Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0533869
Nº Convencional: JTRP00038284
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: TELECOMUNICAÇÕES
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP200507070533869
Data do Acordão: 07/07/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: O prazo de seis meses que um operador de telecomunicações tem para exigir o pagamento do preço do serviço prestado apenas se refere a apresentação de facturas, se estas forem enviadas nesse prazo, corre a partir daí o prazo de prescrição de cinco anos previsto na al. g) do artº 310 do C.Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
B.........., S.A., veio instaurar a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra C.......... .

Pediu que o Réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 4.733,43, acrescida dos legais juros de mora, à taxa anual de 12%.

Como fundamento, alegou, em síntese, que é uma sociedade que tem por objecto a prestação de serviços de telefone móvel e o fornecimento de bens com ele conexos; no exercício da sua actividade comercial, a Autora aceitou a proposta de subscrição do Serviço Móvel Terrestre assinada pelo Réu, com subsidiação pela Autora de três telemóveis, obrigando-se, em contrapartida, a uma permanência pelo período de 36 meses no plano tarifário escolhido.
Ao abrigo do contrato entre as partes celebrado, a Autora prestou ao Réu designadamente os serviços identificados factura junta, no valor € 57,40. Por outro lado, o Réu não cumpriu o período fixado de obrigatoriedade de permanência a que contratualmente se havia vinculado, pelo que, nos termos do contrato, a Autora emitiu, a título de incumprimento contratual, factura no valor de € 3.238,34.
O Réu apenas procedeu ao pagamento parcial da primeira factura referida, relativamente à qual continua em dívida o valor de € 6,69.
Deve o Réu à Autora a quantia de Euros 3.245,03, a título de capital, acrescida dos juros de mora vencidos, que se liquidam em € 1.488,40, e ainda dos juros vincendos.

O R. contestou, invocando, para além do mais, a excepção de prescrição do direito da Autora ao pagamento das quantias reclamadas.

A A. respondeu, pugnando pela improcedência dessa excepção.

Foi, de seguida, proferida decisão que julgou procedente a excepção de prescrição, tendo o R. sido absolvido do pedido.

Discordando desta decisão, dela interpôs recurso a A., de apelação, onde conclui, no essencial, que:

- O prazo de seis meses refere-se unicamente ao direito a enviar a factura e não ao direito de exigir judicialmente o crédito pelo serviço prestado pelos operadores dos SMT;
- Após o envio da factura dentro daquele prazo de seis meses, o direito de exigir o pagamento pelos serviços prestados operadores dos SMT, prescreve no prazo de cinco anos, nos termos do al. g) do artº 310, do C. Civil, norma que devia ter sido aplicada ao caso sub judice;
- Assim, e contrariamente ao decidido pelo "Tribunal a quo" o crédito da apelante não prescreveu.
Deverá, assim, ser dado provimento ao presente recurso e, como tal, revogada a decisão recorrida.

O R. contra-alegou, concluindo pela improcedência da apelação.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

Questões a resolver:
Discute-se o prazo de prescrição do direito ao pagamento de serviços telefónicos, que decorre a partir da apresentação das facturas a pagamento.

III.

Na decisão recorrida foram considerados provados estes factos:
- a quantia peticionada pela Autora tem subjacente um serviço prestado entre Jan/00 e Ab/00.
- a acção deu entrada em juízo em 29.09.04

IV.

Cumpre apreciar a questão acima enunciada [Seguiremos a fundamentação do acórdão desta Relação de 3.3.2005 (www.dgsi.pt - JTRP00037783), por nós proferido].

Nos termos do art. 10º da Lei 23/96, de 26/7, o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prescreve no prazo de 6 meses após a sua prestação.
Este diploma visava, segundo o art. 1º, fixar as regras a que deveria obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à protecção do utente, aí surgindo directamente contemplado o serviço de telefone – nº 2 d).
Foi entretanto publicada a Lei 91/97, de 1/8, que define as bases gerais a que obedece o estabelecimento, gestão e exploração de redes de telecomunicações e a prestação de serviços de telecomunicações – art. 1º.
E logo após o DL 381-A/97, de 30/12, que, segundo o preâmbulo, visa desenvolver aqueles princípios da referida Lei de Bases.
Estabelece este diploma no art. 9º nº 4 que o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação. Porém, logo se acrescentou no nº 5 desse normativo que, para efeitos do número anterior, tem-se por exigido o pagamento com a apresentação de cada factura.
Segundo dispõe o art. 310º g) do CC prescrevem no prazo de cinco anos quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.

É neste quadro legal que há-de resolver-se a questão discutida nestes autos.
Trata-se de questão controvertida, quer na doutrina, quer na jurisprudência, em relação à qual têm sido defendidas três soluções:
- Sustentam algumas decisões que o referido prazo de seis meses deve ser contado desde a prestação mensal do serviço, data da exigibilidade da obrigação e da possibilidade de exercício do direito. Assim se decidiu nos Acs. desta Relação de 6.2.2003 e de 6.5.2003, em www.dgsi.pt - JTRP00035695 e JTRP00035765. É também a posição defendida por Calvão da Silva, RLJ 132-156.
- Para outras decisões, a apresentação da factura funciona como factor interruptivo da prescrição de seis meses iniciada com a possibilidade de liquidação do preço dos serviços, contando-se a partir dessa apresentação os seis meses para extinção do direito ao pagamento. É a solução do Ac. desta Relação de 20.6.2002 (apelação nº 589/02-3ª secção).
- Por último, defendem outras decisões que o prazo de seis meses apenas se refere à apresentação das facturas; se estas foram enviadas nesse prazo, corre a partir daí o prazo de prescrição de cinco anos previsto no citado art. 310º g). Foi esta a solução dos Acs. desta Relação de 25.3.2004 e 28.6.2004, em www.dgsi.pt - JTRP00035799 e JTRP00037047. É essa também a posição de Menezes Cordeiro no parecer junto a estes autos.

Propendemos para esta última solução, conforme decisão proferida já na apelação nº 1258/2000, desta 3ª Secção, que o ora relator subscreveu como adjunto.

No essencial, afigura-se-nos que a primeira solução retira qualquer conteúdo útil à explicitação feita no nº 5 do art. 9º (cfr. também o nº 3 do art. 16º) do DL 381-a/97. Se o prazo de seis meses é único, a contar desde a prestação do serviço, não se compreende o cuidado e propósito do legislador ao estatuir que, para efeitos do número anterior (o direito de exigir o pagamento prescreve no prazo de seis meses), se considera exigível o pagamento com a apresentação de cada factura.
A segunda solução configura o envio da factura como factor interruptivo da prescrição, o que não se ajusta à disciplina do art. 323º do CC, por não se tratar de acto de natureza judicial, como neste preceito se impõe.
Para além destas, as razões por que nos inclinamos para a terceira solução são, em síntese, as seguintes:

Em primeiro lugar, uma razão de ordem sistemática: o art. 10º da Lei 23/96 surge depois de um preceito que confere ao utente o direito a uma factura que especifique os valores que apresenta. Este enquadramento já faz supor que a exigência daquele artigo era uma exigência por factura, de modo idêntico ao que posteriormente veio a ser estabelecido nos nºs 4 e 5 do art. 9º do DL 381-A/97.

Em segundo lugar, como bem se salienta no citado Ac. desta Relação de 25.3.2004, assistindo ao utente um direito a que lhe seja apresentada uma factura, não se pode considerar esta apresentação como um mero ónus para se atingir a interpelação. Trata-se do dever correlativo a tal direito. Assim, a contagem do prazo da instauração da acção a partir da prestação dos serviços, colide com o princípio de que a prescrição não corre enquanto o direito não puder ser exercido.
Se a lei impõe a apresentação da factura (e o decurso, necessariamente, de um prazo para ser efectuado o pagamento), os serviços telefónicos não podem ver, concomitantemente, correr contra eles o prazo para virem a juízo.

Em terceiro lugar, e considerando agora o elemento teleológico, não existe dúvida de que através dos aludidos diplomas se teve em mente a protecção dos consumidores. Todavia, se este desiderato justificava uma diminuição razoável do prazo de prescrição (de cinco anos previsto no art. 310º), atendendo aos interesses em jogo, à natureza do crédito, à existência da factura, a redução para seis meses (como prazo único) parece excessiva.
Abarcando a acção judicial, este prazo seria demasiado curto para a elaboração de todo o procedimento necessário.
Por outro lado e tendo em conta o fim prosseguido pelo legislador, tal redução seria contraproducente, pois como se pondera no aludido Acórdão, a protecção do utente não fica mais assegurada com o pretenso benefício dos seis meses até à instauração da acção. Considerar o prazo de seis meses leva a que, face a um simples não pagamento de uma conta, a entidade prestadora de serviços, em vez de abrir negociações, verta, sem mais, a questão em tribunal, muitas vezes sem que o caso o justifique (porque a falta de pagamento se ficou a dever a mero esquecimento, a ausência do domicílio ou situações semelhantes). E, nestes casos, sempre em prejuízo do próprio utente.

Constituía entendimento pacífico que o prazo de prescrição previsto no art. 310º g) do CC era aplicável às dívidas por utilização de telefones – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 4ª ed., 280 e Rodrigues Bastos, Notas ao CC, Vol. II, 74. Entendimento que, por certo, o legislador não desconhecia.
Pensa-se que a prescrição fixada nos novos diplomas não contende com a prescrição fixada naquela norma do CC. Ao lado desta, existe uma outra para que os serviços de telefones apresentem as facturas correspondentes aos serviços prestados. O que se compreende em atenção ao propósito de protecção do utente visado pelo legislador: não se justificava que os referidos serviços, estando munidos de toda a tecnologia e só eles dispondo dos dados concretos, estivessem longo período de tempo sem enviar a factura dos serviços prestados (podendo fazê-lo, até aí, no período então previsto para a prescrição – 5 anos – o que excluiria qualquer possibilidade de controlo e de impugnação por parte do utente).

Entende-se, pois, que o regime legal se harmoniza, nestes termos:
- prestado um serviço deve ser enviada uma factura (normalmente mensal) e tem de o ser, sob pena de prescrição, no prazo de seis meses contados desde a prestação do serviço – art. 10º nº 1 da Lei 23/96 e art. 9º nº 5 do DL 381-A/97;
- enviada a factura dentro do prazo, o consumidor deve pagá-la no período de tempo para o efeito concedido (não inferior a 12 dias, nos termos do art. 37º do DL 240/97, de 18/9);
- caso não ocorra o pagamento, tem o credor de o exigir no prazo de 5 anos – art. 310º g) do CC.

No caso, como ficou provado, os serviços respeitam a período do ano de 2000.
As facturas respectivas foram enviadas na data da emissão e, portando, bem dentro do referido prazo de 6 meses.
Face ao não pagamento dessas facturas, foi proposta esta acção, tendo o R. sido citado em Outubro de 2004, dentro do mencionado prazo de cinco anos.

Conclui-se, deste modo, que a excepção de prescrição tem de ser julgada improcedente, devendo a acção prosseguir os seus termos.

V.

Em face do exposto, na procedência da apelação, julga-se improcedente a excepção de prescrição, revogando-se a sentença recorrida, devendo a acção prosseguir os termos subsequentes.
Custas a cargo do R.

Porto, 7 de Julho de 2005
Fernando Manuel Pinto de Almeida
João Carlos da Silva Vaz
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo (Vencido, por quanto, conforme decidi na apelação nº 2123/03, concordo com o entendimento de Calvão da Silva, a que se faz alusão supra – pág. 4 deste acórdão – pelo que concluiria como na decisão impugnada).