Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0820596
Nº Convencional: JTRP00041273
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
REGIME PROCESSUAL CIVIL EXPERIMENTAL
Nº do Documento: RP200804080820596
Data do Acordão: 04/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA.
Decisão: ATRIBUÍDA A COMPETÊNCIA
Indicações Eventuais: LIVRO 269 - FLS. 161.
Área Temática: .
Sumário: Para conhecer das acções instauradas ao abrigo do DL 108/2006, de 8/6, que instituiu o regime processual civil experimental, mesmo que o seu valor exceda a alçada da Relação, são competentes os juízos cíveis.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 596/08 – 2
Conflito de competência

Relator: Eduardo Rodrigues Pires

Adjuntos: Desembargadores Canelas Brás e Antas de Barros


Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

O Min. Público requereu a resolução do conflito negativo de competência suscitado entre os Mmºs Juízes do 1º Juízo Cível, 2ª secção e da 2ª Vara Cível, 2ª secção, ambos da comarca do Porto, que se julgaram incompetentes para preparar e julgar a acção declarativa que foi intentada por B……………. contra C…………….., nos termos do regime processual civil experimental instituído pelo Dec. Lei nº 108/2006, de 8.6.

As autoridades em conflito foram notificadas para os efeitos do art. 118 do Cód. do Proc. Civil, tendo o Mmº Juiz da 2ª Vara Cível, 2ª secção, apresentado resposta, na qual manteve a sua posição no sentido da atribuição da competência aos Juízos Cíveis da Comarca do Porto.

O Digno Magistrado do Min. Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, pronunciando-se pela atribuição da competência ao 1º Juízo Cível, 2ª secção, da comarca do Porto.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


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Os factos, documentados nos autos, com interesse para a decisão do presente conflito são os seguintes:

A) No proc. nº ……../07.5 TJPRT que B……………. intentou contra C………………, o Mmº Juiz do 1ª Juízo Cível do Porto – 2ª secção – proferiu despacho em que:

- face à dedução de pedido reconvencional por parte da ré, fixou, de acordo com o disposto no art. 308 nº 2 do Cód. do Proc. Civil, o valor da causa em €19.989,18;

- excedendo este o valor fixado para a alçada dos Tribunais da Relação em matéria cível, declarou-se incompetente, ao abrigo do art. 97 nºs 1 al. a) e 3 da Lei nº 3/99, de 13.1, para julgar e preparar a acção e ordenou a remessa dos autos às Varas Cíveis do Porto, por serem estas as competentes para tal efeito.

B) Na sequência desta decisão, o processo foi remetido às Varas Cíveis do Porto, tendo o Mmº Juiz da 2ª Vara Cível, 2ª secção, a quem o mesmo foi distribuído, proferido despacho em que se julgou incompetente para conhecer da referida acção cível que foi instaurada nos termos do regime processual civil experimental instituído pelo Dec. Lei nº 108/2006, de 8.6.

Para tal efeito, considerou em síntese que:

- a lei (o Dec. Lei nº 108/2006, de 8.6) não estabeleceu qualquer limite de valor para as acções declarativas cíveis instauradas ao abrigo do regime processual civil experimental, donde decorre que as mesmas podem ter valor superior à alçada da relação;

- do art. único da Portaria nº 955/2006, de 13.9 resulta que este regime processual experimental se aplica, designadamente, nos Juízos Cíveis do Tribunal da Comarca do Porto (al. b) e nos Juízos de Pequena Instância Cível do Tribunal da Comarca do Porto (al. c);

- não está, assim, prevista a aplicação deste regime processual experimental nas Varas Cíveis do Tribunal da Comarca do Porto;

- o Dec. Lei nº 108/2006, ao contrário do que sucede, por ex., com o procedimento injuntivo, não prevê que, no decurso da acção declarativa cível instaurada nos termos do regime processual civil experimental, esta passe a seguir, a partir de determinado momento, a forma de processo comum ordinário;

- por isso, a acção cível instaurada nos termos do Dec. Lei nº 108/2006 nunca poderá observar, em nenhum momento da sua tramitação, a forma de processo comum ordinário;

- a competência originária para conhecer deste tipo de acções pertence assim aos Juízos Cíveis da comarca do Porto e não às suas Varas Cíveis;

- só no caso das partes terem requerido a intervenção do tribunal colectivo é que os Juízos Cíveis remeterão o processo às Varas Cíveis para julgamento e posterior devolução, de acordo com o art. 97 nº 4 da LOFTJ, situação que não se verificou no presente caso.

C) Ambos os despachos transitaram em julgado: o do 1º Juízo Cível, 2ª secção, em 28.10.2007 e o da 2ª Vara Cível, 2ª secção, em 29.11.2007.


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A questão a decidir neste conflito é a de apurar se a competência para conhecer uma acção declarativa proposta nos termos do regime processual civil experimental instituído pelo Dec. Lei nº 108/2006, de 8.6, excedendo o seu valor a alçada da relação, deve ser atribuída aos Juízos Cíveis do Tribunal da Comarca do Porto ou às Varas Cíveis da mesma comarca.

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O DIREITO

A acção declarativa com o nº ………/07.5 TJPRT, a que se reporta o presente conflito de competência, foi instaurada ao abrigo do Dec. Lei nº 108/2006, de 8.6. que instituiu o regime processual civil experimental, tendo o seu valor, face à dedução de reconvenção e de acordo com o art. 308 nº 2 do Cód. do Proc. Civil, sido fixado em €19.819,18.

Este valor excede o que se encontra estabelecido para a alçada dos tribunais da Relação no art. 24 nº 1 da LOFTJ (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais).

O art. 1 do Dec. Lei nº 108/2006 estabelece que «o presente decreto-lei aprova um regime processual experimental aplicável a acções declarativas cíveis a que não corresponda processo especial e a acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos».

Percorrendo depois as restantes disposições que constituem este diploma legal verifica-se que nele não se estabeleceu qualquer limite de valor para as acções declarativas cíveis instauradas no seu âmbito.

Daí resulta que mesmo tendo a acção declarativa cível valor superior à alçada do tribunal da Relação, desde que se verifiquem os pressupostos do art. 1 do Dec. Lei nº 108/2006, pode esta ser proposta nos termos do regime processual civil experimental.

Será igualmente de realçar que o Dec. Lei nº 108/2006, nos seus arts. 8 nº 5 e 9 nº 2 al. e), possibilita às partes que requeiram a intervenção do colectivo. Ora, sucedendo que este só intervém em acções de valor superior à alçada da Relação, somos assim levados a concluir que as acções declarativas cíveis instauradas nos termos do referido Dec. Lei nº 108/2006 podem ter valor superior a tal alçada.

Assente esta primeira conclusão, a pergunta que a seguir se coloca é a de saber quais os tribunais competentes para conhecer deste tipo de acções. A resposta surge-nos no art. 21 nº 1 do Dec. Lei nº 108/2006, onde se diz que «o presente decreto-lei aplica-se nos tribunais a determinar por portaria do Ministro da Justiça».

Esta portaria é a nº 955/2006, de 13.9 em cujo art. único se estabeleceu que o regime processual experimental, aprovado pelo Dec. Lei nº 108/2006, será aplicado, entre outros, nos Juízos Cíveis do Tribunal da Comarca do Porto e nos Juízos de Pequena Instância Cível da mesma comarca (als. b) e c)).

Impõe-se, por conseguinte, uma segunda conclusão – a de que não está prevista na lei a aplicação do regime processual civil experimental decorrente do Dec. Lei nº 108/2006 às Varas Cíveis da Comarca do Porto.

Por outro lado, é também de referir que, ao contrário do que sucede com outros procedimentos especiais, o Dec. Lei nº 108/2006 não prevê que, no decurso da tramitação das acções declarativas cíveis instauradas no seu âmbito, estas passem a seguir, a partir de determinado momento ou verificado certo condicionalismo, a forma de processo comum ordinário.

É o que se verifica, designadamente, com o procedimento injuntivo quando, para valores superiores à alçada da Relação, seja deduzida oposição ou se frustre a notificação, situação em que, de acordo com o preceituado no art. 7 nº 2 do Dec. Lei nº 269/98, de 1.9., na redacção que lhe foi dada pelos Dec. Leis nºs 32/2003, de 17.2 e 107/2005, de 1.7., os autos serão remetidos para o tribunal competente, passando a seguir-se a forma de processo comum ordinário.

Não havendo disposição semelhante no Dec. Lei nº 108/2006, entendemos não poder a acção declarativa cível proposta ao abrigo do regime processual experimental passar a seguir, em caso algum, tal forma processual.

Por isso, esta acção seguirá sempre a tramitação que está especificamente prevista no referido Dec. Lei nº 108/2006 e, uma vez que o regime processual civil experimental por ele instituído não é aplicável nas Varas Cíveis da Comarca do Porto, a competência para conhecer desta acção caberá aos Juízos Cíveis da mesma comarca.

Porém, não se pode ignorar que, conforme decorre dos arts. 8 nº 5 e 9 nº 2 al. e) do Dec. Lei nº 108/2006, as partes, nos articulados, têm a possibilidade de nestas acções requererem a intervenção do colectivo, intervenção essa que, de qualquer modo, só pode ocorrer quando as mesmas tenham valor superior à alçada da Relação.

Ora, neste caso, ocorrendo requerimento no sentido da intervenção do colectivo, apesar da competência originária para estas acções não pertencer às Varas Cíveis da Comarca do Porto, o processo ser-lhe-à remetido, mas apenas para julgamento e ulterior devolução, nos termos do art. 97 nº 4 da LOFTJ, onde se dispõe o seguinte: «são ainda remetidos às varas cíveis, para julgamento e ulterior devolução, os processos que não sejam originariamente da sua competência, ou certidão das necessárias peças processuais, nos casos em que a lei preveja, em determinada fase da sua tramitação, a intervenção do tribunal colectivo».

Sublinhe-se, contudo, que a competência originária para conhecer de tais acções sempre pertenceria aos Juízos Cíveis do Porto e que a sua remessa às respectivas Varas Cíveis sempre estaria circunscrita à realização do julgamento.

Sucede, todavia, que nenhuma das partes requereu nos articulados a intervenção de tribunal colectivo, donde decorre que nem limitada à realização do julgamento se colocará a possibilidade de nos autos intervirem as Varas Cíveis da Comarca do Porto.

Deste modo, na sequência de tudo o que se vem expondo e em que se aderiu à posição adoptada pelo Mmº Juiz da 2ª Vara Cível, 2ª secção, conclui-se que para conhecer das acções, como a presente, que foram instauradas ao abrigo do Dec. Lei nº 108/2006 que instituiu o regime processual civil experimental, mesmo que o seu valor exceda a alçada da Relação, são competentes os Juízos Cíveis do Tribunal da Comarca do Porto.


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DECISÃO

Nos termos expostos, decide-se o conflito, atribuindo ao 1º Juízo Cível, 2ª secção, do Tribunal da Comarca do Porto a competência para conhecer da acção nº ……./07.5 TJPRT.

Sem custas.

Porto, 08 Abril de 2008

Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires
Mário João Canelas Brás
António Luís Caldas Antas de Barros