Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0634497
Nº Convencional: JTRP00039628
Relator: SALEIRO DE ABREU
Descritores: FALÊNCIA
LIQUIDATÁRIO
REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: RP200610260634497
Data do Acordão: 10/26/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 688 - FLS. 197.
Área Temática: .
Sumário: I- A função primordial do liquidatário é a liquidação do activo da empresa.
II- Na fixação da sua remuneração dever-se-á ter presente o trabalho efectivamente desenvolvido, o tempo gasto nas funções relativas à concreta falência, a dificuldade do exercício da função, a complexidade do processo – v.g. apuramento da sua situação jurídica, aferição do seu valor, as relações que a empresa falida tinha com terceiros, a dimensão do passivo, as dificuldades da venda dos bens, os resultados obtidos para os credores, a diligência aposta na actividade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
Nos autos de Falência de B…………., S.A., a correr termos no ….º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, foi fixada ao liquidatário judicial C…………, por despacho de 26.9.2005, a remuneração global de € 3.500,00.

Inconformado, o Sr. Liquidatário interpôs recurso, tendo terminado a respectiva alegação com as seguintes
conclusões:

O Meritíssimo Juiz "a quo" não deveria ter proferido o despacho de 26/09/2005, mantido pelo despacho de 07/11/2005, nos termos em que o fez.
Para a fixação da justa remuneração do liquidatário judicial, há que levar em conta a sua função, trabalho e tempo despendidos, bem como as exigências ao nível das habilitações técnicas e experiência profissional que o exercício deste cargo requer.
Esta remuneração não é considerada como um direito a uma retribuição mensal ou periódica, já que o liquidatário judicial não tem qualquer vínculo de subordinação que o justifique, antes sendo um profissional liberal.
Constam dos autos, em especial do apenso da Liquidação de Activos (Proc. ….-C/2000), dois requerimentos juntos aos autos em 19/12/2003 (um deles informando qual o ESTADO DA LIQUIDAÇÃO e o outro referente à venda do imóvel que constitui a VERBA n.º 6 do Auto de Apreensão de Bens), outro junto aos autos em 17/05/2004 e um outro junto aos autos em 03/06/2005, onde se pode aferir qual a dimensão e dificuldade do trabalho desenvolvido pelo ora Recorrente, bem como o tempo e meios utilizados e ainda a eficácia do seu trabalho.
Está espelhado nos autos que as intervenções do ora Recorrente foram múltiplas, tendo, nomeadamente, intervindo na venda do imóvel da falida, tendo logrado obter com tal venda uma receita para a massa de 711.492,00 € (700.000,00 € + 11.492,00 €).
Mais consta dos autos que o ora Recorrente emprestou à presente liquidação trabalho que foi desenvolvido com a qualidade e empenho que sempre coloca nas actividades que desenvolve, as quais, para serem bem desenvolvidas e obterem "sucesso", implicam a afectação de muitas horas de trabalho, experiência e know-how.
Sabia e sabe o Meritíssimo Juiz "a quo" que o ora Recorrente não utiliza serviços de "leiloeiras ou outros intermediários" para realizar as prospecções e vendas dos activos em liquidação, e que neste caso concreto também assim aconteceu, pelo que os rendimentos auferidos pelo ora Recorrente têm de provir dos honorários que lhe são fixados a final, os quais nem sequer teve oportunidade de pre-negociar com os "clientes" Tribunal/Credores.
O valor fixado não cobriu sequer os custos pessoais do ora Recorrente (que no custo hora tem de fazer reflectir os custos do escritório, secretariado e custos gerais de funcionamento), e também não premiou o "sucesso" da liquidação (muito embrulhada por falta de legalização do imóvel).
Foi para melhor corrigir as anteriores situações de subjectividade na fixação da remuneração dos Liquidatários Judiciais que geravam comprometimentos com procedimentos a que o ora Recorrente sempre foi alheio e nunca subscreveu, que o novo CIRE vejo resolver, ainda que parcialmente, esta questão.
Ora, se o esquema remuneratório foi corrigido é porque estava errado no seu mais básico conceito. E a mesma actividade não pode (não deve) ser remunerada de forma diferente, depois do reconhecimento que o ESTADO fez sobre a inadequação da anterior opção legislativa,
Se aplicarmos idêntico raciocínio ao presente caso, a remuneração fixada de 3.500,00 € pode decompor-se em duas partes: a correspondente à parte fixa, no montante de 2.000,00 € (a exemplo da remuneração fixada ao liquidatário antecedente) e a que corresponderia à parte variável, que seria de 1.500,OO €.
Se a primeira tem de aceitar-se, já a segunda é manifestamente insuficiente, pois se aplicarmos os preceitos da referida Portaria, resulta para a remuneração variável, no presente caso, o montante de 17.886,97 €. Ou seja, a remuneração variável é assim bem diferente dos 1.500,00 € fixados e que são manifestamente insuficientes.
Para a remuneração dos liquidatários permite o Código das Custas Judiciais uma remuneração até ao máximo de 5% do valor dos bens vendidos (art.º 34°).
Poderia a remuneração ser fixada em função do previsto na norma da al. e) do n° 1 do art.° 34° do Código das Custas Judiciais, pelo que, calculando: 5 % x 711.492,00 €, tínhamos como valor máximo o montante de 35.574,00 €.
Admitindo como justa a comissão de 3%, devida se tivesse recorrido à intermediação no mercado imobiliário e que corresponde à comissão média, então teríamos: 3 % x 711.492,00 = 21.344,00 €.
Deve ser fixado ao ora Recorrente, como remuneração global, atento o trabalho efectivamente desenvolvido, as necessárias horas para o efeito gastas e o sucesso obtido, um montante nunca inferior a 21.344,00 €.
Ao decidir com decidiu, o Meritíssimo Juiz "a quo" fez errada interpretação dos factos e consequente má aplicação do direito, nomeadamente das disposições legais contidas nos art.ºs 34° e 133° do CPEREF, art.º 5° do D.L. 254/93, de 15/07 e al. e) do nº 1 do art.º 34° do Código das Custas Judiciais.
Pelo que é ilegal o douto despacho recorrido.

Pede que, no provimento do recurso, se fixe a remuneração global a atribuir ao recorrente, enquanto liquidatário judicial, em montante nunca inferior a 21.344,00 €.

Não há contra-alegações.
Foi proferido despacho de sustentação.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

II.
Apenas está em causa o montante da remuneração atribuída ao liquidatário judicial, ora recorrente.

Como já foi referido pelo M.mo Juiz a quo no despacho que recaiu sobre o pedido de reforma da decisão que fixou a remuneração, não é aplicável ao caso em apreço a Portaria nº 51/2005, de 20.01, pelo que não tem cabimento a invocação dos valores e tabelas fixados nesse diploma.
Igualmente não é aqui aplicável o Código das Custas Judiciais, designadamente o seu art. 34º, nº 1, trazido à colação pelo recorrente, mas sim o DL. nº 254/93, de 15.7, que, no seu art. 5º, nº 1, estatui que “a remuneração do liquidatário judicial é fixada pelo juiz, nos termos previstos no Código dos Processos de Recuperação da Empresa e da Falência para a fixação da remuneração do gestor judicial (...)”.
E determina o artigo 34º/1 do CPEREF que “o gestor judicial, pago pela empresa, tem a remuneração fixada pelo juiz, que atenderá ao parecer dos credores, à prática de remunerações seguida na empresa e às dificuldades das funções compreendidas na gestão”.

Há que ter em consideração, no entanto, que as funções do liquidatário não coincidem com as do gestor.
A função primordial do liquidatário é a liquidação do activo da empresa. A sua actividade destina-se essencialmente a preparar o pagamento aos credores do falido, e para esse efeito, à alienação do seu património. Todavia, reconhecer-se-á que as funções e tarefas que lhe são cometidas não se esgotam nessa actividade, como bem se salienta no Ac. da RP, de 23-03-2006, www.dgsi.pt, processo 0631122.
E na fixação da sua remuneração dever-se-á ter presente o trabalho efectivamente desenvolvido, o tempo gasto nas funções relativas à concreta falência, a dificuldade do exercício da função, a complexidade do processo – v.g. apuramento da sua situação jurídica, aferição do seu valor, as relações que a empresa falida tinha com terceiros, a dimensão do passivo, as dificuldades da venda dos bens, os resultados obtidos para os credores, a diligência aposta na actividade (vd. Ac. da RG, de 5/2/03, CJ, 2003, I, 281).
Não se poderá olvidar também que, como se escreveu no Ac. desta Relação, de 2.2.2006, www.dgsi.pt, proc. 0536284, o liquidatário judicial “é um profissional liberal, qualificado, com funções de responsabilidade, a quem se exigem qualificações técnicas e experiência profissional elevadas (...). É um profissional liberal, com os riscos inerentes ao exercício da função, mas que implica despesas de organização e funcionamento, toda uma logística de meios que não são gratuitos, que não podem deixar de pesar na remuneração dos seus serviços, e com a qual organizará, manterá e custeará a sua “empresa”. Por outro lado, é admitido nas listas de gestores e liquidatários em consideração da sua capacidade técnica e experiência profissional, qualificações que não podem ser ignoradas na fixação da sua remuneração”.

Revertendo ao caso sub judice, dos autos não consta qualquer parecer dos credores sobre a remuneração fixar, como também desconhecemos quais as remunerações que eram seguidas na empresa.

Também são parcos os elementos sobre a concreta actividade levada a cabo pelo recorrente.
De qualquer modo, e ao que resulta dos autos, a actividade principal desenvolvida pelo agravante, enquanto liquidatário da falida – nomeado em substituição de um anterior – foi, como ele próprio reconhece, a venda do imóvel da falida, seu principal activo.

Esse bem foi vendido pela verba de € 700.000,00, negócio precedido de contrato-promessa de compra e venda (docs. de fls. 73 e segs.).
Certamente que a concretização do negócio implicou a realização de diversas diligências, estudos, ponderação e considerável afectação de tempo e trabalho. E nada indicia que o resultado obtido com a liquidação não tenha sido bem positivo.
Ponderados todos os vectores referidos, e tendo ainda em consideração o tempo de desempenho da função (consta do relatório da liquidação que o recorrente foi designado liquidatário por despacho de 12.7.2002), afigura-se-nos como ajustada a remuneração de € 10.000,00.

III.
Em face do exposto, concede-se parcial provimento ao agravo e, consequentemente, altera-se a decisão impugnada, fixando-se em € 10.000,00 (dez mil euros) a remuneração global do liquidatário/recorrente.
Custas pelo agravante, na proporção do decaimento.

Porto, 26 de Outubro de 2006
Estevão Vaz Saleiro de Abreu
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos
Gonçalo Xavier Silvano