Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
864/09.2TBPRG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RAMOS LOPES
Descritores: DELIBERAÇÃO
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
IMPUGNAÇÃO
LEGITIMIDADE ACTIVA
DELIBERAÇÕES VOTADA POR PESSOA NÃO CONDÓMINA
DELIBERAÇÃO ANULÁVEL
DELIBERAÇÃO INEXISTENTE
Nº do Documento: RP20101116864/09.2TBPRG.P1
Data do Acordão: 11/16/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 1433º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - Invocando o autor, em acção destinada a impugnar deliberação de assembleia de condóminos, como causa de pedir, factos que não comportam a violação de norma imperativa mas antes vícios susceptíveis de gerar a anulabilidade da deliberação, a legitimidade activa é apurada em face da previsão do art. 1433°, n° 1 do C.C. e só poderá ser reconhecida ao condómino que não tenha aprovado a deliberação impugnada;
II - O regime traçado no art. 1433° do C.C. tem âmbito de aplicação circunscrito às deliberações anuláveis — ou seja, àquelas que são afectadas por vícios menores do processo deliberativo, que violam normas legais meramente supletivas, preceitos susceptíveis de serem derrogados por vontade unânime dos proprietários das fracções ou infringem regulamentos anteriormente aprovados;
III - Caem na referida previsão normativa deliberações em que tenha participado e votado pessoa não condómina e não mandatada para tanto por nenhum condómino.
IV - O regime traçado no art. 1433° do C.C. não abrange a inexistência da deliberação (vício que ocorrerá nos casos em que, aparentemente, a deliberação existe — por estar documentada na acta a tomada de posição dos condóminos sobre determinado assunto concreto —, mas ela não tenha realmente existido — a aparência não tem correspondência com a realidade), que está sujeita ao regime geral (e por isso, não está sujeita a acção de declaração de inexistência ao prazo de caducidade previsto no art. 1433°, n° 4 do C.C.).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 864/09.2TBPRG.P1
Relator: João Ramos Lopes
Adjuntos: Desembargadora Maria de Jesus Pereira
Desembargador Marques Castilho.
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto.
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RELATÓRIO
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Recorrente: B………...
Recorridos: Condomínio do Edifício C………,
D………. e E……….,
F………. e G……….,
J………. e K……….,
L………., e
M………..
Tribunal Judicial de Peso da Régua – .º Juízo.
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Em 29/12/2009, demandando os apelados, instaurou o apelante a presente acção com processo sumário pedindo seja declarada inexistente e de nenhum efeito a deliberação tomada na assembleia de condóminos de 17 de Outubro de 2009 sob o ponto 1 da respectiva ordem de trabalhos ou, se assim não se entender, a sua declaração de nulidade e sejam declaradas nulas e de nenhum efeito as deliberações tomadas pela assembleia de condomínio ocorridas em 20/04/2001, em 25/01/2002, em 1/11/2003, em 7/07/2007, em 26/04/2008 e em 17/10/2009.
Alega para tanto ser proprietário de oito fracções autónomas (que identifica pela respectiva letra) do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito na ………., denominado Edifício C………., Peso da Régua, sendo os segundo a sexto réus proprietários das demais fracções autónomas do referido imóvel, referindo depois terem sido realizadas em 20/04/2001, em 25/01/2002, em 1/11/2003, em 7/07/2007, em 26/04/2008 e em 17/10/2009 assembleias de condóminos.
Alega que na primeira das referidas assembleias estiveram presentes os condóminos demandados, com excepção do J………., tendo sido deliberado aprovar o regulamento do condomínio e nomear como administrador o Sr. N……….; que na segunda das referidas assembleias, convocada pelo administrador nomeado, estiveram presentes todos os réus, à excepção do J………., estando também presente o administrador, sendo certo que tanto nesta como na primeira assembleia o N………… votou, invocando a sua qualidade de condómino; que na terceira das referidas assembleias também participou o referido N………., na qualidade de condómino e proprietário de uma fracção, o mesmo acontecendo nas assembleias de Julho de 2007 e Abril de 2008. Que também na assembleia de Outubro de 2009 participou o N………., como condómino e proprietário de uma fracção.
Mais alegou que a assembleia de Outubro de 2009, convocada pelo administrador, tinha como ponto 1 da ordem de trabalhos, ‘a divisão das despesas pelos elementos do condomínio relativas ao processo 286/2002’, e que nela foi proposto pelo administrador que as referidas despesas fossem pagas pelos cinco condóminos segundo a divisão prevista no regulamento que rege o condomínio, informando porém que ainda não estava na posse de todos os documentos relativos às despesas efectuadas pelo condomínio desde o início do processo, em virtude de alguns estarem ainda na posse da advogada que representara o condomínio. Todos os condóminos votaram favoravelmente tal proposta, excepto o autor (fundamentando o seu voto no facto de ser réu na acção à qual respeitam as aludidas despesas), sendo que após tal votação o administrador esclareceu que ‘depois de estarem reunidas todas as despesas serão efectuadas as contas tendo em conta a percentagem que cabe pagar a cada condómino, após o que serão fornecidas estas contas ao secretário da reunião que as irá transcrever para a acta que só após será assinada e aprovada pelos condóminos’. Realça o autor que sobre o montante e discriminação das despesas indicadas não ocorreu qualquer votação ou aprovação, incidindo a deliberação apenas sobre a repartição de tais despesas pelos condóminos, repartição feita pelos condóminos de acordo com a permilagem das fracções, sem que contudo a origem, montante e discriminação da despesa em causa tivesse sido objecto de deliberação (sendo que a acta em causa foi apresentada ao autor em 22/10/2009, já assinada). Conclui assim que a deliberação de lhe aplicar a si o custo de 1.434,95€ a título de despesas é inexistente, porque não submetida à apreciação, discussão e votação dos condóminos na assembleia (só foi deliberado pela assembleia a repartição do montante pelos condóminos em função da permilagem, sem que o montante da despesa tenha sido aprovado).
Alega depois que até 21/12/2009 estava convencido que o N………. tinha a qualidade de condómino, verificando nessa data que o proprietário da fracção ‘E’ era o J………., constatando assim que o N………. participara, discutira e votara, desempenhando a função de administrador, em todas as assembleias sem ter a qualidade de condómino e sem ter a devida representação (mandato) do legítimo condómino, razão pela qual são nulas todas as deliberações em que o mesmo participou, já que só os condóminos podem participar na assembleia (ou fazer-se representar por procurador). Invoca ainda que todas as referidas deliberações foram tomadas em resultado de 1ª convocatória, havendo assim as mesmas de ser tomadas por maioria dos votos representativos do capital investido, donde resulta que, face ao impedimento de voto por parte do N………., tal não ocorreu, pois que os votos representavam tão só 48,20% do capital investido – e por tal razão todas as deliberações são nulas, porque resultantes de primeira convocatória e tomadas sem maioria dos votos representativos do capital investido (e nulidade ocorre porque se verifica a violação de normas de interesse e ordem pública – arts. 1430º, nº 1 e 1432º, nº 3 do C.C.).
Mais alega ter votado contra todas as deliberações que impugna, assistindo-lhe por isso e para tanto legitimidade, além de que as despesas ‘apuradas’ e ‘não aprovadas’ na assembleia de Outubro de 2009 resultaram de acção judicial contra si intentada e que visava a realização de obras nas fracções ‘E’ e ‘F’, estando os condóminos das mesmas impedidos de votar, face ao conflito de interesses, além de que as fracções G a M e L, propriedade do autor, se situam fora do corpo do edifício, não integrando a parte comum do edifício onde o condomínio pretendia a condenação do autor na realização de obras, o que deveria ter sido levado em conta no eventual apuramento e repartição das despesas, o que não sucedeu.

Contestaram os réus, arguindo a ilegitimidade activa do autor e a caducidade do invocado direito, impugnando ainda a matéria fáctica alegada, concluindo pela sua absolvição da instância ou do pedido.
Suscitam a ilegitimidade activa do autor baseando-se no disposto no art. 1433º, nº 1 do C.C. e invocam a caducidade do direito à anulação das deliberações argumentando que a acção foi proposta para lá do prazo para tanto previsto no nº 4 do art. 1433º do C.C..

Respondeu o autor, pugnando pela improcedência das invocadas excepções.

Findos os articulados, foi proferido despacho saneador que decidiu:
a) não ter o autor legitimidade para impugnar as deliberações das assembleias de 20/04/2001, 25/01/2002, 7/07/2007 e 26/04/2008, por as ter votado favoravelmente;
b) ter o autor legitimidade para impugnar as demais deliberações impugnadas – nomeadamente as deliberações tomadas nas assembleias de 1/11/2003 e de 17/10/2009;
c) julgar procedente a invocada excepção peremptória da caducidade do direito do autor de interpor a presente acção, com vista à anulação das deliberações do condomínio e, em consequência, absolver os réus dos pedidos formulados.

Discordando do decidido, apresentou-se o autor a apelar, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1- O presente recurso tem como objecto demonstrar a legitimidade do autor para impugnar as deliberações sociais que pela presente acção visa impugnar e bem assim demonstrar que não caducou o direito do autor em impugnar as mesmas deliberações sociais, contrariamente ao que foi decidido por douta sentença.
2- Com efeito, através dos presentes autos o apelante visa a declaração de nulidade das deliberações tomadas em 20 de Abril de 2001; de 25 de Janeiro de 2002; de 1 de Novembro de 2002; de 7 de Julho de 2007; de 26 de Abril de 2008 e 17 de Outubro de 2009.
3- Sendo que por douta sentença a M. Juiz a quo [decidiu que] apenas tem legitimidade para impugnar a deliberação tomada em 17 de Outubro de 2009 por ter votado desfavoravelmente a mesma.
4- Sucede que apesar de nas demais deliberações o autor ter votado favoravelmente ou às mesmas não ter comparecido, a verdade é que em todas as Assembleias Gerais esteve presente o Sr. N………., o qual conforme em sede de PI oportunamente se expôs não tem a qualidade de condómino.
5- Ora, sendo certo que o Sr. N………., não detém a qualidade de proprietário, e por isso não detém a qualidade de condómino, não tinha este legitimidade para participar, discutir, aprovar ou desempenhar a função de administrador de condomínio.
6- Pelo que o autor/apelante participou nas Assembleias-Gerais que ora pretende impugnar na convicção errónea de que aquele tinha legitimidade para nelas intervir, participar e votar.
7- Pois, se fosse do conhecimento do apelante que aquele não era condómino, jamais teria participado nas referidas Assembleias e muito menos votado a nomeação daquele para administrador de condomínio.
8- Não tendo aquele N……… a qualidade de condómino, as Assembleias-gerais em que este participou, presidiu e votou sempre terão de ser consideradas nulas.
9- Pelo exposto, dada a falta de legitimidade para aquele N………. intervir nas Assembleias, todas as deliberações tomadas pelo condomínio em que este participou são nulas, e sendo nulas não tem aplicação a regra do art.º 1433.º, pois o referido normativo legal não se aplica às causas de nulidade, regendo quanto a este, os princípios gerais: invocável a todo o tempo, por qualquer interessado e do conhecimento oficioso pelo Tribunal.
POR OUTRO LADO,
10- Quanto à questão da caducidade entendeu a M. Juiz a quo que in casu operou a caducidade do direito de acção de anulação em virtude de da data da deliberação até à entrada da presente acção terem decorrido mais de 60 dias contados da deliberação – art. 1433.º, n.º 4 do Código Civil.
11- Sucede que o regime do citado art. 1433º - anulabilidade das deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados, a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado, dentro do prazo de 60 dias a contar da data das deliberações - não é extensivo às deliberações que violem preceitos de natureza imperativa, nem às que tenham por objecto assuntos que exorbitam da esfera de competência da assembleia de condóminos.
12- E dada a falta de legitimidade do Sr. N………. para intervir nas Assembleias de condomínio quer na qualidade de condómino, quer na qualidade de administrador de condomínio, as Assembleias em que este participou nas referidas qualidades estão feridas de nulidade uma vez que tais deliberações puseram em causa o conteúdo de uma norma imperativa cuja violação dá origem à nulidade da deliberação - como é o caso do art. 1432.º, n.º 3 que impõe que “As deliberações são tomadas, salvo disposição especial, por maioria dos votos representativos do capital investido”
13- Pois as deliberações tomadas em Assembleia, porque reunidas em primeira convocatória, não foram tomadas por maioria dos votos representativos do capital investido, o que por si só acarreta a nulidade de todas as deliberações que pela presente acção se visam impugnar.
COM EFEITO,
14- À data das deliberações não tinha o apelante conhecimento da falta de legitimidade do N………. para intervir nas referidas reuniões, pelo que, quanto a este facto não tinha meios para se determinar ou opor à sua intervenção nas reuniões,
15- O que impediu o autor de “oportunamente” conforme vem dito na douta sentença ter suscitado essa questão.
16- Aliás o apelante apenas conheceu da falta de legitimidade daquele N………. para intervir na qualidade de condómino em 21 de Dezembro de 2009 quando procedeu a consulta na Conservatória de Registo Predial de Peso da Régua da fracção em causa.
ASSIM,
17- No que concerne à deliberação tomada no dia 20 de Abril de 2001, os condóminos identificados no cabeçalho da petição inicial estiveram presentes à excepção do identificado sob o n.º 3 – J………..
18- Nessa Assembleia, os condóminos presentes, deliberaram aprovar o Regulamento do Condomínio e foi nomeado Administrador do Condomínio o Sr. N………..
19- Deliberação que foi tomada por unanimidade dos votos.
20- Tal votação, além do mais, foi efectuada no pressuposto erróneo de que aquele N………. tinha a qualidade de condómino.
21- E não fosse, o erro que incidiu sobre tal facto, o apelante jamais teria votado no sentido em que votou, sendo que tendo a sua votação ocorrido por erro, que não lhe é imputável, deve a votação deste ser considerada sem efeito,
22- Como deve ser declarada nula a votação efectuada pelo N………., por não ter a qualidade de condómino.
23- Ora, sendo declarada de nenhum efeito a votação efectuada pelo apelante que representa 34,5% (Fracções A, B, G, H, I, J, L e M) dos votos representativos do capital investido e votação correspondente à fracção E, por não estar presente o condómino J………. que representa 17,3% dos votos representativos do capital investido, o quórum deliberativo apenas ascende a 48,2%.
24- Sendo exigível nos termos do art. 1432º, nº 3 a maioria dos votos representativos do capital investido – norma que tendo carácter imperativo, a violação da mesma constitui nulidade invocável a todo o tempo e por qualquer interessado.
25- Acresce que, da irregularidade que agora se invoca só teve o autor conhecimento no dia 21 de Dezembro de 2009, data em que consultou na Conservatória de Registo Predial de Peso da Régua o registo predial da fracção em causa.
26- Dados os factos supra expostos, apesar de o apelante ter votado favoravelmente a deliberação em apreciação, porque a vontade do mesmo se encontra ferida por erro, ainda que não se entenda que tal deliberação é nula, QUE O É, tem o autor legitimidade ao abrigo do art. 1433.º, n.º 1 para arguir a sua anulabilidade, uma vez que do facto sobre que recaiu o erro apenas teve conhecimento no dia 21 de Dezembro de 2009, pelo que o prazo de caducidade só começa a correr a partir desse conhecimento.
27- No que concerne à deliberação tomada no dia 25 de Janeiro de 2002, na mesma reuniram-se em Assembleia-geral os condóminos do mesmo edifício, mediante convocatória do Administrador indevidamente nomeado, estando presentes todos os réus/apelados, à excepção do J………., estando também presente o Sr. Administrador do Condomínio.
28- Assembleia foi convocada pelo administrador indevidamente nomeado.
29- Compete ao administrador do condomínio proceder à convocação das Assembleias, sucede que, apesar de ter sido nomeado nessa qualidade, houve erro na votação, uma vez que este sempre se apresentou como condómino/proprietário da fracção, que não é.
30- Não tendo este legitimidade enquanto administrador de condomínio para fazer convocação da Assembleia-Geral, equivale a dizer que há falta de convocação, consequentemente sendo nula a Deliberação ocorrida nessa Assembleia.
31- Além disso, da acta nem sequer consta quais os condóminos que aprovaram a referida deliberação, o que só por si impede o apelante de convenientemente exercer o seu direito de exigir a nulidade/anulabilidade da deliberação.
32- Contudo, importa referir e precisar que ainda que tal deliberação tivesse sido tomada por unanimidade dos presentes, a votação do apelante sempre teria sido efectuada no pressuposto erróneo de que aquele N………., tinha a qualidade de condómino.
33- E não fosse, o erro que incidiu sobre tal facto, o apelante jamais teria votado no sentido em que votou, sendo que tendo a sua votação ocorrido por erro, que não lhe é imputável, deve a votação deste ser considerada sem efeito,
34- Como deve ser declarada nula a votação efectuada pelo N……….s, por não ter a qualidade de condómino.
35- Ora, sendo declarada de nenhum efeito a votação efectuada pelo apelante que representa 34,5% (Fracções A, B, G, H, I, J, L e M) dos votos do capital investido e bem assim sendo declarada nula a deliberação correspondente à fracção E, por não estar presente o condómino J………. que representa 17,3% dos votos, o quórum deliberativo apenas ascenderia a 48,2%.
36- Sendo exigível nos termos do art. 1432.º, n.º 3 a maioria dos votos representativos do capital investido – norma que tendo carácter imperativo, a violação da mesma constitui nulidade invocável a todo o tempo e por qualquer interessado.
37- No que concerne à deliberação tomada em 1 de Novembro de 2003, mais uma vez participou na mesma o N………., na citada qualidade de condómino e proprietário da facção “E”.
38- Colocada a votação, a proposta efectuada pelo Sr. L………., a mesma foi aprovada com os votos a favor dos seguintes: D………. (fracção “C”); F……….; (fracção “D”); N………. (fracção “E”) e L………. (fracção “F”), tendo votando contra o autor B………. (proprietário das fracções autónomas designadas pelas letras “A”, “B”, “G”, “H”, “I”, “J”, “L”, “M”).
39- Acontece que o N………., que votou a favor, não detém a qualidade de condómino, sendo por isso inválida e de nenhum efeito a votação respeitante à fracção “E”.
40- Dado este enquadramento, a percentagem de votação que aprovou a proposta corresponde apenas a 48,2% (Fracção “C” 17,3% -17,3% + Fracção “D” – 17,3% + Fracção “F” – 13,6%).
41- Sendo as votações efectuadas nesta Assembleia com a participação do N……… resultantes da 1.ª convocatória, impunha-se que as mesmas fossem tomadas por maioria dos votos representativos do capital investido.
42- O que, em face do impedimento de voto por parte do N………., não ocorreu, pois representam tão-só 48,20% daquele.
43- Assim, tal deliberação tomada em Assembleia é nula, porque, reunida em primeira convocatória não foi tomada por maioria dos votos representativos do capital investido, o que acarreta a sua nulidade, porque violadora de normas de interesse e ordem pública – art. 1430º, nº 1 e art. 1432º, nº 3, do Código Civil, impugnáveis a todo o tempo e por qualquer interessado, nos termos do art. 286º do Código Civil.
44- No que concerne à Assembleia de 7 de Julho de 2007, novamente o identificado N………. participou na Assembleia de Condóminos invocando a qualidade de condómino /proprietário da Fracção “E”.
45- Deliberação que à semelhança da tomada em 1 de Novembro de 2003 é nula pois em face do impedimento de voto por parte do N………., não ocorreu a maioria dos votos representativos do capital investido, pois representam tão-só 48,20% daquele.
46- No que concerne à Assembleia de 26 de Abril de 2008, na qual veio N………., em Assembleia a que esteve presente, ser designado Administrador do Condomínio, na qualidade de proprietário da fracção “E”, diga-se mais uma vez que tal nomeação foi efectuada no pressuposto erróneo de que aquele N………. tinha a qualidade de condómino.
47- Pois não fosse o erro sobre que incidiu tal facto pelo menos o autor jamais teria votado a referida deliberação, sendo que desse facto apenas teve conhecimento no dia 21 de Dezembro de 2009.
48- Acresce que à semelhança das anteriores votações deve ser declarada inválida e de nenhum efeito a votação efectuada pelo autor/apelante e bem assim do N………. que não tem a qualidade de condómino.
49- Em consequência do que há falta de quórum deliberativo, por tal deliberação não ter sido tomada por maioria dos votos representativos do capital investido, uma vez que os demais condóminos apenas representam 48,20% daquele.
50- No tocante à Assembleia de 17 de Outubro de 2009 foi deliberado e aprovado o seguinte: “…embora não tivesse no momento na posse de todos os documentos relativos às despesas efectuadas pelo condomínio desde o início do processo em causa pelo facto de alguns destes, ainda estarem na posse da Advogada que representa o condomínio, referiu no entanto, que estas despesas deverão ser pagas pelos cinco condóminos segundo a divisão prevista no regulamento que rege o mesmo.”, Esclarecendo o “administrador” que: “…depois de estarem reunidas todas as despesas serão efectuadas as contas tendo em conta a percentagem que cabe pagar a cada condómino, após o que serão fornecidas estas contas ao secretário da reunião que as irá transcrever para a Acta que só após isto, será assinada e aprovada pelos respectivos condóminos.”
51- Sobre o montante e discriminação das despesas indicadas não ocorreu qualquer votação ou aprovação, mas tão-só que as mesmas fossem repartidas pelos 5 condóminos.
52- Vindo posteriormente a repartir aquele montante sobre os 5 condóminos na respectiva permilagem sem contudo ter sido aprovado pela Assembleia o montante, a origem e discriminação das despesas.
53- O que, em face do afirmado em acta pelo administrador que “depois de estarem reunidas todas as despesas serão efectuadas as contas… e só após isso, seria assinada e aprovada pelos respectivos condóminos”, seria de esperar uma apresentação das contas, a sua aprovação e votação.
54- O que não ocorreu, pois aquando da realização da Assembleia do dia 17 de Outubro de 2009, não foi de imediato lavrada a respectiva acta, foram obtidos alguns apontamentos e posteriormente lavrada a acta e entregue ao autor no dia 22 de Outubro de 2009, já assinada.
55- De forma que, a deliberação de aplicar ao apelante o custo de 1434,95€ (mil quatrocentos e trinta e quatro euros e noventa e cinco cêntimos) a título de despesas judiciais é inexistente ou ineficaz, porque não foi submetida à apreciação, discussão e votação dos condóminos na Assembleia mas tão-só que o seu montante fosse suportado pelos 5 condóminos em função da respectiva permilagem.
56- E inclusive o valor referido só foi indicado após a votação!!!
57- Além de inexistente e ineficaz e por isso sujeita ao regime da nulidade, invocável a todo o tempo, mais uma vez se dirá que em face do impedimento de voto por parte do N………., não ocorreu a maioria dos votos representativos do capital investido, pois representam tão-só 48,20% daquele.
58- Sendo tal deliberação tomada em Assembleia nula, porque, reunida em primeira convocatória não foi tomada por maioria dos votos representativos do capital investido.
Termos em que violou a decisão recorrida o disposto no art. 1430.º, nº 1, artº 1432, nº 3 e art. 286º do Código Civil, devendo o presente recurso merecer provimento, revogando-se a sentença recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações.
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Delimitação do objecto do recurso – questões a apreciar.
Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas (artigos 660º, nº 2, 664º, 684º e 685º-A, nº 1, todos do C.P.C. – na versão resultante das alterações introduzidas neste diploma pelo DL 303/2007, de 24/08), as questões trazidas à apreciação deste tribunal consistem em apurar, em primeiro lugar, da legitimidade activa do autor para impugnar as deliberações da assembleia de condóminos de 20/04/2001, de 35/01/2002, de 7/07/2007 e de 26/04/2008 (pelo facto de se tratarem, de acordo com o que defende, de deliberações nulas, vício invocável a todo o tempo, por qualquer interessado) e, num segundo momento, averiguar se se mostra ou não caduco o direito do autor à pretendida impugnação das deliberações por ele atacadas na presente acção.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
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Da legitimidade activa

Concluiu a decisão recorrida (apesar de, expressamente, não ter daí retirado consequências, designadamente absolvendo os réus da instância quanto à parte afectada da pretensão) não ter o autor legitimidade para impugnar as deliberações das assembleias de 20/04/2001, de 25/01/2002, de 7/07/2007 e de 26/04/2008 pelo facto de nelas ter votado favoravelmente.
Contrapõe o apelante referindo que o disposto no art. 1433º, nº 1 do C.C. se circunscreve às acções tendentes à declaração de anulação das deliberações e não já, como é o caso dos autos, às acções tendentes à declaração de nulidade das deliberações, pois que aí vigoram as regras gerais (e as deliberações em causa são nulas).

A legitimidade é um pressuposto processual – ‘um dos elementos de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a providência requerida’[1].
Dos pressupostos processuais distinguem-se as condições da acção, que respeitam aos requisitos indispensáveis para a procedência da acção – enquanto os pressupostos processuais são condições para que a acção seja apreciada, as condições da acção contendem com os requisitos necessários para que a acção seja tida como fundada. Os primeiros respeitam a condições de admissibilidade do processo ou da instância; as segundas são conformadas pelos requisitos necessários para que a acção, baseada no direito substantivo, possa considerar-se procedente (designadamente, a necessidade de a providência concretamente requerida pelo autor corresponder à estatuição abstracta da norma correspondente do direito substantivo)[2], ou seja, que o demandante tenha razão segundo o direito material[3] - são requisitos para a concessão ou denegação da tutela pretendida que impõem apurar a relação de coincidência da pretensão invocada e da situação de facto respectiva, com o direito material[4].
A legitimidade (enquanto qualidade para agir ou contradizer[5]) refere-se à posição das partes em face da relação controvertida, do objecto do processo. Ao contrário dos pressupostos processuais da personalidade e da capacidade judiciárias, relativos a qualidades pessoais do sujeito para ser parte em qualquer processo (legitimatio ad processum), a legitimidade refere-se a uma posição ou qualidade do sujeito em relação a um dado litígio, que lhe permite ser parte num determinado processo concreto, que tem esse litígio como objecto (legitimatio ad causam)[6].
A legitimidade reconduz-se, na sua essência, ao poder de dispor do processo – de o conduzir ou gestionar no papel de parte[7].
Interessa, assim, para se afirmar a legitimidade, que a parte seja titular da relação litigada, independentemente de ela existir ou não (pois que este aspecto interessa já o mérito da acção).
Tal poder de condução do processo afere-se em referência ao pedido e causa de pedir, tal como apresentados pelo autor, independentemente da prova dos factos articulados como fundamento da pretensão. A ‘legitimidade ad causam singular deve aferir-se pela análise do objecto do processo conforme foi delineado pelo autor por via da expressão da relação material controvertida, independentemente da sua existência efectiva ou veracidade’[8].
Os sujeitos da causa, as partes com interesse directo em demandar ou contradizer, serão aqueles que forem os titulares da relação conformada pelo objecto do processo, pela relação litigada.
Tal relação litigada é revelada pelo pedido e causa de pedir – e só será parte legítima quem for titular da relação pressuposta pelo pedido, delineada pela causa de pedir.

No que concerne à impugnação das deliberações da assembleia de condóminos havemos de distinguir, para efeitos de legitimidade activa, as acções que tenham por fundamento vícios geradores de nulidade, de ineficácia ou até de inexistência, nas quais seja deduzido pedido de reconhecimento dessa nulidade, ineficácia ou inexistência, por um lado, e as acção que tenham fundamento em vícios geradores de anulabilidade e em que seja pedida a declaração da anulabilidade.
Nas primeiras, às quais se aplicam as regras gerais, bastará para a afirmação da legitimidade activa, a qualidade de condómino.
Para as segundas, à qualidade de condómino deverá acrescer, considerando a regra estatuída no art. 1433º, nº 1 do C.C., o facto de o condómino não ter aprovado a deliberação impugnada – só lhe é reconhecida legitimidade para a acção de anulação se votou contra a aprovação da deliberação, se se absteve na votação ou se nem sequer votou por não ter estado presente ou representado na assembleia[9].
Tal diferença de tratamento emana da constatação de que o regime traçado no art. 1433º do C.C. não é extensivo a todos os vícios susceptíveis de afectar as deliberações tomadas pelas assembleias de condóminos, ficando fora do seu âmbito de aplicação as deliberações nulas, ineficazes[10] ou, acrescentámos nós, inexistentes.
Assim, podem ser atacadas a todo o tempo, por qualquer condómino interessado, as deliberações que violem normas de interesse e ordem pública (preceitos de natureza imperativa – v.g., deliberação que autorize a divisão entre os condóminos de alguma daquelas partes do edifício que o art. 1421º considera forçosamente comuns; a deliberação que suprima, por maioria, o direito conferido pelo art. 1428º, nº 1; a deliberação que elimine a faculdade atribuída pelo art. 1427º a qualquer condómino, de proceder a reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício; a deliberação que suprima o recurso dos actos do administrador, a que se refere o art. 1438º; a deliberação que dispense a realização do seguro do contra o risco de incêndio do edifício) – não fosse assim e estaria aberta aos condóminos a possibilidade de derrogarem os preceitos em causa, bastando para tanto que tais deliberações não fossem impugnadas nos prazos estabelecidos no art. 1433º do C.C.[11].
O mesmo acontece nos casos em que a assembleia se pronuncie sobre assuntos para que não tenha competência, designadamente as que recaiam sobre os direitos individuais de cada condómino ou representem uma ingerência no domínio ou administração exclusiva que qualquer proprietário tem sobre a sua própria fracção (pense-se no caso da assembleia deliberar sujeitar ao regime das coisas comuns, sem o consentimento do respectivo titular, uma parte do imóvel pertencente em propriedade exclusiva a um dos condóminos). Em tais casos a deliberação deve ter-se por ineficaz, e o condómino afectado pode a todo o tempo arguir o vício[12] – pois que o acto é ineficaz, insusceptível de afectar a sua esfera jurídica (enquanto res inter alius acta).
Também os casos de inexistência estão fora do âmbito de previsão do art. 1433º do C.C..
A inexistência (enquanto espécie do género da invalidade) ocorrerá quando nem sequer aparentemente se verifica o «corpus» de certo acto jurídico (a materialidade que corresponde à noção de tal acto) ou, existindo embora essa aparência, a realidade não corresponde a tal noção[13]. Ocorrerá assim a inexistência de deliberação quando os condóminos, em assembleia, não tenham tomado expressa posição sobre um qualquer assunto, apesar de resultar da assembleia, aparentemente, uma deliberação sobre a questão.
Importante é realçar que o regime traçado no art. 1433º do C.C. tem âmbito de aplicação restrito às deliberações anuláveis – aquelas que são afectadas por vícios menores do processo deliberativo, que violam normas legais meramente supletivas, preceitos susceptíveis de serem derrogados por vontade unânime dos proprietários das fracções ou infringem regulamentos anteriormente aprovados[14].

Deste regime ressalta à evidência a necessidade de ponderar que a apreciação da relação material litigada, em casos como o dos autos, para se apurar da legitimidade activa, demanda apurar dos vícios invocados pelo demandante em vista da pretendida impugnação da deliberação, enquanto consubstanciadores da causa de pedir.
Referimo-nos, como é bom de ver, aos factos concretos invocados, à matéria factual invocada como suporte da pretensão, pois a identidade de qualquer pleito reside nesta matéria de facto que suporta a pretensão deduzida na petição inicial, sendo-lhe indiferente (por acessória e não nuclear) a qualificação jurídica que dela é efectuada pela parte – o enquadramento jurídico da situação trazida aos autos pelo autor não é elemento da causa de pedir[15].
Consagra o nosso ordenamento jurídico, a propósito da causa de pedir, a teoria da substanciação (art. 498º, nº 4 do C.P.C.) – nas acções constitutivas e de anulação, a causa de pedir é constituída pelo facto concreto ou nulidade específica que se invoca para obter o efeito jurídico pretendido.
Não interessam nesta apreciação eventuais referências a conceitos legais ou afirmações de conclusões desenquadradas dos factos subjacentes, não devendo confundir-se o facto ou realidade concreta com ‘a valoração jurídica atribuída pelo autor, a qual, de todo o modo, não é vinculativa para o tribunal, devido ao princípio, consignado no art. 664º, segundo o qual o tribunal conhece oficiosamente do direito aplicável’[16].

Assim, termos de considerar duas hipóteses:
- invocando o autor na petição factos consubstanciadores de vícios susceptíveis de gerarem, juridicamente, a anulabilidade da deliberação, deve aplicar-se o regime do art. 1433º do C.C., designadamente no que respeita à indicação aí expressamente feita quanto aos condóminos com legitimidade activa para a acção de anulação (só terá legitimidade para uma tal acção, integrada por uma tal causa de pedir, o condómino que não tenha aprovado a deliberação atacada);
- invocando o autor na petição factos consubstanciadores de vícios susceptíveis de gerarem a nulidade, a ineficácia ou mesmo a inexistência da deliberação, aplicar-se-á o regime geral, tendo legitimidade activa para a acção qualquer condómino interessado.
Isto vale por dizer que a apreciação da legitimidade activa, nestas acções, não se basta com a simples análise do pedido – pedida a anulação, seria aplicável o art. 1433º do C.C.; pedida a declaração de nulidade, a ineficácia ou a inexistência, aplicar-se-ia a regra geral. Se assim fosse, estaria a desprezar-se na análise um elemento essencial da relação material controvertida (a causa de pedir), que a apreciação da legitimidade, enquanto pressuposto processual, não pode descurar.
Não se diga que desta forma se estará a confundir um pressuposto processual (a legitimidade) com uma qualquer condição de procedência da acção. Na verdade, não interessará apreciar se o vício realmente existe ou se contra ele procede ou não qualquer excepção de direito material; apenas interessa qualificar juridicamente a matéria de facto trazida pelo autor a juízo como fundamento da sua pretensão, pressupondo a sua correspondência com a realidade e, em face dela, fazer a triagem entre os casos compreendidos na previsão do art. 1433º do C.C. e os outros, nela não compreendidos, que seguem a regra geral. E não pode negar-se que esta triagem só é conseguida através da qualificação jurídica da matéria de facto alegada como causa de pedir – qualificação jurídica que deve ser feita pelo tribunal, sendo indiferente a qualificação jurídica feita pela parte.
Entender diferentemente significará reconhecer legitimidade activa a todos os condóminos para que invoquem em juízo vícios menores de deliberações que aprovaram, desde que para tanto qualifiquem juridicamente esses vícios como geradores de nulidade, de ineficácia ou de inexistência e formulem pedido de declaração de nulidade, de ineficácia ou de inexistência da referida deliberação.
À apreciação do pressuposto processual da legitimidade é indiferente a eventual procedência ou improcedência da pretensão – tal respeita exclusivamente ao mérito da causa. A esta apreciação da legitimidade importa considerar o objecto do processo, a relação material trazida a juízo pelo autor – é necessário que, relativamente a tal relação controvertida, a parte seja, à face da lei, o titular do poder de condução do processo
No caso dos autos, quanto às deliberações das assembleias de 20/04/2001, de 35/01/2002, de 7/07/2007 e de 26/04/2008, são os seguintes os factos invocados pelo autor:
- ter tido nelas intervenção, votando na qualidade de condómino, pessoa que nem era condómino nem por algum condómino estava para tanto mandatado;
- em face do impedimento do voto de tal pessoa, as deliberações foram tomadas sem a maioria dos votos representativos do capital investido.
Tais factos, considerando-os como verdadeiros, representam todavia vícios menores do processo deliberativo – significam, em termos jurídicos, quando muito, a aprovação, por parte da assembleia, de deliberação sem que para tanto houvesse o necessário quórum constitutivo ou sem que tivesse sido atingida a maioria necessária para aprovação da deliberação. Na verdade, o voto da referida pessoa – não condómina e não mandatada por nenhum condómino – nas assembleias em causa teria de ser considerado irrelevante, relevando tão só os votos dos condóminos participantes, o que poderia significar, no máximo, ausência do necessário quórum deliberativo ou a inexistência de maioria.
Importante é sublinhar que tais vícios não comportam a violação de qualquer norma imperativa ou preceito de interesse e ordem pública – o que é alegado é um vício respeitante à formação do processo deliberativo (a forma como foi encontrada, em cada uma das deliberações, o quórum constitutivo ou deliberativo) e não já qualquer desconformidade do conteúdo da deliberação relativamente a norma imperativa.
Tem assim de concluir-se que a relação material litigada, no que concerne às deliberações das assembleias de 20/04/2001, de 35/01/2002, de 7/07/2007 e de 26/04/2008, cai na previsão do art. 1433º do C.C. – e, por isso, a legitimidade activa para a acção de impugnação só poderá ser reconhecida ao condómino que as não tenha aprovado.

Improcede, por isso, nesta parte, a apelação.

Da caducidade da acção

Apreciando agora da segunda questão.
Cumpre relevar que, considerando o decidido quando à ilegitimidade activa do autor para impugnar as deliberações das assembleias de 20/04/2001, de 35/01/2002, de 7/07/2007 e de 26/04/2008, a questão se circunscreve às deliberações de 1/11/2003 e de 17/10/2009 – aliás, foi relativamente a estas que incidiu a decisão recorrida na parte em que considerou procedente a invocada excepção da caducidade.

Na decisão recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
1- No dia 1 de Novembro de 2003, pelas 21h00, reuniu a assembleia de condóminos do condomínio do prédio ‘C……….’, sito na ………., em Peso da Régua, na qual se propôs que ‘se autorizasse a ratificação, a propositura da acção contra o Sr. B………., que corre termos sob o n.º 286/2002, no .º Juízo do tribunal Judicial do Peso da Régua, por parte do Sr. F……….’;
2- Na referida assembleia foi tomada deliberação sobre o assunto referido;
3- Nesta assembleia, o autor, proprietário das fracções “A, B, G, H, I, J, L, M”, fez-se representar por procurador, onde exerceu o seu direito de voto, tendo votado contra a deliberação referida em 2;
4- No dia 17 de Outubro de 2009, reuniu a assembleia do edifício C………, na presença de todos os condóminos, com a seguinte ordem de trabalhos: 1. Divisão das despesas pelos elementos do condomínio relativas ao processo n.º 286/2002 – acção de processo ordinário que decorre no Tribunal Judicial de Peso da Régua; 2. Outros assuntos;
5- Nesta assembleia o autor exerceu o seu direito de voto, tendo votado ‘contra qualquer deliberação que contemple o pagamento pelos condóminos das despesas e honorários dos advogados do condomínio, despesas de engenheiros e outros, uma vez que no processo em causa, fui réu. Por tal motivo tais despesas deverão ser suportadas pelo condomínio, em função das cotas dos restantes condóminos, excluindo o agora declarante. Isto porque não é justo nem legal suportar ainda que parcialmente os honorários de um advogado e restantes despesas, já em cima mencionadas, que intentou um processo contra a minha pessoa’;
6- A presente acção deu entrada em juízo em 29/12/2009.
Além destes factos, devem ainda considerar-se os seguintes que, interessando à decisão da questão, se mostram provados em face dos documentos (cópias das actas das referidas assembleias) juntos aos autos (arts. 659º, nº 3 e 713º, nº 2 do C.P.C.):
7- N………. participou e votou nas assembleias referidas;
8- Consta da acta da assembleia referida nos anteriores números 4 e 5 que o administrador em funções deu início à reunião, dando seguimento à ordem de trabalhos, ‘referindo que embora não [es]tivesse no momento na posse de todos os documentos relativos às despesas efectuadas pelo condomínio desde o início do processo em causa pelo facto de alguns destes ainda estarem na posse da advogada que representa o condomínio, referiu no entanto, que estas despesas deverão ser pagas pelos cinco condóminos segundo a divisão prevista no regulamento que rege o mesmo. Todos os condóminos votaram a favor desta decisão à excepção do condómino B………., que justificou a sua decisão lendo a todos os presentes um documento elaborado por si’ e que foi transcrito em acta (cujos dizeres são os que constam do anterior facto 5), sendo que após tal declaração o Sr. administrador esclareceu ‘que depois de estarem reunidas todas as despesas serão efectuadas as contas tendo em conta a percentagem que cabe pagar a cada condómino após o que serão fornecidas estas contas ao secretário da reunião que as transcreverá para acta que só após isto será assinada e aprovada pelos respectivos condóminos’;
9- No seguimento da referida acta, consta logo após o referido no anterior número o seguinte texto:
‘Foram então aprovadas as seguintes despesas que passo a citar:
Total apurado de despesas: 4.159,29€
Valor a pagar por cada um dos condóminos:
- condómino B………. – 34,5% - 1.434,95€,
- condómino D………. – 17,3% - 719,56€,
- condómino N………. – 17,3% - 719,56€,
- condómino F………. – 17,3% - 719,56€,
- condómino L………. – 13,6% - 565,66€.
Deve ser salientado que todas estas despesas devidamente documentadas, encontram-se arquivadas pelo administrador em funções e poderá ser objecto de consulta de todos aqueles condóminos que assim o desejarem’.

Apurados os factos, apliquemos o direito.

Argumenta o apelante que a caducidade do direito de propositura da acção de anulação das deliberações das assembleias, estabelecida no art. 1433º, nº 4 do C.C., não é extensivo às deliberações afectadas por vícios susceptíveis de gerar consequências diversas da anulabilidade (ou seja, deliberações que violem preceitos de natureza imperativa ou que tenham por objecto assuntos que exorbitem da esfera de competência da assembleia de condóminos).
Assim, porque as deliberações por si impugnadas se devem considerar nulas ou inexistentes, não se verifica a arguida caducidade, cujo âmbito está limitado às acções destinadas a obter a anulabilidade das deliberações.

A decisão recorrida não deixou de considerar que o regime do art. 1433º do C.C. não é extensivo às deliberações que violem preceitos de natureza imperativa, nem às que tenham por objecto assuntos que exorbitem da esfera de competência da assembleia de condóminos. Porém, considerou que as deliberações impugnadas nos autos – tomadas nas assembleias de 1/11/2003 e de 17/10/2009 – não ‘violam o núcleo de normas em que o Estado funda os seus princípios reguladores, pelo que se está perante deliberações meramente anuláveis, nos termos do art. 1433º do Código Civil’, e por isso e consequentemente, concluiu que carecia a anulabilidade de ser arguida dentro do prazo fixado no art. 1433º, nº 4 do C.C..

Já acima se deixou referido que o regime traçado no art. 1433º do C.C. tem âmbito de aplicação restrito às deliberações anuláveis – ou seja, àquelas que são afectadas por vícios menores do processo deliberativo, que violam normas legais meramente supletivas, preceitos susceptíveis de serem derrogados por vontade unânime dos proprietários das fracções ou infringem regulamentos anteriormente aprovados.
Quanto às deliberações afectadas por vícios susceptíveis de gerarem a sua anulabilidade, vale o regime traçado no art. 1433º, nº 1 e 4 do C.C.: o condómino ou condóminos que as não tenham aprovado terão de intentar a competente acção judicial de anulabilidade no prazo de sessenta dias sobre a data da deliberação, sob pena de, não o fazendo, tais deliberações ficarem convalidadas e terem, portanto, de ser acatadas, mesmo pelos condóminos que contra elas votaram[17].
Relativamente às deliberações afectadas por vícios susceptíveis de gerar a respectiva nulidade, ineficácia ou inexistência, vale o regime geral e não já o prescrito pelo art. 1433º do C.C. – se assim não fosse estaria na mão dos condóminos derrogar preceitos de interesse e ordem pública ou tomar decisões sobre assuntos respeitantes à esfera jurídica de outrem.
Considerando apenas os pedidos formulados pelo autor, sem os relacionar com a causa de pedir em que são sustentados, terá de concluir-se não se verificar a arguida excepção peremptória.
Efectivamente, o autor pede seja declarada inexistente ou, se assim se não entender, seja declarada nula, a deliberação da assembleia de 17/10/2009, pedindo ainda se declare nula a deliberação da assembleia de 1/11/2003.
Respeitando a pretensão deduzida em juízo a vício não compreendido na esfera de previsão da norma do art. 1433º do C.C., não se verificaria a caducidade do direito de propositura da acção – a inexistência e a nulidade das deliberações são invocáveis a todo o tempo, por qualquer condómino interessado.
Ultrapassada a barreira da excepção peremptória arguida pelos réus, urge depois averiguar se uma tal pretensão encontra sustentação na ordem jurídica – e isso remete-nos para a apreciação dos invocados vícios na busca do seu regime legal.
Indubitável que relativamente a um dos vícios imputados pelo autor à deliberação de 17/10/2009 (e dentro desta, ao primeiro ponto da respectiva ordem de trabalhos – o objecto do primeiro pedido formulado pelo autor) se há-de considerar que o mesmo, a ter-se por verificado, importará a inexistência do acto deliberativo.
Como já acima referimos, a inexistência (figura jurídica construída pela jurisprudência francesa no campo do direito matrimonial que se veio a tornar posteriormente uma categoria geral da doutrina do negócio jurídico e actos jurídicos) duma deliberação de assembleia de condóminos ocorrerá nos casos em que nem sequer aparentemente se verifica o «corpus» de tal acto (a materialidade correspondente à noção de tal acto) ou, existindo embora uma tal aparência, a realidade não corresponde a tal noção.
No caso dos autos, o autor alega não ter existido deliberação (tomada de posição – votação), por parte da assembleia, no que especificamente concerne à aprovação do montante, origem e discriminação das despesas decorrentes da acção judicial referida na assembleia de condóminos de 17/10/2009 – alega que sobre o montante e discriminação de tais despesas não ocorreu qualquer votação ou aprovação, sendo que a votação e aprovação da assembleia se cingiu à repartição pelos condóminos das despesas que a esse propósito viessem a ser aprovadas.
Assim, quanto a este particular segmento da pretensão do autor, divergimos da decisão recorrida – os factos invocados pelo autor importarão a inexistência da deliberação quanto a essa concreta matéria, pois que, de acordo com a materialidade alegada na petição, apesar de na aparência ter existido, sobre a concreta questão, pronúncia deliberativa dos condóminos (ou seja, apesar de aparentemente existir uma deliberação – é isso que decorre da acta que documenta a assembleia), na realidade (de acordo com o alegado) tal deliberação não ocorreu (isto é, a aparência não terá real existência, não corresponderá à realidade).
Face a estes elementos de ponderação, e no que concerne à assembleia de condóminos de 17/10/2009, especificamente quanto ao primeiro ponto da ordem de trabalhos, conjugando a pretensão deduzida – o pedido de declaração de inexistência – e a causa de pedir invocada – a alegação de que a assembleia não se pronunciou, aprovando-as ou rejeitando-as, as despesas decorrentes da acção judicial –, tem de considerar-se que contra ela não procede a arguida excepção da caducidade e bem assim que a mesma encontra acolhimento no direito substantivo.
Não procede contra ela a excepção peremptória da caducidade, pois que o regime estatuído no art. 1433º, nº 4 do C.C. não é extensível às deliberações afectadas pela inexistência – o regime do art. 1433º, nº 4 do C.C. é exclusivo das deliberações afectadas por vícios susceptíveis de gerar a anulabilidade.
Por outro lado, a ser havida como verdadeira a factologia a este propósito alegada pelo autor, haverá que concluir pela inexistência da deliberação da assembleia, quanto à concreta questão impugnada. Ponto é, como é evidente, que a matéria alegada pelo autor a esse propósito se possa ter por provada.
Adiante voltaremos a esta questão – pois que, diga-se desde já, os réus impugnaram a matéria alegada a este propósito pelo autor.

Relativamente aos demais vícios imputados à deliberação da assembleia de 17/20/2009 e à deliberação da assembleia de 1/11/2003, não divergimos da decisão recorrida, que considerou que os alegados e imputados vícios configurariam não a nulidade da deliberação mas antes a sua anulabilidade.
Efectivamente, para sustentar a sua pretensão – a declaração de nulidade das deliberações das referidas assembleias (mesmo da realizada em 17/10/2009, no que concerne a tudo o que nela foi deliberado) – alega o autor que nelas teve intervenção, votando na qualidade de condómino, pessoa (o N………) que não tinha a qualidade de condómino nem para tanto estava mandatada por qualquer condómino, sendo que por força de tal impedimento de voto, as deliberações foram tomadas sem a maioria dos votos representativos do capital investido.
Como já acima referimos, tais factos, a serem verdadeiros (e os réus alegam que a referida pessoa é a real proprietária do imóvel, como o autor e restante condóminos bem sabem, além de que sempre tal pessoa votou na qualidade de procurador do seu filho, a pessoa que figura como condómino, por a venda lhe ter sido feita para beneficiar de crédito bancário), significam vícios menores do processo deliberativo, geradores de simples anulabilidade, sujeitos ao regime de arguição estabelecido no art. 1433º do C.C. – juridicamente, tal factualidade, terá de ser valorizada enquanto aprovação, por parte da assembleia, de deliberação sem que para tanto houvesse o necessário quórum deliberativo ou sem que tivesse sido atingida a maioria necessária para aprovação da deliberação, pois que o voto da referida pessoa (não condómina e não mandatada por nenhum condómino) nas assembleias em causa teria como única consequência a sua própria irrelevância (ou seja, teria de ser descontado, como se a pessoa em causa não tivesse tido participação na assembleia), relevando tão só os votos dos condóminos participantes, o que poderia significar, no máximo, ausência do necessário quórum constitutivo ou a inexistência de maioria necessária para aprovação da deliberação.
Mesmo que (e sempre pressupondo a realidade da matéria alegada pelo autor) se constatasse que no processo deliberativo foi violada a lei (designadamente o art. 1432º do C.C.), certo é que tal violação importaria a anulabilidade da deliberação e não já a sua nulidade, pois que não vem alegada qualquer violação de norma imperativa, de interesse e ordem pública. Os vícios imputados a estas concretas deliberações, mais uma vez o dizemos, respeitam à formação do processo deliberativo (a forma como foi encontrada, em cada uma das deliberações, o quórum constitutivo ou deliberativo) e não já a qualquer desconformidade do conteúdo da deliberação relativamente a norma imperativa.
Assim, sempre a pretensão do autor (no que concerne ao pedido que tem por objecto a deliberação de 1/11/2003 e a totalidade da deliberação de 17/10/2009) será improcedente – seja porque não se poderá considerar que tais deliberações são nulas, e é esse o pedido formulado, seja porque, mesmo interpretando que o pedido do autor, o que se refere para efeitos de explicação do raciocínio justificativo da decisão, contém também a anulabilidade, sempre teria caducado o direito do autor à sua (anulabilidade) invocação judicial, por decorridos, à data da propositura da acção, mais de dois meses contados sobre a data das deliberações.
Note-se que não impede a caducidade o facto do autor só ter conhecimento do vício que imputa às deliberações em momento muito posterior a estas – na verdade, a caducidade do direito de anulação opera se no prazo de sessenta dias contados da data da deliberação não for proposta a pertinente acção, devendo por isso os condóminos interessados cuidar diligentemente de se informar no sentido de conhecerem não só o teor das deliberações tomadas, como também de todas as eventuais irregularidades que possam ter ocorrido na assembleia e que inquinem o processo deliberativo.

Em resumo, a pretensão do autor (e consequentemente, a apelação), no que concerne ao pedido que tem por objecto a deliberação de 1/11/2003 e a totalidade da deliberação de 17/10/2009, é improcedente – seja porque as deliberações em causa, considerando os factos alegados, não poderão ser consideradas nulas à luz do direito aplicável (e o autor pede a declaração de nulidade), seja porque, verificando-se os imputados vícios susceptíveis de anulação, estaria caducado o direito de propor a acção de anulação.

Diversamente se tem de concluir relativamente ao pedido de declaração de inexistência da deliberação tomada na assembleia de 17/10/2009 quanto ao primeiro ponto da respectiva ordem de trabalhos, na parte respeitante à aprovação do montante e discriminação das despesas relativas ao processo judicial aí referido.
Tal pretensão, considerando o pedido e a causa de pedir que o sustenta, não está compreendida no âmbito da previsão normativa do art. 1433º do C.C. – e por isso, quanto a ela não procede a arguida excepção peremptória da caducidade.
Mostra-se plausível, à luz do direito, a procedência de tal pretensão.
Para tanto será, todavia, necessário apurar matéria que ainda se mostra controvertida – os factos alegados pelo autor nos artigos 16º, 17º, 18º e 20º da petição (designadamente a alegação de que não ocorreu qualquer votação ou aprovação relativamente à origem, ao montante e discriminação das despesas em questão), expressamente impugnados pelos réus no artigo 25º da contestação.
Tal matéria mostra-se essencial à apreciação da referida pretensão do autor, devendo assim os autos prosseguir os seus termos, no que especificamente respeita a tal pedido, com organização de despacho sobre a base instrutória.

Em conclusão (e em jeito de sumário, assim dando cumprimento ao disposto no art. 713º, nº 7, do C.P.C.):
- à apreciação do pressuposto processual da legitimidade é indiferente a eventual procedência ou improcedência da pretensão – tal respeita exclusivamente ao mérito da causa; à apreciação da legitimidade importa considerar o objecto do processo, a relação material trazida a juízo pelo autor – é necessário que, relativamente a tal relação controvertida, a parte seja, à face da lei, o titular do poder de condução do processo;
- invocando o autor, em acção destinada a impugnar deliberação de assembleia de condóminos, como causa de pedir, factos que não comportam a violação de norma imperativa mas antes vícios susceptíveis de gerar a anulabilidade da deliberação, a legitimidade activa é apurada em face da previsão do art. 1433º, nº 1 do C.C. – a legitimidade activa para a acção de impugnação só poderá ser reconhecida ao condómino que não tenha aprovado a deliberação impugnada;
- o regime traçado no art. 1433º do C.C. tem âmbito de aplicação circunscrito às deliberações anuláveis – ou seja, àquelas que são afectadas por vícios menores do processo deliberativo, que violam normas legais meramente supletivas, preceitos susceptíveis de serem derrogados por vontade unânime dos proprietários das fracções ou infringem regulamentos anteriormente aprovados;
- caem na referida previsão normativa deliberações em que tenha participado e votado pessoa não condómina e não mandatada para tanto por nenhum condómino, pois que tais factos significam vícios menores do processo deliberativo, geradores de simples anulabilidade, sujeitos ao regime de arguição estabelecido no art. 1433º do C.C. – tal factualidade significará, tão só, a aprovação, por parte da assembleia, de deliberação sem que para tanto houvesse o necessário quórum deliberativo ou sem que tivesse sido atingida a maioria necessária para aprovação da deliberação, pois que o voto da referida pessoa (não condómina e não mandatada por nenhum condómino) na assembleia em causa teria como única consequência a sua própria irrelevância (ou seja, teria de ser descontado, como se tal pessoa não tivesse tido participação na assembleia), relevando tão só os votos dos condóminos presentes, o que poderia significar, no máximo, ausência do necessário quórum constitutivo ou a inexistência de maioria necessária para aprovação da deliberação;
- o regime traçado no art. 1433º do C.C. não abrange a inexistência da deliberação (vício que ocorrerá nos casos em que, aparentemente, a deliberação existe – por estar documentada na acta a tomada de posição dos condóminos sobre determinado assunto concreto –, mas ela não tenha realmente existido – a aparência não tem correspondência com a realidade), que está sujeita ao regime geral (e por isso, não está sujeita a acção de declaração de inexistência ao prazo de caducidade previsto no art. 1433º, nº 4 do C.C.).

Por tudo o exposto:
- improcede a apelação quanto à questão da legitimidade activa do autor para impugnar as deliberações das assembleias de 20/04/2001, de 35/01/2002, de 7/07/2007 e de 26/04/2008, confirmando-se nessa parte a decisão recorrida que decidiu pela ilegitimidade do autor (apenas se acrescentando/esclarecendo que, quanto a essa parte do pedido, os réus são absolvidos da instância);
- improcede a apelação, com a consequente manutenção da decisão recorrida, no que concerne ao pedido de declaração de nulidade da deliberação da assembleia de condóminos de 1/11/2003;
- improcede a apelação, com a consequente manutenção da decisão recorrida, no que concerne ao pedido de declaração de nulidade da totalidade da deliberação da assembleia de condóminos de 17/10/2009;
- procede parcialmente a apelação quanto ao pedido de declaração de inexistência da deliberação tomada na assembleia de 17/10/2009 quanto ao primeiro ponto da respectiva ordem de trabalhos, na parte respeitante à aprovação do montante e discriminação das despesas relativas ao processo judicial aí referido, com a consequente revogação da decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que, para apreciação de tal pretensão, proceda à organização de despacho sobre a base instrutória (incluindo na matéria controvertida os factos alegados pelo autor nos artigos 16º, 17º, 18º e 20º da petição – alegação de que não ocorreu qualquer votação ou aprovação relativamente à origem, ao montante e discriminação das despesas em questão –, expressamente impugnados pelos réus no artigo 25º da contestação).
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DECISÃO
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Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:
- em revogar o saneador-sentença na parte concernente ao pedido de declaração de inexistência da deliberação tomada na assembleia de 17/10/2009 quanto ao primeiro ponto da respectiva ordem de trabalhos, na parte respeitante à aprovação do montante e discriminação das despesas relativas ao processo judicial aí referido, devendo a decisão ser substituída por outra que, para apreciação de tal pretensão, proceda à organização de despacho sobre a base instrutória (incluindo na matéria controvertida os factos alegados pelo autor nos artigos 16º, 17º, 18º e 20º da petição - alegação de que não ocorreu qualquer votação ou aprovação relativamente à origem, ao montante e discriminação das despesas em questão -, expressamente impugnados pelos réus no artigo 25º da contestação);
- em manter a decisão apelada quanto ao demais decidido, apenas se esclarecendo/acrescentando que quanto ao pedido de impugnação das assembleias de 20/04/2001, de 35/01/2002, de 7/07/2007 e de 26/04/2008, os réus são absolvidos da instância.
O autor apelante suportará 5/6 das custas devidas; o restante 1/6 será suportado pela parte que a final fique vencida no pedido ainda em apreciação.
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Porto, 16/11/2010
João Manuel Araújo Ramos Lopes
Maria de Jesus Pereira
Augusto José Baptista Marques de Castilho

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[1] A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, p. 104. Cfr., também, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pp. 74 e 75.
[2] A. Varela e outros, obra citada, p. 105.
[3] Manuel de Andrade, obra citada, p. 74.
[4] Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, 1982, Vol. II, p. 10.
[5] Manuel de Andrade, obra citada, p. 83.
[6] A. Varela e outros, obra citada, pp. 131 e 132.
[7] Manuel de Andrade, obra citada, p. 84.
[8] Ac. S.T.J. de 15/12/2005 (relatado pelo Exmº Sr. Conselheiro Salvador da Costa), no sítio www.dgsi.pt/jstj.
[9] Abílio Neto, Propriedade Horizontal, 2ª edição, p. 170.
[10] Abílio Neto, obra citada, pp. 171 a 173 e P. de Lima e A. Varela, C. C. Anot., Volume III, 2ª edição revista e actualizada, pp. 447 e 448.
[11] Autores e obras citadas, p. 171/172 e p. 448, respectivamente.
[12] Cfr., mais uma vez, autores, obras e locais citados.
[13] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª edição actualizada, 1983, p. 594.
[14] Abílio Neto, obra citada, dando como exemplos de ocorrências susceptíveis de configurar deliberações anuláveis, entre outros, os seguintes: imputação aos condóminos das despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício e da pagamento de serviços de interesse comum em proporção diversa da que corresponde ao valor das respectivas fracções, com desrespeito do disposto no art. 1422º, nº 1; aprovação de inovações por maioria inferior a 2/3 do valor total do prédio; autorização para a prática de actos ou actividades que tenham sido proibidas no título constitutivo da propriedade horizontal; autorização para que determinado condómino dê à sua fracção uso diverso do fim a que é destinada.
[15] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 2ª edição revista e ampliada, p. 332, aí citando doutrina e jurisprudência.
[16] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume, 2ª edição revista e ampliada, pags. 193 e 194.
[17] Abílio Neto, obra citada, p. 172.