Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0551823
Nº Convencional: JTRP00038129
Relator: RAFAEL ARRANJA
Descritores: EXECUÇÃO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
CUSTAS
RESPONSABILIDADE
PAGAMENTO
Nº do Documento: RP200505300551823
Data do Acordão: 05/30/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: Extinta a instância executiva por inutilidade superveniente da lide, já que a executada não possui bens penhoráveis, tendo a exequente actuado com diligência em cooperação com o Tribunal na tentativa de lograr a penhora, as custas em dívida na execução, devem ser suportadas pela executada, por a impossibilidade de penhorar o seu património lhe ser imputável.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

No .. Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de .........., na execução sumária nº .-A/..., B.........., S.A., na execução sumária nº .-A/... que move contra C.........., LDA, inconformada com o despacho, proferido a fls. 22, que ordenou a remessa dos autos à conta, com custas pela exequente, por esta ter dado causa à execução, dele interpôs recurso de agravo, em cuja minuta formulou as seguintes conclusões:

1.ª O Meritíssimo Juiz a quo não deveria ter indeferido o pedido de condenação da Executada, ora Recorrida, no pagamento das custas da presente execução, cuja quantia exequenda, à data da entrada do requerimento executivo, importava em 40.383.562$00, isto é, € 201.432,36.

2.ª O douto despacho em crise fundamentou-se em interpretação errónea do artigo 447.º do C.P.C., e no entendimento também erróneo de que, quem deu causa à execução foi a Exequente, ora Recorrente, por a ter intentado sem se ter dado ao trabalho de averiguar se a Executada, e ora Recorrida, tinha bens.

3.ª Ora, salvaguardado o subido respeito, a Recorrente não comunga da interpretação feita pelo Tribunal a quo do preceito legal supra referido, na medida em que não resulta do mesmo qualquer restrição da Exequente avançar com uma execução contra a Executada, por impossibilidade de prévia localização de bens penhoráveis pertencentes à Executada.

4.ª Ao contrário: não se pode penalizar a Exequente, ora Recorrente por ter legitimamente avançado com a instância executiva para cobrança coerciva de um crédito reconhecido judicialmente.

5.ª Não restam dúvidas de que a Exequente, ora Recorrente tudo fez para o efectivo recebimento desse crédito e que apenas recorreu à presente acção, impelida pelo comportamento omissivo da Executada, ora Recorrida, que não cumpriu voluntariamente a sentença condenatória.

6.ª As diligências levadas a cabo nos autos por impulso da Exequente só poderiam ter lugar em acção judicial, porquanto a Exequente, por outra via, nunca poderia obter a requisição de informações na DGCI, nem tampouco, a notificação dos gerentes da Executada para a prestação de informações sobre o destino dado aos bens do imobilizado corpóreo.

7.ª Resulta assim de forma clara, a importância do papel do Estado, e em concreto dos Tribunais na acção executiva, ideia esta propugnada pelo próprio legislador no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95: “...Tem-se na verdade, como dificilmente compreensível que, mesmo quem tenha a seu favor sentença condenatória transitada em julgado, possa ver, na prática, inviabilizada a realização do seu direito se não lograr identificar bens que possa nomear à penhora...”.

8.ª Tal interpretação também foi partilhada em Acórdão do Tribunal da Relação do Porto n.º 0121492, de 11/12/2001,no qual se pode ler: “Quando um credor instaura uma execução e não consegue cobrar o seu crédito por inexistência de bens, ou de bens conhecidos, do devedor, não é o credor que dá causa às custas, mas sim o devedor...”.

9.ª Acresce que a política legislativa em matéria fiscal obriga também a Exequente a socorrer-se da acção executiva quando, como é o caso, a sentença condenatória emerge de uma dívida de fornecimentos de produtos no exercício de uma actividade empresarial sujeita a tributação em sede de IVA e de IRC.

10.ª Na verdade, o recurso à execução é condição sine qua non de recuperação do IVA que a Exequente liquidou, entregou ao estado e não recebeu da Executada, conforme artigo 71.º, n.ºs 8 e 9 do CIVA e também para aceitação do crédito incobrável como custo ou perda do exercício, nos termos do artigo 39.º do CIRC.

11.ª O douto despacho sub judice fez errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 447.º do C.P.C..
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O Mmº Juiz “a quo” manteve a sua decisão.

Após os vistos legais, cumpre decidir.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – CPC= 684º, nº 3 e 690º, nº.s 1 e 3, diploma a que pertencem as normas a seguir mencionadas sem indicação de origem.

A questão suscitada no recurso consiste, assim, em saber de quem é a responsabilidade por custas, face à extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide.

De acordo com o artº. 447º, a regra, nestes casos, é as custas ficarem a cargo do autor, salvo se a impossibilidade ou inutilidade resultar de facto imputável ao réu, que, neste caso, as pagará.

Ora, transparecem dos autos, as dificuldades da ora Recorrente em localizar bens penhoráveis da executada, sendo certo que, nesse sentido, requereu diligências que só através do tribunal poderia fazer e que este podia e devia determinar, como determinou, nos termos do artº. 837º-A, preceito que impõe ao tribunal esse auxílio, como emanação do princípio da colaboração entre o tribunal e o titular de um direito já reconhecido ou dotado de uma forte verosimilhança quanto à sua existência e conteúdo, e com o declarado objectivo de obstar à finalidade básica do processo executivo, que é a satisfação efectiva do direito do exequente (v. Abílio Neto, CPC/Anot./15ª ed./ pág. 1148).

«Tem-se, na verdade, como dificilmente compreensível que, mesmo quem tenha a seu favor sentença condenatória transitada em julgado (como acontece in casu), possa ver, na prática, inviabilizada a realização do seu direito se não lograr identificar bens que possa nomear à penhora – sendo demais conhecidas as dificuldades, virtualmente insuperáveis, que, numa sociedade urbana e massificada, poderá frequentemente suscitar a averiguação pelo particular da efectiva situação patrimonial do devedor e confrontando-se ainda com a possível invocação de excessivos e desproporcionados “sigilos profissionais” sobre tal matéria» (Do Relatório do D.L. nº 329-A/95).

E esta situação ocorre não por causa da exequente (que, como vimos, requereu diligências várias) mas porque a executada não tem bens, donde que a causa de extinção da execução seja desta e não daquela, devendo, consequentemente, as custas da execução serem suportadas pela executada, ocorrendo aqui um facto que lhe deve ser imputado (447º).

Lê-se no douto no Ac. RP, 15/11/04: C.J. XXIX, T.V/2004, pág. 173:

“A entender-se doutro modo, estaríamos a punir o exequente por uma razão totalmente desculpável e unicamente atribuída ao executado, dado que, quando se instaura uma execução e não se consegue cobrar o seu crédito, quem lhe dá causa é o devedor/executado e não o credor/exequente”.

Procedem, destarte, as conclusões da minuta.
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Decisão

Termos em que se concede provimento ao agravo e se revoga a decisão recorrida, devendo ser substituída por outra, nos termos acima referidos.

Sem custas.
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Porto, 30 de Maio de 2005
José Rafael dos Santos Arranja
Jorge Manuel Vilaça Nunes
António Augusto Pinto dos Santos Carvalho