Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0830798
Nº Convencional: JTRP00041161
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
DESISTÊNCIA DO CONTRATO
NATUREZA JURÍDICA
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
Nº do Documento: RP200803060830798
Data do Acordão: 03/06/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: LIVRO 751 - FLS 168.
Área Temática: .
Sumário: I – A reparação dos defeitos que a obra apresente é questão que apenas se coloca quando o contrato de empreitada foi cumprido, no sentido de a obra ter sido entregue e não quando a obra não chegou a ser concluída.
II – A desistência do contrato não constitui uma situação nem de revogação ou resolução unilateral, nem de denúncia, tendo por objectivo o de dar a possibilidade ao dono da obra de não prosseguir a empreitada, interrompendo a sua execução para o futuro.
III – Não pode haver desistência da empreitada por parte do dono da obra quando a empreitada já “terminou” por iniciativa do empreiteiro que se recusa definitivamente a cumprir e abandona a obra.
IV – Não pode, assim, considerar-se que, em face de um incumprimento definitivo por parte do empreiteiro, quando a obra ainda não está terminada, se o dono da obra contrata com outro a sua conclusão isso significa que desiste (no sentido previsto no art. 1229º do CC) da empreitada.
V – Subsistindo ineptidão da p. i. não conhecida, oficiosamente, no saneador, deve a acção ser julgada improcedente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Relatório.
Na .ª Vara Mista do tribunal de Comarca de Vila Nova de Gaia, B………. e mulher, C………., residentes na Rua ………., …, ………., Vila Nova de Gaia, intentaram contra D………., Ldª, com sede na Rua ………., .., ………., Vila Nova de Gaia, acção declarativa, sob a forma ordinária, pedindo a condenação da Ré no pagamento das quantias de € 4.638,82 correspondente ao valor pago pelos AA pelas reparações dos defeitos da obra, de € 4.489,18 (correspondente ao período de Janeiro de 2002 até à propositura da acção) devido por cada mês de atraso na execução da obra e até finalização da mesma, a liquidar em execução de sentença, de € 5.037,86 que a Ré recebeu a título de adiantamento para trabalhos futuros, de € 2.500,00 a título de danos morais e de € 17.457,93 correspondente ao valor até ao momento pago pelos AA a terceiros contratados posteriormente para executar a obra, valor este a liquidar em execução de sentença.
Alegaram que celebraram com a Ré um contrato de empreitada mediante o qual este se obrigou, pelo preço de € 56.064,88, a concluir um prédio urbano destinado a habitação num terreno dos AA; posteriormente adjudicaram à Ré a realização de trabalhos não incluídos no contrato inicial no montante de € 1.250,00; a Ré não executou determinados trabalhos e executou deficientemente outros; a Ré comunicou aos AA a rescisão, sem justa causa, do contrato, abandonando a obra; os AA entregaram montantes a título de adiantamento para trabalhos futuros não realizados, acordaram com terceiros a realização dos trabalhos em falta e conclusão da moradia, não puderam habitar a mesma no prazo previsto, continuando a viver num local sem condições de habitabilidade para o seu filho, que sofre de doença com a mesma relacionada, factos que eram do conhecimento da Ré.
A ré contestou excepcionando a ineptidão da petição inicial, a caducidade do direito invocado e a nulidade de uma cláusula contratual.
Os AA replicaram e foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a ineptidão da petição inicial arguida e seleccionada, sem reclamações, a matéria de facto considerada relevante.
Realizado o julgamento foi a acção julgada improcedente com absolvição da Ré do pedido e os Autores interpuseram recurso de Apelação que foi julgado procedente tendo sido determinada a anulação do julgamento; ordenada a ampliação da matéria de facto e que se procedesse à repetição da audiência para decisão sobre o quesito mandado aditar.
Realizado o novo julgamento veio a ser proferida nova sentença que julgou a acção improcedente por não provada e absolveu a Ré dos pedidos.

Inconformada com esta decisão dela vieram interpor recurso os autores, concluindo que:

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A recorrida não contra alegou.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
… …
Fundamentação
A primeira instância deu como provados os seguintes factos:
Por escrito denominado Contrato de Empreitada, celebrado em 02 de Abril de 2001, e assinado, na qualidade de primeiro outorgante e dono da obra, pelo A marido, e na qualidade de segundo outorgantes e empreiteiro pelo representante da Ré, foram estabelecidas as seguintes cláusulas:
“(...)Primeira
O primeiro OUTORGANTE é dono e legítimo possuidor de um prédio sito no ………., Vila Nova de Gaia.
Segunda
Constitui objectivo do presente contrato a conclusão completa da obra referente a pedreiro, início e conclusão da parte respeitante a trolha e arranjos de terras.
Terceira
O segundo OUTORGANTE obriga-se a realizar todos os trabalhos e fornecer todos os materiais necessários, com excepção das louças, tijoleiras, granitos, madeiras no chão (parte intima), portas, portadas, isolamento para as paredes e tela para impermeabilizar a varanda.
Quarta
O preço global, não sujeito a revisão para os trabalhos referidos na cláusula segunda é de onze milhões e cem mil escudos ao qual acrescerá o imposto sobre o valor acrescentado à taxa em vigor. Neste valor está incluída a telha vermelha nacional. Caso o primeiro OUTORGANTE opte pela telha nacional de cor branca o valor será de onze milhões e duzentos e quarenta mil escudos.
Quinta
O pagamento dos trabalhos a realizar será de seguinte forma:
1. Arranjos exteriores e movimento de terras 100.000$00
2. Paredes duplas, colocar isolamento nas paredes (fornecido pelo dono da obra)
chaminés, clarabóias, alargar escadas interiores, dispensa, lavandaria,
colocação das argolas nos dois poços 400.000$00
3. Muro lateral esquerdo da casa 700.000$00
4. Muro traseiros, Muro de suporte de terras nas traseiras da casa 600.000$00
5. Muro da frente, passeios, guias 1.300.000$00
6. Isolamento c/roofmate, telha nacional, ripas, coberto,
colocação de 2 colunas de pedra 1.300.000$00
7. Cerzitar, rebocar exterior, redes 1.100.000$00
8. Passeios e escadarias à volta da casa, 4 caixas em betão para
a luz indirecta da cave, paredes duplas em toda a cave
circundante da casa 700.000$00
9. Arear moradia 600.000$00
10. Rebocar tectos interiores 600.000$00
11. Estucar tectos 600.000$00
12. Estanhar paredes internas 1.000.000$00
13. Assentamento de tijoleiras/granitos, azulejos 800.000$00
14. Chão internos 700.000$00
15. Assentamento de granitos nas paredes exteriores, soleiras 200.000$00
16. Acabamentos finais e saneamento, fossas 500.000$00
Sexta
Todos os trabalhos serão realizados, como pede caderno de encargos (5 folhas).
Sétima
Os trabalhos do presente contrato de empreitada iniciar-se-ão em 01/04/2001 e terão de estar concluídos em 31/12/2001. Em caso de não conclusão da obra estipulada o segundo OUTORGANTE obriga-se a indemnizar o primeiro OUTORGANTE em cem mil escudos mensais, salvo se o primeiro OUTORGANTE provocar atrasos na entrega dos materiais combinados. O primeiro OUTORGANTE, em caso de atraso na entrega dos materiais, fica obrigado a indicar por escrito os dias de atraso, para que estes sejam adicionados à data final do respectivo contrato.(...)”(alínea A dos factos assentes).
Por escrito denominado de DECLARAÇÃO e assinado, em 31.07.2001 pelo A. marido e Ré, foi declarado o seguinte:
“(...) para realizar os extras na obra sito no ………. (...) tais como:
-Levantar a entrada principal (em arco)
-Escadarias adicionais ao projecto do lado esquerdo da casa (vista de frente)
-Escadarias adicionais ao projecto nas traseiras da casa.
Para estes extras ficou acordado por consenso entre ambas as partes a quantia de cento e cinquenta mil escudos (150.000$00).
Ainda como extra, o acrescentar um metro ao muro traseiro da casa que suporta as terras, ficou acordado por consenso comum entre ambas as partes a quantia de cem mil escudos (100.000$00), apesar do preço do muro estar inicialmente no contrato estabelecido entre ambos, e já contemplava um muro de suporte para toda a terra a levar nas traseiras da casa.
Esta quantia de duzentos e cinquenta mil escudos (250.000$00) referentes aos extras atrás mencionados será entregue pelo proprietário depois de toda a obra completamente concluída (...)” (alínea B).
Por carta datada de 04 de Outubro de 2001 e recepcionada pelo A.marido, a Ré declarou o seguinte:
“(...) Na sequência da conversa tida com V. Exª no dia 03/10/01 na sua residência, na qual não foi possível acordar o pagamento dos trabalhos a mais já realizados e outros a realizar propostos por si por alterar o contrato inicial com pesados custos suplementares, e na sua versão só seriam pagos no final da obra, não é possível pelas verbas envolvidas, dar continuidade aos trabalhos contratados.
Assim, vai esta firma, D………., Ldª, rescindir o referido contrato (...).
Pela nossa parte lamentamos o ocorrido, mas a sua inflexibilidade não nos deixou outra alternativa (...)”,
não mais tendo comparecido na obra (alínea C).
A Ré recebeu dos AA a quantia de 5.210.000$00 (alínea D).
Por escrito denominado DECLARAÇÃO, datado de 02 de Setembro de 2001 e assinado pelo legal representante da Ré, este declarou ter recebido até àquele momento a quantia de 5.210.000$00 referente à empreitada e que 1.010.000$00 eram adiantados em relação ao contrato estabelecido entre ambas as partes (alínea E).
Até 04 de Outubro de 2001 a Ré não efectuou ou efectuou com deficiências os seguintes trabalhos:
a) fissuras nas colunas de suporte da varanda, na varanda e nos pilares;
b) a cave e casa de banho não estão rebocadas;
c) o muro de separação traseiro não está areado;
d) o muro traseiro para suporte de terras não está finalizado;
e) falta arear os beirais da casa;
f) falta colocação de pedras;
g) falta colocar soleira no alpendre;
h) falta a conclusão do isolamento do telhado para posterior colocação de telha;
i) falta fazer ranhuras para o esgoto do ar condicionado;
j) falta fazer as placas junto às argolas do poço para recepção de terras;
k) falta fazer os remates nas beiradas e pingadeiras;
l) falta colocar o resto das ripas de cimento;
m) finalizar as chaminés;
n) falta colocar duas colunas de pedra;
o) falta fazer 4 caixas de betão e as paredes duplas da cave;
p) faltam as ranhuras para os tubos de escoamento do ar condicionado;
q) as escadas estão incompletas;
r) falta a rede de drenagem de águas pluviais, de saneamento e respectiva fossa séptica e poço;
s) falta executar os nichos para a água e gás;
t) falta executar a terraplanagem de terras;
u) as paredes internas e externas não estão regularizadas pois falta cerzitar, estanhar e rebocar;
v) falta o assentamento dos chãos internos e das cerâmicas e pedras dos portões;
w) falta estucar os tectos;
x) falta construir passeio alçado posterior;
y) falta construir passeios, guias e muros de vedação principal (número 1 da base instrutória).
Após o abandono da obra pela Ré, os AA contrataram os serviços de outra empresa para finalizar a construção da moradia (número 3).
Os AA habitaram a casa de seus pais e sogros, onde se verificam humidades, até Dezembro de 2002 (número 4).
O filho dos AA, de 9 anos de idade, sofre de asma, necessitando de recorrer, por vezes, aos serviços hospitalares (número 5).
… …
Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do CPCivil), que neles se apreciam questões e não razões e que não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões suscitadas são as de saber se a acção deveria proceder e, na afirmativa, se essa procedência deve conter todo o pedido indemnizatório, por dever a matéria de facto ser alterada relativamente aos quesitos que se reportam a essa indemnização.
… …
Da procedência da acção
Abordando as questões do recurso pela ordem cronológica, como foram suscitadas, e porque a impugnação da matéria de facto, por se restringir à factualidade da indemnização, apenas interessa se se decidir que os Autores a esta têm direito, iniciaremos a apreciação do mérito do recurso pela questão referente ao cumprimento/incumprimento do contrato.
É pacífico que AA. e Ré celebraram um contrato de empreitada (artigo 1207º do Código Civil) mediante o qual, pelo preço de 11.100.000$00 acrescido de IVA, a entregar parcialmente após a realização dos vários trabalhos definidos, a Ré se obrigou a concluir uma obra de pedreiro, trolha e arranjos de terras com início em 01.04.2001 e conclusão em 31.12.2001, tendo posteriormente, em 31.07.2001, acordaram na realização de outros trabalhos não incluídos no acordo originário, mediante o pagamento, na data de conclusão de toda a obra, do preço de 250.000$00.
Aproveitando a Lição de Pedro Soares Martinez, in Direito das Obrigações – Parte especial – os contratos, p. 466 “O empreiteiro, por força do contrato que o liga ao comitente, está obrigado a realizar uma obra (art. 1207º CC). A execução dessa obra deve ser feita em conformidade com o convencionado e sem vícios que lhe reduzam ou excluam o valor ou a aptidão para o uso ordinário ou o previsto no contrato (art. 1208º CC).
Se o empreiteiro deixa de efectuar a sua prestação em termos adequados, dá-se o inadimplemento da obrigação, com a consequente responsabilidade.
O não cumprimento da prestação do empreiteiro será definitivo se a obra, não tendo sido realizada dentro do prazo razoavelmente for fixado pelo dono da obra já o não puder ser, por o comitente ter perdido o interesse (art. 808, nº1, 1ª parte do CC) ou por não ter sido realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo dono da obra (art. 808°, nº l, 2ª parte CC).
Se a obra não foi atempadamente realizada e já não puder vir a sê-lo, na medida em que, entretanto, se tornou impossível a sua execução por causa imputável ao empreiteiro, a situação é equiparada ao incumprimento definitivo (art. 801°, nº 2 CC).
A estas três situações pode acrescentar-se a hipótese de o empreiteiro ter expressamente declarado que já não realizaria a obra. Perante o incumprimento definitivo imputável ao empreiteiro, cabe ao dono da obra resolver o contrato e exigir uma indemnização (art. 801°, nº 2 CC).”
Matéria diversa da exposta é a que se refere à responsabilidade do empreiteiro pelos defeitos da obra que supõe que esta tenha sido entregue uma vez que “o prazo de denúncia só é exigível para os defeitos conhecidos, após ter sido efectuada a comunicação a que alude o art. 1218 nº4 do CC.”[1].
Decorre da matéria de facto provada que a obra deveria estar concluída em 31/12/2001; a partir de 04 de Outubro de 2001 a Ré comunicou por carta aos AA que rescindia o contrato e não mais compareceu na obra; até essa data (4 de Outubro de 2001) a Ré não efectuou ou efectuou com deficiências os trabalhos que a prova apurou; após o abandono da obra pela Ré, os AA contrataram os serviços de outra empresa para finalizar a construção da moradia.
Ora, não constitui objecto do recurso a parte da decisão recorrida que considerou que a Ré não conseguiu demonstrar qualquer incumprimento por parte dos AA que justificasse a comunicada resolução contratual e, por isso, tem-se como incontroverso que “a comunicação da resolução por parte da Ré e consequente abandono da obra representa, sem qualquer equivocidade, uma recusa categórica do cumprimento das obrigações por parte da Ré, situação que a doutrina e jurisprudência equiparam ao incumprimento definitivo da obrigação (A. Varela, das Obrigações em geral, Vol. II, 5ªedição, pág. 91)”.
Esta situação de incumprimento definitivo permite (se o dono da obra o desejar) a resolução do contrato e os efeitos desta regulam-se pelas regras gerais do art. 432 e ss do CC, ficando o dono da obra exonerado de pagar o preço e se já o tinha pago pode exigir a restituição por inteiro (art. 289 CC)[2], podendo ainda cumular o pedido de indemnização pelo interesse contratual negativo a fim de colocar o dono da obra na situação em que estaria se não tivesse celebrado o negócio[3].
Analisando o pedido deduzido pelos AA verificamos desde logo que não é pedida a resolução do contrato mas que apenas se pretende o ressarcimento pela reparação dos defeitos que a obra apresentava; o correspondente ao cumprimento da cláusula penal (4.489,18 € por cada mês de atraso na execução da obra); a restituição do que a ré recebeu a título de adiantamento; os danos morais e o montante pago e a pagar a terceiros, para execução da obra.
Ora, como se faz notar na sentença recorrida, os segmentos do pedido em que se pretende o valor da reparação dos defeitos e o accionamento da cláusula penal indemnizatória pressupõem a manutenção do vínculo contratual (por oposição á resolução) e isto porque os 4.489,18 € estipulados na cláusula sétima para cada mês em atraso para lá de 31/12/2001 (data prevista para a conclusão da obra) bem como a exigência na reparação dos defeitos da obra têm por fundamento um contrato não resolvido mas cujo cumprimento ainda se exige.
Por seu turno, os segmentos do pedido em que se pretende o valor recebido a título de adiantamento do preço das obras não realizadas e o valor pago a terceiros para conclusão da obra negociada com a ré, não se compaginam com a manutenção do vínculo contratual por terem como pressuposto a resolução do contrato que não foi peticionada.
Concluiu no entanto a decisão em recurso, perante o exposto, que os pedidos são contraditórios entre si e que, por os AA não terem requerido a resolução do contrato, em face do incumprimento definitivo da Ré, consubstanciado na recusa de continuar a obra e abandono da mesma, tem de entender-se que os AA desistiram da empreitada não resultando para eles qualquer direito.
Atendendo um pouco mais a estas circunstâncias, e com base no que já afirmámos anteriormente, cremos que perante a recusa da Ré em continuar a obra, aos autores apenas restava pedir a resolução do contrato, e a consequente indemnização tendente a colocá-los na situação em que estariam se não tivessem celebrado o negócio, ou então, exigir o seu cumprimento nos termos do art. 817 do CC. E isto porque, perante a evidência do abandono da obra por parte do empreiteiro e a sua recusa inequívoca em continuar os trabalhos da sua execução, para que os AA quisessem a manutenção do contrato teriam que se manter sem iniciativa até à data em que as obra deveria estar concluída e ser entregue, deixar assim o empreiteiro incorrer em mora; interpelar, depois, este para cumprir (mesmo que judicialmente) ou fixando-lhe um prazo sob pena de, findo este, se considerar o contrato definitivamente incumprido e, depois, pedir a resolução do contrato.
Ou seja, se os autores pretendessem a manutenção do contrato não obstante o abandono da obra por parte do empreiteiro antes do seu termo, no final, poderiam acabar confrontados com a necessidade de pedir a resolução.
Veja-se que neste contexto não tem sentido falar da reparação dos defeitos que a obra apresente porque essa é uma questão que apenas se coloca quando o contrato foi cumprido, no sentido de a obra ter sido entregue e não, como no caso em estudo, quando a obra não chegou a ser concluída.
Não nos parece assim correcto concluir que em face do incumprimento definitivo da Ré, por abandono e recusa em terminar a obra, a circunstância de os AA não pedirem (nem na acção) a resolução do contrato significa que estes desistiram do mesmo nos termos do art. 1229 do CC.
De acordo com este preceito o dono da obra pode desistir da empreitada a todo o tempo (art. 1229º CC). Trata-se de uma excepção à regra estabelecida no art. 406°, nº 1 CC, segundo a qual os contratos se extinguem por mútuo consentimento dos contraentes.
A razão de ser deste normativo encontra-se no facto de o dono da obra, aquele que pretende com o contrato obter um determinado resultado (uma obra) poder perder, por qualquer motivo, o interesse na sua realização, não se justificando que continue vinculado àquele negócio jurídico, devendo indemnizar o empreiteiro pelo interesse contratual positivo[4]. Trata-se de permitir ao dono da obra que obste à realização da desta, sem prejuízo do empreiteiro.
Quanto à sua natureza jurídica, a desistência contrato não constitui uma situação nem de revogação, ou resolução unilateral, nem de denúncia, tendo por objectivo o de dar a possibilidade ao dono da obra de não prosseguir a empreitada, interrompendo a sua execução para o futuro[5].
Parece-nos evidente que configurada deste modo a desistência, os AA da acção não quiseram desistir da empreitada, quando se viram perante um incumprimento definitivo da Ré, e isto pela elementar razão de que não pode haver desistência da empreitada por parte do dono da obra quando a empreitada já “terminou” por iniciativa do empreiteiro que se recusa definitivamente a cumprir e abandona a obra.
Não pode pois considerar-se que em face de um incumprimento definitivo por parte do empreiteiro, quando a obra ainda não está terminada, se o dono da obra contrata com outro a sua conclusão isso significa que desiste (no sentido previsto no art. 1229 do CC) da empreitada.
Significa apenas que em face do incumprimento definitivo por parte da Ré os AA tomaram a iniciativa de terminar a obra e reclamam a indemnização a que se julgam com direito.
Poder-se-ia argumentar que embora não tendo pedido expressamente a resolução do contrato, da interpretação dos factos articulados e dos pedidos deduzidos, se podia retirar a conclusão inequívoca de que os AA haviam pedido implícita e necessariamente essa resolução do contrato ao afirmarem que a Ré “rescindiu sem justa causa o contrato celebrado, abandonou a obra e não mais lá voltando” e que “como a ré rescindiu o contrato celebrado entre ambos sem invocação de qualquer justa causa, os AA viram-se obrigados a contratar os serviços de outra empresa para reparar os defeitos da obra e finalizar a construção da moradia” (vd. art. 13 e 17 da petição inicial).
Porém, são os próprios AA que sustentam, até nas suas conclusões de recurso, a circunstância de terem contratado com outrem a conclusão da obra não significa que tenham perdido o interesse no contrato que celebraram com a Ré, ou seja, que o tenham resolvido ou dele desistido, e que, mantendo o interesse no contrato celebrado com a Ré apenas diligenciaram de forma a ultrapassar “com a máxima brevidade possível os inconvenientes da recusa da Ré em continuar a obra”, só não tendo pedido a condenação da Ré na execução da conclusão da empreitada e das reparações das deficiências da obra, porque a demora da acção declaratória e a subsequente e eventual execução obra, os faria suportar o incómodo de viverem em condições impróprias e a exigência judicial de cumprimento da obrigação acabaria por não permitir a reparação integral dos danos sofridos.
Sendo esta a posição jurídica dos AA e que se resume em protestar que tendo-se o empreiteiro colocado numa situação qualificável como de incumprimento definitivo, por recusa em cumprir, podem pedir da Ré indemnizações que supõem a resolução do contrato e em simultâneo outras que supõem a sua manutenção, sem que peçam expressamente que o contrato seja resolvido ou que ele seja cumprido pela demandada, não poderemos afirmar que o pedido de resolução está implícito, nem que a acção se destine a condenar a Ré por os AA manterem ainda interesse no contrato (não o querendo resolvido).
E porque sem pedir a resolução do contrato (ou sem se poder concluir como implicitamente pedida) não podem formular-se os pedidos contidos nas alíneas c), e e) da petição inicial e sem pedir a declaração da mora da Ré, e a subsistência do contrato, não podem formular-se os pedidos constantes das alíneas a) e b) do mesmo articulado, deve concluir-se que existe uma cumulação de pedidos que substancialmente são incompatíveis ou, até, uma ininteligibilidade da causa de pedir, por manifestamente se não poder decifrar se da causa de pedir faz parte a resolução do contrato ou o incumprimento de um contrato que os AA não pretendem ver resolvido.
Tal situação inscreve uma ineptidão da petição inicial (art. 193 nº 1 als. a) e c) do CPC que é de conhecimento oficioso (art. 202) e que como tal deveria ter sido julgada no saneador; não o sendo, como não o foi, só resta, agora, julgar a acção improcedente.
E o facto de nas conclusões de recurso não constar um pedido expresso de absolvição do pedido, não priva, não pode privar, o Tribunal da Relação, como garante da aplicação do Direito, de verificar e reconhecer que a acção tem de improceder pela manifesta incompatibilidade substancial dos pedidos[6].
Impõe-se, por isso, nos termos sobreditos, manter a absolvição da Ré dos pedidos, mas pelas razões referidas.
… …

Decisão
Pelo Exposto acorda-se em julgar improcedente a Apelação e, em consequência, manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelos Apelantes.

Porto, 6 de Março de 2008.
Manuel José Pires Capelo
Ana Paula Fonseca Lobo
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão

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[1] João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do empreiteiro pelos defeitos da Obra, 2º Edição, p. 105.
[2] Pedro Romano Martinez, Direito das obrigações (parte especial) Contratos, p. 488 e 490.
[3] O Ac. do STJ de 14/3/97 - CJ/STJ, 197, T.1, p. 127, decidiu que resolvido o contrato o dono da obra, com base no art. 1223 CC podia pedir o valor dos defeitos da obra executada, porque a resolução não destrói todos os efeitos do contrato, salvaguardando-se as consequências negocias com a parte da obra executada, mas tal situação é estranha a situação dos autos porque a resolução no caso não se fundamenta no art. 1223 CC.
[4] Vd. Pedro Romano Martinez, op. cit ps 454 e 458 e Vaz Serra , RLJ, 104º-207 e ss.
[5] Vd.Pereira de Almeida Direito Privado, Vol. II, Contrato de Empreitada, p. 104; Pires de Lima /Antunes Varela, comentário ao art. 1229°, Código Civil Anotado, II, p. 908.
[6] Vd. ac. STJ 13-12-2007, no proc. 07A3945, in dgsi.pt.