

m) Ou seja, a contestação apresentada pela requerida não deveria ter sido recebida, porquanto não foi acompanhada da acta em falta.

n) Considerando o exposto, a consequência da não apresentação da acta da deliberação de 17-05-2007 não podia deixar de consubstanciar uma revelia operante com efeitos cominatórios semi-plenos da requerida, conforme o disposto no art. 385 nº 5 art. 484º, ambos do CPC.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, mais ordenando que:

a) seja declarada a falsidade do documento junto sob a designação “Acta nº 79”, com todos os legais efeitos;

b) a contestação apresentada pela requerida seja tida por não recebida e desentranhada dos autos, com todas as cominações e demais legais efeitos.


2.3.
Discutida a causa foi proferida decisão que indeferiu a providencia e julgou improcedente a pretensão do requerente.

Mais uma vez inconformado recorreu o demandante.

Concluindo pelo modo seguinte:

a) Por requerimento de 17-07-2007, o requerente solicitou ao Tribunal que ordenasse a notificação da requerida nos termos do art. 528º CPC, para juntar aos autos os documentos seguintes:

- registo actualizado dos associados, cfr. art. 34º da contestação: para fazer prova de quem são e quantos são os associados da requerida;
- comprovativos da convocatória regularmente efectuada, nos termos legais e estatutários, cfr. art. 40º e segs. da contestação: para fazer prova de que existem irregularidades na convocatória, e que houve associados que não foram regularmente convocados;
b) Por despacho de fls. 116 foi a requerida notificada para juntar aos autos o registo actualizado dos associados e os comprovativos da convocatória em apreço, efectuada aos respectivos associados; a requerida respondeu a fls. 131, mas não juntou os documentos ordenados pelo tribunal;
d) A fls. 134 o tribunal renovou o despacho de fls. 116, sob a cominação do funcionamento do disposto no art. 519º nº 2 CPC; a requerida recorreu desse despacho e apresentou alegações e o requerente contra-alegou;

f) Não obstante a não junção dos documentos solicitados pelo tribunal, a Meritíssima Juíz a quo nunca se pronunciou sobre esta falta de cooperação da requerida, nem tirou as consequências devidas por esta desobediência ao tribunal, e que são as previstas nos art. 519º nº 2 CPC e art. 344º nº 2 CC - porque estamos perante uma questão que a Meritíssima (sic) Juíza a quo devia apreciar, mas se deixou de se pronunciar, vem o requerente arguir a nulidade do despacho de fls. 211 e seguintes, conforme dispõe o art. 668º nº 1 alínea d) e nº 3 CPC.
h) Constam dos autos elementos suficientes para consubstanciar uma séria probabilidade de estarem criadas as condições, para ser muito fácil causar um dano apreciável à associação, e ao requerente enquanto associado.

i) Os factos a que nos reportamos são:
- A postura ilegal e anti-estatutária que a actual direcção em funções vem assumindo, bem visível na forma como a convocatória para a Assembleia Geral de 17-05-2007 foi efectuada;

- A “ocupação” dos cargos da Mesa da Assembleia Geral, pelas pessoas que foram eleitas para os cargos da Direcção - cfr. depoimento da testemunha D………………. a fls. 214;
- O facto do “Presidente da Direcção prometer cargos na Igreja, como contrapartida de apoio sem discussão” - cfr. depoimento da testemunha D…………… a fls. 214;

- O facto da Direcção seguir “cegamente, de modo autista, cilindrando quem se lhe atravessa, tendo retirado cargos a pessoas e só não as expulsando porque teve medo que não obtivesse quorum” - cfr. depoimento da testemunha B…………… a fls. 215;

- O justo receio de que possam existir desvios patrimoniais, pois conforme depoimento de B…………. a fls. 215 “não sabe se houve desvios patrimoniais, mas que a atitude que tem tido a Direcção, leva-o a recear que isso possa acontecer.”

- A aprovação de um regulamento que:

* pretende concentrar na Direcção todos os poderes que incumberiam a outros órgãos da associação (assim apagando de facto a “Mesa da Assembleia Geral”) - conforme resulta da “inerência” plasmada no art. 7º nº 2 do Regulamento junto com a PI sob doc. 14,
* inclui disposições que colidem frontalmente com o estatuído nos Estatutos (cfr. fls. 220 dos autos),
* tem em vista retirar dos poderes e até do conhecimento da Assembleia Geral, matérias tão sensíveis a qualquer instituição como as que se referem à decisão dos destinos a dar ao património social,
- O facto do Regulamento retirar da competência da assembleia geral as decisões respeitantes:

* à oneração de imóveis,
* à aquisição, alienação e oneração de móveis, e ainda,
* do dinheiro da associação,
conforme resulta, a contrario sensu do art. 10º nº 1 alínea f) do Regulamento aprovado em 17-05-2007;

- O facto do Regulamento atribuir à Direcção a decisão de deliberar sobre os “casos omissos”, conforme estipula o art. 27º do Regulamento.

- A falta de aprovação das contas do exercício anterior, não obstante os repetidos pedidos de prestação de contas, conforme resulta do doc. 6 junto na sessão de 21-09-2007 por requerimento ditado para acta a fls. 209.

j) Atento tudo quanto vai dito, se não for decretada a imediata suspensão desta deliberação, o património da requerida corre o sério risco de ser delapidado enquanto não houver uma decisão na acção principal que vai ser intentada nos próximos dias.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, mais ordenando que:
a) seja declarada a nulidade do despacho recorrido, nos termos do art. 668º nº 1 d);
b) seja decretada a providência de suspensão da deliberação social de 17-05-2007.

Contra-alegou a requerida pugnando pela manutenção do decidido com a seguinte síntese argumentativa.

1. A requerida não violou o dever de cooperação com o tribunal “a quo” porquanto a sua recusa é legítima com base na defesa da privacidade;
2. Ainda que a recusa fosse ilegítima, a consequência jurídica não seria a confissão dos factos alegados pelo requerente, mas a livre apreciação dos factos pelo tribunal, o que ocorreu, com a consequente absolvição da requerida;
3. O requerente alegou mas não provou o dano apreciável decorrente da alegada mas não provada ilegalidade da deliberação cuja suspensão requereu;
4. Não provada a probabilidade do dano apreciável que resultaria da não suspensão da deliberação impugnada, não há fundamento legal para que seja decretada a requerida providência.
5. Bem decidiu o tribunal “a quo”.

3.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

3.1.
Do agravo da requerida.

Inconstitucionalidade e ilegalidade do despacho que ordenou a junção aos autos de documentos que levam à identificação dos seus associados.
3.2.
Dos agravos do requerente.

Ilegalidade do despacho que não admitiu a arguição do incidente de falsidade da acta da Assembleia da requerida de 17.05.2007.

Não recebimento da contestação da requerida por não vir acompanhada da cópia da acta, nos termos do artº 397º do CPC.

Nulidade da decisão final, por falta de pronúncia, nos termos do artº668º nº1 al.d) do CPC.

Verificação, in casu, do requisito do “dano apreciável” a que se reporta o artº 396º nº1 do CPC.

4.

Os factos apurados e que importa considerar são os seguintes:

1º- O Requerente é associado da Requerida desde 1993. ---
2º - Onde já desempenhou, nomeadamente, funções de “Presidente da E…………….”.
3º - O Requerente não esteve presente na “Assembleia Geral de 17-05-2007.”. ---
4º - Em 21-05-2007, o ora Requerente solicitou cópia da acta da Assembleia Geral de 17-05-2007 por carta registada com aviso de recepção. ---
5º - Esta carta foi recepcionada pelo destinatário em 24-05-2007. ---
6º - A cópia da acta ainda não foi fornecida ao ora Requerente. ---
7º - Naquele mesmo dia de 21-05-2007 o ora Requerente enviou ainda uma outra carta registada com aviso de recepção. ---
8º - Carta essa que foi recepcionada em 24-05-2007. ---
9º - Na folha de presenças que circulou na Assembleia Geral de 17-05-2007 constavam 70 associados. ---
10º - Em data não apurada, corria a informação que a Requerida era composta por 76 associados. ---
11º - Pelo menos, a D. Aurora Sacramento não foi convocada.. ---
12º - A Requerida não dispõe de um livro de registos de associados. ---
13º - Foi o Presidente da Direcção quem convocou a Assembleia Geral. ---
14º - A Mesa da Assembleia Geral não foi eleita aquando da eleição dos órgãos sociais, realizada na Assembleia Geral de 26-11-2006. ---
15º - O Presidente da Direcção ocupa também o lugar de Presidente da Mesa da Assembleia Geral e os 1º e 2º Secretários da Direcção quando em Assembleia Geral também ocupam os cargos de 1º e 2º Secretários da Mesa da Assembleia Geral. ---
16º - Na Assembleia Geral de 17-05-2007 o Regulamento Interno foi considerado aprovado por deliberação. ---
17º - A aprovação do regulamento Interno prende-se com o pedido do Registo Nacional de Pessoas Colectivas. ---
18º - Permitiu-se a três associados com idade inferior a 14 anos que participassem na deliberação, exprimindo o seu voto, sendo eles F………….., G………….. e H…………….. ---
19º - O património da Requerida é constituído pelo imóvel onde funciona a sua sede. ---
20º -A postura que a Direcção vem assumindo tem vindo a causar preocupação a alguns associados. ---
21º - A Requerida encontra-se inscrita como pessoa colectiva religiosa com o nº 440/20061129, no Registo Nacional de Pessoas Colectivas. ---
22º - Na Assembleia Geral Extraordinária de 17/05/2007 por deliberação aí tomada, veio a ser aprovado com 31 votos a favor, 4 abstenções e 15 votos contra o projecto de Regulamento elaborado pela Direcção e Obreiros da Igreja, com o teor do documento junto a fls. 72 a 75, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido.. ---
23º - Dá-se aqui por reproduzido o teor dos Estatutos da requerida, juntos a fls. 18-19. ---
24º -Encontra-se a correr termos uma acção declarativa sob a forma ordinária, com o nº ……/07.9TVPRT-….ª Sec. da ….ª Vara Cível do Porto, instaurada por B……………. contra a aqui Requerida e na qual é pedida, para além do mais, a anulação da deliberação que elegeu os órgãos sociais para o ano de 2007, por contradição com a lei e com os estatutos, com os fundamentos constantes de fls. 192 a 200.

5.

Apreciando.

5.1.
Primeira questão.

5.1.1.
Nos termos do artº 41º da Constituição:
1. A liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável.
2. Ninguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas convicções ou pratica religiosa.
3. Ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosa, salvo para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis, nem ser prejudicado por se recusar a responder.
4. As igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto.

A liberdade religiosa consiste na faculdade - por ausência de coacção exercida por qualquer pessoa ou autoridade pública – de cada um poder ter ou não ter religião, professar esta ou aquela, mudar de crença, praticá-la só ou acompanhado de outras pessoas, agrupar-se com outros crentes formando confissões ou associações de carácter religioso, etc.
O culto pode, assim ser:
Meramente interno quando se confina ao pensamento e à vontade, ou externo, quando, outrossim, se manifesta externamente pelas formas mais variadas.
Particular ou privado quando celebrado pelos indivíduos, sós ou acompanhados, em nome próprio ou público ou oficial quando realizado em nome da comunidade e por ela, geralmente com a intervenção de ministro autorizado.

Em termos de lei ordinária, estes princípios de opção religiosa e os critérios de organização e funcionamento estão, consagrados na designada Lei da Liberdade Religiosa – Lei 16/2001 de 22 de Junho – designadamente nos seus artºs 3º, 4º, 10º e 22º dos quais emergem os princípios da não confessionalidade do Estado, traduzido, desde logo, no sentido de não se pronunciar sobre questões religiosas; da liberdade de religião e de culto, o qual compreende, além do mais, o direito de adesão à igreja ou comunidade religiosa que se escolher e o direito de participar na vida interna e nos ritos religiosos; da liberdade das comunidades religiosas na sua organização e no exercício das suas funções e do culto.
Sobre estes princípios, de opção, organização, participação religiosa e confessionalidade, o Estado não se pronuncia, sendo eles livremente estabelecidos pelas igrejas e comunidades religiosas, podendo estas dispor com autonomia sobre os direitos e deveres religiosos dos crentes.
Tanto assim que - e perante a Concordata de 2004 - se estiver em causa a violação do direito canónico, será competente e chamada a intervir a autoridade da Igreja que não os tribunais civis.

Mas ainda que a constituição o não refira expressamente, constitui entendimento pacífico que a liberdade religiosa e de culto terá necessariamente de ter limites impostos pela ordem jurídica e constitucional vigentes numa comunidade civilizacional e pelos valores fundamentais nela consagrados e defendidos, como sejam – na comunidade em que nos inserimos - a liberdade, os direitos alheios, a ordem pública e a realização da justiça.
Valores e objectivos estes que não podem ser violados ou impedidos por motivos de cariz religioso.
Na verdade os fundamentos ético-jurídicos de cariz humanista e racional em que a nossa comunidade de cidadãos se alicerça, não podem ser postergados por princípios e práticas religioso/as, como sejam, vg., a admissão de certas mutilações físicas ou da poligamia – cfr. António Leite: A Religião no Direito Constitucional Português in Estudos sobre a Constituição, 1978, 2º, p.265 e segs.
Nesta vertente ao Estado já assiste o poder/dever de, através da função jurisdicional, garantir protecção jurídica a todo aquele que vir os seus direitos ou interesses juridicamente relevantes questionados ou violados por opções, atitudes ou cultos religiosos iníquos e intoleráveis, de forma a preveni-los ou repará-los, constituindo este um direito fundamental com assento constitucional – art. 20º, nº 1 Constituição.
Sendo que, neste particular, e ainda face à Concordata de 2004, se estiver em causa a violação do direito interno português, recorre-se aos tribunais civis, cobrando estes competência para dirimir o litígio – cfr. Ac. do STJ de 27.01.2005, dgsi.pt, p. 04B4525.
Como é o caso dos autos, no qual o tribunal comum civil foi chamado a pronunciar-se sobre uma questão cível.
5.1.2.
Ora na situação presente, o tribunal não sindicou quaisquer princípios de organização religiosos ou de culto, princípios estes que constituem reserva da respectiva comunidade religiosa, em suma, não se pronunciou sobre princípios integrantes da liberdade de religião.
E não têm aplicação os normativos invocados pela agravante.
Desde logo o nº3 do artº 41º da Constituição.
Na verdade à recorrente nada foi perguntado acerca das suas convicções religiosas. As quais, aliás, são publicamente conhecidas.
Quando muito a ordem do tribunal afectaria os seus associados os quais, substancialmente, são sujeitos de direitos autónomos e, processualmente, são terceiros, não tendo, assim, a recorrente qualquer legitimidade para assumir a sua “defesa”.
E também não têm aplicação os artºs 168º, 519º nº3 al.b) e 612º do CPC e 9º nº1 al.c) da Lei da Liberdade Religiosa.
É que ao ordenar-lhe que juntasse aos autos cópia do registo actualizado dos seus associados e comprovativos da convocatória em apreço efectuada aos mesmos, o tribunal não visou saber a convicção religiosa destes mas apenas a qualidade de associados da agravante.
Por outro lado há a considerar que a requerida e os seus associados assumem uma convicção religiosa que é, repete-se, sobejamente conhecida.
Na verdade o culto praticado pela recorrente assume a natureza de externo e público. Os crentes vão à igreja e ali oficialmente assumem a sua opção, potencialmente perante todos os seus concidadãos. Não se alcança, assim, onde possa estar a violação ou intromissão da intimidade da vida privada. O que, no limite, apenas poderia acontecer se se tratasse de uma confissão religiosa que praticasse um culto totalmente fechado, o que não parece ser o caso.
Aliás e como é referido no processo, tal violação, a existir, já teria sido efectivada pela actuação processual da requerida ao juntar aos autos documentos que identificam individualmennte associados seus.
Pretendendo agora, numa verdadeira actuação em venire contra factum proprium, eventualmente consubstanciadora de abuso de direito, que o tribunal proceda antagonicamente.
Pretensão esta que, tanto quanto nos parece, advirá de alguma confusão em que labora, ou no mínimo, pela interpenetração ou condicionamento que pretende verificados entre a actividade do tribunal e a concreta ordem por ele dada, e a questão religiosa.
É que esta questão não existe neste processo, pois que e como se disse, o seu objecto atento o modo como o pedido e á causa de pedir foram delineados - e também e desde logo porque dirimido em tribunal civil cuja competência aliás a recorrente aceita – assume um cariz exclusivamente civilístico o que implica que toda a actuação, designadamente a nível instrutório, apenas pode visar – na sua essência e finalidades e ainda que colateral ou acessoriamente possa reportar-se a aspectos de índole religiosa – o dirimir da causa atento o modo como foi configurada pelas partes.
O que efectivamente se verificou na concreta actuação do Sr. Juiz ora posta sub sursis a qual não merece qualquer censura.
Enfim e em jeito de conclusão há que dizer que o princípio da separação do Estado das Igrejas tem de ser integrado, na sua natureza, essência, finalidades e consequências, pelo princípio da reciprocidade, a saber: nem o Estado se deve imiscuir nos assuntos religiosos, nos aspectos e com a amplitude supra aludidos, nem, por seu turno, a Igreja pode, na invocação da violação de fundamentos concernentes ao culto – que in casu não se tem como verificada - impedir a prossecução das finalidades essenciais para o bem estar e a paz de uma comunidade, como sejam a descoberta da verdade material com a consequente realização da justiça.

5.2.
Segunda questão.

5.2.1.
Estatui o artº 374º do CC.
1. A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas, pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras.
2. Se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade.

E prescreve o artº 376º:
«1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante.

Como se vê aquele artigo reporta-se á fixação da autoria ou genuinidade do documento.
Esta rege quanto à sua força probatória.
Ora como de tais normativos resulta, a lei actual – e contrariamente ao que sucedia na lei anterior - deixou de referir a possibilidade de arguição da falsidade no plano da autoria ou genuinidade do documento particular, apenas permitindo que estes sejam postos em crise mediante a impugnação da letra ou da assinatura. Ou seja a contrafacção de um documento particular não dá lugar à arguição da sua falsidade nesta vertente – artº 374º.
A falsidade apenas pode ser invocada se depois de estabelecida a sua autoria e genuinidade, ou seja verificada que seja a coincidência entre o seu subscritor real e o seu subscritor aparente - pelo reconhecimento e aceitação da letra e assinatura - a parte contra quem o documento é apresentado pretender elidir a respectiva força probatória mediante a arguição da falsidade do respectivo contexto ou declarações nele contidas – artº 376º.
Naquele caso, ou seja quando a autoria e genuinidade não tenha sido estabelecida, o documento particular assinado encontra-se nas mesmas condições do documento particular não assinado ou assinado com um nome fictício, constituindo meio de prova sujeito à livre apreciação do tribunal uma vez que se encontra falho de um dos requisitos exigidos por lei – artº 366º do CC.
Neste caso e procedente que seja o incidente de declaração de falsidade, a eficácia probatória do documento varia quantitativamente consoante o alcance da declaração, podendo, no limite, ser reduzida a zero, se a falsidade abranger todo o seu teor – cfr. José Lebre de Freitas in A Falsidade no Direito Probatório, Almedina, 1984, p.57 e sgs.
Ou seja e por outras palavras, a arguição da falsidade só é considerada para destruir a força probatória do documento, depois de esta lhe ser atribuída por lei.
Quanto aos documentos autênticos e porque tal força probatória lhe é atribuída imediata e directamente pela lei – artº 371º do CC – esta pode ser desde logo elidida mediante a arguição da sua falsidade – artº 372º nº1 do CC.
Quanto aos documentos particulares só depois de presentes os requisitos legais para que essa força probatória emirja – se a sua letra e assinatura não forem impugnadas – é que é admissível a arguição da sua falsidade.
Sendo que relativamente a documentos particulares cuja autoria não esteja reconhecida, a admissibilidade de tal arguição, para além do mais, viola o princípio da economia processual – cfr. Ac. do STJ de 19.10.1995, BMJ, 450º, 400.
Havendo ainda que considerar que a arguição da falsidade traz implícita a impugnação da respectiva autoria.

5.2.2.
No caso vertente o requerido entende que: «se os componentes da Mesa, sem estarem para tanto devidamente autorizados pela Assembleia, assinarem uma acta que não esteja aprovada pela votação da Assembleia, cometem uma falsificação…pois imprimem autenticidade e força probatória a um documento que as não possui…»
Rematando que: «a acta nº79 junta aos autos enferma de falsidade do documento, porquanto não foi aprovada em Assembleia Geral».
Isto é, ela coloca a invocação deste vício no plano da elaboração, assinatura e aprovação da acta, a qual, no seu entender, e designadamente neste particular, não o foi por quem tinha legitimidade para tal, a saber: a Assembleia Geral.
Mais precisamente ele ataca, senão exclusivamente, pelo menos primacial e essencialmente, a acta no plano da sua autoria ou genuinidade.
O que vale por dizer, nos termos supra expostos, que não lhe é licito invocar a falsidade da acta.
A regra processual do artº 546º nº1 do CPC, invocada pelo recorrente na parte em que se reporta á arguição da falsidade do documento, deve ser compaginada e ceder perante as normas substantivas supra referidas, não podendo os documentos particulares ser objecto de arguição de falsidade senão nos termos sobreditos – cfr. Ac. do STJ de 23.003.200, Sumários, 39º, 34.
Podendo e devendo o seu valor probatório ser livremente apreciado pelo julgador.
O que, no caso vertente, aliás resulta reforçado pelo facto de a requerida apresentar a acta como ainda não aprovada e de o requerido não lhe atribuir valor enquanto tal.
Em todo o caso nunca o agravo poderia ser provido, neste particular, na medida em que a invocada infracção cometida – se existisse, que não existe – não teria influído no exame e decisão da causa – cfr. artº 710 nº2 do CPC
Efectivamente certo é que a sentença final acabou por conceder que: «há disposições inseridas no Regulamento Geral Interno que colidem frontalmente com o estatuído nos Estatutos».
E que, consequentemente: «A deliberação tomada que aprovou o Regulamento Geral Interno no que concerne aos artigos supra citados deste Regulamento, manifesta-se contrária aos Estatutos».
Ou seja, julgou verificado o requisito formal da irregularidade da deliberação.
O que sempre se verificaria, independentemente da (in)validade e (in)eficácia do documento junto como acta nº79.
Tendo a pretensão do requerente soçobrado apenas pela conclusão de que não se apurou o requisito substancial para o decretamento da providência, qual seja, que a execução de tal deliberação possa causar ao requerente dano apreciável.

5.3.
Terceira questão.

A citação da requerida foi ordenada com a cominação expressa na parte final do nº1 do artº 397º do CPC – fls.84.
Constatado pela Sra. Juíza o não cumprimento desta ordem foi a mesma por ela reiterada – fls.99.
A requerida juntou aos autos a acta nº79.
Seguidamente a julgadora proferiu despacho a ordenar á requerida que esclarecesse se a cópia da acta nº79 foi retirada do respectivo livro de actas das Assembleias Gerais realizadas –fls.116.
Na sequencia do que a requerente, invocando a falsidade da acta e pretendendo a elisão da sua autenticidade, requereu que a contestação não fosse recebida: «por não vir acompanhada de cópia ou do documento em falta» - fls.121 a 124.
Ora tanto quanto se alcança dos autos, nem a requerida veio dar cumprimento ao despacho de fls.116 na parte supra referida.
Nem a Sra. Juíza se pronunciou sobre a aplicação da cominação - não recebimento da contestação - mas apenas sobre o pedido de falsidade da acta.
O que leva á conclusão que, indeferido este pedido, a julgadora considerou como boa e suficiente para satisfazer a exigência legal a apresentação pela requerida do documento intitulado acta nº79.
O que dimana do facto de se seguir o imediato prosseguimento dos autos com a inquirição das testemunhas do requerente.
Se o recorrente entendia que deveria existir pronúncia expressa sobre tal pedido, logo deveria chamar à atenção para tal na diligência.
Em todo o caso e entendendo que tal omissão consubstanciaria nulidade, nos termos do artº 201 do CPC, deveria ele arguí-la no prazo do artº 205º, o que in casu deveria acontecer ainda no decurso do acto, ou seja, da audiência de discussão e julgamento. Suscitando, assim, despacho sobre o qual, se lhe fosse desfavorável, poderia exercer o seu direito ao recurso a apreciar, então sim, por este tribunal ad quem. O que não se mostra efectivado.
Decorrentemente não pode este tribunal pronunciar-se sobre tal matéria, pois que como é consabido os recursos destinam-se a reapreciar questões já decididas em primeira instância e não a suscitar questões novas directamente colocadas ao tribunal superior.

Mas mesmo que reunidos estivessem os legais requisitos para que este tribunal se pronunciasse, sempre estaríamos perante uma questão/nulidade inócua pois que não influiu no exame ou decisão da causa.
Na verdade, e se bem se atentar, a contestação da requerida foi operada apenas pela via impugnatória.
Nem tendo ela arrolado testemunhas.
Assim e conforme se alcança do teor das actas das sessões de julgamento apenas as testemunhas do requerente foram inquiridas e apenas sobre matéria por ele alegada no requerimento inicial.
E bem assim se procedeu, segundo os princípios e regras aplicáveis.
É que, quando o réu se defende apenas por impugnação, não se afigura curial, por via de regra de que o presente caso não constitui excepção – e contrariamente aos casos em que ele se defende por via de excepção - considerar outrossim a versão do impugnante, sob pena de se estar a fazer dupla quesitação ou consideração de factualidade irrelevante, sempre desnecessária e “excrescente”, na terminologia do Mestre Alberto dos Reis.
Efectivamente competindo o ónus da prova ao autor, apenas da prova que ele fizer sobre os factos por si alegados dependerá a sorte da sua pretensão, independentemente de se provar, ou não, a tese do réu.

5.4.
Quarta questão.

Invoca o recorrente a nulidade da decisão de fls. 211 e segs. com base na falta de pronuncia sobre a não junção aos autos do registo actualizado dos associados, para fazer prova de quem são e quantos são os associados da requerida e dos comprovativos da convocatória regularmente efectuada, nos termos legais e estatutários para fazer prova de que existem irregularidades na convocatória, e que houve associados que não foram regularmente convocados, o que tudo demonstra falta de cooperação da requerida, não tendo o tribunal retirado as consequências devidas por esta desobediência.
Mas não lhe assiste razão.
Em primeiro lugar porque tal omissão quando muito pode configurar uma nulidade processual prevista no artº 201º do CPC.
Mas quanto a esta valem aqui os argumentos supra expendidos, sendo impossível a este tribunal apreciar e decidir porque, não tendo o recorrente despoletado oportunamente a sua apreciação, se trata de questão nova não decidida em 1ª instância.
Em segundo lugar porque, mesmo perspectivado o artº 668º do CPC pelo recorrente invocado, a invocada nulidade nele não se subsume.
Efectivamente nos termos do artigo 668º, nº1 al.d) do CPC: é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Este segmento normativo conexiona-se com o estatuído nos arts. 156º e 660º do CPC, ou seja, com o dever do juiz administrar a justiça proferindo despachos ou sentenças sobre as matérias pendentes – artº 156º - e com a necessidade de o juiz dever conhecer das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica e de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras –artº660º.
Ora como é consabido e constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, não se devem confundir «questões» a decidir, com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes.
A estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas às pretensões formuladas e aos elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir – cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, 2005, p.228; Antunes Varela in RLJ, 122º,112 e, entre outros, Acs. do STJ de 24.02.99, BMJ, 484º,371 e de 19.02.04, dgsi.pt.
É o caso dos autos.
Nos quais à única e essencial questão, qual seja a de saber se, perante os factos apurados, há, ou não, fundamento para decretar a suspensão das deliberações sociais, foi dada resposta pelo tribunal a quo, no sentido negativo.
Se bem ou mal é questão que não se prende com a nulidade da sentença mas sim com o (de)mérito do decidido, ou seja com a sua (i)legalidade.
O que infra se apreciará.

5.5.
Quinta questão.

Como resulta do artº 396º do CPC a providência da suspensão de deliberações sociais apenas pode ser decretada, se indiciariamente apurados dois requisitos essenciais, a saber:
a) Um requisito de natureza formal, consistente na ilegalidade ou irregularidade da deliberação social, porque violadora da lei, estatutos ou contrato;
b) Um requisito de cariz substancial atinente ao dano que provavelmente advirá da execução de tal deliberação.
No caso vertente foi aceite o primeiro requisito mas não o segundo.
Vejamos:
No âmbito das providências cautelares a noção de “dano apreciável” constituiu um meio termo ou fica a meio caminho entre a exigência de danos irreparáveis ou de difícil reparação para a providência cautelar comum, a exigência apenas de “prejuizo”, sem qualquer qualificação (vg. embargo de obra nova) e, pura e simplesmente, a não exigência da verificação de qualquer dano (vg. arresto e arrolamento).
Assim sendo o dano não pode ser um prejuízo qualquer, mas um prejuízo, significativo, relevante e estimável.
Análise e qualificação estas que têm de ser aferidas não apenas em função do valor absoluto do prejuízo mas, outrossim, pela repercussão que ele possa ter na esfera jurídico-patrimonial do requerente.
Como é evidente a expressão “dano apreciável” constitui um conceito indeterminado cuja densificação ou preenchimento implica necessariamente a alegação e prova de factos concretos, incisos e concisos.
E a relevância deste elemento na economia da natureza desta providência e da respectiva decisão a ela atinente, resulta, desde logo, e se o dano se reportar a aspectos patrimoniais – se respeitar à vertente não patrimonial haverá que atender ao critério do artº 312º - da necessidade de o requerente o quantificar, pois que o seu valor corresponde ao valor processual legalmente exigido – artº 313º nº3 al. c) do CPC – cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma, 4º, pgs. 84 e 91.
No caso vertente e visto o requerimento inicial, constata-se que nele o requerente apenas alega que: considerando os poderes que o regulamento aprovado na Assembleia atribui á Direcção, esta, que vem assumindo uma postura despotista, pode levar a cabo uma gestão ruinosa do património da associação que é constituído pelo imóvel onde funciona a sua sede, o que pode acarretar consequências nefastas, havendo que prevenir “tentações” que ponham em risco a continuidade da actividade desenvolvida pela associação.
E neste particular provou-se simplesmente que: O património da Requerida é constituído pelo imóvel onde funciona a sua sede e que a postura que a Direcção vem assumindo tem vindo a causar preocupação a alguns associados.
Ou seja, e no que para este efeito tange, pouco mais do que nada.
Sendo certo que de outro modo não poderia ser, pois que o requerente nada alegou, de concreto, que, a provar-se, pudesse clamar o entendimento que efectivamente a execução da deliberação lhe estivesse a causar ou, com forte probabilidade, lhe viesse a causar, prejuízo relevante.
Aliás este caso é paradigmático sobre a não verificação deste requisito.
Pois que, se bem se atentar, a deliberação não concretizou qualquer facto, actuação ou modo de procedimento, que, prosseguido ou posto em execução, descambasse no referido dano.
Antes e essencialmente – atenta a pretensão do requerente – se limitou a aprovar um regulamento, cujo teor, e no que respeita aos poderes da direcção para alienar ou onerar património, apenas pode ser perspectivado como eventual ou potencialmente efectivado ou concretizado no futuro.
E mesmo que o seja, fica para já por saber porque motivos, em que termos ou em que condições; sem o que, há que convir, queda rigorosa e completamente impossível apreciar e decidir sobre a verificação do prejuízo legalmente exigível ou a sua possível superveniência.
O que o requerente pretende é que, com base em meros receios, preocupações, conjecturas e suposições, o tribunal formule, desde já, um juízo de prognose sobre a ocorrência futura dos danos.
O que, obviamente, implicaria a formulações de juízos de valor não sufragados em factos concretos mas apenas assentes em saltos lógicos inadmissíveis, o que não tem qualquer consistência, cabimento ou cobertura legal.

6.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento aos recursos e, consequentemente, confirmar as decisões, rectius a sentença final.

Custas pelo recorrente.

Porto, 2008.02.19
Carlos António Paula Moreira
Maria da Graça Pereira Marques Mira
António Guerra Banha