Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0757250
Nº Convencional: JTRP00040947
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
CONTRIBUIÇÃO AUTÁRQUICA
Nº do Documento: RP200801210757250
Data do Acordão: 01/21/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: LIVRO 326 - FLS 31.
Área Temática: .
Sumário: O n.º 4 do art. 23.º do Código de Expropriações actual (dedução ao valor calculado atinente à contribuição autárquica efectivamente paga nos últimos cinco anos) tem o seu campo de aplicação restringido aos casos em que a entidade expropriante é um município e o objecto da expropriação seja um prédio localizado na respectiva circunscrição territorial.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

1- No Tribunal Judicial da Comarca de Amarante e nos presentes autos de Expropriação Litigiosa em que é expropriante EP-Estradas de Portugal, EPE e expropriada “B………., S.A” por despacho n.º 4074-F/2004 (2ª Série), do Sr. Secretário de Estado de obras Públicas, de 26 de Janeiro de 2004, publicado no DR – II Série, n.º 182, de 27 de Fevereiro de 2004, a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação a realizar pelo EP-Estradas de Portugal, EPE, da parcela n.º 9, necessária à construção da via do Tâmega – Lanço Celorico de Basto/Amarante – Trabalhos complementares, Ligação da via do Tâmega ao Centro de Amarante, sita na freguesia de ………., Amarante, com a área de 585m2, a destacar do prédio, inscrito na matriz predial sobre o artigo rústico nº 431, da Repartição de Finanças de Amarante, omisso na Conservatória do Registo Predial de Amarante, que confronta a Norte com C………. e D………., a sul com E………., a nascente com Herdeiros de F………. e a Poente com G………. e H………. .
Realizou-se a vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, em Outubro de 2003, nos termos que estão documentados a fls. 42 e ss.
À parcela em questão foi fixado pelos árbitros, por unanimidade, o valor da indemnização a atribuir em € 5.493,57, quantia essa que está depositada à ordem destes autos.

Por decisão de 08.04.2005 (fls.79 e 80) a propriedade de tal parcela foi adjudicada à entidade expropriante.
Este despacho foi notificado à Expropriante e à Expropriada.

Não concordando com o valor atribuído à parcela, foi interposto recurso pela Expropriada “B………., S.A”, (fls. 92 e ss) peticionando que à parcela em causa seja atribuído o valor de € 22.251,81 (vinte e dois mil duzentos e cinquenta e um euros e oitenta e um cêntimos).
A Expropriante apresentou resposta (fls. 148 e ss).
O recurso foi admitido.
Após a nomeação de peritos e a prestação de compromisso, procederam estes à avaliação.
Foi elaborado um relatório de peritagem, (fls. 280 a 217) subscrito pelos Peritos nomeados pelo Tribunal e indicado pela Expropriada tendo igualmente sido respondidos aos quesitos formulados.
Assim estes Srs. Peritos entendem que o valor da justa indemnização deve ser fixado em 16.000,00 Euros (dezasseis mil euros).
Posteriormente estes Peritos vieram, na sequência de reclamação apresentada, esclarecer que o valor da justa indemnização devia ser fixado em 17.111,56 Euros [dezassete mil cento e onze euros e cinquenta e seis cêntimos (fls. 267)].
Foi elaborado um outro relatório de peritagem, (fls. 233 a 239) subscrito pelo Perito indicado pela Expropriante tendo igualmente sido respondidos aos quesitos formulados.
Assim este Sr. Perito entende que o valor da justa indemnização deve ser fixado em 5.075,58 Euros (dezasseis mil euros).
A Expropriada (fls. 290 e ss) apresentou as suas alegações e a Expropriante (fls. 311 e ss) contra-alegou.

2- Na sentença subsequente (fls. 327 e seguintes), a Exmª Juiz a quo decidiu fixar: “o valor da indemnização devida pela expropriação da parcela n.º 9, com a área de 585m2, a destacar do prédio, inscrito na matriz predial sobre o artigo rústico nº 431, da Repartição de Finanças de Amarante, omisso na Conservatória do Registo Predial de Amarante, em € 17.111,56, valor que se reporta à data da declaração de utilidade pública, e a ser actualizado na data do trânsito em julgado da prés e decisão, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com excepção da habitação”.

3- Inconformada a Expropriante apelou (fls. 243) formulando as seguintes conclusões:
1ª- O laudo pericial maioritário desrespeitou várias normas do Código das Expropriações.
2ª- O laudo minoritário, ao contrário do maioritário, cumpriu o disposto nas várias alíneas do artigo 26°/7 do C.E, as quais exigem que as infra-estruturas estejam em “serviço junto da parcela’ ou “junto da parcela”.
3ª- O artigo 23°/4 do C.E. foi ignorado, sem justificação, pelos peritos subscritores do laudo maioritário.
4ª- Relativamente à área sobrante do prédio objecto de expropriação, não deve a expropriante ser penalizada com a indemnização de um muro de vedação que nunca existiu já que a propriedade dos expropriados não era vedada.
5ª- Como a área sobrante continua a dispor dos mesmos acessos, água de rega e capacidade construtiva, não se justifica uma indemnização a título de ressarcimento da depreciação da área sobrante.
6ª- As várias violações das normas legais constantes do laudo pericial maioritário retiram a presunção que lhe garantia maior distância, imparcialidade e objectividade.
7ª- O douto tribunal a quo não devia assim ter fundado a sua decisão num laudo pericial que violou ostensivamente a lei.
8ª- Mas, mesmo que o quisesse fazer, devia ter corrigido os elementos da avaliação desrespeitadores das normas do Código das Expropriações, para que fosse determinada uma indemnização legal e justa.

II – FACTUALIDADE PROVADA

Encontram-se provados os seguintes factos:
1 - A parcela nº 9, com a área de 585m2, necessária à construção da via do Tâmega – Lanço Celorico de Basto/Amarante – Trabalhos complementares, Ligação da via do Tâmega ao Centro de Amarante, sita na freguesia ………., Amarante, integra o prédio, inscrito na matriz predial sobre o artigo rústico nº 431, da Repartição de Finanças de Amarante, omisso na Conservatória do Registo Predial de Amarante, que confronta a Norte com C………. e D………., a sul com E………., a nascente com Herdeiros de F………. e a Poente com G………. e H………. .
2 - A parcela nº 9 referida no ponto 1 confronta a norte com a parcela nº 8; a sul com a parcela nº 10 e área sobrante; a nascente com a área sobrante; e a sul com parcela 10.
3 - Em 26 de Janeiro de 2004, através do despacho do Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas foi declarada a utilidade pública e atribuído o carácter de urgência à expropriação da parcela n.º 9 referida em 1.
4 - A declaração de utilidade pública da parcela referida em 1 foi publicada pelo despacho nº 4074-F/2004, no Diário da República, II série, de 27 de Fevereiro de 2004.
5 - O Auto de Vistoria “Ad Perpetuam Rei Memoriam” de fls. 43 a 46 dos autos refere, entre o mais, que (…) “o expropriado não compareceu, tendo sido a representante da Expropriante a que nos mostrou os limites do prédio, bem como os limites da expropriação e as benfeitorias existentes na parcela a expropriar.
(…) O prédio de onde se destaca a parcela nº 9, agora em expropriação, situa-se no ………., Freguesia de ………., Concelho de Amarante (…).
Trata-se de um prédio de formato trapezoidal bastante irregular formado por 3 plataformas desniveladas entre si, com vinha em bordadura, conduzida em ramada.
Agrológicamente trata-se de um terreno de regadio, de origem granítica, profundo, bem drenado e boa qualidade e produtividade, habitualmente cultivado com vinha, milho, forragens e hortícolas diversas, quer para consumo privado, quer para venda.
Na envolvente do prédio existem habitações dispersas, com logradouros e campos de ocupação agrícola diversificada onde se produz vinho verde, milho, forragens e hortícolas diversas.
(…) A parte sobrante do prédio que se prolonga para Nascente, continua a possuir condições de ocupação e exploração similares às que existiam antes da expropriação, motivo pelo qual se entende não haver razões para se propor qualquer desvalorização da parte sobrante.
(…) Na parcela em expropriação foram detectadas as seguintes benfeitorias: 1 ramada de videiras em bordadura com cerca de 40 m de comprimento por 3 metros de largura com inclinação de aproximadamente 45º; 1 bardo de videiras em bordadura com cerca de 40 m de comprimento por 3 de largura com inclinação de aproximadamente 45º; 1 bardo de videiras em bordadura com cerca de 2 metros de altura com uma extensão de cerca de 45 metros.
(…) o terreno classificado como “apto para construção” fica próximo de um acesso em terra batida com cerca de 5 metros de largura, dotado de rede de energia eléctrica e rede telefónica.
O terreno em expropriação localiza-se em zona alta, panorâmica, com boas vistas sobre Amarante, sem poluição e boa qualidade ambiental.”
6 - O IEP (actual E.P) tomou posse administrativa da parcela referida em 1 no dia 15 de Junho de 2004.
7 - Na decisão arbitral foi deliberado pelos Srs. Peritos, por unanimidade que a justa indemnização a atribuir aos expropriados pela expropriação em causa deve ser de 5.493,57 €.
8 - A entidade expropriante depositou à ordem do Tribunal em 24 de Fevereiro de 2005, a quantia de 242,07€.
9 - Em 2004-12-03 a entidade expropriante colocou em depósito à ordem, no BES, nos termos do artigo 20º, do Código das Expropriações a quantia de 5241,50€.
10 - A entidade expropriante depositou à ordem do Tribunal em 11 de Agosto de 2005, a quantia de 113,93€.
11 - De acordo com o PDM de Amarante, a parcela 9 situa-se face ao mesmo, em termos de ordenamento, em “espaço urbano - Amarante – zona residencial; espaço agrícola. Em termos de condicionantes: reserva agrícola nacional.
12 - O laudo pericial dos Srs. peritos do Tribunal e da expropriada encontra-se junto a fls. 208 a 230, com os esclarecimentos de fls. 265 a 268, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
13 - O laudo pericial do Sr. perito da expropriante encontra-se junto a fls. 233 a 243, com os esclarecimentos de fls. 270, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
14 - A área da parcela expropriada tem 531,00m2 classificados como terreno apto para outros fins (utilização agrícola) e 54,00m2 classificados como terreno apto para construção.
15 - O IEP – Instituto de Estradas de Portugal transformou-se com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 239/04, de 21.12 em EP – Estradas de Portugal, E.P.E..

III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO

Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.
A) A expropriação de bens por utilidade pública é admitida pela Constituição da República Portuguesa devendo, todavia, respeitar os princípios fundamentais por esta estabelecidos, nomeadamente de igualdade, da proporcionalidade e da justa indemnização (ou seja a retribuição justa do valor económico do bem expropriado).
Nos termos do artigo 62 n.º 2 da Constituição da República Portuguesa a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.
Igual normativo prevê o n.º 1 do artigo 23 do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99 de 18.9, (aplicável ao caso para a determinação do valor da indemnização, por ser o em vigor na data da declaração da expropriação por utilidade pública)
Dispõe o artigo 23 nº 2 do mesmo diploma que a justa indemnização não visa compensar o beneficio alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.[1]
A indemnização será justa quando corresponda ao valor que o bem teria se colocado em circulação no mercado, ou seja ao seu valor de mercado, sendo que a lei no artigo 25 do Código das Expropriações, aprovado pelo Lei n.º 168/99 de 18.9, prevê determinados critérios e factores que traduzem o valor de mercado dos terrenos.
É pela adequada aplicação dos princípios estabelecidos no referido artigo 25, conjugado com o estatuído no artigo 24 do mesmo diploma, que se tenta alcançar a justa indemnização.

B) No caso concreto.

O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação da recorrente, artigo 684 n.º 3 do Código de Processo Civil.
A questão concretas a apreciar no presente recurso é a seguinte:
1ª- A decisão recorrida não se devia ter fundamentado no laudo pericial maioritário uma vez que este violou a lei?

Vejamos a questão.
A decisão recorrida fundamentou-se no laudo maioritário – subscrito pelos Peritos nomeados pelo Tribunal e pelo indicado pelo expropriado – que como é manifesto tiveram em consideração a localização da parcela expropriada.
Ao fundamentar-se no laudo maioritário a decisão recorrida fundamentou-se nos pareceres técnicos, que como torna inequívoco devem ser considerados os mais válidos.
Pensamos ser entendimento pacifico e uniforme, que apesar de o Julgador não estar vinculado ao valor indicado no laudo, mesmo quando ele é unânime, a avaliação deverá ter em consideração fundamentalmente os critérios e os valores indicados pelos Peritos, sob pena de não se atribuir nenhum valor à opinião dos técnicos.
Por isso é válido defender-se que a indemnização, quando exista a formação de uma maioria clara no relatório dos Peritos (como no caso presente), se deve orientar e basear nesse Relatório (que é também subscrito pelos Peritos nomeados pelo Tribunal, cujas garantias de imparcialidade não devem merecer dívidas).
A decisão recorrida podia pois aderir ao aderir ao relatório pericial maioritário e, consequentemente aos seus fundamentos, afastando os critérios da decisão arbitral.
A questão que a Recorrente deve ser colocada numa outra perspectiva.
Será que a decisão recorrida apoiando-se no aludo maioritário fez uma errada aplicação dos normativos legais?
Concretamente a decisão recorrida (tal como o laudo maioritário) ignorou o artigo 23 n.º 4 do C.E. e não devia ter atribuído nenhuma indemnização pela depreciação da área sobrante (nomeadamente não fixando qualquer valor pelo muro de vedação que não existia)?
Analisemos a questão do artigo 23 n.º 4 do C. E.
Entende a recorrente que o laudo maioritário e, consequentemente nos termos que referimos, a decisão recorrida ignorou este preceito sem qualquer justificação.
Afigura-se-nos que não lhe assiste razão.
Dispõe este preceito que “ao valor dos bens calculado por aplicação dos critérios referenciais fixados nos artigos 26º e seguintes, será deduzido o valor correspondente à diferença entre as quantias efectivamente pagas a título de contribuição autárquica e aquelas que o expropriado teria pago com base na avaliação efectuada para efeitos de expropriação, nos últimos cinco anos”.
A aplicação deste preceito tem originado posições doutrinais e jurisprudenciais bem distintas.
Quer na doutrina quer na jurisprudência tem sido defendido por alguns que esta norma é inconstitucional.
Neste sentido se pronunciaram Alípio Guedes, Valorização dos Bens Expropriados, pág. 79, Pedro Elias da Costa, Guia das Expropriações por Utilidade Pública, 2.ª ed. pág. 263; João Pedro de Melo Ferreira, Código das Expropriações Anotado, 3.ª ed., pág. 131, Alves Correia, Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o C.E. de 1999, e, entre outros os Acórdãos desta Relação do Porto, 23 de Janeiro 2007, Relatora Desembargadora Anabela Dias da Silva Porto; de 07 de Março de 2006, Relator Desembargador Henrique Luís de Brito Araújo
Em sentido inverso veja-se o Acórdão do TC n.º 422/2004, DR II Série, n.º 259, de 4.11.2004, pág. 16 257.
Mas independentemente da constitucionalidade ou não deste normativo o certo é que o mesmo não tem aplicação no caso concreto (e, talvez por isso a decisão recorrida não lhe fez qualquer referência).
Na verdade, entendemos que a norma do artigo 23 n.º 4 do C.E. tem o seu campo de aplicação restringido aos casos em que a entidade expropriante é um município e o objecto da expropriação seja um prédio localizado na respectiva circunscrição territorial.
O Prof. Alves Correia é expressivo nesta matéria, afirmando “Estamos perante uma norma fiscal espúria enxertada no Código das Expropriações, que suscita várias perplexidades. A primeira diz respeito ao seu âmbito de aplicação. O texto da norma parece indiciar que ela abrange todas e quaisquer expropriações de prédios urbanos e rústicos, qualquer que seja a entidade beneficiária da expropriação. Mas tal interpretação seria de todo incompreensível. De facto, sendo a contribuição autárquica um imposto de natureza local, no sentido que constitui uma receita municipal, que incide sobre o valor patrimonial dos prédios rústicos e urbanos, não faria sentido que o Estado, um instituto público ou empresa privada, enquanto beneficiários de uma expropriação, deduzissem na indemnização a pagar ao expropriado a “diferença entre as quantias efectivamente pagas a título de contribuição autárquica e aquelas que o expropriado teria pago com base na avaliação efectuada para efeitos de expropriação, nos últimos cinco anos” in RLJ 133.º-2000-2001, pág. 116/117.
No mesmo sentido na Doutrina, Luís Perestrelo de Oliveira, in Código das Expropriações, 2ª ed. pag. 93 e na Jurisprudência a título exemplificativo o Acórdão da Relação de Évora de 21 de Setembro de 2006, Relator Desembargador Pedro Antunes, in Col. Jur. Ano XXXI, tomo IV, pag. 230 e ss e o Ac. desta Relação, proferido no Proc. 7247, ainda inédito, Relator desembargador Caimoto Jácome.
Não temos dúvidas em afirmar que esta se nos afigura a interpretação mais correcta a dar ao preceito em questão sob pena de não se alcançar a justa indemnização.
Desta forma não assiste qualquer razão à recorrente em pretender que o laudo maioritário e, consequentemente nos termos que referimos, a decisão recorrida ignorou este preceito sem qualquer justificação.
Resolvida esta questão vejamos a questão da indemnização pela desvalorização da parte sobrante.
Nos termos do n.º 2 do artigo 29º do Código das Expropriações (Lei n.º 168/99 de 18 de Setembro), relativo ao Cálculo do valor nas expropriações parciais:
“Quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou desta resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo a diminuição da área total edificável ou a construção de vedações idênticas às demolidas ou às subsistentes, especificam-se também, em separado, os montantes da depreciação e dos prejuízos ou encargos, que acrescem ao valor da parte expropriada”.
No caso concreto em apreço dúvidas não se colocam quanto ao valor da parcela expropriada.
A divergência surge quanto à existência ou não de uma desvalorização da parte não expropriada.
A decisão recorrida, seguindo a posição maioritária dos Peritos, fixou essa depreciação em 9.405,00 Euros.
A Recorrente/Expropriante entende que não existem razões para fixar qualquer indemnização a este título.
Afigura-se-nos que nenhuma razão assiste à Recorrente.
A parcela de terreno expropriada é destacada de um prédio de maiores dimensões e, face ao conteúdo do Relatório maioritário, concretamente ao seu ponto número 5, que não se mostra minimamente contrariado pelo Relatório minoritário, a parcela sobrante, por força da construção da nova via apresenta-se com um talude de cerca de 10 metros de altura, o que cria um forte impacto numa futura construção no terreno.
Acrescenta esse mesmo relatório, que face à nova via o terreno sobrante fica sujeito a um forte impacto de ruído, o que naturalmente desvaloriza o terreno.
Os Srs. Peritos maioritários consideraram que a depreciação do terreno sobrante, devia ser valorizada em 9.405,00 Euros, tendo apresentado os cálculos que conduziram a esse valor e que não foram contraditados nem temos razões para não aceitar.
Os Srs. Peritos maioritários fundamentaram a sua posição, ao contrário do que pretende a Recorrente (por isso igualmente se terá de entender que a decisão recorrida está devidamente fundamentada).
Ao contrário do que pretende a Recorrente, o relatório dos peritos do tribunal e dos expropriados fundamenta as suas opções, não se vislumbrando qualquer arbitrariedade na quantificação da depreciação que, refira-se, entendemos por justa.
A posição assumida pelos Peritos do Tribunal e dos Expropriados e as opções tomadas estão documentadas. Pode ou não aceitar-se essas opções. Mas isso não significa que se esteja a violar a lei.
Quanto à desvalorização da parte sobrante não vemos razões para divergir da posição maioritária.
O preço da parte sobrante sofreu uma depreciação e é essa desvalorização que se impõe indemnizar.
Uma última palavra para “o valor do muro de vedação”, referido pela Expropriante como integrando o valor da indemnização.
Os Srs. Peritos maioritários são claros em afirmar, no ponto 6 do seu relatório que “não consideraram a reclamação do muro de vedação, por este não constar da respectiva vistoria”.
Deste modo a Expropriante não está a ser penalizada com a indemnização de um muro de vedação que nunca teria existido.
Dúvidas não nos restam em como a parcela sobrante ficou depreciada, sendo adequada a percentagem indicada pelos Srs. Peritos maioritários (do Tribunal e dos Expropriados).
A sentença recorrida ao apoiar-se no parecer daqueles Peritos (maioritários) não violou qualquer preceito legal tanto mais que, como se disse o relatório daqueles Peritos se mostra devidamente fundamentado e adoptou os critérios legais vigentes que usou com adequação.
Deste modo, o critério adoptado pela decisão recorrida para o cálculo da indemnização foi o correcto, encontrando apoio e suporte no Laudo maioritário.
Como já dissemos supra, pensamos ser entendimento pacifico e uniforme, que apesar de o Julgador não estar vinculado ao valor indicado no laudo, mesmo quando ele é unânime, a avaliação deverá ter em consideração fundamentalmente os critérios e os valores indicados pelos Peritos, sob pena de não se atribuir nenhum valor à opinião dos técnicos.
Por isso é válido defender-se que a indemnização, quando exista divergência no relatório dos Peritos (como no caso presente), se deve orientar e basear no Relatório maioritário sobretudo quando ele é também subscrito pelos Peritos nomeados pelo Tribunal, cujas garantias de imparcialidade não devem merecer dívidas.
O julgador e os senhores peritos devem utilizar vários critérios para determinarem o valor da justa indemnização, incluindo o critério do valor de mercado pois em última instância a justa indemnização deve corresponder ao valor de mercado do bem expropriado.
A justa indemnização será atribuída tendo em atenção o valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.
Ora, encontrando-se inequivocamente a parte sobrante depreciada no seu valor de mercado a indemnização a atribuir aos Expropriados deve reflectir essa desvalorização.
Quanto a este ponto não merece censura a decisão recorrida nenhuma razão assistindo à Expropriante/Recorrente.
Deste modo nenhuma razão assiste ao Recorrente impondo-se a improcedência do presente recurso.

VI – DECISÃO
Por tudo o que se deixou exposto e nos termos dos preceitos citados, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação da Expropriante e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela Expropriante.

Porto, 2008/01/21
José António Sousa Lameira
António Eleutério Brandão Valente de Almeida
José Rafael dos Santos Arranja

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[1] Já dispunha o artigo 22 n.º 2 do CE anteriormente vigente "que a justa indemnização não visa compensar o beneficio alcançado pelo expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, medida pelo valor do bem expropriado, fixada por acordo ou determinada objectivamente pelos árbitros ou por decisão judicial, tendo em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública".