Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0746058
Nº Convencional: JTRP00040884
Relator: PINTO MONTEIRO
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
PROVAS
Nº do Documento: RP200712190746058
Data do Acordão: 12/19/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: O tribunal não está vinculado, na apreciação da prova, ao resultado dos exames para detecção de álcool no sangue, não constituindo tais exames prova pericial.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, na 4.ª sec. (2.ª sec. criminal) do Tribunal da Relação do Porto:

No Tribunal Judicial de Macedo de Cavaleiros, foi o arguido B………., devidamente identificado nos autos a fls. 23, condenado pela prática de um crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, p.p. nos termos dos arts. 292.º, n.º 1, e 69.º, ambos do Código Penal, na pena de 70 dias de multa, à razão diária de €5,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 4 meses e 15 dias.
Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso o M.º P.º, cuja motivação concluiu nos termos seguintes:
1 – O Instituto Português da Qualidade, enquanto gestor e coordenador do Sistema Português de Qualidade, é a entidade que, a nível nacional, garante a observância dos princípios e das regras que disciplinam a normalização, a certificação e a metrologia, incluindo os aparelhos para exame de pesquisa de álcool nos condutores de veículos.
2 – Actualmente, os instrumentos normativos que regulam a detecção e quantificação das taxas de álcool que os condutores apresentam são o Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30/10, e a Portaria n.º 1006/98, de 30/11, sendo que a Portaria n.º 748/94, de 13/8, que visava regulamentar o Decreto Regulamentar n.º 12/90, de 14/5, caducou por falta de objecto, face à expressa revogação do Decreto Regulamentar n.º 12/90 pelo Decreto Regulamentar n.º 24/98.
3 – Pelo que, inexistindo qualquer fundamento fáctico ou jurídico para a aplicação da margem de erro à taxa de alcoolemia detectada, lógico se torna que a mesma nunca deveria ter sido aplicada ou sequer ponderada, pelo que estaremos perante uma situação de erro notório de apreciação da prova pelo tribunal a quo, nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal.
4 – Os elementos constantes dos autos permitem revogar a decisão sobre a matéria de facto provada neste âmbito, sem necessidade de se determinar o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do art. 426.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, bastando apenas que seja dado como provado o facto n.º 3 da douta sentença proferida com exclusão da alusão à margem de erro.
5 – A douta sentença violou assim o disposto nos arts. 40.º, 69.º, n.º 1, al. a), 70.º, 71.º e 292.º, n.º 1, todos do Código Penal, 410.º, n.º 2, al, c), do Código de Processo Penal, 153.º, n.º 1, e 158.º, n.º 1, als. a) e b), ambos do Código da Estrada, e o Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30 de Outubro.
6 – Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogar-se parcialmente a douta sentença recorrida, substituindo-se por outra que dê como provado, sob o facto n.º 2, que “Interceptado por uma Brigada da GNR, foi o arguido submetido ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, tendo o arguido apresentado uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,45 g/l, tendo declarado não desejar ser submetido a contraprova;”, com revogação do demais dado como provado em 1.ª instância relativamente a esse facto e em consequência da alteração do facto supra citado, condene o arguido B………. pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, em pena de multa não inferior a 80 dias, à taxa diária de 5,00€, e na pena acessória de proibição de conduzir por um período não inferior a 5 meses.
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Na 1.ª instância não houve resposta.
Neste tribunal, o Exmo. Procurador Geral Adjunto apôs um visto nos autos.
Foram colhidos os vistos legais.
Procedeu-se à audiência de julgamento de harmonia com o formalismo legal, como consta da respectiva acta.
Cumpre decidir.
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Na 1.ª instância o julgamento foi realizado sob a forma sumária. No seu início, tendo o M.º P.º e a defensora do arguido sido advertidos de que, por terem legitimidade para recorrer, poderiam requerer a documentação dos actos da audiência, a efectuar por súmula, por eles foi dito nada terem a requerer. Razão pela qual não se procedeu à documentação dos actos da audiência. Deste modo, nos termos dos arts 389.º, n.º 2, e 428.º, n.º 2, ambos do C. P. Penal, renunciaram ao recurso em matéria de facto, o que significa que este tribunal conhece apenas de direito, isto sem prejuízo do conhecimento, mesmo que oficioso, dos vícios a que alude o n.º 2 do art. 410.º do C. P. Penal.
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Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas delimitam o seu objecto, temos que a única questão suscitada pelo M.º P.º a merecer apreciação diz respeito à utilização, na sentença recorrida, para a fixação do facto respeitante à taxa de alcoolémia que o arguido apresentava, de limites mínimo e máximo da margem de erro dos aparelhos utilizados para a realização do respectivo exame nos termos da Portaria n.º 748/94, de 13/08, questão que considera como constituindo o vício do erro notório na apreciação da prova e por via da sanação do qual pretende a alteração da matéria de facto provada e a agravação das penas principal e acessória em que o arguido foi condenado.
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Na sentença recorrida foi considerada provada a seguinte matéria de facto:
1. No dia 21/07/2007, por volta das 04h42m, após ter estado a ingerir bebidas alcoólicas em quantidade não apurada, o arguido conduzia, numa via pública, mais precisamente na ………., o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-PH;
2. Interceptado por uma Brigada da GNR, foi o arguido submetido ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, tendo o arguido apresentado uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,45 g/l, correspondente, no mínimo, a uma taxa real de 1,34 g/l, tendo declarado não desejar ser submetido a contraprova;
4. O arguido agiu de forma livre e consciente;
5. O arguido tinha conhecimento de que não podia conduzir veículo a motor na via pública após ter ingerido bebidas alcoólicas. Sabia igualmente que tal conduta era proibida e punida por lei criminal e tendo ele capacidade de determinação segundo as prescrições legais, não se coibiu de a realizar;
6. O arguido exerce funções de carpinteiro, aufere um rendimento mensal de € 500 e vive com companheira que aufere de reforma € 500, tendo como despesa fixa mensal a prestação para aquisição de habitação própria, de € 390;
7. O arguido não tem antecedentes criminais.
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Foi a decisão de facto fundamentada nos termos que se passam a transcrever:
A decisão de facto assentou nas declarações confessórias do arguido quanto aos factos, à sua situação pessoal e familiar, uma vez que tais declarações foram coerentes e convincentes.
Quanto aos antecedentes criminais, atendeu-se ao certificado de registo criminal constante dos autos.
No que se refere à taxa de alcoolémia, a decisão baseou-se no seguinte: No recibo do exame efectuado é expressa a taxa de álcool no sangue de 1,45 g/l, apurada pelo aparelho de medição SERES ETHYLOMETRE, modelo 679T (alcoolímetro quantitativo).
Ora, vem-se levantando a questão de saber se deve ser feito desconto ou não na taxa de álcool apurada com este tipo de aparelho. Na opinião do tribunal o desconto em causa deve ser efectuado pelos motivos que a seguir se referem.
Actualmente, os instrumentos de medição como o aqui em causa estão submetidos a um conjunto de operações com vista à sua regular utilização.
Sendo que, a Portaria nº 748/94, de 13/08, dispõe, no nº 4 do seu Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros que “Os alcoolímetros obedecerão às qualidades e características metrológicas e satisfarão os ensaios estabelecidos na norma NF X 20-701”.
No nº 6 do mesmo Regulamento estabelece-se ainda que “Nos alcoolímetros, os erros máximos admissíveis, em cada indicação, são definidos pelos seguintes valores:
a) Aprovação de modelo - os erros máximos admissíveis na aprovação de modelo são os definidos na norma NF X 20-701;
b) Primeira verificação - os erros máximos admissíveis da primeira verificação são os definidos para aprovação de modelo;
c) Verificação periódica - os erros máximos admissíveis da verificação periódica são uma vez e meia os da aprovação de modelo”.
Os erros máximos aí indicados são os resultantes da norma NF X 20-701, conforme as recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal, à qual Portugal aderiu, por força do Decreto do Governo nº 34/84, de 11/07.
Conforme foi referido pelos peritos Céu Ferreira e António Cruz no 2.º Encontro Nacional da Sociedade Portuguesa de Metrologia, realizado em 17/11/2006 em Lisboa e subordinada ao tema “Controlo Metrológico de Alcoolímetros no Instituto Português da Qualidade, “Em 1998 concluíram-se os trabalhos em curso na Organização Internacional de Metrologia Legal (OIML) e foi publicada a Recomendação n.º 126 que contém um quadro regulamentar mais conforme com os modelos da regulação metrológica internacionais e, nesse sentido, mais completo e mais actual que o da norma francesa atrás referida. Esta Recomendação, entre outras disposições, já veio diferenciar os EMA aplicáveis à VP, tal como é regra geral na legislação nacional, para todos os instrumentos de medição. Todo este quadro regulamentar, de acordo com os princípios gerais do controlo metrológico, proporciona às partes envolvidas na utilização dos aparelhos uma garantia do Estado de que funcionam adequadamente para os fins respectivos e as respectivas indicações são suficientemente rigorosas para a determinação dos valores legalmente estabelecidos. A sua comprovação, para todos os efeitos legais, faz-se pela aposição dos símbolos do controlo metrológico, nomeadamente pelo da Aprovação de Modelo e o da verificação anual válida, em cada aparelho submetido ao controlo metrológico, garantindo a sua inviolabilidade” (citada no Acórdão do TRGuimarães de 26/02/2007, disp. in www.dgsi.pt).
Refira-se ainda que, embora tenha sido suscitada, nos tribunais superiores, a questão da vigência da Portaria supra identificada, face à posterior aprovação do Decreto Regulamentar nº 24/98, de 30/10 e da Portaria nº 1006/98, de 30/11, concordamos com o teor do Acórdão proferido pelo TRÉvora de 22/05/2007, proc. N.º 441/07-1, disp. in www.dgsi.pt, no sentido de que “de ambas as peças processuais transparece que se considerou a Portaria como vigente, o que, nos termos interpretativos que se têm por mais adequados, é a nosso ver a perspectiva mais correcta.”
Resumidamente, os argumentos que a sustentam reconduzem-se a que:
- a suscitada revogação não foi incluída no elenco do art.15.º do Decreto Regulamentar, não o podendo o legislador ter olvidado,
- a matéria sobre a qual incidiu a Portaria – o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros – não foi posteriormente objecto de outro instrumento legislativo (a Portaria nº.1006/98 versou sobre requisitos a que devem obedecer os analisadores quantitativos e o modo como se deve proceder à recolha, acondicionamento e expedição das amostras biológicas destinadas às análises toxicológicas),
- e a circunstância da Portaria aludir expressamente ao Decreto Regulamentar nº.12/90 – entretanto revogado – (v.nº.1 do seu Anexo) não é elemento decisivo para sufragar a sua falta de objecto, dado reputar-se essa referência ao tipo de matéria sobre que incidia (a determinação da taxa de álcool por meio de analisador quantitativo de ar expirado ou por métodos biológicos), matéria esta que foi também objecto do Decreto Regulamentar nº. 24/98”.
Sendo certo que na Portaria nº 748/94, de 13/08, já citada, estão previstos os erros máximos admitidos (doravante designados EMA), sendo os mesmos calculados da seguinte forma:
TAS < 0,92 g/l = EMA +/- 0,07 g/l
TAS =/> 0,92 < 2,30 g/l = EMA +/- 7,5%
TAS =/> 2,30 < 4,60 g/l = EMA +/- 15%
TAS =/> 4,60 < 6,90 g/l = EMA +/- 30%
Por outro lado, e como é referido no Acórdão do TRGuimarães supra identificado, o juiz pode e deve proceder ao cálculo da taxa de álcool no sangue em conformidade com as margens de erro supra mencionadas, por forma a fixar um intervalo dentro do qual, com toda a certeza, o valor da indicação se encontra. Acrescenta ainda o Douto Acórdão que relativamente a este tipo de exame, a regra existente é a da apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, por força do disposto no artigo 127.º do CPPenal.
Ora, no caso em apreço, a taxa que o alcoolímetro acusou foi de 1,45 g/l. Atendendo à margem de erro admissível, que de acordo com o supra exposto, neste caso é de 7,5%, verifica-se que a taxa de álcool no sangue do arguido poderia variar entre 1,34 g/l e 1,56 g/l.
Face a todos estes elementos, o tribunal não pode deixar de ficar num estado de incerteza insanável quanto à taxa de álcool no sangue que o arguido efectivamente possuía, de entre os limites mínimo e máximo de EMA apurados.
Considerando que o princípio “in dubio pro reo” deve ser aplicado quando no espírito do julgador se instalou uma dúvida séria e honesta e com força suficiente para se tornar um obstáculo intelectual à aceitação da versão dos factos prejudiciais ao arguido, e que no caso concreto se suscitam sérias dúvidas quanto à efectiva taxa de álcool, considera-se ser aplicável a tal facto o aludido princípio e, assim, considerar que a taxa de álcool no sangue do arguido era de 1,34 g/l, por ser mais favorável ao arguido.
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Verifica-se o erro notório na apreciação da prova quando se dá como provado algo que está notoriamente errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando de um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo), contido no texto da decisão recorrida.
Existe ainda erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis, como sucede quando o tribunal se afasta infundadamente do juízo dos peritos (Leal-Henriques e Simas Santos, CPP Anotado, vol. II, 2.ª ed., pág. 740).
Como decorre do n.º 2 do art. 410.º do C. P. Penal e é jurisprudência pacífica, o vício do erro notório na apreciação da prova, tal como os outros previstos naquela disposição legal, tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
A sentença recorrida não enferma do vício do erro notório na apreciação da prova tal como este deve ser entendido, tendo em conta as considerações supra enunciadas. O que aqui está em causa é a aplicação de um determinado critério estabelecido numa portaria que o M.º P.º considera não ser aplicável, por ter ficado sem objecto face à revogação do diploma legal que visava regulamentar, na valoração de um meio de prova, no caso, o exame efectuado ao arguido para se apurar se conduzia ou não sob o efeito do álcool e, em caso afirmativo, com que taxa. Na verdade, o exame efectuado ao arguido apresentou como resultado uma taxa de alcoolémia de 1,45 g/l. A senhora juíza deu como provado tal facto. Só que, pelas razões que pormenorizadamente constam da fundamentação da matéria de facto e em consonância, aliás, com o auto de notícia, do qual consta que o arguido apresentou uma TAS de pelo menos 1,45 g/l correspondente à TAS de 1,34 g/l, deduzido o valor de erro máximo admissível, por referência a um ofício da DGV, entendeu dever aplicar-lhe o critério da margem de erro mínima a que os aparelhos em causa estão sujeitos, nos termos da Portaria n.º 748/94, de 13/08, fixando a taxa de alcoolémia no limite mínimo, baseando esta aplicação, para além do mais, no princípio in dubio pro reo.
O M.º P.º discorda da aplicação daquela margem de erro por considerar que com a revogação do Decreto Regulamentar n.º 12/90, aquela portaria caducou por falta de objecto. Verifica-se assim que, embora invocando o vício do erro notório na apreciação da prova, o que na realidade acontece é que discorda do desconto feito na sentença recorrida quanto à taxa de alcoolémia, ou seja do modo como a prova foi valorada. Trata-se, portanto, da discordância quanto à aplicação de uma determinada norma legal na fixação da taxa de alcoolémia e não do vício do erro notório na apreciação da prova.
Com efeito, como decorre da fundamentação da sentença recorrida e da motivação do recurso, na primeira foi aplicada a margem de erro estabelecida na Portaria n.º 748/94, de 13/08, por se considerar que esta se mantém em vigor, enquanto o M.º P.º tem entendimento contrário.
Trata-se de uma questão que não é pacífica como, aliás, decorre dos vários acórdãos citados quer na sentença recorrida quer na motivação do recurso.
Para melhor compreensão da questão, vamos fazer um pequeno historial sobre aquela portaria.
A Portaria n.º 748/94 foi publicada tendo em vista regulamentar (passe a redundância) o Decreto Regulamentar n.º 12/90, de 14 de Maio. Este diploma foi revogado pelo art. 15.º do Decreto Regulamentar nº 24/98, que, todavia, não revogou expressamente aquela portaria. Para regulamentar o Decreto Regulamentar n.º 24/98 foi publicada a Portaria n.º 1006/98, de 30/11. O Decreto Regulamentar n.º 24/98 tem em vista, como consta do seu preâmbulo, para além de reunir matérias dispersas noutros diplomas legais, regulamentar os métodos a utilizar na fiscalização e nos exames médicos e toxicológicos indispensáveis à detecção segura do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias estupefacientes ou psicotrópicas. Por sua vez a Portaria n.º 1006/98 tem por objecto fixar “… os requisitos a que devem obedecer os analisadores quantitativos e o modo como se deve proceder à recolha, acondicionamento e expedição das amostras biológicas destinadas às análises toxicológicas para determinação da taxa de álcool no sangue e para confirmação da presença de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas”, ou como mais pormenorizadamente consta do seu preâmbulo, pretende fixar os requisitos a que devem obedecer os analisadores quantitativos e o modo como se deve proceder à recolha, acondicionamento e expedição das amostras biológicas destinadas às análises toxicológicas para determinação da taxa de álcool no sangue e para confirmação da presença de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas.
Depois de dar uma definição do que são os analisadores quantitativos e as características a que devem obedecer, estabelece aquela portaria qual a substância que deve ser objecto da análise toxicológica quantitativa e os procedimentos a adoptar quer naquela análise quer no exame médico a que alude o art. 8.º do Decreto Regulamentar n.º 24/98.
Em nenhum daqueles diplomas e nomeadamente na Portaria n.º 1006/98 se fala na absoluta infalibilidade dos aparelhos e consequente absoluta fidedignidade dos resultados dos exames, ou seja não excluem que possa haver alguma margem de erro, por mínima que seja, assim como também não estabelecem qualquer margem de erro a ter em consideração no resultado dos exames.
O M.º P.º não põe em causa que os aparelhos de medição de taxa de alcoolémia não são cem por cento fiáveis, podendo haver variações, ou seja, a taxa de alcoolémia resultante de um exame pode variar entre um limite mínimo e um limite máximo. O que põe em causa é a margem de erro fixada na Portaria n.º 748/94, de 13/08, utilizada na sentença recorrida.
Independentemente de se entrar na discussão sobre a vigência ou não da Portaria n.º 748/94, de 13/08 (embora numa análise perfunctória nos pareça que se encontra em vigor, uma vez que não foi revogada expressamente pelo Decreto Regulamentar n.º 24/98, não é incompatível com este e não existe qualquer outro diploma que regulamente a margem de erro a que os aparelhos em causa podem estar sujeitos) uma coisa é certa: não existe qualquer diploma que vincule o tribunal, na apreciação da prova, ao resultado dos exames para detecção de álcool no sangue. Com efeito, tais exames não constituem prova pericial subtraída à livre apreciação do julgador, nos termos do art. 163.º do C. P. Penal. Trata-se de um meio de prova que, como refere Maia Gonçalves no CPP Anotado, 9.ª edição, pág. 380, constitui um meio de obtenção de prova através do qual se captam indícios relativos ao modo como e ao lugar onde o crime foi praticado. Embora constitua um meio de prova muito relevante, nem por isso está subtraído à livre apreciação do julgador e, consequentemente, à sua valoração nos termos do art. 127.º do C. P. Penal. E muito menos é impeditivo da aplicação do princípio in dubio pro reo. Assim, em caso de dúvida, por aplicação do princípio in dubio pro reo, pode o tribunal fixar uma taxa de alcoolémia inferior à que resulta do exame. Foi o que aconteceu na sentença recorrida. A senhora juíza, face à não infalibilidade do aparelho utilizado na medição da taxa de alcoolémia do arguido, por via da aplicação do princípio in dubio pro reo fixou uma taxa de alcoolémia relativamente à qual não tinha dúvidas.
É verdade que a legislação aplicável ao caso permite a contraprova, quer através de novo exame em analisador quantitativo, quer através da análise sanguínea, mas, tendo o julgamento sido realizado 9 dias depois da prática dos factos, era inviável a sanação da dúvida surgida no espírito da senhora juíza através da realização de novo exame ou de análise sanguínea.
Ao fim e ao cabo o que está em causa é a apreciação da matéria de facto provada e que é aquilo que o M.º P.º pretende com o recurso, por considerar que a mesma, pelas razões referidas, e no tocante à taxa de alcoolémia, se encontra erradamente julgada e deve ser alterada.
Ora, tendo o M.º P.º renunciado ao recurso em matéria de facto e não padecendo a sentença recorrida do invocado vício do erro notório na apreciação da prova, não pode este tribunal conhecer da questão do erro de julgamento da matéria de facto provada e, consequentemente, alterá-la, bem como alterar as penas principal e acessória aplicadas ao arguido, que, face à matéria de facto considerada provada, o M.º P.º considera as adequadas ao caso.
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Deste modo, nega-se provimento ao recurso.
Sem tributação, por o M.º P.º dela estar isento.
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Honorários legais
Porto, 2007/12/19

David Pinto Monteiro
José João Teixeira Coelho Vieira
António Gama Ferreira Ramos (“vencido” conforme tenho decidido não deve ser considerado a margem de erro)
Arlindo Manuel Teixeira Pinto