Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0734321
Nº Convencional: JTRP00040589
Relator: AMARAL FERREIRA
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
PAGAMENTO
DOCUMENTAÇÃO DO PAGAMENTO
SANAÇÃO DA OMISSÃO DE PROVA DO PAGAMENTO
Nº do Documento: RP200709200734321
Data do Acordão: 09/20/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 730 - FLS. 29.
Área Temática: .
Sumário: Sob pena de o preceito que o consente ficar totalmente esvaziado de sentido prático, a compatibilização da exigência do pagamento prévio da taxa de justiça com a atribuição do prazo de cinco dias para documentar tal pagamento impõe o entendimento de que, não sendo cumprida a prova do “pagamento prévio”, mas se for sanada com apresentação do pagamento, no prazo do nº2 do art. 150º-A do CPC, se tem como justificada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:


I – RELATÓRIO.

1. B…………… instaurou, no Tribunal Judicial de Santo Tirso, onde foi distribuída ao ..º Juízo Cível, sob o nº ……../07.4TBSTS, acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra “C…………….., S.A”, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, uma indemnização de 52.500 €, acrescida de juros de mora, consistindo a causa de pedir na ocorrência de um acidente de viação em que atribui a culpa ao condutor do veículo segurado na R..

2. A petição inicial deu entrada em juízo, via electrónica, em 26 de Fevereiro de 2007 e a taxa de justiça inicial foi paga em 27 de Fevereiro de 2007 (cfr. fls. 12).

3. Conclusos os autos com a informação de que o pagamento da taxa de justiça inicial era extemporâneo, foi proferido o despacho de fls. 15 a 17, a declarar extinta a instância por impossibilidade da lide, por se ter considerado que o prazo concedido pelo artº 150º, nº 3, do Código de Processo Civil, não se destinava a efectuar o pagamento da taxa de justiça mas a comprovar que ele havia sido feito, porque o comprovativo não pode ser remetido por correio electrónico.

4. Inconformado, agravou o A., oferecendo alegações nas quais formula as seguintes conclusões:
1ª: O autor pagou a taxa de justiça antes de ter sido praticado o acto com carácter definitivo - junção do original.
2ª: O envio da petição inicial por correio electrónico não carece de ser junto comprovativo ou feita menção ao NIP porque não foi intenção do legislador que o pagamento tivesse que ser feito antes do envio por correio electrónico, mas somente antes da junção do original, sem o qual o processo não prossegue.
3ª: O comprovativo do pagamento da taxa de justiça pode ser remetido por correio electrónico à semelhança dos documentos que sejam enviados com a petição, não tendo o legislador feito tal exigência.
4ª: Caso fosse intenção do legislador exigir que o pagamento tivesse que ser feito antes do envio da petição do correio electrónico, e não apenas antes do envio do original, teria colocado essa previsão e estendido a recusa de recepção da petição, caso não fosse acompanhada do comprovativo do pagamento ou menção do NIP.
5ª: Fez assim o Mmº Juiz uma interpretação demasiadamente restritiva da lei e foi muito além do que o legislador pretendeu.
6ª: No caso o pagamento foi feito e junto com o original da petição, pelo que deveria ter o Mmº Juiz aproveitado o processado até ao momento e, apenas no caso de a taxa de justiça não ser junta no prazo ou com a petição, poderia/deveria ter sido mandada desentranhar.
7ª: Caso fosse intenção do legislador que o pagamento da taxa fosse feito em momento anterior ao envio por correio electrónico, teria previsto que a distribuição apenas fosse feita após a junção do comprovativo do pagamento da taxa ou caso fosse feita menção no articulado do respectivo NIP.
8ª: O legislador criou regimes diferentes para quem usa os meios informáticos e para quem os não usa, com a redução da taxa, daí que não seja absurdo pensar-se que o legislador, ao deixar omissa a previsão da exigência do envio do comprovativo do pagamento com o envio da petição por via informática, não pretendesse também aí criar um regime diferenciado, claramente incentivando quem permite ao tribunal a utilização em pleno dos meios informáticos, até para justificação do esforço que tem sido feito pelo Estado na criação dos meios informáticos.
9ª: Ao fazer a interpretação que fez, violou a mens legislatoris que está na base da criação do novo regime, e em nada beneficiou o exercício da justiça, tendo feito uma errada interpretação, até inconstitucional, do previsto no artº 24º CCj e 150º A do Código de Processo Civil.
10ª: Só revogando o douto despacho por outro que permita o aproveitamento dos actos praticados se fará JUSTIÇA!

5. A R., que foi citada para os termos do agravo e da acção, tendo contestado a acção, não contra-alegou.

6. Proferido despacho de sustentação e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

1. Os factos a considerar para a decisão do agravo são os que constam do presente relatório, que aqui se dão por reproduzidos.

2. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do CPCivil), que neles se apreciam questões e não razões e que não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a questão suscitada no presente agravo é a de saber se, não tendo sido paga previamente a taxa de justiça, havia lugar à extinção da instância por impossibilidade da lide.

Dispõe o artº 23º, nº 1, do CCJ que “para promoção de acções e recursos, bem como nas situações previstas no artigo 14º, é devido o pagamento da taxa de justiça inicial autoliquidada nos termos da tabela do anexo I”.
E estipula o artº 24º, cuja epígrafe é “Pagamento prévio da taxa de justiça inicial”, nº 1, al. d), que o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça referida no artigo anterior é entregue ou remetido ao tribunal com a apresentação da petição ou requerimento do autor, exequente ou requerente”.
Nos termos do artº 28° (Omissão do pagamento das taxas de justiça inicial e subsequente), ambos ainda do CCJ, “A omissão do pagamento das taxas de justiça inicial e subsequente dá lugar à aplicação das cominações previstas na lei de processo”.

O artº 150° do Código de Processo Civil (Apresentação a juízo dos actos processuais), estabelece que:
“1. Os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por uma das seguintes formas:
(…)
d) Envio através de correio electrónico, com aposição de assinatura electrónica avançada, valendo como data da prática do acto processual a da expedição, devidamente certificada”.
3. A parte que proceda a apresentação de acto processual através dos meios previstos nas alíneas d) e e) do n°1 remete a tribunal, no prazo de cinco dias, todos os documentos que devam acompanhar a peça processual” (redacção do artº 5º do DL nº324/2003, de 27/12).
E o artº 150°-A, ainda do Código de Processo Civil (Comprovativo do pagamento de taxa de justiça) que:
“1. Quando a prática de um acto processual exija, nos termos do Código das Custas Judiciais, o pagamento de taxa de justiça inicial ou subsequente, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento ou da concessão do benefício do apoio judiciário, salvo se neste último caso aquele documento já se encontrar junto aos autos.
2. Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no número anterior não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 486°-A, 512°-B e 690°-B.
3. Quando a petição inicial seja enviada através de correio electrónico ou outro meio de transmissão electrónica de dados, o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial deve ser remetido a tribunal no prazo referido no nº3 do artigo anterior, sob pena de desentranhamento da petição apresentada”. (sublinhado nosso).
Esse prazo é de cinco dias – nº3 do artº 150º do Código de Processo Civil.
De harmonia com o nº 3 do artº 467º do Código de Processo Civil:
“O autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da de justiça inicial ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa total ou parcial do mesmo”.

Tendo em consideração os preceitos legais acabados de transcrever, e como decidido no acórdão deste Tribunal proferido nos autos de agravo nº 2615.07 (subscrito pelos ora relator e 1º adjunto e que tratava de situação em tudo idêntica à dos presentes autos), afigura-se-nos ser inequívoco, face à factualidade a considerar, que o despacho recorrido não pode subsistir.
Numa primeira leitura dos citados preceitos legais, afigurar-se-ia que o despacho recorrido fez uma correcta aplicação dos citados normativos legais, uma vez que o artº 150º, nº 1, do Código de Processo Civil (diploma a que pertencerão os demais preceitos legais doravante a citar, sem outra indicação de origem), estabelece e refere que quando um acto exija o pagamento de taxa de justiça inicial ou subsequente, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento.
Todavia, esse preceito legal não pode ser visto de forma isolada e sem ligação com os demais preceitos que regulam esta matéria, antes devendo ser conjugado com eles.
Assim, importa ter presente que o nº 2 dispõe que a falta de junção do documento referido no número anterior não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas 486-A, 512-B e 690-B.
E o artº 486-A, nº 3 do CPC não impõe a dura sanção aplicada no despacho recorrido.
Da conjugação destes normativos parece-nos que a interpretação deve ser feita no sentido de que a parte, no caso o A., pode apresentar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça - devida pela apresentação da petição inicial - no prazo de 10 dias a contar da prática do acto.
Apenas se nesse prazo (de 10 dias, previsto no nº 2 do artº 150º e nº 3 do artigo 486-A) não for junto o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça é que a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC, (parte final do nº 3 do artº 486 - A).
Neste sentido se pronunciou o Ac. deste Tribunal de 7/11/2005, www.dgsi.pt., em que se escreve “É certo que o artº 150º-A, nº1, do Código de Processo Civil alude a que deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento, mas não estabelece qualquer sanção, já que o nº2 consente que a parte que, assim não procedeu, deva comprovar o pagamento nos 10 dias subsequentes à prática do acto, sob pena da sanções dos arts. 486º-A, 512-B e 689º-B do Código de Processo Civil.
Mais se defende nesse aresto, o que se subscreve, que a pouco clara redacção dos preceitos e a sua articulação revela com nitidez que se quis regular, exaustivamente, o modo de pagamento da taxa de justiça mas os normativos são de complexa interpretação.
A simplificação e a celeridade dos procedimentos pretendidos implementar nos Tribunais esbarra fartas vezes, ou com a deficiente redacção dos preceitos, ou com a interpretação formalista deles, acabando por frustrar boas intenções.
Assim, numa situação como a dos autos, a compatibilização da exigência do pagamento prévio da taxa de justiça com a atribuição do prazo de cinco dias para documentar tal pagamento, resulta do entendimento de que, não sendo cumprida a prova do “pagamento prévio”, mas se for sanada com apresentação do pagamento, no prazo do nº 2 do artº 150º-A, se tem como justificada.
De outro modo, o preceito que o consente ficaria totalmente esvaziado de sentido prático.
Mas, ainda que assim não fosse, sempre teria de se considerar que o acto foi praticado um dia após o prazo, e não omitido, pelo que seria aplicável a multa nos termos do artº 145º, n º5, do Código de Processo Civil.

Parece-nos que a posição defendida na decisão recorrida, de que à parte é concedida a faculdade de apresentar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça no prazo de 10 dias após a prática do acto (no caso após a presentação da petição inicial), mas que esse pagamento teria que ser efectuado antes, previamente à prática do acto, não é a que melhor cabe na letra e no espírito do legislador.
Desde logo porque o artº 150º, nº 1, apesar de mencionar expressamente o prévio pagamento não estabelece qualquer sanção para a não realização desse prévio pagamento, sendo certo que, como se referiu, o nº 2 do mesmo preceito permite que o documento comprovativo do pagamento seja apresentado após a prática do acto.
Mas também o artº 486-A, nº 3, se reporta à falta de junção do documento “comprovativo do pagamento da taxa de justiça” e não ao documento “comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça”.
E não se diga, como também se afirma na decisão recorrida, que admitir-se a possibilidade do pagamento da taxa de justiça posteriormente ao envio da petição por via electrónica, quando a lei prevê a recusa de recebimento da petição entregue pessoalmente constituiria tratar duas situações iguais de maneira diferente.
É que, mesmo no caso de a petição ser entregue pessoalmente, não obstante a lei prever a recusa de recebimento pela não junção do documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial - artº 474º, al. f) -, ainda assim a lei não sanciona essa omissão com a extinção da instância, antes permite a apresentação de outra petição ou a junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, no prazo de dez dias.
Deste modo, conclui-se que a parte pode apresentar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da petição inicial no prazo de 10 dias a contar da prática do acto.
Tendo o A. pago a taxa de justiça em 27 de Fevereiro de 2007, um dia após a apresentação da petição em juízo, e tendo junto ao processo o documento comprovativo desse pagamento, entendemos que a apresentação foi efectuada atempadamente, pelo que nenhuma sanção lhe é aplicável, nem a prevista no artº 486-A nº 3 (que só sanciona o não cumprimento do prazo de 10 dias estatuído no nº 2 do artº 150º), nem, muito menos, a da extinção da instância por impossibilidade da lide, aplicada no despacho recorrido.

III. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido, que se substitui por outro a determinar o prosseguimento dos autos.
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Sem custas.
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Porto, 20 de Setembro de 2007
António do Amaral Ferreira
Manuel José Pires Capelo
Ana Paula Fonseca Lobo