Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00036812 | ||
| Relator: | FONSECA RAMOS | ||
| Descritores: | CONCURSO DE CREDORES DIREITO DE RETENÇÃO PRIVILÉGIOS PAGAMENTO | ||
| Nº do Documento: | RP200402020356142 | ||
| Data do Acordão: | 02/02/2004 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recorrido: | 3 V CIV PORTO | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | ALTERADA A DECISÃO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Quer o direito de retenção do promitente-comprador de um imóvel que obteve a "traditio", quer o privilégio imobiliário geral de que beneficiam os créditos da "Segurança Social", não são registáveis. II - Nessa medida e porque não podem ser conhecidos pela via da publicidade registral, constituem "ónus ocultos" ante terceiros, estando em situação igual. III - O privilégio imobiliário é prioritário, relativamente à hipoteca e ao direito de retenção - artigo 751 do Código Civil. VI - Competindo, em graduação de créditos, em sede executiva, o crédito do retentor e os créditos da "Segurança Social", estando penhorado um imóvel do devedor, prevalecem os créditos desta entidade, em detrimento do crédito daquele (retentor). | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Por apenso aos autos de Execução Ordinária que, pela .. Vara Cível da Comarca do .........., a exequente “Banco .............., S.A.” move aos executados: Arminda .............. e Fernando ................., para deles haver o pagamento de 1.175.000$00 e juros de mora. II. Veio o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, Delegação de Aveiro, nos termos do art. 865°, nº2, do Código de Processo Civil, em 8.1.2003, reclamar contra o executado Fernando .............., os seguintes créditos relativos a contribuições do executado como trabalhador independente: - 5.359,75 Euros, relativos aos meses de Novembro/94 a Junho de 1995 e Agosto de 1996 a Fevereiro de 2001; - 2.952,96 Euros de juros de mora correspondentes àquelas contribuições, vencidos até Janeiro/2003 e juros de mora vincendos até ao mês do pagamento. III. Por sua vez Joaquim ................ e mulher Batistina .............., reclamaram daquele executado, o crédito de € 50.981,80, referente a capital e juros de mora vencidos até 10.01.03, bem como os juros de mora vincendos, que o reclamado foi condenado a pagar, por sentença proferida nos autos de acção ordinária nº.../.., que correu termos no Tribunal de Círculo de .............., relativamente ao qual lhes foi, pela mesma sentença, reconhecido o direito de retenção sobre o imóvel que se encontra penhorado na execução de que estes autos constituem apenso, o que lhes confere direito de serem pagos com preferência em relação aos demais credores do executado. IV. Os créditos reclamados foram admitidos liminarmente e não foram objecto de impugnação, pelo que nos termos do disposto no nº4, do art. 868°, do Código de Processo Civil, foram considerados reconhecidos. V. Na referida execução foi penhorado, em 2.10.1996, um bem imóvel – cfr. fls. 73. *** A final foi proferida sentença que graduou os créditos do seguinte modo: “Tendo em conta que a quantia exequenda goza da garantia que lhe é conferida pela penhora (art. 822° do Código Civil), e que as quantias reclamadas gozam do direito de retenção (art.759°, nº1, do Código Civil) e da garantia que lhes é conferida pelo privilégio imobiliário art. 11º, do DL nºl08/80, de 9/5 - graduo-os da seguinte forma: 1º - O crédito reclamado por Joaquim ............... e esposa Batistina ..................; 2º - Os créditos reclamados pelo IGFSS relativo a contribuições para a Segurança Social; 3º - O crédito exequendo”. *** Inconformado recorreu o IGFSS que, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1. O aqui apelante após ter sido citado pelo Tribunal, reclamou os seus créditos em 8 de Janeiro de 2003. 2. Na execução ordinária supra identificada foi penhorado um bem imóvel. 3. Tendo todos os créditos sido admitidos liminarmente, por despacho de 20 de Fevereiro de 2003. 4. Por despacho de verificação e graduação de créditos datado de 29 de Abril de 2003, o Tribunal “a quo” procedeu à graduação dos créditos reclamados. 5. Tendo graduado em primeiro lugar, o crédito dos aqui apelados Joaquim ............ e Batistina .................., crédito este, reconhecido por sentença (direito de retenção sob o imóvel penhorado). 6. Em segundo lugar, foi graduado o crédito do aqui apelante uma vez que os créditos da (...) .. Segurança Social e respectivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário, graduando-se logo após os créditos referidos no art. 748º do Código Civil - art. 2°, do DL nº152/76, de 3/7 e art. 11° do DL. n°103/80, de 9/5 (...). Na citada sentença de verificação e graduação de créditos, o Tribunal “a quo” estipulou o seguinte; 7. “Reconhecido que está, por sentença o direito de retenção dos reclamados Joaquim e Batistina sobre o imóvel penhorado, têm eles a faculdade de ser pagos com preferência aos demais credores do devedor (art. 759°, nº1, do Código Civil), prevalecendo o direito de retenção até sobre a hipoteca mesmo registada anteriormente (nº2 do art. 759º, do Código Civil)”. 8. “Tendo em conta que a quantia exequenda goza da garantia que lhe é conferida pela penhora (art. 822° do Código Civil), e que as quantias reclamadas gozam do direito de retenção (art.759°, nº1, do Código Civil) e da garantia que lhes é conferida pelo privilégio imobiliário art. 11°, do DL nº108/80, de 9/5 - graduando-os da seguinte forma: 1 - O crédito reclamado por Joaquim ................. e esposa Batistina ..............; 2 - Os créditos reclamados pelo IGFSS relativo a contribuições para a Segurança Social; 3 - O crédito exequendo”. 9. Os créditos do apelante, gozam de privilégio creditório imobiliário sobre o imóvel penhorado nos autos executivos em apreço, conforme dispõe o art. 11º do DL nº103/80 de 9/5 e art. 2º do Decreto Lei 512/76, de 3 de Junho. 10. Tais privilégios imobiliários, graduam-se logo após os créditos referidos no art. 748º do Cód. Civil, conforme dispõe o art. 11º “in fine”, do citado decreto-lei. 11. Os créditos do aqui apelante que gozam de privilégio imobiliário, graduam-se logo após os créditos do Estado, pela contribuição predial, pela Sisa e Imposto sobre Sucessões e Doações, créditos das autarquias locais pela contribuição predial, de acordo com o estabelecido no art. 748º alíneas a) e b). 12. De referir, que os privilégios imobiliários são garantias reais das obrigações, direitos reais de garantia, definidos no art. 733º do Cód. Civil (vide Álvaro Moreira e Carlos Fraga, prelecções do Prof. Doutor C. A. Mota Pinto, Almedina, Coimbra). 13. “Traduzindo-se na faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos bens com preferência a outros e isto independentemente do registo” - (vide Álvaro Moreira e Carlos Fraga, prelecções do Prof. Doutor C. A. Mota Pinto, Almedina, Coimbra). 14. Quer isto dizer que, os privilégios creditórios imobiliários não estão sujeitos a registo, produzindo a sua eficácia sem necessidade deste, sendo a lei que os atribui directamente, sem uma prévia convenção entre as partes. 15. Dispõe o art. 751º do Cód. Civil que “os privilégios imobiliários são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele, e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores”. 16. Segundo o estipulado no artigo supra citado, os privilégios imobiliários são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele e preferem ao direito de retenção, ainda que esta garantia seja anterior. 17. Considera o aqui apelante, que é incompreensível e manifestamente “contra legem”, a aplicação do art. 759º do Código Civil para fundamentar a graduação de créditos efectuada pelo Tribunal “a quo”. 18. Pois o art. 751º do Código Civil é perfeitamente claro, quanto à atribuição de primazia e prevalência dos privilégios creditórios imobiliários, em detrimento do direito de retenção, ainda que este seja anteriormente registado. 19. Este normativo legal (art. 751º do Código Civil) regula e disciplina a inoponibilidade dos privilégios imobiliários relativamente a terceiros, que adquiram um prédio ou um direito real sobre ele. 20. Ora no presente caso, os apelados dispõem de uma garantia real (direito de retenção). 21. Salvo o devido respeito, dever-se-á aplicar o art. 751º do Código Civil para elaboração da graduação dos créditos, pois o citado normativo regula as diversas relações entre os privilégios imobiliários, a hipoteca, o direito de retenção e a consignação de rendimentos. 22. Além do mais, o legislador vai mais longe, ao permitir que os privilégios imobiliários prefiram à hipoteca e ao direito de retenção, pois estabelece uma prevalência dos privilégios imobiliários sobre o direito de retenção, ainda que este tenha sido anteriormente registado. 23. Tal normativo tem, em meu entender, caracter imperativo, isto é não admite outras interpretações, e pela sua leitura resulta com clareza o objectivo e o alcance que a norma visa disciplinar. 24. Não se trata no presente caso, de um caso omisso. 25. No que diz respeito ao art. 759º, nº1, do Código Civil, considera o apelante inaplicável ao caso em apreço, pois este normativo apenas dá direito ao titular do imóvel de “a executar nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário, e ser pago com preferência aos demais credores do devedor”. 26. Ora, tendo o apelado invocado a garantia de que dispõe nos autos executivos em questão, faculdade que lhe é permitida por lei, deverá a mesma garantia ser graduada de acordo com o art. 751º do Código Civil, por remissão do art. 759º, nºs 1 e 2, do Código Civil. 27. Pois o art. 759º, nº1 e 2, do Código Civil não estipula regras para a graduação dos diversos créditos, ao contrário do que dispõe o art. 751º do Código Civil. 28. O art. 759º do Código Civil, tão somente estipula a preferência do direito de retenção em relação à hipoteca legal, não se referindo, em qualquer circunstância, aos privilégios creditórios imobiliários. 29. Destarte, para elaboração da graduação de créditos deverá atender-se ao estipulado no art. 751º do Código Civil, pois estatui, no caso de conflito entre os privilégios creditórios imobiliários e direitos de terceiro que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele. 30. O art. 759º, nºs 1 e 2, do Código Civil, será aplicável somente como norma remissiva para o art. 751º do Código Civil. 31. Devendo assim ser graduado o crédito do aqui apelante em primeiro lugar, atendendo ao privilégio creditório imobiliário que deriva da lei, seguindo-se o crédito garantido pelo direito de retenção dos apelados Joaquim e Batistina e por último o crédito exequendo. Decidindo nesta conformidade será feita Justiça. Os recorridos não contra-alegaram. *** Colhidos os vistos legais, cumpre decidir tendo em conta que matéria de facto a considerar é a que antes se referiu, sob os itens I) a IV). Fundamentação: A questão objecto do recurso – delimitada pelo teor das conclusões do recorrente – que recortam o respectivo âmbito de conhecimento, consiste em saber se, no caso em apreço, os créditos do IGFSS – gozando de privilégio imobiliário geral – devem ser graduados antes de créditos que beneficiam de direito de retenção. A sentença apelada graduou, em primeiro lugar, os créditos que beneficiam do direito de retenção e após o crédito do ora apelante. Conforme consta de prova documental junta aos autos, os reclamantes Joaquim ............. e Batistina obtiveram sentença judicial, de 30.9.1998, na qual foi declarado que, na qualidade de promitentes-compradores de prédio prometido vender pelo co-executado António ............., “têm a seu favor o direito de retenção como garantia do pagamento do sinal em dobro sobre o prédio” – quantia de 10.000.000$00. O direito de retenção destes reclamantes ancora no art. 755º, nº2, do Código Civil que estabelece, no seu nº1, f) que goza de tal direito - “O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442°”. O direito de retenção não é apenas um meio de coerção sobre o devedor inadimplente sendo um verdadeiro direito real de garantia. De harmonia com o art. 759º, nº2, do Código Civil, o titular do direito de retenção tem prioridade sobre o credor hipotecário, mesmo que a hipoteca tenha sido registada anteriormente à constituição do crédito do retentor. Isto apesar da hipoteca dever ser registada e o direito de retenção não – cfr. art. 687º do citado diploma - “A hipoteca deve ser registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes” - e art. 2º,nº1, do C.R. Predial. Neste diploma consta a obrigatoriedade de registo da hipoteca, mas não se prevê a registabilidade do direito de retenção. O Código Civil prevê a existência de privilégios creditórios em virtude da natureza de certos créditos – art. 733º do Código Civil – conferindo a certos credores o direito de serem pagos com preferência a outros. Os privilégios creditórios não carecem de registo. Podem ser mobiliários e imobiliários - nº1 do art. 735º do Código Civil. Neste diploma consigna-se que os privilégios mobiliários podem ser gerais e especiais; gerais, se abrangem o valor de todos os bens móveis do devedor existentes no seu património à data da penhora ou acto equivalente, e especiais se apenas abrangem certos bens móveis –nº2 do citado preceito. No seu nº3 consigna-se que - “Os privilégios imobiliários são sempre especiais”. Portanto, o Código Civil não consagra a figura dos privilégios imobiliários gerais que os arts. 2º do DL.512/76, de 3.7 e 11º do DL. 103/80, de 5.9. prevêem como garantia dos créditos das contribuições do regime geral de previdência e respectivos juros. Assim o art. 2º daquele diploma de 1976 estabelece: “Os créditos pelas contribuições do regime geral de previdência e respectivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748º do Código Civil”. Igual regime se acha contido no art. 11º do diploma de 1980 antes citado. No caso, o executado a quem foi penhorado o imóvel é trabalhador independente, mas, nos termos do art. 4º do DL. 328/93, de 25.9, está sujeito a contribuições previdenciais que gozam daquele privilégio. Nos termos do art. 751° do Código Civil: “Os privilégios imobiliários são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele, e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores”. No caso do direito de retenção e dos privilégios previstos naqueles diplomas legais atinentes a créditos previdenciais há um factor comum – ambos, para valerem, não postulam registo. O art. 751º do Código Civil afirma a prioridade do privilégio imobiliário relativamente à hipoteca e ao direito de retenção. Esta prevalência dos privilégios deste tipo da (Segurança Social) relativamente à hipoteca foi considerado inconstitucional. Tal questão da constitucionalidade destes normativos do DL.512/56 e 108/80, já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, entre outros, nos Acórdãos nº160/2000, de 22.3.2000 – Proc. 843/98, in D.R. II Série de 10.10 –, e nº354/2000, de 5.7.2000, disponíveis no "site" do Tribunal Constitucional – "http.//www.tribunal constitucional.pt/Acordaos". O Tribunal Constitucional abordou a problemática da inconstitucionalidade dos citados normativos, à luz do “princípio da confiança” implicado no art. 2º da Constituição da República, tecendo as seguintes considerações que integralmente se subscrevem: No aludido Ac.160/2000 pode ler-se: “[...]Com efeito, o princípio da protecção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático, postula um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se poderia moral e razoavelmente contar (cfr. inter alia, os Acórdãos nºs. 303/90 e 625/98, publicados no Diário da República, II Série, de 26 de Dezembro de 1990 e 18 de Março de 1999, respectivamente). A esta luz, pergunta-se [...] que segurança jurídica, constitucionalmente relevante, terá o cidadão, perante uma interpretação normativa que lhe neutraliza a garantia real (hipoteca) por si registada, independentemente de o ter sido em data posterior ao início da vigência das normas em causa. É que, por um lado, o registo predial tem uma finalidade prioritária que radica essencialmente na ideia de segurança e protecção dos particulares, evitando ónus ocultos que possam dificultar a constituição e circulação de direitos com eficácia real sobre imóveis, bem como das respectivas relações jurídicas - que, em certa perspectiva, possam afectar a segurança do comércio jurídico imobiliário (cfr. Oliveira Ascensão, “Direito Civil-Reais”, Coimbra, 1993, pág. 333; Isabel Pereira Mendes, "Repercussão no Registo das Acções dos Princípios do Direito Registral e da Função Qualificadora dos Conservadores do Registo Predial", in – "O Direito", Ano 123, 1991, págs. 599 e segs., maxime, pág. 604; Paula Costa e Silva, "Efeitos do Registo e Valores Mobiliários. A Protecção Conferida ao Terceiro Adquirente", in - Revista da Ordem dos Advogados, Ano 58, 1998, II, págs. 859 e ss., maxime pág. 862). Por outro lado, o princípio da confidencialidade tributária impossibilita os particulares de previamente indagarem se as entidades com quem contratam são ou não devedoras ao Estado ou à Segurança Social. Ora, não estando o crédito da Segurança Social sujeito a registo, o particular que registou o seu privilégio, uma vez instaurada a execução com fundamento nesse crédito privilegiado, ou que ali venha a reclamar o seu crédito, pode ser confrontado com uma realidade - a existência de um crédito da Segurança Social - que frustra a fiabilidade que o registo naturalmente merece. Acresce que, não se encontrando este privilégio sujeito a limite temporal e atento o seu âmbito de privilégio "geral", e não existindo qualquer conexão entre o imóvel onerado pela garantia e o facto que gerou a dívida (no caso à Segurança Social), ao contrário do que sucede com os privilégios especiais referidos nos artigos 743° e 744° do Código Civil, a sua subsistência, com a amplitude acima assinalada, implica também uma lesão desproporcionada do comércio jurídico. Finalmente, ainda se dirá não se surpreender suporte razoável adequado para esta desproporcionada lesão na tutela dos interesses da Segurança Social e no destino das contribuições que esta deixou de receber, pois a Segurança Social dispõe de meios adequados para assegurar a efectividade dos seus créditos, sem frustração das expectativas de terceiros: bastar-lhe-à proceder ao oportuno registo da hipoteca legal, nos termos do artigo 12° do Decreto-Lei nº 103/80. A interpretação normativa em sindicância viola, em conclusão, o princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2° da Constituição da República". Mas será que este juízo de inconstitucionalidade vale para o caso de concorrerem na graduação, crédito beneficiando de direito de retenção, em confronto com os privilégios imobiliários gerais estabelecidos nos referidos Decretos-Lei? Muito embora o Código Civil ignore a figura dos créditos imobiliários gerais, cremos que as razões que estiveram na base do juízo de inconstitucionalidade não são aplicáveis ao caso que nos ocupa. Com efeito, segundo a doutrina constitucional, o “princípio da confiança” sairia beliscado se se conferisse prevalência ao privilégio creditório imobiliário geral da Segurança Social ante créditos hipotecários, porque não sendo aqueles registáveis, ao invés destes, o comércio jurídico, confiante na publicidade registral [que existe na hipoteca, mas não existe relativamente aos privilégios imobiliários gerais] face à imprevisível invocação de créditos preferentes não constantes do registo – verdadeiros “ónus ocultos” – não estaria eficazmente protegido. Mas, singularmente, se estão em confrontos créditos que beneficiam de direito de retenção e créditos que gozam de privilégio imobiliário geral, então temos, em comum, uma característica já antes assinalada – ambos não são registáveis e, nessa medida não poderemos falar em risco de afectação da certeza e segurança, por quanto a eles, não haver a garantia da publicidade do registo. Já assim não seria se a acção de execução específica tivesse sido registada, facto de que não há prova nos autos, no que concerne à sentença que reconheceu aos reclamantes graduados em 1º lugar, o direito de retenção sobre o prédio penhorado para garantia do pagamento do sinal em dobro. Assim sendo não se vê como na graduação de créditos no caso dos autos possa ser desatendido o regime legal do art. 751º do Código Civil que confere prioridade aos créditos que gozam de privilégio imobiliário sobre os que beneficiam de direito de retenção. Neste sentido Salvador da Costa, in “O Concurso de Credores”, pág. 297, quando sob a epígrafe - “Graduação de Créditos com garantia ou preferência de pagamento sobre bens imóveis”, coloca os créditos das instituições de segurança social, por taxa social única garantidos por privilégio imobiliário geral relativamente aos imóveis existentes no património do devedor aquando da instauração da acção executiva (artigo 11° do Decreto- Lei n° 103/80), antes dos créditos garantidos pelo direito pelo direito de retenção (artigos 751° e 754° do Código Civil). Sucede, no entanto, que já depois de o recurso ter sido inscrito em tabela, a fls. 78, em 9.12.2003, os reclamantes Joaquim ............. e Batistina ............, vieram informar terem recebido do executado Fernando .............. a quantia que haviam reclamado no apenso de onde promana o recurso. Retirado o processo da tabela e notificados o recorrente e o exequente, nada disseram. Assim, e tendo por adquirido que o executado pagou àqueles credores o montante do crédito por eles reclamado, apenas ficam a competir na graduação, o crédito do apelante e o do Banco exequente, não se suscitando, agora, qualquer controvérsia sobre a graduação, “desaparecida” que está, supervenientemente, a pretensão daqueles credores, tanto mais que não está em causa que o crédito do apelante IGFSS deve ser graduado, em primeiro lugar, antes do crédito do exequente, o que já acontecia antes do pagamento a que se aludiu. Decisão: Nestes termos, e considerando supervenientemente prejudicado o objecto do recurso, pelo facto de ter desaparecido a razão da disputa do lugar na graduação do crédito do apelante, pelo facto do executado ter pago, na pendência do recurso, aos credores reclamantes Joaquim .............. e mulher Batistina ............, gradua-se, em 1º lugar, o crédito do apelante IGFSS, e em 2º lugar, o crédito exequendo. Custas pelo executado. Porto, 2 de Fevereiro de 2004 António José Pinto da Fonseca Ramos José da Cunha Barbosa José Augusto Fernandes do vale |