Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
524/10.1TTVNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: RECONVENÇÃO
DEVER DE OBEDIÊNCIA
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Nº do Documento: RP20121008524/10.1TTVNF.P1
Data do Acordão: 10/08/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: INão obsta à admissibilidade da reconvenção a sua não identificação expressa na contestação se o contestante enuncia os factos que lhe conferiam o direito a ver declarada a ilicitude do despedimento de que foi alvo, à indemnização por danos não patrimoniais, à indemnização por despedimento ilícito e às denominadas retribuições intercalares e formula, a final, expressa e separadamente, o pedido de declaração de ilicitude do despedimento e de condenação da R. no pagamento das verbas em causa.
IINão devem declarar-se não escritas expressões que comportam um sentido jurídico, mas que constituem palavras usadas na linguagem corrente e não constituem elas mesmas o thema decidendum da acção.
IIINão integra justa causa de despedimento a recusa da trabalhadora em substituir uma colega de trabalho, se a recusa não foi totalmente gratuita, mas foi acompanhada de uma justificação que consistia em estar incumbida de resolver um problema de stocks como lhe fora determinado, se não se mostra apurado nenhum outro facto circunstancial susceptível de permitir avaliar a gravidade do comportamento da A. e as eventuais consequências que implicou, para além da quebra da disciplina, e se não ficaram provadas anteriores condutas violadoras de deveres laborais, perseguidas disciplinarmente ou não.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 524/10.1TTVNF.L1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. Relatório
1.1. B… veio em 20 de Agosto de 2010 impugnar judicialmente no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Famalicão a regularidade e licitude do seu despedimento, efectuado por C…, Lda.
Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação da empregadora para apresentar o articulado motivador do despedimento e o processo disciplinar, o que fez.
No seu articulado a R. empregadora alegou, em síntese: que o despedimento é lícito, porquanto a trabalhadora desobedeceu a ordens expressas do seu superior hierárquico, recusando-se a substituir a telefonista na ausência desta por doença sem invocação de motivo atendível; que a trabalhadora insultou o referido superior hierárquico; que a situação de desobediência já se havia antes verificado e que o despedimento é lícito porquanto foram violados pela trabalhadora os deveres de obediência, urbanidade e lealdade para com a empregadora.
Na contestação apresentada ao articulado de motivação do despedimento, a A. trabalhadora impugnou parte dos factos alegados pela R. empregadora e alegou, em resumo: que comunicou a sua impossibilidade de substituição da colega de trabalho; que a empregadora não procedeu à junção do processo disciplinar, o que só por si implica a ilicitude do despedimento; que as folhas não estão rubricadas e o processo está desorganizado; que a tramitação do processo disciplinar é irregular por apenas ter conseguido consultar o processo em 18 de Maio de 2010; que a sua suspensão é irregular por inexistência de motivos para que esta se verificasse; que a empregadora não produziu qualquer dos elementos de prova oferecidos pela trabalhadora, sendo inconstitucional a norma que legitima a empregadora a não produzir toda a prova indicada e que o seu despedimento é ilícito. Termina formulando o seguinte pedido:
“a) Ser declarado ilícito o despedimento da A. e a Ré ser condenada a reconhecer tal ilicitude;
b) Ser a Ré condenada a pagar à A. a quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais;
c) Ser a Ré condenada a pagar à A. todas as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até transito em julgado da sentença que declare a ilicitude do despedimento, que se liquidarão em execução de sentença;
d) Ser a Ré condenada a pagar à A. uma indemnização, computada em 45 dias por cada ano de antiguidade ou fracção, no valor total de € 3.498,05;
e) Ser condenada ao pagamento dos juros, à taxa legal, a contar desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.”
A R. apresentou o articulado de resposta de fls. 106 e ss., nele invocando, em suma: a existência de abuso de direito por parte da trabalhadora, pois que na audiência de partes e no seu articulado, colocou em causa, inicialmente, a regularidade do despedimento e veio depois invocar a sua ilicitude, devendo assim ser sancionada como litigante de má-fé em multa e indemnização; que não existe norma legal que exija que o processo disciplinar tenha as características que a trabalhadora refere; que a omissão na realização das diligências instrutórias não gera a invalidade do processo disciplinar; que a contestação deve ser expurgada de todos os factos alegados e que se relacionam com a declaração de invalidade do despedimento; que são inadmissíveis os pedidos formulados por não expressamente deduzido pedido reconvencional; que se verifica a cumulação ilegal de pedidos, sendo adequado ao pedido de danos não patrimoniais o processo comum e que há erro na forma do processo quanto a este pedido.
Designada audiência preliminar, a A. pronunciou-se quanto às excepções deduzidas pela R. e, logo após, foi proferido despacho saneador com o seguinte teor:
«O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O Tribunal admite o pedido reconvencional formulado.
Com efeito, embora implícito, resulta claro que tal pedido foi efectivamente deduzido quanto aos valores que entende a trabalhadora serem-lhe devidos por via da cessação do contrato de trabalho, não sendo o vício formal impeditivo do seu conhecimento, tanto mais que a empregadora percebeu convenientemente a sua formulação.
O processo mostra-se isento de nulidades que o invalidem de todo. As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente patrocinadas.
Quanto às demais excepções dilatórias inominadas e relacionadas com o pedido reconvencional deduzido e os concretos pedidos formulados, entende o Tribunal que o art. 98º L do C. P. Trabalho expressamente admite, à partida, que sejam cumulados nesta acção especial pedidos típicos da acção comum, como os aqui formulados, pois que, de outra forma, nunca seria possível a dedução de reconvenção nesta forma especial de processo.
A intenção do legislador foi clara no sentido de se discutir nesta nova acção especial todos os créditos decorrentes da cessação do contrato de trabalho e da sua vigência, por claras razões de economia processual.
Improcedem assim todas as excepções invocadas relativas ao pedido reconvencional deduzido.
No mais, não há outras excepções dilatórias, nulidades processuais nem questões prévias de que importe conhecer.
No que diz respeito ao abuso de direito, o conhecimento dessa excepção depende da apreciação de factos que se encontram controvertidos, razão pela qual se relega para a decisão final o seu conhecimento.
[…]»
Após, elencaram-se os factos assentes, bem como os controvertidos e carecidos de prova. O despacho de condensação processual foi objecto de reclamação por parte da R. empregadora, oportunamente decidida nos termos de fls. 166 e ss..
A R. interpôs recurso do despacho saneador, mas o mesmo não veio a ser admitido por a decisão em causa, que não conheceu do mérito da causa, apenas poder ser impugnada no recurso que viesse a ser interposto da decisão final (vide o despacho de fls. 236).
Após o início da audiência de discussão e julgamento, o Tribunal procedeu ao aditamento de três quesitos (despacho de fls. 237).
Finda a audiência de julgamento, e sendo proferido despacho a decidir a matéria de facto em litígio, que não foi objecto de reclamação, a Mma. Juiz a quo proferiu sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
«Nestes termos, o Tribunal julga a acção improcedente e a reconvenção parcialmente procedente e, consequentemente:
a) absolve a trabalhadora B… do pedido formulado pela empregadora C…, no sentido da declaração da licitude do despedimento;
b) declara ilícito o despedimento efectuado pela referida C…:
A - condenando a mesma:
1 - a pagar á trabalhadora a indemnização por antiguidade a liquidar em incidente ulterior, tendo por referência, á data desta decisão, 7 anos de antiguidade e 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade, devendo ser considerado no cômputo desta o período que ainda decorra até ao trânsito em julgado da mesma;
2 - a pagar á mesma trabalhadora todas as retribuições vencidas desde o dia 23/07/2010 e que se vençam até ao trânsito em julgado desta decisão;
3 – a estas quantias acrescerão juros de mora vencidos desde a citação relativamente ás retribuições vencidas em data anterior àquela e desde esta decisão sobre as demais quantias.
B – absolvendo a empregadora quanto ao demais peticionado.
Custas pela empregadora e pela trabalhadora, fixando-se o decaimento da 1ª em 4/6 e da 2ª em 2/6.
Fixa-se o valor da acção em 17.723,05 euros (considerando o valor de 2.000,00 euros para a acção, nos termos do art. 98º P do C. P. Trabalho + os valores líquidos da reconvenção deduzido – 5.000,00 euros e 3.498,05 euros – + o valor do pedido ilíquido como sendo de 5.225,00 euros - calculando as retribuições em falta pelo valor ficcionado do salário mínimo nacional, atenta a ausência de indicação do valor da retribuição – 5 x 475,00 euros + 10 x 485,00 euros).
Registe e notifique.
Não se procede à notificação nos termos do art. 98º N do C. P. Trabalho porquanto, tendo a acção entrado em juízo em 23/08/2010, o prazo de um ano referido nesse normativo esteve suspenso entre: - 23/08/2010 a 31/08/2010; - 22/12/2010 a 03/01/2011; - 17/04/2011 a 25/04/2011; - 15 dias + 15 dias + 60 dias – fls. 270, 305 e 322 por via da suspensão da instância por acordo.
[…].»
1.2. A R. empregadora, inconformada, interpôs o recurso documentado a fls. 374 e ss., tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“1 - A Recorrente através de resposta à contestação da Trabalhadora e aqui Recorrida deduziu diversas excepções inominadas a saber:
- inadmissibilidade de ambos os pedidos indemnizatórios deduzidos pela Trabalhadora por inexistência de reconvenção;
- cumulação ilegal de pedidos;
- erro na forma do processo quanto ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais;
2 - A Recorrida, em sede de audiência preliminar, convidada pela Meritíssima Juiz a quo, a pronunciar-se sobre as referidas excepções, pugnou pelo indeferimento e improcedência do pretendido pela Recorrente.
3 - Em sede de despacho saneador, o Tribunal entendeu estar capacitado para apreciar e decidir de imediato as referidas excepções, tendo concluido que quanto ao pedido reconvencional, o mesmo era admitido pois que “embora implícito”(destaque nosso), “foi efectivamente deduzido quanto aos valores que entende a trabalhadora serem-lhe devidos por via da cessação do contrato de trabalho, não sendo o vício formal impeditivo do seu conhecimento, tanto mais que a empregadora percebeu convenientemente a sua formulação”.
4 - No que tange às demais excepções dilatórias inominadas, entendeu o Tribunal que “o art.º 98 L do C.P. Trabalho expressamente admite à partida que sejam cumulados nesta acção especial pedidos típicos da acção comum” pelo que “improcedem assim todas as excepções invocadas relativas ao pedido reconvencional deduzido”.
5 - Salvo o devido respeito, mal andou a Meritíssima Juiz a quo ao assim decidir.
6 - Do articulado da Trabalhadora, resulta não existir qualquer identificação expressa dos factos que se reportam a um eventual pedido reconvencional, nem tal foi deduzido separadamente sendo certo que se a Recorrente percebesse convenientemente a sua formulação como alega o Tribunal, certamente teria aproveitado o prazo de 15 dias que a Lei lhe confere e não tão-somente o de 10 dias como aconteceu.
7 - Por outro lado, a Recorrida não atribuiu qualquer valor à pretensa “reconvenção” como é legalmente imposto, omissão esta, que persistiu em manter, não obstante, o convite do Tribunal para o fazer, após a alegação da Recorrente na sua resposta à contestação em que bem se refere ser absolutamente irrelevante terminar a Trabalhadora o seu articulado dizendo que deve a Empregadora ser condenada a “pagar à A. a quantia de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais” bem como o “valor total de € 3.498,50”.
8 - Não tendo a reconvenção sido expressamente identificada e deduzida separadamente na contestação da Trabalhadora (não bastando que o seja implicitamente como erradamente o refere o Tribunal a quo), e bem assim, não tendo esta, ainda que convidada para esse efeito, atribuido valor à pretensa reconvenção, tais factos conduzem inelutavel e inevitavelmente à improcedência e indmissibilidade dos respectivos pedidos.
9 - A aqui Apelante tem como certo que há erro na apreciação da prova produzida em audiência de discussão e julgamento mormente sobre os factos número 2 (ponto F da decisão da matéria de facto), 9 (ponto T da decisão da matéria de facto), 10, 11, 12, 14, 15, 16, 21 (ponto X da referida decisão), 41 (ponto FF), referidos na resposta à matéria de facto controvertida e que correspondem aos pontos da base instrutória com o mesmo número e cujo teor por economia aqui se dá integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos e que considera incorrectamente julgados.
10 – A apelante não aceita ter sido dado como provado o facto 41 (ponto FF da decisão da matéria de facto) ou seja, que “Á solicitação da A. para tentar conversar calmamente sobre o sucedido o dito Dr. D... respondeu que não tinha mais tempo a perder com aquela conversa.”
11 - É firme convicção da Apelante que os restantes pontos supra aludidos e referidos na resposta à matéria de facto controvertida e que correspondem aos pontos da base instrutória com o mesmo número e cujo teor por economia aqui se dá integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos deveriam ter sido dados como integralmente provados.
12 - Ouvidos atentamente os depoimentos indicados, em simultâneo com a leitura dos extractos transcritos, afigura-se-nos que o Tribunal a quo, não logrou decantar o quadro factual que dos elementos probatórios especificados e coligidos relevantemente emergiu.
13 - Em relação pontos 11, 12, 15 e 16, acima enunciados, fez-se prova completamente distinta da ali firmada (ou melhor dizendo, nem sequer firmada).
14 - No que tange “às palavras que teriam sido trocadas entre a trabalhadora e o seu superior hierárquico” (cfr. pag. 4 da “acta de leitura da matéria de facto controvertida”) bem como aos restantes factos provados e não provados, o depoimento a tal respeito produzido pela testemunha E..., porque amiga da trabalhadora e nas palavras da Meritíssima Juiz a quo “Dá para perceber que as senhoras se davam bem” (E... – gravação áudio/CD, 23m28s) e encerrando o mesmo as contradições, tibiezas e hesitações supra explanadas, não nos parece, de per si, fidedigno, e digno de crédito no sentido de relevar como não provada tal matéria por um lado e provada por outro.
15 - O que sobra para que o Tribunal a quo desse como provados tais factos?Sobra muito.
16 - Na verdade, no concernente aos pontos 11, 12, 15 e 16, e referidos na resposta à matéria de facto controvertida e que correspondem aos pontos da base instrutória com o mesmo número e cujo teor por economia aqui se dá integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos a factualidade a propósito relevantemente emergente, como resulta dos depoimentos conjugados, de D... e F..., e não infirmados pelos restantes é a que a Apelante verteu e sedimentou nos artigos 11.º, 12.º, 13.º, 15.º e 16.º do seu articulado de motivação de despedimento.
17 - Não restam dúvidas que o Tribunal apenas e tão-somente se poderia fundamentar quanto a estes factos no depoimento prestado pela testemunha D... e pela testemunha F.., esta última, pai da Apelada.
18 - A testemunha D... não foi pelo Tribunal considerada tendenciosa, nem o seu depoimento foi por qualquer outra forma considerado “inválido” para o Tribunal.
19 - E o simples facto de a Juiz a quo haver referido na fundamentação que “sendo certo que nenhuma testemunha foi apresentada que tivesse ouvido tais palavras”, certo é que o referido D... foi e era testemunha aquando prestou o seu depoimento.
20 - Não restam dúvidas que do depoimento da testemunha D... resultam totalmente provados os factos imputados à Apelada que entre outros fundamentaram a decisão proferida pela entidade patronal .
21 - O seu depoimento não pode ser minimamente abalado pela circunstância referida pela M. Juiza quando diz “as declarações deste D..., insertas no processo disciplinar após aquela, uma coincidência absoluta quanto aos factos imputados à trabalhadora...”.
22 - Ora não entende a Apelante como pode um depoimento ser pretensamente abalado, não pelas declarações prestadas em julgamento mas pelas declarações insertas em processo disciplinar.
23 - A credibilidade da testemunha D..., não foi minimamente abalada, a não ser por aquele referido facto que de modo algum o poderia ter sido.
24 - A confirmar a credibilidade do depoimento da testemunha D..., está também o depoimento da testemunha do pai da Recorrida.
25 - O tribunal tinha todos os elementos credíveis e suficiente para dar uma resposta diferente aquela matéria alegada.
26 - Identicamente se logra quanto aos pontos 2, 9, 10 e 14 e referidos na resposta à matéria de facto controvertida e que correspondem aos pontos da base instrutória com o mesmo número e cujo teor por economia aqui se dá integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos a factualidade a propósito relevantemente emergente, como resulta dos depoimentos conjugados, de D..., F..., G... e H... e não infirmados pelos restantes e a que a Apelante verteu e sedimentou nos artigos 7.º, 14.º e 18.º do seu articulado de motivação de despedimento.
27 - O vertido a X e a Z na sua última parte trata-se de mera asserção jurídica ou conclusão devendo ter-se por não escritos (art.º 664.º do C.P.C.).
28 - Pelo que deve a prova gravada ser reapreciada por Vexas. Excelências Venerandos Desembargadores, nos termos supra explanados dando-se como provados os pontos 2, 9, 10 e 11, 12, 14, 15 e 16, e referidos na resposta à matéria de facto controvertida e que correspondem aos pontos da base instrutória com o mesmo número e cujo teor por economia aqui se dá integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos, e não provados o facto 21 e 22 última parte (pontos X e Z da referida decisão), e o facto 41 (ponto FF da decisão da matéria de facto).
29 - É neste quadro fáctico que surgem a desobediência e as ofensas verbais ao superior hieráquico da Apelante por parte da Apelada.
30 - Apesar de se tratar apenas de um acto de desobediência, certo é que ela surge depois de a Apelada ter outros incidentes na empresa que tão-somente não resultaram em aplicação de sanção disciplinar em virtude da caducidade do processo.
31 - Acresce que a desobediência em si não constituiu uma mera negação de adoptar o comportamento ordenado, antes a Apelada se manifestou em termos inadequados, enfrentando e injuriando de modo violento, injustificável e injustificado, o seu superior hierárquico.
32 - Os factos descritos, atento o enquadramento feito, são graves em si mesmos.
33 - De resto, envolvendo a apreciação da justa causa um juízo de prognose acerca da viabilidade da relação entre as partes, cremos que a Apelante deixou de poder confiar no comportamento que a Apelada passaria a adoptar no futuro.
34 - Na verdade, tendo praticado os factos referidos, nenhuma garantia poderia a Apelante ter de que a Apelada não viesse a repeti-la, caso o vínculo perdurasse.
35 - Quer-se com isto dizer que, atenta a gravidade dos factos imputados à Apelada, desapareceu o suporte psicológico mínimo que pudesse permitir a conservação do contrato, pois o comportamento da mesma tornou pratica e imediatamente impossível a manutenção do vínculo.
36 - Nem se diga que a ausência de antecedentes disciplinares durante toda a vida do contrato deveria conduzir à aplicação de mera sanção conservadora do vínculo, pois estando em causa a quebra da confiança entre as partes, que é um valor absoluto, que não admite graduações, tal passado torna-se irrelevante na situação concreta em apreço.
37 - Daí que não se mostrem violados os princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade, ou qualquer outro, face ao referido juízo de prognose pois que a Recorrida recusou-se, assim, a cumprir ordens dadas pela sua entidade patronal de forma repetida e reiterada bem como praticou injúrias sobre trabalhador da empresa, o que, traduz, um comportamento culposo e grave que tornou imediatamente impossível a subsistência do vínculo laboral que o ligava à Recorrente (art.º 351.º, n.º 1 e al. a) e i) do n.º 2 do Código do Trabalho).A douta sentença violou este normativo.
38 - Pelo exposto, mais não resta concluir que ocorreu justa causa de despedimento.
39 - Assim se não entendendo o que frise-se se coloca para efeito discursivo,
40 - Ainda que se mantenha inalterada a matéria de facto provada o despedimento da Recorrida levado a cabo pela Recorrente é lícito,
41 - No presente tratava-se de, atento todo o circunstancialismo provado e os factos de que vinha acusada o apelante, apreciar a questão da procedência ou improcedência da justa causa invocada pela apelada para o despedir.
42 - E aqui, pensamos ser manifestamente contraditória a douta sentença.
43 - Da matéria de facto que vem dada como provada retira-se, no essencial, com vista à apreciação da justa causa do despedimento da Recorrida que foi dada uma ordem à trabalhadora e que esta se recusou a cumprir
44 - Como se diz na decisão e que integralmente se perfilha, “considerando as funções que exercia a trabalhadora, atribuir-lhe funções de telefonista no quadro em que a solicitação ocorreu, ou seja, para substituição, por doença, da trabalhadora que exercia tais funções, enquadra-se claramente no poder que o art.º 120 do C. Trabalho concede ao Empregador, não estando assim em causa a alteração da categoria profissional da trabalhadora.
45 - No que já se discorda, é que tal solicitação configure uma situação de cedência ocasional ou que se integre na situação prevista no art.º 101 do já citado diploma legal.
46 - Pelo simples facto da telefonista que operava a central telefónica ser funcionária de outra empresa que não a empregadora (in casu I...), tal não pode significar que a Recorrida seria cedida para trabalhar ao serviço dessa empresa ou que se iria obrigar a prestar trabalho para essa empresa, uma vez que sendo o atendimento telefónico um serviço partilhado por ambas empresas, nada nos autos nos permite referir que ao invés, era a própria telefonista que estava cedida ocasionalmente à sociedade C... ou a prestar o seu trabalho no regime do pluriemprego.
47 - A verdade, é que bem andou o Tribunal quando ainda assim considerou a conduta da Recorrente uma ostensiva desobediência injustificada pois que não se recusou a desempenhar as funções de telefonista com aqueles fundamentos mas sim com outros que não são válidos.
48 - A trabalhadora Recorrida assumiu uma posição inaceitável de confronto com o seu superior hierárquico o Dr. D..., questionando a sua gestão quanto à prioridade do trabalho que prestava tentando argumentar que o que estava a fazer era mais urgente.
49 - Fê-lo de modo reiterado não obstante diversas tentativas para a demover de tal atitude sendo certo que cabalmente, demonstrado ficou, que o referido D..., tudo fez para convencer a Recorrida a acatar a ordem que lhe estava a ser dirigida.
50 - A recusa da Trabalhadora ao partir da sua pretensão em discutir e decidir por sua iniciativa exclusiva aquilo que era ou não urgente na organização da empregadora, fazendo prevalecer a sua vontade e colocando em causa a autoridade do seu superior hierárquico torna-a inaceitável e injustificável.Acresce que o fez sem conferenciar sequer com a pessoa que lhe tinha dado a ordem.
51 - De resto, envolvendo a apreciação da justa causa um juízo de prognose acerca da viabilidade da relação entre as partes, cremos que a Apelante deixou de poder confiar no comportamento que a Apelada passaria a adoptar no futuro.
52 - Na verdade, tendo praticado os factos referidos, nenhuma garantia poderia a Apelante ter de que a Apelada não viesse a repeti-la, caso o vínculo perdurasse.
53 - Quer-se com isto dizer que, atenta a gravidade dos factos imputados à Apelada, desapareceu o suporte psicológico mínimo que pudesse permitir a consevação do contrato, pois o comportamento da mesma tornou pratica e imediatamente impossível a manutenção do vínculo.
54 - Nem se diga que a ausência de antecedentes disciplinares durante toda a vida do contrato deveria conduzir à aplicação de mera sanção conservadora do vínculo, pois estando em causa a quebra da confiança entre as partes, que é um valor absoluto, que não admite graduações, tal passado torna-se irrelevante na situação concreta em apreço.
55 - Daí que não se mostrem violados os princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade, ou qualquer outro, face ao referido juízo de prognose.
56 - A Recorrida recusou-se, assim, a cumprir ordens dadas pela sua entidade patronal de forma repetida e reiterada, o que, traduz, um comportamento culposo e grave que tornou imediatamente impossível a subsistência do vínculo laboral que o ligava à Recorrente (art.º 351.º, n.º 1 e al. a) do n.º 2 do Código do Trabalho).A douta sentença violou este normativo.
57 - A Recorrente não se conforma com o teor da condenação em indemnização por antiguidade liquidar em incidente ulterior tendo por por referência à data da decisão 7 anos de antiguidade e 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade.
58 - O Tribunal não pode nunca, condenar em quantidade superior nem em objecto diferente do que se pedir, pois assim dispõe o n.º1 do art.º 661.º do CPC.O n.º 2 desse mesmo artigo diz que se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade o Tribunal condenará no que vier a ser liquidado sem prejuizo de condenação na parte já líquida.
59 - Não restam dúvidas que o Tribunal tem a faculdade de condenar em quantia iliquida desde que não possua elementos para a fixar.
60 - No entanto, a falta desses elementos, não é qualquer falta pura e simples dos mesmos, mas sim, quando essa falta justificadamente não podia ser determinada em audiência de julgamento.
61 - Se assim não fosse, o Tribunal em qualquer situação nomeadamente de total falta de prova, poderia socorrer-se dessa faculdade, quando era a parte que competia fazer a prova não podendo nunca o tribunal substituir-se a esta, o que seria facultar dois momentos de prova diferentes, quando a lei exige que a prova seja toda feita em audiência de julgamento.
62 - No presente caso dos autos, a Trabalhadora, não reclamou da selecção da matéria de facto assente ou da base instrutória na qual seria eventualmente do seu interesse fazer constar a eventual retribuição correspondente ao serviço prestado para a Recorrente, o que como é óbvio, a ela competia alegar e a ela competia provar.
63 - A indemnização por antiguidade, apenas pode ser calculada com base não só na antiguidade, mas também com o montante da respectiva retribuição base.
64 - Ao não provar este elemento essencial teria inevitavelmente que improceder o respectivo pedido bem como o pedido de pagamento das retribuições vencidas até trânsito em julgado da decisão.
65 – Há [sic] data da instauração e contestação da presente acção, o montante da retribuição não era nem podia ser desconhecido da Recorrente, pelo que, a faculdade concedida no art.º 661 do CPC., não pode ter aplicabilidade no presente caso.
66 - No presente caso, a Recorrida, podia e devia, ter feito um pedido que não fosse genérico. Mas sim, um pedido específico.
67 - O Tribunal, não podia condenar no que se vier a liquidar em execução de sentença já que o pedido tinha obrigatoriamente de ser deduzido em termos específicos, pelo que, deveria proferir decisão a julgar a acção improcedente e não a decidir como o fez.
68 - O valor da retribuição, podia ser perfeitamente averiguado e provado em audiência de julgamento.
69 - A ausência total de prova aliás por falta de alegação, é da total responsabilidade da Recorrida, que não pode ser beneficiada, pela actuação do Tribunal em total contradição com o estabelecido no citado normativo legal.
70 - A Recorrida, tinha conhecimento e podia carrear para o processo aqueles elementos em falta, sendo que esta mesma falta pelo que o fracasso da prova não foi uma consequência de ainda não serem conhecidos com exactidão aqueles elementos.
71 - O Tribunal não podia substituir-se à parte nem poderia dar-lhe “uma segunda oportunidade”, para alegar e provar aquilo que nestes autos deveria ter sido feito.
72 - Se assim fosse, a certeza e a estabilidade jurídica seriam fortemente abaladas pois os litígios que devem ser definidos pelas partes estariam sempre abertos a alterações e modificações ao bel prazer de quem as fizesse, e que muitas das vezes iriam ser utilizadas, para tentar prejudicar a contraparte que nunca saberia os limites concretos do processo.
73 - Está legalmente estabelecido que é às partes que cabe alegar os factos que integram a causa de pedir bem como aqueles em que baseiam as excepções.
74 - O Juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, não lhe sendo possível substituir-se a estas.
75 - A decisão da Meritíssima Juiza violou de forma clara o disposto no art.º 263.º e 661 docC.P.C., não vislumbrando a Recorrente o porquê da improcedência da acção e da procedência nos termos referidos da reconvenção.
Deve, assim, ser dado provimento ao recurso, revogando-se o despacho saneador e substituído por Acordão que julgue procedente as excepções invocadas, e bem assim, alterando-se a matéria de facto nos termos peticionados, e em consequêcia revogando - se a decisão da 1.ª instância, substituindo-a por douto Acórdão que julgue procedente por provada a acção da Empregadora e se declare a licitude do despedimento da ora Apelada, não provada e improcedente a reconvenção da Apelada, decisão esta que deverá ser também proferida mesmo para o caso de se manter inalterada a matéria de facto, com as devidas e legais consequências.
V. Exas., Senhores Desembargadores, farão, porém, como entenderem de melhor JUSTIÇA !.”
1.3. Respondeu a A. recorrida (a fls. 401 e ss.), pugnando pela improcedência do recurso e concluindo que:
“A) A autora, ora recorrente, formulou pedido reconvencional, delineando toda a sua contestação no sentido de a ele conduzir.

B) Indicando os valores que entendeu serem-lhe devidos por via da cessação do contrato de trabalho.

C) Tal como foi decidido no douto despacho saneador: “embora implícito, resulta claro que tal pedido foi efectivamente deduzido quanto aos valores que entende a trabalhadora serem-lhe devidos por via da cessação do contrato de trabalho, não sendo o vício formal impeditivo do seu conhecimento, tanto mais que a empregadora percebeu convenientemente a sua formulação.” (sublinhado nosso).

D) A trabalhadora, ora recorrida, sempre podia ter sido convidada a corrigir o seu articulado, e não o foi, sendo certo que a aceitação do pedido reconvencional tal como a autora o formulou convalidou esse mesmo pedido.

E) A trabalhadora não foi convidada a apor nenhum valor na reconvenção, pelo que a alegação da recorrente é falsa.

F) Aliás, a Mm. Juíza a quo relevou para o final a indicação desse valor, nos termos do artº 98º-P do CPT.

G) De qualquer forma a autora indicou com precisão qual o valor total do seu pedido que, não restam dúvidas é de € 8.498,05.

H) Quanto à cumulação de pedidos, como bem decidiu a Mm. Juíza a quo no douto despacho saneador: “(…)entende o Tribunal que o art. 98º L do C. P.Trabalho expressamente admite, à partida, que sejam cumulados nesta acção especial pedidos típicos da acção comum, como os aqui formulados, pois que, de outra forma, nunca seria possível a dedução de reconvenção nesta foram especial de processo.” (sublinhado nosso).

I) E mais adianta que “A intenção do legislador foi clara no sentido de se discutir nesta nova acção especial todos os créditos decorrentes da cessação do contrato de trabalho e da sua vigência, por claras razões de economia processual.”

J) Motivo pelo qual decidiu pela improcedência de todas as excepções invocadas relativas ao pedido reconvencional deduzido.

K) A indemnização pelos danos (patrimoniais e não patrimoniais) decorre necessária e directamente da declaração da ilicitude do despedimento que será apreciada e julgada nesta nova acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.

L) Seria pois absolutamente displicente exigir que o autor / trabalhador tivesse que, após essa declaração, propor nova acção para se ver ressarcido dos danos morais que lhe fossem devidos por causa daquela ilicitude.

M) A pretensão da recorrente de ver alterados os pontos 2 (F da matéria de facto), 9 (T da matéria de facto), 10, 11, 12, 14, 15, 16, 21 (X da matéria de facto), 41 (ponto FF), tem necessariamente que cair por terra, pois não foi produzida prova que permitisse decidir em sentido contrário.

N) Sobre estes pontos há que dar especial relevo aos depoimentos das testemunhas D… (CD min. 11:32:29 a min. 11:16:59); G… (CD min. 11:17:47 a min. 11:41:24); H… (CD min. 11:43:10 a 11:56:16) e E… (CD min. 12:15:44 a 12:49:24), todos prestados no dia 24/1/2011.

O) É nosso entendimento que, no que se refere ao ponto 11, deveria ter sido decidido precisamente o inverso, ou seja, que não foram proferidos nenhuns insultos

P) Sobre este ponto específico há pois que atender especialmente ao depoimento da Dr.ª E…, que, estando sempre ao lado da recorrida das vezes que esta falou com o dito D…, afirmou categoricamente que os não ouviu, porque não foram ditos, nenhum daqueles impropérios que a testemunha D… diz terem sido por ela proferidos.

Q) De notar as contradições dos depoimentos das testemunhas D…, G… e H…, que se contrariam a si próprios e na contraposição de uns com os outros.

R) Para além desses depoimentos serem contrários aos prestados por eles no âmbito do processo disciplinar.

S) O depoimento da testemunha E… foi totalmente coerente, claro e puro, revelando conhecimento dos factos, verdade e coragem.

T) A culpa e a gravidade da infracção disciplinar, como elementos integradores da justa causa de despedimento, hão-de apreciar-se segundo o entendimento de um «bom pai de família» e, em face do caso concreto, por critérios de razoabilidade e objectividade.

U) Para que a desobediência a ordens da entidade patronal constitua justa causa de despedimento, não basta o simples não cumprimento de uma ordem, sendo necessário demonstrar que o comportamento do trabalhador foi culposo e de tal forma grave que tornou, pelas suas consequências, prática e imediatamente impossível a subsistência das relações de trabalho.

V) No caso concreto, a recorrida estava a realizar uma tarefa que lhe tinha sido determinada por um seu superior hierárquico, e entendeu que deveria cumpri-la até ao fim, pois era importante.

W) Isto expurga totalmente a culpa da trabalhadora, afastando, portanto, a ilicitude do seu comportamento e necessariamente a justa causa de despedimento.

X) De mais a mais, a trabalhadora que pretendiam que substituísse, não é trabalhadora da apelante, antes sim de uma outra empresa – a I…, S.A.

Y) E embora aquelas duas empresas sejam geridas por algumas pessoas em comum, são juridicamente distintas e autónomas.

Z) Assim, a recusa da recorrida, porque acompanhada de uma justificação não é suficiente para constituir justa causa de despedimento.

AA) Além do mais, como bem diz a sentença recorrida «Não existe qualquer incidente disciplinar anterior que tenha sido sancionado pela empregadora, (…) afirmando-se a sua autoridade do seu superior hierárquico da trabalhadora mediante a aplicação de uma qualquer sanção disciplinar de conteúdo pecuniário.»

BB) Foi pois bem declarado este despedimento ilícito por inexistência de justa causa.

CC) Quanto à retribuição da recorrida, tem esta a dizer que no ponto 4º da sua contestação alegou que a trabalhadora auferia uma remuneração mensal de € 475,00, acrescida de subsídio de refeição, no montante de € 1,78/dia e € 9,15 a título de diuturnidades, o que perfaz a quantia global de € 523,31.

DD) Além do mais juntou um recibo de retribuição da trabalhadora.

EE) Nesta medida, e não tendo havido impugnação deste facto, o valor indicado pela trabalhadora deveria ter sido dado como provado para todos os efeitos legais.

FF) Sendo certo que, a não ser assim, sempre há que considerar o valor do vencimento mínimo nacional, aderindo a recorrente, nesta parte, aos argumentos explanados na douta sentença recorrida, sem mais considerações.”

1.4. O recurso foi admitido por despacho de fls. 421, com efeito devolutivo.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em parecer que mereceu resposta concordante da A. e discordante da R., no sentido de ser mantida a sentença.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – artigo 684.º, n.º 3 do Código de Processo Civil aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho – as questões que incumbe enfrentar são, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes:
A – quando ao despacho saneador
1.ª – da inadmissibilidade dos pedidos indemnizatórios deduzidos pela autora[1] por inexistência de reconvenção;
2.ª – da cumulação ilegal de pedidos;
3.ª – do erro na forma do processo quanto ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais;
B – quando à sentença
4.ª – da impugnação da decisão de facto no que diz respeito:
● à resposta ao ponto 41. da base instrutória [alínea FF da matéria de facto]
● à resposta aos pontos 11., 12., 15. e 16. da base instrutória
● à resposta aos pontos 2., 9., 10. e 14. da base instrutória
● à resposta ao ponto 21. e à última parte do ponto 22. da base instrutória [alínea X e última parte da alínea Z da matéria de facto]
5.ª – da justa causa para o despedimento da A.
6.ª – da legalidade da condenação em indemnização a liquidar em execução de sentença.
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3. Da impugnação do despacho saneador
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3.1. Começa a recorrente por invocar que do articulado da trabalhadora resulta não existir qualquer identificação expressa dos factos que se reportam a um eventual pedido reconvencional, nem tal foi deduzido separadamente e que a mesma não atribuiu qualquer valor à pretensa “reconvenção” como é legalmente imposto, omissão esta, que persistiu em manter, não obstante, o convite do Tribunal para o fazer, sendo irrelevante terminar a trabalhadora o seu articulado dizendo que deve a empregadora ser condenada a “pagar à A. a quantia de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais” bem como o “valor total de € 3.498,50”.
Conclui que, não tendo a reconvenção sido expressamente identificada e deduzida separadamente na contestação da Trabalhadora (não bastando que o seja implicitamente como erradamente o refere o Tribunal a quo), e bem assim, não tendo esta, ainda que convidada para esse efeito, atribuído valor à pretensa reconvenção, tais factos conduzem inelutavel e inevitavelmente à improcedência e indmissibilidade dos respectivos pedidos.
Não podemos acompanhar esta perspectiva, como passamos a expor.
Analisando a contestação apresentada, é manifesto que a A. não deu cabal cumprimento ao disposto no artigo 501.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, nos termos do qual “[a] reconvenção deve ser expressamente identificada e deduzida separadamente na contestação, expondo-se os fundamentos e concluindo-se pelo pedido, nos termos das alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 467.º”.
Na verdade, a A. não expôs na contestação, separadamente, os fundamentos do pedido reconvencional, não anunciando que deduzia “RECONVENÇÃO” no articulado, nem apelidando de tal o pedido que, a final, formulou.
Mas não deixou de expor tais fundamentos e de enunciar o competente pedido.
Com efeito, invocou expressis verbis na contestação que tinha direito às verbas que ulteriormente veio a peticionar e enunciou os factos que lhe conferiam o direito a ver declarada a ilicitude do despedimento de que foi alvo, à indemnização por danos não patrimoniais, à indemnização por despedimento ilícito e às denominadas retribuições intercalares. E veio a formular, a final, expressa e separadamente, o pedido de declaração de ilicitude do despedimento e de condenação da R. no pagamento das verbas em causa, nos valores que entendeu serem-lhe devidos.
Com este pedido e a alegação que o antecedeu, é manifesto que a A. deduziu reconvenção, entendendo-se esta como a formulação de uma pretensão (autónoma) feita pelo contestante no articulado de contestação apresentado na acção declarativa.
É certo que não observou escrupulosamente o disposto no artigo 501.º do Código de Processo Civil, pois que podia ter sido bem mais clara e explícita a anunciar a sua intenção de deduzir reconvenção, apelidando de tal o pedido que deduziu na contestação.
Mas tal não significa que não tenha exposto os fundamentos e concluído pelo pedido nos termos das als. c) e d) do n.º 1 do artigo. 467.º do Código de Processo Civil (ex vi do n.º 1 do artigo 501.º do mesmo diploma).
Acresce que a eventual não identificação e dedução expressa da reconvenção apenas implica nulidade processual, que tão só será relevante quando influa no exame ou na decisão da causa (cfr. o artigo 201.º do Código de Processo Civil)[2], mas não implica se considere inadmissível a reconvenção, e se deixe inelutavelmente de da mesma conhecer.
Quanto à falta de indicação do valor da reconvenção, insiste a recorrente em alegar que o tribunal convidou a recorrida a indicar o valor da reconvenção e esta não correspondeu ao convite, o que conduziria à improcedência e inadmissibilidade dos respectivos pedidos.
Compulsados os autos, contudo, não se vislumbra que haja sido formulado um convite judicial com tal teor, pelo que não poderão assacar-se à recorrida as consequências do incumprimento de um tal inexistente convite e não poderá funcionar a cominação do n.º 2 do artigo 501.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual se o reconvinte não declarar o valor da reconvenção, “a contestação não deixa de ser recebida, mas o reconvinte é convidado a indicar o valor, sob pena de a reconvenção não ser atendida”.
Bem andou pois o tribunal a quo ao admitir o pedido reconvencional formulado.
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3.2. No que diz respeito aos invocados erro na forma do processo quanto ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais e cumulação ilegal de pedidos na contestação, o tribunal a quo entendeu que “o art.º 98-L do C.P. Trabalho expressamente admite à partida que sejam cumulados nesta acção especial pedidos típicos da acção comum”, pelo que julgou improcedentes estas excepções.
A recorrente, embora faça uma referência a estas excepções na conclusão 1.ª, nada desenvolve a este propósito nas demais conclusões, sendo certo que no corpo da alegação – ao referir que a acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento apenas poderá ter por objecto a decisão de despedimento individual (n.º 1 do art. 98º-C), podendo esse objecto ser alargado, em sede de contestação, aos pedidos reconvencionais nos casos previstos no n.º 2 do artigo 274.º do C.P.C. e aos créditos emergentes do contrato de trabalho (n.º 3 do art. 98º-L) e ao referir que a contestação, na acção especial em apreço, serve para a trabalhadora deduzir a sua defesa contra o articulado inicial apresentado pelo Empregador sendo o pedido principal o de declaração judicial de irregularidade e/ou ilicitude do despedimento e podendo os pedidos que decorram do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa (indemnização por danos não patrimoniais ou indemnização por antiguidade) ser formulados através de reconvenção (cfr. artigos 98.º- L do C.P.T e 274.º n.º 2 nas suas alíneas a) e c) do C.P.C.) – acaba por contrariar a sua tese da cumulação ilegal de pedidos e do erro na forma do processo quanto ao pedido de danos não patrimoniais.
De todo o modo, sempre se dirá que o articulado de contestação a que alude o artigo 98.º-L do Código de Processo do Trabalho era efectivamente a sede própria para a A. ora recorrida deduzir os pedidos que ali fez constar, não se verificando qualquer erro na forma do processo ou cumulação ilegal de pedidos.
Na verdade, e como decorre do disposto no artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho, a reconvenção é possível: quando o pedido do réu emerge do mesmo facto jurídico que fundamenta o pedido do autor; quando o pedido reconvencional tem relação de conexão com questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses e terceiros, se emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, ocorra essa conexão por complementaridade, por acessoriedade ou por dependência (vide a alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, ou a alínea p) do artigo 118.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto).
O pedido reconvencional exige, ainda, o preenchimento dos seguintes requisitos formais: a competência absoluta (internacional, em razão da matéria e em razão da hierarquia) do tribunal; que o valor da causa (valor da acção ao qual se não soma ainda, para este efeito, o valor da pretensão reconvencional) exceda a alçada do tribunal; que ao pedido do réu não corresponda uma espécie processual diferente daquela a que corresponde a pretensão do autor. Por isso a simples diferença de forma processual não impede a reconvenção, diversamente do que sucede no CPC (274.º, n.º 3).
No caso da presente acção especial, o artigo 98.º-L, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho alarga o leque de admissibilidade da reconvenção, permitindo ao trabalhador deduzir pedido reconvencional em qualquer dos casos previstos no n.º 2 do artigo 274.º do CPC (quando o pedido emerge de facto jurídico que serve de fundamento à acção, mas também à defesa, e quando se propõe obter a compensação) e se peticiona créditos emergentes do contrato de trabalho, sempre independentemente do valor da acção.
Assim, o trabalhador deverá deduzir em sede reconvencional todos os pedidos que emerjam do despedimento que foi alvo – as denominadas retribuições intercalares, a indemnização de antiguidade ou a reintegração e a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais (arts. 389.º, n.º 1, als. a) e b), 390.º, 391.º e 392.º, do CT) – podendo ainda abarcar no pedido outros créditos emergentes da execução do contrato de trabalho ou que sejam exigíveis em razão da sua cessação.
Sendo manifesto que os pedidos formulados pela recorrida na contestação de fls. 89 e ss. se inscrevem neste universo traçado pela lei, nada há a censurar ao douto despacho saneador recorrido quando julgou improcedentes as excepções ora em causa, não se verificando erro na forma do processo ou cumulação ilegal quanto a qualquer daqueles pedidos.
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4. Da impugnação da decisão final
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4.1. Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida nos seguintes termos:
«[...]
A) A empregadora é uma sociedade que se dedica à produção e comercialização de guarda-chuvas e guarda-sóis e fez cessar, por despedimento com justa causa, o contrato de trabalho que mantinha com a trabalhadora, por decisão de 21 de Junho de 2010, que foi comunicada à trabalhadora em 23 de Junho de 2010 (cfr. autos de procedimento disciplinar juntos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente que:
- com data de 23/04/2010, a empregadora emitiu um documento através do qual lhe comunicava que deliberava suspender a trabalhadora, indicando que a sua “presença no local e posto de trabalho afigura-se manifestamente inconveniente para a averiguação cabal dos factos que lhe são imputáveis” – fls. 51.
- a nota de culpa está datada de 10/05/2010, tendo o teor de fls. 76 a 81;
- a trabalhadora respondeu por carta datada de 24/05/2010, tendo requerido a inquirição de quatro testemunhas e a junção de documentos, nos termos de fls. 73 a 75;
- da decisão proferida consta que foram ouvidas as testemunhas D… e G…, nos termos que constam de fls. 65 a 72, dando-se o seu teor por integralmente reproduzido.
B) A trabalhadora foi admitida em 5 de Setembro de 2005 ao serviço da entidade patronal, como sua trabalhadora efectiva, sob a sua autoridade, interesse e fiscalização, mediante retribuição.
C) Desde meados de 2008 que a trabalhadora sob a alçada dos respectivos chefes do departamento de produção e comercial desempenha funções e tarefas consubstanciadas em tirar fotocópias, enviar faxes e proceder ao registo fotográfico dos produtos da empresa e dos carregamentos de mercadoria para transporte internacional.
D) A A. colabora na elaboração, organização e manutenção de ficheiros e arquivos, redigindo notas informativas e outros documentos, manualmente ou em sistema informático, prepara alguns documentos, arquivando-os, recebe os clientes da empresa e colabora na organização e manutenção de ficheiros e arquivos da respectiva secção.
E) A A. tem a categoria profissional de apontadora, procedendo á recolha, selecção e encaminhamento de elementos respeitantes a material fabricado, e, embora tenha mantido tal categoria, passou também a exercer as funções que antecedem a partir da data referida em C).
F) Pelo menos numa ocasião anterior á data em discussão nos autos, e por mais de um dia, a trabalhadora substituiu a telefonista / recepcionista, que é funcionária da empresa I…, SA, operando o equipamento telefónico e outros sistemas de comunicação.
G) O Dr. D… é o trabalhador que dirige, orienta e fiscaliza o funcionamento das secções e serviços de recursos humanos e financeiros da empregadora e entre outras tarefas providencia a gestão racional e eficaz dos meios humanos e materiais postos à sua disposição sendo o superior hierárquico da trabalhadora e da telefonista, exercendo as funções em causa na empregadora e na empresa I…, SA, sendo contudo funcionário da empregadora.
H) No dia 23 de Abril de 2010, a telefonista da empregadora em virtude de doença, encontrava-se afónica, não conseguindo falar e uma vez que não se sentia em condições de prestar o seu trabalho de forma cabal, competente e diligente pediu ao Dr. D… autorização para se ausentar no propósito de se deslocar à farmácia.
I) No exercício das competências que lhe são inerentes, o Dr. D… concedeu à telefonista autorização para que a mesma se ausentasse pelo período da tarde.
J) Nesse mesmo dia de 23/04/2010, pelas 14.00 horas, foi determinado à trabalhadora pelo Dr. D… que substituísse a telefonista, no seu posto e local de trabalho, pois que esta estava doente, durante aquele período da tarde.
L) A trabalhadora negou-se a fazer tal substituição.
M) O Dr. D… comunicou á trabalhadora os motivos pelos quais era necessário que substituísse a telefonista.
N) A trabalhadora indicou ao Dr. D… que se recusava a substituir a telefonista porque tinha de resolver um problema de stocks e que tal tarefa lhe havia sido determinada pelo Eng. J…, Técnico de Produção.
O) A trabalhadora disse-lhe qual era o problema com os stocks: estes estavam a apresentar resultados negativos, afirmando não poder ausentar-se do seu serviço.
P) O referido D… respondeu-lhe: “B…, já lhe disse para vir para aqui para ajudar a G…, por isso não vou perder mais tempo consigo, nem com esta conversa”.
Q) Posteriormente, voltou o Dr. D… a questionar a A. porque razão não estava a substituir a telefonista a atender os telefones.
R) Reiterando a A. as mesmas explicações.
S) Dizendo-lhe que ela não tinha nada mais importante para fazer na sua secção.
T) A trabalhadora havia substituído a telefonista pelo menos numa ocasião anterior á data em discussão nos autos, e por mais de um dia.
U) A empregadora enviou á trabalhadora a nota de culpa de fls. 200 e sgs., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, à qual esta respondeu, não tendo esse processo disciplinar sido concluído.
V) No dia a que se reportam os factos, a empregadora determinou que a trabalhadora fosse acompanhada ao exterior das instalações após a sua recusa em substituir a telefonista.
X) A telefonista a que se reporta o processo disciplinar é funcionária da empresa I…, SA.
Z) Em data anterior ao início da substituição da telefonista pela A., aquela era substituída por H…, funcionária da mesma empresa.
AA) Logo às 15,25 horas desse mesmo dia, o Sr. K…, também trabalhador da I…, SA, dos recursos humanos, e por ordem do Dr. D…, telefonou à A. pedindo-lhe que se dirigisse à sala de reuniões.
BB) O Dr. D… apresentou-lhe um documento, que a suspenderia das suas funções, exigindo que a A. o assinasse.
CC) A A. recusou-se a assinar o documento, tendo o Dr. D… determinado que arrumasse as coisas do seu gabinete para se ir embora.
DD) O Dr. D… fez questão de acompanhar a A. à sua secretária, verificando se esta saia da empresa.
EE) A Drª E… interpelou o Dr. D… sobre a situação, tendo este respondido que a sua decisão já estava tomada.
FF) À solicitação da A. para tentar conversar calmamente sobre o sucedido, o dito Dr. D… respondeu que “não tinha mais tempo a perder com aquela conversa”.
GG) A A. saiu das instalações da R. triste.
HH) A A. sente tristeza por ter sido despedida.
II) A empregadora e a empresa I…, SA são na prática geridas pelas mesmas pessoas, partilhando serviços, como sejam a direcção dos recursos humanos e o atendimento do telefone.
[...]».
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4.2. A recorrente dedica uma parte substancial das suas alegações de recurso à impugnação da decisão de facto proferida na primeira instância.
Na reapreciação da decisão de facto, o que é proposto ao tribunal de segunda instância não é que proceda a um “novo julgamento” – desprezando o juízo formulado na primeira instância sobre as provas produzidas e a expressão do processo lógico que conduziu à pronúncia sobre a demonstração (ou não) dos factos ajuizados –, mas que, no uso dos poderes próprios de tribunal de recurso, averigúe – examinando a decisão da primeira instância e respectivos fundamentos, analisando as provas gravadas e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, sem deixar de ter presentes as limitações inerentes à ausência da imediação e da oralidade no tribunal de recurso – se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido se apresenta com razoabilidade, face às provas produzidas ou se, pelo contrário, deve concluir-se com a necessária segurança que a convicção do tribunal de 1.ª instância quanto aos concretos pontos impugnados assentou num erro de apreciação.
Importando sempre ter presente, ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, tudo aquilo que a imediação em 1.ª instância dá e o julgamento da Relação não permite: por exemplo o que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir (vide o Acórdão do STJ de 2008.04.24, Recurso n.º 3057/06, sumariado in www.stj.pt) e no qual não é possível interferir, vg. com a formulação de perguntas que se considerem pertinentes.
Assim, e tendo em consideração que constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão do tribunal a quo sobre os referidos pontos da matéria de facto, por terem sido gravados os meios de prova oralmente produzidos perante o tribunal a quo [cfr. o artigo 712.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil], conhecer-se-á do recurso interposto na medida em que é possível descortinar das alegações e das conclusões os concretos segmentos da decisão de facto que a recorrente pretende ver modificados e as provas que, no seu entender, demonstram os apontados erros de julgamento, apreciando-se a argumentação da recorrente no sentido de ser alterada a decisão que ficou a constar dos assinalados pontos da matéria de facto.
O que deverá ocorrer sem prejuízo, ainda, sendo caso disso, dos poderes oficiosos de que o Tribunal da Relação dispõe para alterar a matéria de facto com base no disposto no n.º 4 do artigo 646.º e na alínea b) do artigo 712.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil por força de regras de direito probatório material (com a necessária observância dos limites que emergem dos artigos 664.º e 684.º, n.º 4 do mesmo diploma legal) – vide Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Coimbra, 2010, pp. 310-311.
Vejamos, pois.
*
4.3. A recorrente, em síntese conclusiva, invoca ter havido erro na apreciação da prova no que diz respeito aos factos número 2 (ponto F da decisão da matéria de facto), 9 (ponto T da decisão da matéria de facto), 10, 11, 12, 14, 15, 16, 21 (ponto X da referida decisão), 41 (ponto FF), referidos na resposta à matéria de facto controvertida e que correspondem aos pontos da base instrutória com o mesmo número e defende que, após reapreciação da prova gravada, devem dar-se como provados os pontos 2, 9, 10 e 11, 12, 14, 15 e 16, e referidos na resposta à matéria de facto controvertida, e não provados o facto 21 e 22 última parte (pontos X e Z da referida decisão) e o facto 41 (ponto FF da decisão da matéria de facto).
Por uma questão de lógica, agruparemos os factos a que se reporta a decisão questionada segundo os diferentes segmentos factuais sobre que incidem.
4.3.1. Quanto aos factos constantes dos pontos 11., 12. e 41. da base instrutória
Este grupo de factos reporta-se à conversa havida entre a A. e o seu superior hierárquico Dr. B… no dia 23 de Abril de 2010, defendendo a recorrente que os dois primeiros se devem considerar provados e o terceiro não provado.
O tribunal recorrido veio a julgar “não provados” os factos que havia quesitado nos pontos 11. e 12., respeitantes a estas conversações e alegados pela R. empregadora em fundamento do decretado despedimento, que tinham o seguinte teor:
«11º A A. recusou retomar o posto e local de trabalho na secção da telefonista afirmando aos berros e em alta voz o seguinte: “não saio daqui”, “você é um merdas, se quiser vá você, vá para o caralho seu merdas, puta que o pariu”, “vocês aí são todos uma merda, puta que vos pariu a todos”?
12º Face a essa recusa da trabalhadora, o Sr. Dr. D… interpelou-a dizendo que: “a empresa vai instaurar-lhe um processo disciplinar e eu se calhar assim, um processo-crime, a mim não me ofende assim”?»
E considerou “provado”, fazendo-o constar da al. FF) da sentença recorrida., o ponto 41. da base instrutória, o qual resultou da alegação da A. efectuada na sua contestação/reconvenção e tinha o seguinte teor:
«41º À solicitação da A. para tentar conversar calmamente sobre o sucedido, o dito Dr. D… respondeu que “não tinha mais tempo a perder com aquela conversa”?»
O tribunal recorrido expressou a sua convicção quanto a esta matéria afirmando que se verificou uma divergência essencial quanto às palavras que teriam sido trocadas entre a trabalhadora e o seu superior hierárquico e que a única prova produzida que as confirmou com as palavras alegadamente proferidas pela trabalhadora foi o depoimento do visado. Acrescentou que a Drª L…, funcionária também da empregadora e que se encontrava a trabalhar próximo da A., não ouviu essas palavras e, como tal, não as confirmou, sendo que a própria empregadora refere que as alegadas palavras da A. foram ditas “aos berros e em alta voz” e nenhuma testemunha foi apresentada que as tivesse ouvido.
Notou ainda o tribunal a quo haver uma coincidência absoluta entre a nota de culpa, datada de 10/05/2010, e as declarações do D… insertas no processo disciplinar, coincidência que levou o tribunal a questionar a espontaneidade do depoimento deste.
E ponderou que a testemunha F…, pai da trabalhadora, referiu ter ouvido uma conversa em que o Dr. D… exigia à A. que esta lhe pedisse desculpa, indiciando assim que algo se teria passado pois que não é crível que alguém exija um pedido de desculpas por nada, mas ponderou também que esse “algo” poderia consistir na atitude de desafio perante a autoridade do seu superior e na desobediência à ordem dada.
Vindo a concluiu o tribunal a quo que, apenas com base no depoimento do Dr. D…, não podia afirmar que a trabalhadora proferiu as expressões que a R. lhe imputa na decisão de despedimento.
Invoca a recorrente que a testemunha E…, colega de trabalho e amiga da A., não lhe parece fidedigna e que o tribunal apenas se poderia fundamentar nos depoimentos das testemunhas D… (que relatou os factos imputados à apelada e que fundaram a decisão da R., não abalando o seu depoimento a circunstância de os factos relatados coincidirem com a nota de culpa) e F… (pai da A. que relatou ter ouvido um mais tarde a testemunha D… dizer à A. que lhe pedisse desculpa pelas palavras que lhe dissera).
Ouvidos os depoimentos destas testemunhas, podemos adiantar que se nos afigura perfeitamente razoável o juízo emitido pelo tribunal a quo.
Na verdade, e em primeiro lugar, não vemos que deva pôr-se em causa a credibilidade da testemunha E… que, estando a trabalhar perto da A., relatou ter ouvido a conversa mantida ao telefone entre a A. e a testemunha D… e, simultaneamente, não ter ouvido as palavras se mostravam quesitadas no ponto 11. da matéria de facto.
Ao invés do que diz a recorrente, não há qualquer contradição entre a circunstância de a testemunha ter dito, por um lado, que o telefone tocou, a B… atendeu, e só se apercebeu que lhe pediram que substituísse alguém que estava doente e, por outro lado, ter respondido que ouviu a resposta da A. mas não a do Dr. D…, quando lhe foi perguntado se ouviu o Dr. D… pedir que a A. fosse substituir a telefonista que estava doente. Se a testemunha E… estava a ouvir um telefonema perto da A., era natural que se apercebesse pelas respostas da A. do que lhe estava a ser pedido pelo seu interlocutor, mesmo sem ouvir este. Note-se que a testemunha não diz ter ouvido o Dr. D…, mas ter-se apercebido (“eu apercebi-me que foi pedido à B… que substituísse alguém”), o que é substancialmente diferente de ouvir o pedido, coisa que nunca afirmou. Não se detecta aqui nenhuma contradição.
Quanto às palavras que a R. imputa à A. ter dito no contexto desse telefonema, a testemunha negou tê-las ouvido, não podendo socorrermo-nos do seu depoimento para considerar provado que as mesmas foram proferidas (ponto 11.), nem considerar provado o teor da resposta que se questiona ter dado o Dr. D… (ponto 12.).
Em segundo lugar, e quanto ao contributo dos depoimentos das testemunhas D… (superior hierárquico da A.) e F… (pai da A.), acompanhamos também a ponderação do tribunal a quo.
Com efeito, é absolutamente prudente e acertado que se tenha entendido não ser o depoimento desta testemunha D… – a única que relata terem sido proferidas as palavras que ficaram a constar da nota de culpa e da decisão de despedimento – bastante para dar como provados aqueles factos, maxime quando a única testemunha presencial do telefonema recebido pela A. em que esta teria dito as palavras descritas no ponto 11. da base instrutória, afirmou convincentemente ter ouvido o que a A. disse na conversa em causa e não ter ouvido tais palavras. Acresce que, apesar de tudo se ter passado no local de trabalho, nenhuma outra testemunha foi apresentada que ouvisse o que quer que fosse a este propósito, a despeito de a R. ter alegado que as alegadas palavras da A. foram ditas “aos berros e em voz alta”, o que vem alicerçar a dúvida sobre se as mesmas foram efectivamente proferidas.
E não se esqueça que os factos integradores da justa causa são constitutivos do direito do empregador ao despedimento do trabalhador e, como tal, a provar pelo empregador – cfr. o artigo 342.º do Código Civil.
Embora não se nos afigure relevante para efeitos de questionar a credibilidade da testemunha a coincidência absoluta entre o que é relatado na nota de culpa e as declarações prestadas pela testemunha no procedimento disciplinar (que na presente acção judicial não podem ser valoradas), não deve deixar aquele depoimento de ser analisado com particular cuidado.
Com efeito, cabe lembrar que o referido D…, no contexto dos factos, actuou como representante do empregador, decidindo suspender de imediato a A. das suas funções e acompanhando-a pessoalmente na saída desta das instalações da R. Se a coincidência apontada pelo tribunal a quo não é, por si só, susceptível de nos fazer questionar a veracidade do que foi dito – pois que o carácter ofensivo das palavras imputadas é naturalmente marcante para uma pessoa de mediana educação que as ouça, o que justificaria a sua memorização precisa –, já a não corroboração do depoimento da testemunha D… por qualquer outro meio de prova, aliada à posição que o mesmo revelou ocupar no seio da empresa da recorrente e que o levou a assumir atitudes que apenas a esta incumbiriam (como a de suspender a trabalhadora), aconselhavam a que o tribunal a quo considerasse insuficiente o seu depoimento para dar como provados aqueles específicos factos invocados pela R. em fundamento da justa causa do despedimento a que procedeu.
Por isso se compreende que a Mma Julgadora da 1.ª instância expressamente haja referido ter considerado o depoimento da testemunha D… apenas “na parte em que o mesmo foi confirmado pelas demais pessoas envolvidas”.
Finalmente, e quanto ao relato da testemunha F…, há a ter em consideração que o mesmo surge numa fase já temporalmente afastada dos factos em apreciação, sendo a nosso ver temerário retirar da mera referência do pai da A. a ter ouvido a testemunha D… a insistir com a filha para esta lhe pedir desculpas do que lhe dissera, a ilação segura de que a A. tenha proferido as palavras relatadas no ponto 11. da base instrutória e, do mesmo modo, que a testemunha D… lhe tenha respondido do modo descrito no ponto 12. da mesma peça processual.
Deverá assim manter-se a resposta aos mesmos dada de “não provados”.
E a mesma resposta se impõe quanto à matéria que ficou a constar do facto FF. (ponto 41. da base instrutória), a saber, que à solicitação da A. para tentar conversar calmamente sobre o sucedido, o dito Dr. D… respondeu que “não tinha mais tempo a perder com aquela conversa”.
Sem que a testemunha E… pudesse testemunhar o que foi dito pelo Dr. D… do lado de lá da linha telefónica e, como referiu no seu depoimento, não se recordando se esta específica expressão foi proferida pelo mesmo quando mais tarde se confrontou com os dois interlocutores e veio a dar-se a suspensão, e sem que qualquer outra testemunha relatasse ter a A. solicitado para conversar calmamente sobre o sucedido e ter este respondido naqueles termos, carece este facto de qualquer prova e deverá ser o mesmo considerado não provado como pretendido pela recorrente.
Assim, pelas razões já adiantadas, entendemos que não ter sido feita prova inequívoca da verificação dos factos perguntados nos pontos 11., 12. e 41. da base instrutória no contexto da conversa havida entre a A. e o seu superior hierárquico no dia 23 de Abril de 2010, pelo que, em coerência, deverá manter-se a decisão recorrida quanto aos pontos 11. e 12. e deverá o ponto 41. ser considerado não provado, nesta estrita medida procedendo a impugnação recursória em análise.
4.3.2. Quanto aos factos constantes dos pontos 15. e 16 da base instrutória
O tribunal a quo considerou “não provados” os factos que se mostravam quesitados nos pontos 15. e 16. da base instrutória, que se reportavam a alegados comportamentos infraccionais anteriores e ao passado disciplinar da A. trabalhadora.
Aí se perguntava se:
«15º Já haviam ocorrido diversas situações anteriores em que a trabalhadora havia desobedecido, faltado ao respeito e sido incorrecta com o seu superior hierárquico, o Senhor Dr. D... e outros colaboradores da empresa?

16º A A. já havia sido sujeita a um processo disciplinar, fruto do seu comportamento desrespeitoso e desobediente, para o referido superior hierárquico que não chegou a conhecer qualquer decisão porque o direito de exercício da acção disciplinar caducou?»
Em fundamento da sua resposta negativa, a Mma. Julgadora da 1.ª instância referiu que, quanto à existência de um anterior processo disciplinar, a empregadora juntou aos autos a nota de culpa a ele respeitante – fls. 200 a 203 -, a resposta da trabalhadora – fls. 205 a 207 -, bem como declarações de duas pessoas. Nada mais contém tal processo disciplinar, pelo que não havendo sequer decisão, não há como afirmar-se que os factos se verificaram.
A recorrente invoca a este propósito os depoimentos das testemunhas D… e F….
Ora, em face do nulo relevo do procedimento disciplinar “inacabado” que foi junto aos autos, do particular cuidado que se nos afigura dever nortear a apreciação do depoimento da testemunha D… e do desconhecimento que a testemunha F… revelou ter a este propósito (apenas confirmando a existência no passado de “problemas” que não identificou e que o processo ficou com o gerente e este deixou passar o prazo), não vemos que outra pudesse ser a decisão fáctica do tribunal a quo quanto a estes pontos da base instrutória.
Improcede, pois, neste aspecto o recurso.
4.3.3. Quanto aos factos constantes dos pontos 2., 9., 10. e 14. da base instrutória
É o seguinte o teor destes pontos da base instrutória:
«2º E substitui outros profissionais nas suas faltas ou ausências designadamente substitui a telefonista/recepcionista da empregadora, operando o equipamento telefónico e outros sistemas de telecomunicações, fornece informações sobre os serviços, recebe e/ou transmite mensagens?

9º A A. era a única pessoa disponível no momento para o fazer?

10º O que foi dito á A.?

14º Já por diversas vezes a A. havia substituído a telefonista?»
No despacho de resposta à matéria de facto, mereceram os mesmos a seguinte resposta:
«Facto 2º: Provado apenas que pelo menos numa ocasião anterior á data em discussão nos autos, e por mais de um dia, a trabalhadora substituiu a telefonista recepcionista, que é funcionária da empresa I…, SA, operando o equipamento telefónico e outros sistemas de comunicação.
Facto 9º: Não provado.
Facto 10º: Não provado.
Facto 14º: Provado apenas pelo menos numa ocasião anterior á data em discussão nos autos, e por mais de um dia, a trabalhadora havia substituído a telefonista.»
Reportam-se estes pontos da base instrutória à alegada imprescindibilidade da tarefa que o superior hierárquico da A. determinou que a mesma desempenhasse, por ser ela a única disponível para o fazer, e à alegação de que a A. substituía geralmente a telefonista, bem como à sua aptidão para o efeito.
Alega a recorrente que estes pontos da base instrutória deveriam considerar-se totalmente provados e invoca para o efeito os depoimentos das testemunhas D…, F…, G… e H….
Ora, ouvidos os depoimentos destas testemunhas, verifica-se que a testemunha D… confirma na íntegra o que foi quesitado, mas o seu depoimento – que deve ser apreciado com o já assinalado cuidado – não foi integralmente corroborado pelas restantes testemunhas.
Não cremos que possa dar-se maior relevância do que foi dada ao depoimento de F…, pai da A., quando o mesmo diz saber que esta foi chamada para os telefones e lá esteve mais de um mês, se a única fonte do seu conhecimento é o relacionamento familiar que tem com a A. e se apenas referenciou ter a A. desempenhado a referida tarefa substitutiva uma vez, embora por um lapso temporal alargado. De todo o modo, admitindo que este depoimento possa indiciar que a A. realizou o serviço em causa na ocasião de que o mesmo se recorda, entendemos que a realidade de facto que se mostra plasmada na decisão de facto é consonante com este depoimento, não sendo o mesmo suficiente para permitir a afirmação genérica de que a A. “substitui a telefonista/recepcionista da empregadora”, tal como se perguntava no ponto 2.º da base instrutória e de que por “diversas vezes havia substituído a telefonista”, tal como se perguntava no ponto 14.º da base instrutória.
Por seu turno, a testemunha G… (telefonista que no dia dos factos se encontrava afónica) começou por referir que a A. a substituiu quando faleceu o seu sogro, sendo esta a única vez que expressamente identifica. Embora ulteriormente diga que a A. esteve mais do que uma vez no seu lugar, não identifica expressamente as outras vezes ou as razões por que ocorreram e refere que outra trabalhadora – também de nome H…, mas com o apelido … – a substituía até determinada altura, o que também não permite aquela afirmação genérica de que a A. substituía a telefonista nos seus impedimentos.
A testemunha H…, por sua vez, apenas confirmou que em tempos substituía a telefonista G… e que a partir de dada altura deixou de o fazer, sendo que só tem a certeza de a A. ter substituído a telefonista uma vez e durante uma semana (embora admita que possam ter sido três dias), tendo sido a testemunha H… a dar-lhe formação, pelo que estava apta a operar com aquele serviço.
Já no que diz respeito à inexistência de outra pessoa para no referido dia substituir a telefonista, entendemos também que a R. não fez uma prova cabal de tal realidade. Com efeito, e por um lado, o invocado depoimento desta mesma testemunha H… apenas denota que deixou de substituir a telefonista desde que trabalha na área comercial, mas nada adianta quanto à possibilidade de a mesma ser substituída por pessoa distinta da A. Por outro lado, a testemunha G… não denota uma conhecimento directo de tal circunstância, apenas referindo que a testemunha D… a informou de que a A. era a única pessoa disponível, pelo que não tem valor autónomo, apenas reproduzindo o que lhe disse a testemunha D…, o que se nos afigura escasso para considerar provada aquela matéria.
Neste contexto probatório, entendemos serem acertadas as respostas restritivas e negativas ora em causa, não impondo a prova produzida, após reapreciada, uma decisão diversa da recorrida quanto a estes factos.
Improcede, também aqui, o recurso.
4.3.4. Quanto aos factos constantes dos factos X e Z na sua última parte
Estes factos correspondem às respostas dadas aos pontos 21.º e 22.º da base instrutória e ficaram com a seguinte redacção:
«X) A telefonista a que se reporta o processo disciplinar é funcionária da empresa I…, SA.
Z) Em data anterior ao início da substituição da telefonista pela A., aquela era substituída por H…, funcionária da mesma empresa.»
Invoca a recorrente que o vertido em X e em Z na sua última parte constitui mera asserção jurídica ou conclusão, devendo ter-se os mesmos não escritos por foça do que estabelece o artigo 664.º do C.P.C.
A recorrente não desenvolve esta sua alegação mas, lidos os pontos da matéria de facto em causa, infere-se que discorda de que se tenha considerado como facto provado serem a telefonista e a testemunha H… “funcionárias da empresa” I…, SA.
Preceitua aquele artigo 664.º, n.º 4.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do art° 1°, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho que “[t]êm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito ...”.
A separação entre facto e direito está presente nas várias fases do processo declarativo - na elaboração dos articulados, na selecção da base instrutória, no julgamento, na delimitação do objecto dos recursos.
Ensina Alberto dos Reis que os quesitos não devem colocar factos jurídicos, mas unicamente factos materiais, sendo sobre eles que as testemunhas devem ser interrogadas, e, por isso, os quesitos não devem conter premissas que constituam já o resultado ou a conclusão de silogismos primários, sendo antes ao juiz que cabe extrair dos factos simples, que deverão constituir a base instrutória, os juízos de valor sobre a situação concreta. Ao organizar o questionário, adverte este Professor, o juiz “deve evitar cuidadosamente que nele entrem noções, fórmulas, categorias, figuras ou conceitos jurídicos; deve inserir nos quesitos unicamente factos materiais e concretos” (in Código de Processo Civil Anotado, vol. III, Coimbra, 1950, p. 209).
Por seu turno Anselmo de Castro adverte que “a linha entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa; o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são, assim, flutuantes” (in Direito Processual Civil Declaratório, volume III, 1982, p. 270).
Nos pontos da matéria de facto ora em causa utilizam-se efectivamente expressões que comportam um sentido jurídico (pois que dali se infere o estabelecimento de duas relações laborais com pessoas distintas), mas a verdade é que se trata de palavras usadas na linguagem corrente ou que, pelo menos, fazem parte da terminologia usada ao nível das relações profissionais estabelecidas entre as partes e que exprimem, efectivamente, juízos de facto.
Além disso, estes juízos de facto, embora relevantes para a compreensão do condicionalismo em que se desenrolaram os factos invocados pela ré em fundamento da justa causa de despedimento, não constituem eles mesmos o thema decidendum da acção.
Aliás, é de sublinhar o menor rigor em termos jurídicos do afirmado naqueles pontos da matéria de facto, pois que a expressão “funcionária” não é usualmente utilizada nas relações laborais de natureza privada e, por definição, as relações laborais não se estabelecem com uma “empresa” (bem de natureza imaterial que é detido e explorada por uma pessoa jurídica) mas com os seus titulares, esses sim pessoas com capacidade para firmarem contratos com os trabalhadores que laboram nas suas empresas ou estabelecimentos. O que mais nos afasta da afirmação de que o vertido naqueles pontos da matéria de facto traduz asserções jurídicas.
Assim, quer porque dificilmente podemos identificar as afirmações constantes das als. X) e Z) com conclusões estritamente jurídicas, quer porque nos itens em causa é retratado o que, em rigor, se trataria das relações de emprego estabelecidas entre pessoas que não são parte nos autos (a sociedade ali identificada e duas das suas trabalhadoras), relações que não estão em causa na presente acção, não fazendo parte do seu thema decidendum (embora tenham um relevo circunstancial para a compreensão da factualidade que é imputada à A. na decisão de despedimento), nada impõe a sua eliminação da matéria de facto.
4.3.5. Aditamento oficioso de factos plenamente provados
Nos termos do artigo 713.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, aplicam-se ao acórdão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais o artigo 659.º, n.º 3 (por força do qual o juiz deve tomar em consideração na fundamentação os factos admitidos por acordo e os provados por documento ou confissão reduzida a escrito), pelo que os factos admitidos por acordo ou plenamente provados por documento que não constem da matéria dada como provada pela 1.ª instância devem ser tidos em consideração pelo Tribunal da Relação, se relevantes para a decisão do pleito.
No artigo 4.º da contestação a A. alegou que auferia “a remuneração mensal de € 475,00, acrescida do subsídio de refeição, no montante de € 1,78/dia e € 9,15 a título de diuturnidade, o que perfaz a retribuição mensal global de € 523,31” e juntou a fls. 107 um recibo de remuneração emitido pela R. em Junho de 2010, onde estão contabilizadas as contas finais do contrato de trabalho pela mesma efectuadas.
A R. impugnou a alegação constante do artigo 4.º da contestação, mas não impugnou relevantemente o recibo por si emitido (do qual emerge uma valor de salário-base coincidente com o alegado e um valor de diuturnidades relativamente inferior), pelo que o mesmo faz prova plena dos factos dele constantes.
Assim, por se encontrarem plenamente provados por documento e serem relevantes para a decisão, acrescentam-se aos factos provados os que foram alegados no artigo 4.º da contestação, na medida em que emergem do recibo junto a fls. 107 emitido pela R. e não relevantemente impugnado na resposta à contestação, que terá a seguinte redacção e numeração:
«JJ) Em 2010 a A. auferia a remuneração mensal de € 475,00, acrescida do subsídio de refeição, no montante de € 1,78/dia e € 6,78 a título de diuturnidade.”
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4.4. Da justa causa de despedimento
Cabe agora enfrentar a questão de aferir se o despedimento da A., ora recorrida, se fundou em justa causa como defende a R. recorrente, questão que deverá ser analisada à luz do regime jurídico constante do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro [cfr. os artigos 12º, nº 1, a) e 7.º, n.º 1 daquela Lei].
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4.4.1. Em conformidade com o imperativo constitucional contido no artigo 53º da Lei Fundamental, o artigo 351.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009 define o conceito de justa causa de despedimento como “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, estabelecendo-se depois um quadro exemplificativo de comportamentos justificativos desse despedimento.
Esta noção decompõe-se em dois elementos: a) um comportamento culposo do trabalhador - violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral - grave em si mesmo e nas suas consequências; b) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Com algumas diferenças de forma (que não de conteúdo) a jurisprudência tem definido nestes termos o conceito de justa causa, considerando ainda:
– que a ilicitude consiste na violação dos deveres a que o trabalhador está contratualmente vinculado, seja por acção, seja por omissão, relativamente a deveres contratuais principais ou secundários, ou ainda a deveres acessórios de conduta, derivados da boa fé no cumprimento do contrato, o que afasta os factos sobre os quais não se pode fazer juízo de censura e aqueles que não constituam violação de deveres do trabalhador enquanto tal;
– que na apreciação da gravidade da culpa e das suas consequências deve recorrer-se ao entendimento de um "bonus pater familias", de um "empregador razoável", segundo critérios de objectividade e razoabilidade (artigo 487.º n.º 2 do Código Civil) em face do condicionalismo de cada caso concreto; e
– que a impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho é o elemento que constitui o critério básico de "justa causa", sendo necessário um prognóstico sobre a viabilidade das relações contratuais para se concluir pela idoneidade ou inidoneidade da relação para prosseguir a sua função típica (vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.04.18, Processo n.º 2842/06 e de 2006.03.08, Processo n.º 3222/05, ambos da 4.ª Secção e sumariados em www.stj.pt).
A metodologia utilizada pelo legislador da LCCT (Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo aprovado pelo DL n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro) para regular o despedimento por motivo imputável ao trabalhador foi retomada nos Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009. Com referência a este último, a lei começa por apresentar uma cláusula geral de justa causa que integra com recurso a diversos critérios (art. 351.º, n.º 1); depois enumera um conjunto de situações típicas de justa causa para despedimento (art. 351.º, n.º 2); e por fim apresenta alguns critérios de apreciação das situações de justa causa no quadro da empresa (art. 351.º, n.º 3) – vide M. do Rosário Palma Ramalho in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Coimbra, 2006, p. 806, no que diz respeito ao Código do Trabalho de 2003.
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4.4.2. Invoca a R. no recurso que a A. foi despedida com justa causa, provada em processo disciplinar por desobediência e ofensas verbais ao superior hieráquico e que, apesar de se tratar apenas de um acto de desobediência, certo é que ela surge depois de a apelada ter outros incidentes na empresa que tão-somente não resultaram em aplicação de sanção disciplinar em virtude da caducidade do processo, sendo que a desobediência em si não constituiu uma mera negação de adoptar o comportamento ordenado, antes a apelada se manifestou em termos inadequados, enfrentando e injuriando de modo violento, injustificável e injustificado, o seu superior hierárquico.
Ora, como resulta da decisão deste recurso no que diz respeito à matéria de facto, nem se encontram provadas as ofensas verbais imputadas à A. na decisão de despedimento, nem podem nesta sede valorar-se outros indemonstrados incidentes que tenham anteriormente ocorrido no âmbito da empresa, sendo o quadro fáctico sobre que pode debruçar-se este Tribunal da Relação para aferir da invocada justa causa, substancialmente distinto do traçado na decisão de despedimento.
Analisando a factualidade provada, verificamos que, no essencial, o que da mesma resulta é que foi dada uma ordem à trabalhadora e que esta se recusou a dar cumprimento à mesma.
Como bem é dito na sentença recorrida, “considerando as funções que exercia a trabalhadora, atribuir-lhe funções de telefonista no quadro em que a solicitação ocorreu, ou seja, para substituição, por doença, da trabalhadora que exercia tais funções, enquadra-se claramente no poder que o art.º 120 do C. Trabalho concede ao Empregador, não estando assim em causa a alteração da categoria profissional da trabalhadora”.
A A. devia obediência a esta ordem emitida pelo seu superior hierárquico, sendo nosso entendimento que a ordem em causa se inscreve no âmbito do contrato de trabalho vigente entre as partes e não configura uma cedência ocasional de trabalhador tal como a mesma se mostra prevista no artigo 288.º do CT, pois que tal figura pressupõe necessariamente a sujeição do trabalhador ao poder de direcção de outrem e nada indicia que assim sucedesse no caso sub judice.
A ordem dada visava a satisfação de necessidades do empregador (que eram igualmente satisfeitas por trabalhadores de outra empresa, mas que não deixam de ser do empregador e susceptíveis de ser desempenhadas por trabalhadores ao seu serviço), nada indiciando que a ordenada prestação temporária das tarefas de telefonista se integre na hipótese do artigo 288.º do CT[3], nem mesmo na previsão da denominada “pluralidade de empregadores”, tal como a mesma se mostra plasmada no artigo 101.º do mesmo diploma legal. Uma vez que o atendimento telefónico era um serviço partilhado por ambas empresas, ao simples facto de a telefonista que geralmente operava a central telefónica ser funcionária da sociedade I…, não pode atribuir-se o significado de que a A. seria cedida para trabalhar ao serviço dessa empresa ou que se iria obrigar a prestar trabalho para essa empresa.
Tem aqui razão a recorrente, não se acompanhando as considerações do tribunal recorrido no sentido de que se verificaria uma cedência ocasional de trabalhador, embora se conclua como o mesmo no sentido de que os factos provados integram a prática de uma infracção disciplinar.
Com efeito, entre o elenco dos deveres do trabalhador constante do artigo 128.º do Código do Trabalho, figura o dever de cumprir as ordens e instruções do empregador em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho, salvo na medida em que se mostrem contrárias aos seus direitos e garantias [artigo 128.º, n.º 1, alínea e), e n.º 2]. O dever de obediência representa, na esfera do trabalhador, o correlativo do poder de direcção – na vertente do poder conformativo da prestação – a cargo do empregador.
A apurada conduta da recorrida traduz uma desobediência injustificada pois que se recusou a desempenhar as funções de telefonista [facto L)] com fundamentos que não são válidos e assumiu uma posição de confronto com o Dr. D… seu superior hierárquico [facto G)], questionando a sua autoridade quanto à prioridade do trabalho que prestava tentando argumentar que o que estava a fazer era mais urgente.
Violou, pois, o dever de obediência, sem que se vislumbre justificação válida para o efeito e mostrando alheamento pelos motivos que lhe foram expostos [facto M)], sendo que já anteriormente havia substituído a telefonista [facto F)], pelo que estaria apta a realizar aquele serviço.
E fê-lo com culpa, pois no contrato de trabalho, como negócio jurídico bilateral que é, o incumprimento dos deveres contratuais por parte do trabalhador deve presumir-se culposo nos termos do n.º 1 do art. 799.º do Código Civil (culpa presumida essa que não acarreta, por seu turno, a presunção da sua gravidade).
O menor grau de culpa que poderia resultar das razões adiantadas pela A. para se recusar a cumprir a ordem – pois haveria um problema nos stocks que a mesma havia sido incumbida de resolver [facto N)] – não deixa de perder o seu relevo mitigador quando sopesado com a atitude ulterior da A. de, depois de o seu superior hierárquico ter reiterado a ordem, persistir nas mesmas razões que sabia já não terem sido aceites por quem sobre si tinha poder hierárquico [factos O) a S)].
*
4.4.3. Tal não significa, contudo, que se considere justificado o despedimento a que a R. procedeu.
Com efeito, para integrar a cláusula geral da justa causa de despedimento, não basta um qualquer comportamento culposo do trabalhador desrespeitador de deveres legais ou obrigacionais; mister é que, apreciado que seja o desrespeito de um ponto de vista objectivo e iluminado por uma perspectiva de proporcionalidade dos interesses em causa, torne a subsistência da relação laboral “insustentável” ou “intolerável”.
Impõe-se pois, a este passo, verificar se o comportamento da A., pela sua gravidade e consequências, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
A averiguação da existência da impossibilidade prática da relação de trabalho ou da "inexigibilidade" da sua subsistência deve ser feita em concreto, à luz de todas as circunstâncias que no caso se mostrem relevantes, mediante o balanço dos interesses em presença e pressupõe um juízo objectivo, segundo um critério de razoabilidade e normalidade – vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2001.05.31, proferido na Revista n.º 704/01 da 4ª Secção, de 2003.02.19, proferido na Revista n.º 2673/02 da 4ª Secção e de 2003.02.26, proferido na Revista n.º 1198/02 da 4ª Secção, todos sumariados in www.stj.pt.
A subsistência da relação de trabalho é neste sentido impossível quando, à luz deste juízo, se conclua que a ruptura é irremediável e, portanto, nenhuma outra medida se revela adequada a sanar a crise contratual aberta pelo comportamento do trabalhador – vide Monteiro Fernandes in "Direito do Trabalho", 13.ª edição, Coimbra, 2006, pp. 551 e ss., Jorge Leite e C. Almeida in "Colectânea de Leis do Trabalho", Coimbra, 1985 pp. 248 ss., B.Lobo Xavier, "Da justa causa de despedimento: conceito e ónus da prova" in R.D.E.S., 1988, pp.1 ss e, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2001.01.17, proferido na Revista n.º 3318/00 da 4ª Secção, de 2001.10.11, proferido na Revista n.º 591/01 da 4ª Secção, de 2001.12.12, proferido na Revista n.º 2167/01 da 4ª Secção e de 2007.06.21, Recurso n.º 3540/06 - 4.ª Secção, também sumariados in www.stj.pt.
Como dizem Jorge Leite e C. Almeida (in ob. cit. p.251), o legislador transfere para o julgador a tarefa de concretizar em cada momento a aplicação da "cláusula geral" (justa causa), estimulando, desse modo, a prática de uma justiça individualizante (vide também Jorge Leite, in “Direito do Trabalho”, Coimbra 1999, vol. II, p. 315).
As diversas condutas descritas nas alíneas do n.º 2 do artigo 351.º possibilitam alguma densificação do conceito de justa causa de despedimento. Mas a verificação de algumas das condutas ali enunciadas “não é condição necessária (dado que a enumeração é meramente exemplificativa), nem é condição suficiente (visto que tais alíneas constituem «proposições jurídicas incompletas», contendo uma referência implícita à cláusula geral do n.º 1) para a existência de justa causa” – vide João Leal Amado, in Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra 2011, p. 371.
Assim, embora o artigo 351.º, n.º 2, do Código do Trabalho, preveja na sua alínea a) como susceptível de integrar o conceito de justa causa, a “desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores”, o que corresponde à quebra do dever de obediência, certo é que para que se verificar a justa causa é, ainda, necessário que o comportamento que integre esta hipótese se revista da gravidade pressuposta naquela cláusula geral, tal como se mostra enunciado no n.º 1 do preceito, o que tem que ser apreciado ponderando todo o circunstancialismo rodeador do objectivo desrespeito daquele dever.
Ora, além de a recorrente não ter logrado provar em juízo todos os factos em que fundou a decisão de despedir a recorrida, mesmo perspectivando os que ficaram apurados entendemos que, apesar de configurarem infracção disciplinar, a sua gravidade e consequências não são de molde a determinar a inexigibilidade da subsistência da relação de trabalho.
Com efeito, a recusa da trabalhadora não foi totalmente gratuita, mas foi acompanhada de uma justificação que consistia em estar incumbida de resolver um problema de stocks que estavam a apresentar resultados negativos e não poder ausentar-se desse serviço, sendo que indicou ainda ter tal tarefa sido determinada por um outro superior hierárquico, o Eng. João Durão, Técnico de Produção.
Assim, embora devesse dar prevalência à ordem do Dr. D… – que dirigia, orientava e fiscalizava o funcionamento das secções e serviços de recursos humanos e financeiros da empregadora e providenciava a gestão racional e eficaz dos respectivos meios humanos e materiais – a verdade é que a sua desobediência não foi totalmente gratuita.
Cabe ainda sublinhar a singularidade deste comportamento infraccional e que não se mostra apurado nenhum outro facto circunstancial susceptível de permitir avaliar a gravidade do comportamento da A. e as eventuais consequências que implicou, para além da quebra da disciplina que sempre acarreta a violação do dever de obediência (recorde-se que o ónus da prova de tais circunstâncias, na medida em que permitiam avaliar o preenchimento do conceito indeterminado de justa causa de despedimento, recaía sobre o empregador).
Acresce que, apesar de alegados, não ficaram provadas anteriores condutas desrespeitadoras ou desobedientes, ou outras violações de deveres laborais, perseguidas disciplinarmente ou não.
Embora se entenda que a recorrida não devia ter agido do modo que ficou descrito, entendemos que os factos provados não se integram no padrão pressuposto no conceito geral de justa causa de despedimento, maxime num cenário em que não está demonstrada a prévia censura disciplinar de qualquer outra conduta que a recorrida haja adoptado no decurso do contrato de trabalho estabelecido entre as partes.
Efectuando um juízo sobre a gravidade e consequências do comportamento da A., na perspectiva do reflexo do seu apurado comportamento sobre a inexigibilidade da subsistência da relação laboral, à luz do modelo objectivo do empregador razoável, com a sagacidade, experiência e senso atribuíveis ao bom pai de família – não à luz do “sentir” concreto do empregador, que se reflectiu na sanção disciplinar adoptada – e tendo presente a orientação que a jurisprudência vem seguindo na concretização do conceito indeterminado de justa causa de despedimento – elucidativamente expressa nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2007 (Revista n.º 1442/07), de 6 de Fevereiro de 2008 (Revista n.º 3906/07), e de 18 de Junho de 2008 (Revista n.º 933/08), todos da 4.ª Secção e sumariados em www.stj.pt –, não podemos sufragar o entendimento da recorrente de que a sanção de despedimento aplicada é adequada e proporcional à gravidade da infracção cometida.
A ligeira alteração do quadro de facto a atender para a decisão do pleito – com a inatendibilidade do ponto FF) da matéria de facto, que constituía um facto circunstancial relacionado com a menor boa vontade do superior hierárquico no sentido de resolver o conflito criado com a recusa de obediência à ordem em causa – não é de molde a alterar este juízo.
Em suma, não obstante a conduta descrita seja disciplinarmente relevante, não é portadora de uma carga de desvalor tal que conduza a um juízo de inviabilidade da relação laboral, não se justificando a aplicação da sanção mais grave das previstas no elenco do n.º 1 do art. 328.º do Código do Trabalho, sendo nosso entendimento que um sancionamento disciplinar adequado, mas de cariz correctivo ou conservatório (p. ex. uma suspensão de trabalho com perda de retribuição e de antiguidade), constituiria um suficiente alerta e seria apto a obstar a que a recorrida voltasse a proceder do censurável modo que ficou descrito.
Pelo que se conclui pela ilicitude do despedimento operado pela recorrente, confirmando-se, também neste aspecto, o veredicto da 1.ª instância.
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4.5. Da condenação em liquidação de sentença
Insurge-se finalmente a recorrente contra a condenação em indemnização por antiguidade a liquidar em incidente ulterior tendo por referência à data da decisão, 7 anos de antiguidade e 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade, invocando que o Tribunal não pode nunca condenar em quantidade superior nem em objecto diferente do que se pedir, e que apenas pode condenar no que vier a ser liquidado sem prejuízo de condenação na parte já líquida se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o que não sucede se a trabalhadora não alegou o valor da retribuição.
É manifesto que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir e que, se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida. Assim o dispõem os n.ºs 1 e 2 do artigo 661.º do Código de Processo Civil, que neste âmbito têm plena aplicação por força do disposto no artigo 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, uma vez que não estão em causa direitos indisponíveis.
Simplesmente, e como resulta do já exposto em sede de decisão de facto, a recorrente parte de um equívoco – de que, diga-se, a sentença também enferma –, qual seja o de não ter a A. alegado a retribuição que auferia ao serviço da R. e de não dever ter-se tal alegação, na medida em que se mostra devidamente comprovada documentalmente, como adquirida nos autos.
A tanto conduzia o disposto no artigo 659.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, devendo o tribunal a quo atender à retribuição base de € 475,00 e ao valor de diuturnidades de € 6,78 [facto JJ)] para quantificar a indemnização peticionada, a que a A. tinha direito por força do disposto no artigo 391º do Código do Trabalho de 2009, nos termos do qual “[e]m substituição da reintegração o trabalhador pode optar por uma indemnização, (…) cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381º” (n.º1) e que para tais efeitos o tribunal deve “atender a todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial” (n.º 2), sendo que tal indemnização “não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades” (n.º 3).
A Mma. Juiz a quo ponderou para efeitos de fixação da indemnização que:
«[…] tem a A. direito a receber a indemnização por despedimento (pela qual optou) correspondente a 15 dias a 45 dias de retribuição de base por cada ano de antiguidade ou fracção, não podendo ser inferior a três meses, devendo ser atendido o tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença.
O Tribunal irá aqui considerar a ilicitude mitigada da conduta da empregadora pois que se verifica um comportamento ilícito e culposo da trabalhadora, gerador da necessidade de aplicação de uma sanção disciplinar, sendo a aplicada, apenas, desproporcional à infracção.
Não foi alegada por qualquer das partes a retribuição base e diuturnidades auferidas pela trabalhadora (sendo certo que o valor que consta do recibo junto pela trabalhadora - 475,00 euros + 6,78 euros - não coincide com aquele com o qual a trabalhadora fez o seu pedido – se 45 dias de retribuição correspondem a 728,47 euros, 30 dias correspondem a 485,64 euros).
Não obstante, sempre estaremos perante um vencimento próximo da salário mínimo nacional, pelo que tendo a indemnização por antiguidade de considerar todo o período que decorre até ao trânsito em julgado da decisão, sempre a condenação teria que ser proferida em termos parcialmente ilíquidos, relegando-se assim para incidente ulterior a sua fixação.
[…]»

E condenou a ora recorrente:

«1 - a pagar á trabalhadora a indemnização por antiguidade a liquidar em incidente ulterior, tendo por referência, à data desta decisão, 7 anos de antiguidade e 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade, devendo ser considerado no cômputo desta o período que ainda decorra até ao trânsito em julgado da mesma;
[…]»
Tendo em consideração que pode este tribunal lançar mão da apurada retribuição base e diuturnidades, nada obsta a que se fixe desde já a retribuição a atender no cômputo da indemnização por antiguidade devida, sendo a sua base de cálculo de € 481,78 (€ 475,00 + € 6,78) [facto JJ)].
A antiguidade da recorrente reporta-se a 5 de Setembro de 2005 [facto B)].
Uma vez que para a fixação da indemnização o tribunal deve atender a todo o tempo decorrido “até ao trânsito em julgado da decisão judicial” e, neste momento, o presente acórdão ainda se não mostra transitado, o cálculo do montante indemnizatório tendo por referência a prescrição inserta no n.º 2 do artigo 391.º deve ser relegado para incidente de liquidação, limitando-se a tarefa do julgador à parametrização a que alude o n.º 1 do mesmo preceito e a que a 1.ª instância procedeu (fixando-o em 30 dias), sem reacção de qualquer das partes - vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2009.06.25, Recurso n.º 376/09 - 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
Procede parcialmente, neste aspecto, o recurso principal.
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4.6. Porque ficou vencida no recurso que interpôs, incumbe à recorrente o pagamento das custas respectivas (artigo 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), não se autonomizando as vertentes do recurso em que foi acolhida a sua pretensão, uma vez que a alteração verificada não teve qualquer influência mensurável no resultado final do mérito da acção.
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5. Decisão
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Em face do exposto, decide-se:
5.1. julgar parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto deduzida no recurso e, em consequência, julga-se não provado o ponto 41. da base instrutória e elimina-se o a al. FF) da matéria de facto;
5.2. aditar oficiosamente à matéria de facto a al. JJ), com o seguinte teor:
«JJ) Em 2010 a A. auferia a remuneração mensal de € 475,00, acrescida do subsídio de refeição, no montante de € 1,78/dia e € 6,78 a título de diuturnidade.”
5.3. julgar improcedente o recurso quanto ao mais, apenas se precisando, no que diz respeito à indemnização em substituição da reintegração, que se condena a R. a pagar à A. uma indemnização correspondente à quantia de € 481,78 por cada ano completo ou fracção de antiguidade, contada desde 5 de Setembro de 2005 e até ao trânsito em julgado do presente acórdão, a apurar em incidente de liquidação;
no mais se confirmando a douta sentença recorrida.
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Custas pela recorrente.
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Nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 8 de Outubro de 2012
Maria José Pais de Sousa da Costa Pinto
António José da Ascensão Ramos
Eduardo Petersen Silva
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[1] Clarificamos que fazemos referência aos termos “autora” e “ré” para designar as partes desta acção na medida em que, apesar de as referências terminológicas constantes do articulado do diploma que alterou o Código de Processo do Trabalho (Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13 de Outubro) se reportarem apenas ao “trabalhador” e ao “empregador” e ter havido uma alteração da estrutura clássica da acção de impugnação do despedimento com a nova acção especial regulada nos artigos 98.º-B e ss. do Código de Processo do Trabalho, não deixam as partes de se situar nas mesmas posições activa e passiva relativamente à generalidade dos pedidos de que cumpre conhecer nestas acções e o legislador denotou no preâmbulo do diploma, quando alude ao “formulário apresentado pelo autor” que o trabalhador assume na acção a posição de “autor” e, naturalmente, o empregador a posição de “réu”.
[2] Assim o defendem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.ºCoimbra, 2001, p. 328. É de notar que na Proposta da Comissão de Reforma da lei processual civil actualmente em debate público (texto disponível in http://www.portugal.gov.pt/pt/os-ministerios/ministerio-da- justica/ documentos-oficiais/20111218-revisao-codigo-processo-civil.aspx), a alínea c) do artigo 488.º, apesar de estabelecer uma gravosa sanção para o incumprimento do dever de especificação separada das excepções – ao dispor que na contestação deve o réu: “[e]xpor os factos essenciais em que se baseiam as excepções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respectivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação.” –, não fulmina com a inatendibilidade da excepção deduzida aquele incumprimento.
[3] Como foi dito no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2005.12.07 (Processo n.º 1919/05 - 4.ª Secção), não se verifica cedência ocasional de trabalhador numa situação em que a autora continua a prestar a sua actividade à ré - continuando esta a exercer o seu poder de autoridade e direcção - , embora numa ou noutra área a autora pudesse fazer algumas tarefas que diziam respeito a outra empresa do grupo da ré.
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Nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I – Não obsta à admissibilidade da reconvenção a sua não identificação expressa na contestação se o contestante enuncia os factos que lhe conferiam o direito a ver declarada a ilicitude do despedimento de que foi alvo, à indemnização por danos não patrimoniais, à indemnização por despedimento ilícito e às denominadas retribuições intercalares e formula, a final, expressa e separadamente, o pedido de declaração de ilicitude do despedimento e de condenação da R. no pagamento das verbas em causa.
II – Na acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, o artigo 98.º-L, n.º 2 do CPT alarga o leque de admissibilidade da reconvenção, permitindo ao trabalhador deduzir pedido reconvencional em qualquer dos casos previstos no n.º 2 do artigo 274.º do CPC (quando o pedido emerge de facto jurídico que serve de fundamento à acção, mas também à defesa, e quando se propõe obter a compensação) e se peticiona créditos emergentes do contrato de trabalho, sempre independentemente do valor da acção.
III – Não devem declarar-se não escritas expressões que comportam um sentido jurídico (pois que dali se infere o estabelecimento de duas relações laborais), mas que constituem palavras usadas na linguagem corrente e não constituem elas mesmas o thema decidendum da acção.
IV – Não integra justa causa de despedimento a recusa da trabalhadora em substituir uma colega de trabalho, ordem a que devia obediência, se a recusa da trabalhadora não foi totalmente gratuita, mas foi acompanhada de uma justificação que consistia em estar incumbida de resolver um problema de stocks como lhe fora determinado, se não se mostra apurado nenhum outro facto circunstancial susceptível de permitir avaliar a gravidade do comportamento da A. e as eventuais consequências que implicou, para além da quebra da disciplina, e se não ficaram provadas anteriores condutas violadoras de deveres laborais, perseguidas disciplinarmente ou não.
V – Uma vez que para a fixação da indemnização por antiguidade o tribunal deve atender a todo o tempo decorrido “até ao trânsito em julgado da decisão judicial”, o cálculo do montante indemnizatório tendo por referência a prescrição inserta no n.º 2 do artigo 391.º do CT deve ser relegado para incidente de liquidação.

Maria José Pais de Sousa da Costa Pinto