Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP00038033 | ||
| Relator: | FONSECA RAMOS | ||
| Descritores: | DOCUMENTO INDEFERIMENTO LIMINAR PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP200505090552205 | ||
| Data do Acordão: | 05/09/2005 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - O processo especial de reforma de documentos ou autos perdidos, regulado no Código de Processo Civil, foi previsto para situações de desaparecimento irreversível de documentos ou peças processuais, cuja restauração apenas seja viável por aquele processo. II - Os princípios da economia processual, da celeridade, e da adequação formal impõem o indeferimento liminar da petição inicial da acção, em que uma das partes, socorrendo-se daquele processo, visa suprir o extravio de peças processuais de que dispõe duplicados, oportunamente remetidos à parte contrária que os recebeu, e que se extraviaram no Tribunal. III - Impunha-se que desse conhecimento, oportunamente, de tal extravio ao Tribunal, e com ele cooperasse, requerendo o ingresso no processo dos duplicados dessas peças que tinha em seu poder – e, ademais, estavam na posse da parte contrária – a quem foram remetidas, antes de lançar mão do processo em causa. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto B.........., em 1.10.2004, instaurou pelo .. Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de .........., contra: C........... D.........., acção com processo Especial de Reforma de Documentos. Alegando em resumo: - o requerente e os requeridos são também partes contrárias, numa outra acção que aquele propôs contra estes e que ainda corre termos, sob o n°.../99, pelo .. Juízo do mesmo Tribunal; - nesse processo, o aqui requerente e aí Autor, através do seu Mandatário, fez expedir para o Tribunal, em 16.05.2003, um requerimento, e a ele anexos dois documentos, bem como cópia de um fax, previamente expedido para a Mandatária dos RR.. - esse requerimento, documentos e cópia de fax foram exactamente aqueles cujas fotocópias aqui se juntam e dão por inteiramente reproduzidas – documentos de fls. 1 a 4; - sucedendo, ainda, que a respectiva remessa a Tribunal o foi por correio registado, conforme talão cuja fotocópia se junta – doc. 5; - a entrega de tal correio no destino foi efectivada pelas 9h19 do dia 19.05.2003; - conforme informação recolhida no supra mencionado processo 361/1999, deu efectivamente entrada na Secção Central do Tribunal, em 19.05.2003, um requerimento em nome do ora requerente (como se disse além Autor), dirigido ao .. Juízo e com destino a esse processo, tendo a respectiva entrada ficado registada sob o n°..... – o que melhor se vê da cópia da “Relação de papeis entrados no dia 19-05-2003”, notificada ao Autor nos ditos autos; - surpreendentemente, e até ao momento, sem explicação válida, aquele requerimento desapareceu, não é encontrado em parte nenhuma do Tribunal, e, ao que a Secção informou à M.ma Juíza, ninguém sabe dele – docs. 9 e 10; Concluiu pedindo, que fosse ordenada a reforma do requerimento e documentos supra descritos, para todos os devidos e legais efeitos, designadamente a sua inclusão no processo a que respeitavam. Para tanto, requereu a designação de conferência de interessados, ordenando-se a citação dos requeridos para a ela comparecerem, ou se fazerem representar, seguindo-se os subsequentes trâmites até decisão. *** Por despacho de fls. 28 a 29, foi indeferida a petição por impropriedade do meio processual utilizado no caso concreto, tendo-se afirmado, essencialmente, que as peças em falta foram juntas ao processo e estabelecido o contraditório, e, por tal, não se pode considerar que desapareceram elementos do processo, sendo, por isso, inaplicável o regime legal dos arts. 1069º, 1073º e 1074º, nº1, do Código de Processo Civil. *** Inconformado recorreu o requerente que, alegando, formulou as seguintes conclusões; a) É fora de dúvida que desapareceram documentos que deram entrada em Tribunal, com destino aos autos de acção principal; b) Esses documentos eram os identificados na petição do presente processo e até esta data não mais apareceram; c) E, no entanto, indiscutível direito do Recorrente que tais elementos figurem no processo principal, até porque aí foram dirigidos e deveriam ter sido incorporados antes da decisão proferida, à revelia dos mesmos, sobre a matéria de facto; d) Embora esses autos comportem entretanto cópias de tais documentos, mas porque a estas falta todavia a chancela da autenticidade, o único meio processual e legal de garantir o respectivo teor e conteúdo é o de proceder à sua reforma tal como vem peticionada e foi, por isso, mal indeferida pelo despacho recorrido; e) Importa, por conseguinte, dar seguimento à presente instância, admitindo-se o requerimento de reforma de documentos em causa, e ordenando-se sejam observados os seus subsequentes trâmites; f) Decidindo em contrário, o despacho recorrido violou, por manifesto erro de interpretação e aplicação à situação em apreço o estatuído nos art°s 1.073° e/ou 1.074° Código de Processo Civil, pelo que, no sentido do exposto, deve ser revogado. Só assim se fará Justiça. A Senhora Juíza sustentou o seu despacho. *** Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a matéria de facto relevante é a que consta do Relatório. Fundamentação: Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recurso que se delimita, em regra, o seu objecto, importa saber se, no caso em apreço, era de lançar mão do processo de reforma dos autos/documentos, regulado no art.1074º e seguintes do Código de Processo Civil. É dado adquirido que o ora recorrente, enquanto Autor, numa acção pendente na comarca de Amarante, remeteu a esse processo – com notificação à parte contrária – documentos que se extraviaram já no Tribunal e nunca mais apareceram. Pretende, com tal fundamento, que se proceda à reforma dos autos nos termos previstos no art. 1074º do Código de Processo Civil. Vejamos: No caso, do que se trata não é da perda ou extravio nem de documentos, em sentido estrito, nem de articulados, mas de peças processuais que o requerente juntou agora, a fls. 6 a 11, dirigidas ao processo .../99 pendente na comarca de .......... onde era Autor. Esses documentos não foram juntos ao processo a que se dirigiam, por se terem extraviado no interior do Tribunal, mas existem e o Autor tem cópia deles – que, ademais, juntou – e a remessa deles ao Tribunal e ao processo – foi notificada à parte contrária. Em bom rigor, não desapareceram as peças processuais em causa, no sentido de que o processo ficou, irremediavelmente, mutilado delas, e que apenas se poderão reconstituir com recurso ao processo especial de que o ora recorrente se socorreu. Tanto assim é, repete-se, que o Autor pôde juntar com a petição inicial, cópia desses documentos que, afinal, existem, muito embora não tenham ingressado os seus originais no processo respectivo. Para a reforma de documentos, autos e livros a lei – art. 1069º do Código de Processo Civil – prevê um processo próprio – prevenindo os casos de reforma de títulos de obrigação destruídos, reforma de títulos perdidos ou desaparecidos – art. 1072º – reforma de documentos – art. 1073º; reforma de autos – art. 1074º – e reforma de livros – art. 1080º. Tem de se entender que o processo em causa visa reconstituir autos, documentos, peças processuais ou livros desaparecidos ou destruídos, através de elementos de que as partes disponham, reconstituição a fazer, em princípio e se possível, por acordo das partes. Concordamos com o despacho recorrido quando afirma que o tipo processual de que o Autor fez uso está pensado para situações de desaparecimento, diríamos irreversível, de autos, documentos ou peças processuais e cuja restauração apenas seja viável por aquele processo. No caso em apreço, afigura-se-nos despicienda a reforma dos autos, com apelo ao processo em causa, porquanto, pese embora o extravio das aludidas peças processuais, elas existem e a parte contrária – litigante no processo a que se destinavam – recebeu-as através da notificação entre mandatários – art. 229º-A do Código de Processo Civil. Estranha-se que o ora recorrente, tendo verificado a falta de junção aos autos dos documentos em causa, não se tivesse aprestado a requerer a junção de duplicados dessas peças, verificado o extravio, estabelecendo-se, obviamente, o contraditório. Se assim tivesse feito, e não alegou que o não pudesse ter feito, estaria, de maneira expedita, sanado o “problema”, a menos que a parte contrária, a quem tinham sido remetidos os duplicados, pusesse em causa que se tratasse das mesmas peças. O lançar mão deste processo de reforma é, a nosso ver, perfeitamente dispensável, sobretudo, se pensarmos que não houve qualquer destruição ou extravio de peças processuais, no sentido que expressámos. Ademais, no processo respectivo, o Autor, apesar de deter duplicados dos documentos e saber do extravio deles, não requereu, a junção de duplicados, antes requerendo, nesse processo, a suspensão da instância até ao desfecho do processo de reforma dos documentos, que anunciou ir instaurar, pretensão que foi indeferida por despacho de que agravou – cfr. fls. 78 a 82. O caso em apreço, é paradigmático do mau uso dos meios processuais a contribuir para a morosidade dos processos, por utilização de procedimentos pouco expeditos a justificar a adopção da regra inovadora do art. 265º-A do Código de Processo Civil – princípio da adequação formal – que, no caso, manifestamente, torna desnecessário o uso do meio processual utilizado pelo ora agravante. Tal princípio desconhecido, até em congéneres códigos de processo civil, introduzido pela Reforma de 1995/96 visa, enfaticamente, romper com o predomínio da forma sobre o fundo, ou seja, evitar decisões formais – objectivo confessado do legislador da Reforma que o introduziu – e articula-se com o princípio da economia processual exprimindo, de certo modo, o reforço do poder inquisitório do juiz em ordem a remover obstáculos a uma justiça pronta, tudo sem comprometer os direitos que assistem aos pleiteantes, em pé de igualdade. No caso “sub-judice”, dadas as suas particularidades e não podendo considerar-se que as peças processuais em causa desapareceram, mas existem e poderiam ter sido juntas ao processo, não é pertinente o uso da acção de que o Autor lançou mão, assim se justificando o indeferimento da pretensão visada com a acção de onde promana o despacho recorrido. Decisão. Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se o despacho em crise. Custas pelo recorrente. Porto, 9 de Maio de 2005 António José Pinto da Fonseca Ramos José da Cunha Barbosa José Augusto Fernandes do Vale |