Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0813993
Nº Convencional: JTRP00041651
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: INSTRUÇÃO
DIREITOS DE DEFESA DO ARGUIDO
RECURSO
Nº do Documento: RP200809240813993
Data do Acordão: 09/24/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 546 - FLS 189.
Área Temática: .
Sumário: As declarações de um arguido só podem fundamentar a condenação de um co-arguido se se mostrarem coerentes e forem corroboradas por outros elementos de prova.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: (proc. n º 3993/08-1)
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Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
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I- RELATÓRIO
No .º Juízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, nos autos de processo comum (Tribunal Colectivo) nº …/99.2GAPFR, foi proferido acórdão, em 4/12/2007 (fls. 3233 a 3304), constando do dispositivo, no que interessa aos recursos aqui em apreço, o seguinte:
“Pelo exposto, os juízes acordam em:
Condenar, B………., pela prática como autor material de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256º, nº1, alínea a), e nº 3 do Código Penal na pena de 12 meses de prisão e pela prática de um crime de aquisição de moeda falsa p. e p. pelo art. 266º nº1 al. a) do Código Penal na pena de 8 meses de prisão, em convolação do crime de passagem de moeda falsa, previsto e punido pelo art. 265º, nº 1, alínea a) do Código Penal, por que vinha pronunciado.
Absolver B………. da prática de um crime de detenção de substâncias explosivas, previsto e punido pelo art. 275, nº 1 e 4, do Código Penal e da prática em co-autoria material de, um crime de receptação, na forma continuada, previsto e punido pelo art. 231º, nº1 e 4, do Código Penal; nove crimes de uso de documento falso, previsto e punido pelo art. 256º, nº1, alínea c), e nº3, do Código Penal; três crimes de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256º, nº1, alínea a), e nº3, do Código Penal e onze crimes de burla, previsto e punido pelo art. 217º, nº1, agravado nos termos do disposto no art. 218º, nº 2, alínea b), ambos do Código Penal, por que vinha ainda pronunciado.
Condenar B………. na pena única do concurso de crimes de 15 meses de prisão.
Suspender por igual período de tempo a execução da pena de 15 meses de prisão aplicada ao arguido B………. .
(…)
Condenar, C………., pela prática como autor material de três crimes de uso de documento falso, previsto e punido pelo art. 256º, nº1, alínea c), e nº3, do Código Penal nas penas unitárias de 200 dias de multa, 150 dias de multa e 150 dias de multa à taxa diária de 7,00euros. Pela prática de três crimes de burla, previsto e punido pelo art. 217º, nº1 do Código Penal, nas penas unitárias de 180 dias de multa, 100 dias de multa e 100 dias de multa, à taxa diária de 7,00euros.
Absolver C….…… da prática em co-autoria material de um crime de receptação, na forma continuada, previsto e punido pelo art. 231º, nº1 e 4, do Código Penal, de seis crimes de uso de documento falso, previsto e punido pelo art. 256º, nº1, alínea c), e nº3, do Código Penal, de três crimes de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256º, nº1, alínea a), e nº3, do Código Penal e de oito crimes de burla, previsto e punido pelo art. 217º, nº1, agravado nos termos do disposto no art. 218º, nº 2, alínea b), ambos do Código Penal, por que vinha ainda pronunciado.
Condenar C……… na pena única do concurso de crimes de 600 dias de multa à taxa diária de 7,00 euros.
(…)
Condenar os arguidos, D………., E………., B………. e C………. no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça individual em, respectivamente, 8 U.C., 6 U.C. e 6 U.C., com procuradoria que se fixa em 1/3 da taxa de justiça devida.
Acresce 1% da mesma a favor da A.P.A.V..
Os honorários devidos ao(s) Exmo.(a) defensor(es) nomeados nos autos, serão pagos nos termos da tabela legal em vigor.
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Ao abrigo do art. 109º nº1 do Código Penal, declarar perdidos a favor do Estado as munições apreendidas nos autos a fls. 258 e as notas apreendidas nos autos e examinadas a fls. 895.
- Ordenar a devolução dos restantes bens apreendidos nos autos ao(s) seu(s) legítimo(s) proprietário(s), caso assim o requeiram no prazo legal.
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Remeta boletins ao registo criminal.
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(…)”
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Não se conformando com o acórdão, o arguido B………. interpôs recurso dessa decisão (fls. 3347 a 3351), formulando as seguintes conclusões:
“1º) Salvo o devido respeito, que é manifesto, afigura-se ao recorrente, carecer de fundamento de facto e de direito que justifique, a condenação numa pena única de quinze meses de prisão, suspensa por igual período de tempo.
2º) Relativamente à matéria de facto dada como provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos documentos juntos no processo, bem como nas declarações prestadas, no decurso da audiência de julgamento, nos depoimentos das várias testemunhas.
3º) Para além disso, salvo o devido respeito e melhor opinião, a sentença, para além da indicação dos factos provados e não provados, há-de conter também, os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação, ou seja, ao cabo e ao resto, um exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal colectivo num determinado sentido – vide neste sentido Acórdão do Tribunal Constitucional de 2-12-1998, in Diário da República IIª Série de 5-3-1999.
4º) Ora, a ser assim, em que se fundamentaram os Mmos. Juízes a quo para na sua douta sentença, virem dar como provado, sem qualquer margem para dúvidas, de que foi o arguido que falsificou qualquer documento ou que as notas de colecção que possuía se destinavam a introduzir em circulação? Consta apenas da douta sentença que “(…) as declarações da testemunha F………. que confirmou ter-lhe sido furtada a respectiva carta de condução (…) o teor de tal carta de condução apreendida no interior da residência do arguido B………. da qual resulta que na mesma foi aposta a fotografia deste arguido (…)” e relativamente às notas “(…) a livre convicção do Tribunal, considerando não ter o arguido B………. dado qualquer explicação para a posse de tais notas falsas e ser da experiência comum e da normalidade dos comportamentos humanos que quem detém consigo notas falsas tem, à falta de outra razão ou explicação em contrário, a intenção de as introduzir em circulação e dessa forma obter um correspondente benefício ilegítimo.(…). Qual foi a prova apresentada que sem margem para dúvidas indicasse que foi o arguido que praticou tais actos? E será que o facto de alguém ter furtado a carta de condução (não se tendo apurado quem foi), e nela constar a fotografia do arguido determina que foi o mesmo que falsificou o documento? E as notas não poderiam ser de colecção, estar na posse do arguido porque o mesmo gostava e coleccionava notas e moedas? Qual foi a prova apresentada de que as mesmas se destinavam a ser introduzidas em circulação? E o facto de o arguido ter uso o seu direito ao silêncio prejudicou-o? Salvo o devido respeito é o que parece resultar do Douto Acórdão, uma vez que o arguido só foi condenado pelo crime de aquisição de moeda falsa em convolação do crime de passagem de moeda falsa, pelo facto de não ter prestado declarações.
5º) Salvo melhor opinião nenhuma prova foi feita neste sentido, pelo que nunca se poderia ter condenado o arguido pelo crime de falsificação de documento e muito menos pelo crime de aquisição de moeda falsa em convolação do crime de passagem de moeda falsa.
6º) Para além disso, a única testemunha da acusação que referiu conhecer o arguido B………. foi o Exmº. Senhor Inspector da P.J., cujo aditamento de inquirição foi requerido ao abrigo do artigo 340º do Código de Processo Penal, mas que de nada se recordava, aliás quando indagado respondeu – cassete 3, lado A, 0310 “(…) como sabe, o processo é de 99.Penso que terei sido eu a proceder a uma busca em casa do Senhor (…)” e quando indagado de quem era a residência o mesmo respondeu “(…) não me recordo (…)” – cassete 3, lado A, 0335, quando indagado se se lembrava do nome do arguido respondeu “(…) não (…)” – cassete 3, lado A, 0345 e quando indagado se era isto o que sabia respondeu “(…) sim (…)” – cassete 3, lado A, 0356. De igual forma foi-lhe indagado sobre a apreensão de documentos tendo o mesmo respondido “(…) eu penso. A ideia que eu tenho eram cheques ou cartas ou carta, não sei (…)”. Ou seja, nem o Exmº Senhor Inspector se lembrava de nada referente ao arguido, nem se lembrava de praticamente nada da diligência efectuada, nada tendo sido provado que pudesse levar a uma condenação, sem qualquer margem para dúvidas do arguido.
7º) Talvez por tal facto e uma vez mais salvo o devido respeito, o Mmº Juiz a quo tenha de se tentar socorrer das regras da experiência comum das coisas. Mas e se a presente situação não se enquadrar em tal regra? Que prova é que foi feita de que o arguido efectuou a alegada falsificação do documento? E que utilizou tal documento? E de que adquiriu ou vendeu moeda falsa? Nada em sede de audiência de julgamento se provou. Nem uma testemunha sequer foi apresentada à excepção da supra referida que conheça o arguido, que o visse a praticar os crimes, não foi junta qualquer perícia que indicasse que foi o arguido que falsificou tal documento, não foi junto qualquer prova da culpa do arguido em qualquer dos alegados crimes.
8º) Ou seja, salvo melhor opinião não existe qualquer preenchimento do elemento objectivo ou subjectivo por parte do arguido quanto ao crime de falsificação do documento ou de aquisição de moeda falsa, não existindo qualquer prova ou certeza que deve presidir a uma condenação ou a uma absolvição, sendo que o arguido sempre deveria aproveitar o princípio in dubio pro reo.
9º) In casu, salvo melhor opinião a douta sentença em crise é nula por violação da alínea a) do artigo 379º do Código de Processo Penal.
10º) Para além disso, o artigo 127º do Código de Processo Penal consagra o princípio da livre apreciação da prova. De acordo com esta disposição “(…) salvo quando a lei dispuser diferentemente a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente (…)”. Contudo e como ensina Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal anotado, 1990, 3ª edição, pág. 221, “(…) como uniformemente expendem os autores, livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Dentro desses pressupostos se deve portanto colocar o julgador ao apreciar livremente a prova (…)”.
11º) Havendo, pois, lugar a um erro notório na apreciação da prova, a que alude o disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, pois que a apreciação desta, salvo o devido respeito, não teve como pressuposto valorativo, a obediência aos critérios da experiência comum supra aludidos.
12º) Pelo exposto supra, afigura-se ao recorrente que a sentença recorrida traduz um manifesto erro na apreciação da prova, justificativo de que os Exmºs Senhores Desembargadores conheçam de facto e de direito no presente caso, admitindo a renovação da prova, ou de que ordenem o reenvio do processo para novo julgamento – cfr. alínea a) e c) do artigo 410º e 430º e artigo 426º todos do Código de Processo Penal.
13º) Disposições violadas: as referidas supra nomeadamente, artigo 127º do Código de Processo Penal e a alínea a) do artigo 397º[1] do Código de Processo Penal.”
Termina pedindo o provimento do recurso, com a consequente revogação do Acórdão (na parte que lhe diz respeito) e a sua substituição por outro que o absolva ou, caso assim se não entenda, a renovação da prova que indica (declarações do arguido e testemunhas indicadas na contestação) por verificação de erro notório na apreciação da prova (arts. 410 nº 2-c) e 430 do CPP), ou considerando-se que existe o vício do art. 410 nº 2-c) do CPP, mas que não é possível decidir da causa, então que se determine o reenvio do processo para novo julgamento nos termos do art. 426 do CPP.
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Também o arguido C………. recorreu do acórdão (fls. 3377 a 3395), apresentando as seguintes conclusões:
“- A convicção do Tribunal resultou, “de uma análise crítica e global do conjunto da prova produzida, considerando nomeadamente, as declarações da testemunha G………., das declarações de H………., das declarações de I………., J………., motorista da “K……….”, L………., das declarações do arguido M………., do teor do cheque de fls. 1337, das declarações de N………., do teor do cheque de fls. 1336 e das declarações de O……….;
- Assim, a testemunha G………., quanto à matéria em discussão nos presentes autos, concretamente quanto à factualidade imputada ao arguido C………., do depoimento desta testemunha nada se extrai;
- O mesmo se diga quanto à testemunha H………., o qual, sob juramento, afirma não conhecer ninguém;
- Relativamente à testemunha I………., sob juramento, apenas e tão só reconheceu o arguido D………. como sendo um dos três indivíduos que se dirigiu ao estabelecimento da sociedade “K……….”;
- Peremptoriamente não reconheceu mais ninguém;
- E isto expressamente se extrai do seu depoimento, o qual se encontra devidamente gravado – passagem 039 – lado A- cassete de 12/10/2007;
- Identifica o arguido D………. como um dos intervenientes, o qual, conforme afirmou, havia já identificado nas instalações da Polícia Judiciária;
- Deste registo não se extrai o reconhecimento de qualquer outro arguido;
- Não corresponde à realidade que a testemunha tenha afirmado ou sequer insinuado que um dos outros lhe parecesse o arguido C…………, conforme se afere do douto acórdão ora em crise;
- Por outro lado, peremptoriamente afirmou a testemunha que ao estabelecimento comercial se deslocaram três indivíduos, tendo apenas identificado um;
- Como tal, não era legítimo ao tribunal presumir que um dos outros dois fosse o arguido C……….;
- Por sua vez, a testemunha P………. e não J………. conforme erradamente consta do acórdão, à data motorista da sociedade “K……….”, sob juramento, esclareceu, dos presentes, não reconhecer ninguém;
- O Registo do seu depoimento consta da passagem 620 – lado A – cassete de 12/10/2007;
- Não corresponde à verdade que, em sede de audiência de discussão e julgamento tenha reconhecido os arguidos D………. e C………., e que estes se afirmaram legítimos portadores do cheque, como, mais uma vez, erradamente o Mmº Juiz a quo faz constar do douto acórdão ora em crise;
- Inicia o seu depoimento afirmando que não conhece ninguém;
- Conforme do registo – passagem 010, 019 e 028, lado B da mesma cassete – peremptoriamente afirma esta testemunha “na Polícia Judiciária acho que disse duas pessoas, mas não afirmei”, “deparei com várias pessoas na montra”, “identifiquei duas pessoas, mas não eram essas pessoas”, “não afirmei com certeza”, ou seja, conforme comentário do Mmº Juiz “afirmou com reserva”;
- Quanto à testemunha L………., o que, sob juramento, afirmou não conhecer ninguém;
- Da mesma forma que a anterior peremptoriamente afirmou não conhecer nem reconhecer ninguém, conforme se retira das declarações por si prestadas e constantes do registo da cassete de 26/10/2007;
- A testemunha N………., sob juramento, prestou depoimento, o qual se encontra registado na cassete de 12/10/07 – lado A – passagem 086;
- Questionada, dos presentes, afirmou conhecer o Sr. E………., “pois é seu vizinho”. “Conhece o Q……….” e o arguido C………. “dá-lhe ares”, mas “não pode confirmar”;
- Mais, afirmou que, na data de hoje está confusa no reconhecimento;
- Afirmou aquela testemunha que não foi o arguido C………. que esteve no seu estabelecimento, pois “o outro senhor era mais baixo”.
- Afirma o tribunal a quo que formou a sua convicção, para além do mais, no teor do cheque junto a fls. 1336;
- A testemunha afirma que o indivíduo que se deslocou ao seu estabelecimento “pôs a data, o valor e o extenso”, “o cheque já estava assinado”, “no verso também já estava assinado”.
- Do despacho de pronúncia, quanto a este facto concreto, resultou o arquivamento quanto ao crime de falsificação, pois o cheque havia sido preenchido por pessoa não identificada;
- A testemunha afirma que o indivíduo preencheu a data, o valor e o extenso
- O arguido C………. foi sujeito a prova pericial, à assinatura e à caligrafia, a qual resultou inconclusiva;
- Se o indivíduo que esteve no estabelecimento da testemunha foi o mesmo que preencheu parcialmente o cheque e se o tribunal dá como assente que este foi preenchido por pessoa não identificada, então, essa pessoa nunca poderia ser o arguido C……….;
- No que toca à testemunha O………., concerne sob juramento, afirmou não conhecer ninguém, conforme resulta do seu depoimento que se encontra gravado no lado A da cassete de 26/10/07;
- Declarou que “uns senhores lhe passaram um cheque sem cobertura”.
- Mais, declara, que “não tenho a certeza, mas acho que o cheque foi preenchido numa carrinha”;
- Afirmou que eram dois homens, mas que só um fez as compras e lhe comprou uma televisão e um aparelho de som;
- A testemunha foi incapaz de identificar os indivíduos que se deslocaram ao seu estabelecimento.
- Relativamente ao cheque, quanto a este facto, em sede de despacho de pronúncia resultou o arquivamento quanto ao crime de falsificação, o qual, inequivocamente, aproveita ao arguido C………., pois não permite colocar o arguido nos factos em crise, afastando-o sem qualquer margem para dúvidas
- Quanto às declarações de um co-arguido – em sede de inquérito, a fls. 869 dos autos declarou o co-arguido M………. que “à cerca de 3 anos um conhecido seu e amigo, cerca de 33 anos, 1,80, cabelo castanho claro e de apelido mota lhe perguntou se queria comprar mobília nova”.
-Em sede de audiência de discussão e julgamento (conforme resulta do registo gravado – passagem 614 – lado A – cassete de 11/10/07) o mesmo co-arguido declarou que “foi o C………. que lhe disse que tinha móveis para venda”, “O C………. disse-lhe que tinha uma mobília de quarto para vender”.
- Por outro lado, em inquérito declarou que “quando foi ver a mobília o D………. estava acompanhado por um indivíduo que conhece de nome C………. que também estava nesta Polícia, mas que nada teve a ver com o negócio”.
- Em audiência de julgamento, declarou que “comprou os móveis ao C……….”.
-Mas, mais curioso é o facto de o co-arguido na Polícia Judiciária ter identificado o D………. como o indivíduo que lhe vendeu as mobílias, declarando que o C………. nada tinha a ver com o negócio, em sede de audiência de discussão e julgamento dá o dito por não dito, e presta declarações completamente opostas, ou seja, declara que “na judiciária identificou o C……….”, “na Judiciária não lhe mostraram mais ninguém, só mostraram o C……….”;
- A matéria de facto dada como provada e constante do douto acórdão ora em crise está em desconformidade com a realmente vivenciada por todos os sujeitos processuais e não reflecte fielmente a registada, razão pela qual vai impugnada;
- As declarações prestadas maxime as que o forem em audiência de julgamento, por um ou mais dos co-arguidos não podem validamente ser assumidas como meio de prova relativamente aos outros, antes servindo tais declarações, no âmbito da co-arguição, única e simplesmente como meio de defesa pessoal do arguido ou arguidos que as tiverem prestado, pelo que em conclusão, se da motivação da sentença, nos termos do art. 374º, constar que as declarações dos co-arguidos contribuíram irrestritamente para a formação da convicção do tribunal, verifica-se uma situação de nulidade do julgamento;
- Inexiste prova de que o mesmo tenha praticado os crimes pelos quais foi erradamente condenado, nem tão pouco se encontram preenchidos os elementos do tipo quanto aos crimes em questão.
Disposições violadas: art. 368º, nº 2, 374º, nº 2 e 379, al. a) do CPP, bem como, princípios da legalidade, princípio In Dubio Pro Reo.”
Termina pedindo o provimento do recurso, anulando-se o julgamento.
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Na 1ª instância o MºPº respondeu aos dois recursos (fls. 3435 a 3456), pugnando pela sua improcedência.
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Nesta Relação, a Srª. Procuradora-Geral Adjunto emitiu o parecer que consta de fls. 3503 a 3505, concluindo pelo não provimento dos recursos.
Foi cumprido o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
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Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência (por se afigurar à relatora não ser caso de renovação da prova).
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
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No acórdão sob recurso foram considerados provados os seguintes factos que interessam ao conhecimento dos recursos aqui em apreço:
“2. No dia 4 de Agosto de 1999, os arguidos D………. e C………. acompanhados de um outro indivíduo cuja identidade não foi apurada, dirigiram-se para o estabelecimento comercial da firma “K………., Lda.”, com sede em Paços de Ferreira, onde efectuaram a aquisição de mobiliário, constituída por uma mesa de centro chinesa em madeira, juntamente com seis bancos e uma mobília de quarto em madeira de cerejeira, com roupeiro, cama, cómoda e moldura e ainda duas mesas-de-cabeceira.
Para pagamento do preço de tal mobília, os arguidos D………. e C………. entregaram o cheque número……….., do T………., agência de Esposende, no valor de 600.000$00, relativo à conta ……….., titulada por H………. .
Uma vez apresentado tal cheque a pagamento, o mesmo veio devolvido, com a indicação de “cheque roubado”.
Tal cheque havia sido retirado à posse de H………., por desconhecidos e sem autorização ou consentimento deste, totalmente por preencher, em Março de 1999, na cidade de Esposende.
O preenchimento do referido cheque foi efectuado por pessoa cuja identidade não foi possível apurar.
Os arguidos D…… e C………., sabiam que tal cheque havia sido assinado, sem o consentimento ou a autorização do H………., tal como sabiam que este não o havia preenchido e assinado.
No entanto agiram da forma descrita como se fossem legítimos portadores de tal título de crédito, com intenção de adquirirem, juntamente com o outro referido indivíduo cuja identidade não foi apurada, o referido mobiliário, sem dispêndio de qualquer quantia monetária, o que lograram.
Os arguidos D………. e C………. sabiam que o referido cheque não havia sido emitido e assinado pelo titular da conta a que respeitava, agindo da forma descrita, como se o cheque entregue em pagamento tivesse sido regularmente emitido e assinado e estivesse na sua posse de forma regular, assim determinado a sociedade “K………., Lda.”, a entregar-lhes o referido mobiliário que adquiriram.
(…)
8. No dia 16 de Julho de 1999, o arguido C………., dirigiu-se ao estabelecimento comercial “U……….”, sito na rua ………., no Porto, pertencente a N………., onde adquiriu uma televisão e uma aparelhagem no valor de 100.000$00.
Em pagamento de tais bens, o arguido C………. entregou em pagamento o cheque número ………., no valor de 100.000$00, da conta número ……….., do V………., fazendo crer e convencendo a N………. que o atendeu, de que era o legítimo titular do cheque, assim a determinando a entregar-lhe tais bens.
No entanto, uma vez apresentado tal cheque a pagamento, o mesmo veio devolvido, com a indicação de “cheque roubado”.
Tal cheque havia sido furtado, totalmente por preencher, a G………., em 13 de Abril de 1999, em Coimbra.
O preenchimento do referido cheque havia sido efectuado por pessoa cuja identidade não foi possível apurar.
O arguido C………. tinha, todavia, conhecimento que tal cheque havia sido assinado sem o consentimento ou a autorização do respectivo titular, G………., tal como sabia que este não o havia preenchido nem assinado.
Apesar de tal conhecimento, o arguido C………. não se coibiu de agir da forma descrita, com intenção de adquirir os referidos bens que pretendia, sem dispêndio de qualquer quantia monetária, em prejuízo da N………., o que logrou obter.
O arguido C………. sabia que o referido cheque não havia sido emitido e assinado pelo titular da conta a que respeitava, agindo da forma descrita, como se o cheque entregue em pagamento tivesse sido regularmente emitido e assinado e estivesse na sua posse de forma regular.
(…)
11. No dia 16 de Julho de 1999, o arguido C………. dirigiu-se para o estabelecimento comercial denominado “W……….”, sita em Gondomar, pertença de O………., onde adquiriu uma televisão e uma aparelhagem de som, no valor de 205.000$00.
Para pagamento de tais bens, o arguido C………. entregou o cheque número ………., do V………., titulado por G………., fazendo crer e convencendo a O………. que o atendeu, de que era o legítimo titular do cheque, assim a determinando a entregar-lhe tais bens.
No entanto, uma vez apresentado tal cheque a pagamento, o mesmo veio a ser retido e não pago pelo banco por existir indicação de furto.
Tal cheque havia sido furtado, totalmente por preencher, a G………., em 13 de Abril de 1999, em Coimbra.
O preenchimento do referido cheque havia sido efectuado por pessoa cuja identidade não foi possível apurar.
O arguido C………. tinha, todavia, conhecimento que tal cheque havia sido assinado sem o consentimento ou a autorização do respectivo titular, G………., tal como sabia que este não o havia preenchido nem assinado.
Apesar de tal conhecimento, o arguido C………. não se coibiu de agir da forma descrita, com intenção de adquirir os referidos bens que pretendia, sem dispêndio de qualquer quantia monetária, em prejuízo da O………., o que logrou obter.
O arguido C………. sabia que o referido cheque não havia sido emitido e assinado pelo titular da conta a que respeitava, agindo da forma descrita, como se o cheque entregue em pagamento tivesse sido regularmente emitido e assinado e estivesse na sua posse de forma regular.
12. O arguido, B………. apresentou a pagamento o cheque número ………. e o cheque número ………., da conta número ……….., titulada por X………., do Y………., ambos no valor de 500.000$00, datados respectivamente de 23/04/96 e 29/12/96, a fim de os mesmos serem depositados na sua conta nº ………/… do Z………. .
Contudo, tais cheques não foram pagos, tendo sido devolvidos por falta de provisão.
Tais cheques haviam sido entregues pelo X………., totalmente preenchidos, nos termos referidos, a AB………. para garantia de uma dívida.
No dia 7 de Novembro de 1997, desconhecidos apropriaram-se do veículo de matrícula XP-..-.., de marca Fiat, modelo ………, no valor de 1.000.000$00, pertencente a AB………., sem o consentimento ou a autorização deste, apropriando-se ainda dos cheques atrás referidos que se encontravam no interior de tal viatura.
13. Em data não concretamente determinada do ano de 2000, mas sempre anterior a 3 de Fevereiro de 2000, o arguido B………. adquiriu, a pessoa cuja identidade também não foi concretamente determinada, a carta de condução titulada por F………., com o número P-……. .
Uma vez na posse de tal documento e com o intuito de dele fazer uso pessoal, o arguido B………. retirou a fotografia de F………. colocada em tal documento e substituiu-a por uma fotografia sua.
O arguido B………. manteve consigo tal documento alterado até 3 de Fevereiro de 2000.
Contudo, à data dos factos, B………. não era detentor de qualquer título que lhe permitisse a condução de veículos automóveis ou motociclos.
Os documentos pessoais de F………., bem como a viatura de matrícula IP-..-.., haviam sido subtraídos da posse deste último, em 3 de Setembro de 1998, em Paredes, por terceiros.
O arguido B………. adquiriu tal documento, sabendo que havia sido subtraído ao seu legítimo titular, F………., sem o seu consentimento ou autorização.
Posteriormente, o arguido B………. procedeu às alterações atrás descritas no referido documento, com vista à sua utilização na circulação rodoviária, como se fosse o seu verdadeiro titular.
14. No dia 3 de Fevereiro de 2000, o arguido B………. possuía consigo, no interior da sua residência sita na Rua ………., em ………., Guimarães, quatro munições de calibre 32 e três munições de calibre 38, cujo estado de funcionamento ou capacidade de deflagração, não foi, todavia, apurado.
O arguido B………. não possuía qualquer licença que lhe permitisse deter munições consigo, sabendo que, para as deter tinha que possuir a respectiva licença.
15. Nessa mesma ocasião e residência, o arguido B………. possuía ainda consigo, no interior da sua referida residência, quatro notas de 200 francos, com os números ……, ……, …… e …….
Contudo, tais notas não haviam sido emitidas e colocadas em circulação pelo AC………., como constava das inscrições nelas apostas.
Na verdade, tais notas são falsas, porquanto que são uma reprodução electro-fotográfica policromática, fabricadas por terceiros cuja identidade não foi possível apurar.
O arguido B………. conhecia as características daquelas notas, bem sabendo que as mesmas não haviam sido emitidas pelo AC………. e que não lhe era permitido introduzi-las na circulação cambiária.
Contudo, não se absteve de agir da forma acima descrita, guardando consigo as notas referidas, com a intenção de as introduzir em circulação e dessa forma obter um benefício ilegítimo, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei como crime.
16. Nessa mesma ocasião, o arguido B………. possuía ainda na sua residência, os seguintes documentos:
- Titulo de registo de propriedade e respectivo livrete da viatura de matrícula RN-..-.., o documento de inspecção periódica desta mesma viatura, com validade até 2/99, o certificado provisório de seguro desta mesma viatura;
- Um requerimento para registo de propriedade de veículo com a matrícula NT-..-..; bem como o respectivo documento de inspecção provisória;
- Uma cópia de um requerimento para registo de propriedade de veículo com a matrícula VD-..-..;
- Uma 2ª via de certificado de registo de embarcação de recreio relativo a uma lancha “……….”, pertencente à “AD………., S.A.”, bem como o respectivo livrete;
- O cartão de empresário em nome individual e número de contribuinte de AE……….;
- Um cheque do AF………., com o número ………., da conta número ………., titulada por AG……….;
- Um livro de cheques, incompleto, do AH………., com sede em Espanha;
- Um certificado de seguro relativo à viatura de matrícula RM-..-.., com validade até Abril de 1999;
- Um requerimento para registo de propriedade de veículo com a matrícula JH-..-..; bem como o respectivo livrete e título de registo de propriedade;
- Cópia do bilhete de identidade de AI……….;
- Cópia do livrete da viatura de matrícula ..-..-CJ;
- Talão para pagamento de seguro por acidente de trabalho cujo tomador era AJ……….;
- Cópias do livrete e do título de registo de propriedade da viatura de matrícula FQ-..-..;
- Cópia do livrete e título de registo de propriedade do veículo LO-..-..;
- Cópia do bilhete de identidade de AK……….;
- Cópias do livrete e do título de registo de propriedade da viatura de matrícula NQ-..-..;
- Cópias do livrete e do título de registo de propriedade da viatura de matrícula QO-..-..;
- Cópia do bilhete de identidade de AL……….;
- Duas cópias do livrete e do título de registo de propriedade da viatura de matrícula AJ-..-..;
- Cópia do bilhete de identidade, número de contribuinte e cartão de empresário em nome individual de AM……….;
- Uma cópia de um documento relativo à circulação do veículo de matrícula ….JVX..;
- Cartão de identificação de AN……….;
- Uma declaração para registo de propriedade relativa ao veículo de matrícula AF-..-.., assinada por AO………., como vendedor;
- Uma declaração para registo de propriedade relativa ao veículo de matrícula AF-..-.., com a indicação de AO………. como comprador;
- Várias cópias de declarações de venda;
- Documento de inspecção periódica da viatura com matrícula SP-..-.., com validade até 12/97;
- Cópia de bilhete de identidade de AL………;
- Cópia do bilhete de identidade e do número de contribuinte, bem como cópia da carta de condução de AP……….;
- Cópia do bilhete de identidade de AQ……….;
- Cópia do bilhete de identidade AS……….;
- Vários recibos para pagamento de seguros de viaturas;
- Cópias do livrete e do título de registo de propriedade da viatura de matrícula AF-..-..;
- Bilhete de identidade de AT……….;
- Livrete e do título de registo de propriedade da viatura de matrícula JQ-..-..;
- Livrete e do título de registo de propriedade da viatura de matrícula CV-..-..;
- Documento de inspecção periódica da viatura com matrícula CV-..-.., com validade até 05/99;
- Livrete e do título de registo de propriedade da viatura de matrícula SP-..-..;
- Livrete e do título de registo de propriedade da viatura de matrícula GT-..-..;
- Um cheque do Z………., com o número ………., da conta número ……….., titulada por AU……….;
- Livrete e do título de registo de propriedade da viatura de matrícula TN-..-..;
- Uma declaração para registo de propriedade relativa ao veículo de matrícula TN-..-.., com reconhecimento de assinatura de vendedor;
- Livrete e do título de registo de propriedade da viatura de matrícula JT-..-..;
- Uma declaração para registo de propriedade relativa ao veículo de matrícula JT-..-.., com reconhecimento de assinatura de vendedor;
- Um cheque do AV………., com o número ………., da conta número ……….., titulada por AW………., devidamente preenchido, no valor de 350.000$00;
- Um cheque do T………., com o número ………., da conta número ……….., titulada por AX………., devidamente preenchido, no valor de 50.000$00;
- Um cheque do Z.………, com o número ………., da conta número ……….., titulada por AY………., devidamente preenchido, no valor de 110.000$00;
- Um cheque do AZ……….., com o número ………., da conta número ……….., titulada por BA………., devidamente preenchido, no valor de 750.000$00;
- Quatro módulos de cheques, relativos à conta ………..., titulada por BB………., L.da.,
- Uma declaração para registo de propriedade relativa ao veículo de matrícula CT-..-.., com reconhecimento de assinatura de vendedor;
- Cópias do livrete e do título de registo de propriedade da viatura de matrícula RN-..-..;
- Cópia do número de contribuinte de BC……….;
- Cópia de cartão de empresário em nome individual de BD……….;
- Cópia do bilhete de identidade de BC……….;
- Cópia do número de contribuinte e cópia do bilhete de identidade de BE……….;
- Cópia do número de contribuinte e cópia do bilhete de identidade de BF……….;
- Livrete e do título de registo de propriedade da viatura de matrícula HE-..-..;
- Livrete e do título de registo de propriedade da viatura de matrícula CZ-..-..;
- Livrete e do título de registo de propriedade da viatura de matrícula HE-..-..;
- Livrete e do título de registo de propriedade da viatura de matrícula NR-..-..;
- Livrete e do título de registo de propriedade da viatura de matrícula GV-..-..;
- Livrete e do título de registo de propriedade da viatura de matrícula TV-..-..;
- Livrete e do título de registo de propriedade da viatura de matrícula EZ-..-..;
- Livrete e do título de registo de propriedade da viatura de matrícula ES-..-..;
- Título de registo de propriedade da viatura de matrícula SS-..-..;
- Cópia de cartão de empresário em nome individual e cópia do número de contribuinte de BG……….;
- Livrete e do título de registo de propriedade da viatura de matrícula DC-..-.. .
(…)
19. No dia 5 de Novembro de 1998 havia sido furtado a BH………. o veículo de matrícula ..-..-HR, bem como diversos documentos que se encontravam no interior desta viatura, tais como livrete e registo de propriedade da viatura, livro de cheques da firma “BB………., Lda”, cheques da conta particular de BH………., bem como os seus documentos pessoais.
19. Em data não concretamente apurada, mas que se situa entre o dia 4 de Agosto de 1999 e 22 de Maio de 2001, o arguido M………. adquiriu aos arguidos D………. e C………., preço de 450.000$00, a mobília constituída por uma mesa de centro chinesa em madeira, juntamente com seis bancos e uma mobília de quarto em madeira de cerejeira, com roupeiro, cama, cómoda e moldura e ainda duas mesas-de-cabeceira, atrás descrita, mobília essa que, como referimos, havia sido adquirida por estes arguidos á firma “K………., L.da.”, pelo preço de 600.000$00 mediante a entrega do referido cheque número ………., do T………., agência de Esposende, nos termos acima referidos.
(…)
21. Os arguidos, B………., E………., D………., C………. e M………., agiram pela forma acima descrita sempre voluntária e conscientemente, bem sabendo que as respectivas condutas, atrás descritas, eram proibidas e punidas por lei como crime.
22. O arguido B………., está actualmente desempregado.
Tem um filho de 16 anos que se encontra a cargo da mãe.
Foi condenado em 7.5.1999 pela prática em 16.8.1996 de um crime de falsificação de documento em pena de multa que foi já declarada extinta por pagamento.
Foi condenado em 26.6.2000 pela prática em 27.8.1998 de um crime de condução ilegal em pena de multa que foi já declarada extinta por pagamento.
Esteve preso preventivamente á ordem dos presentes autos desde 4.2.2000 até 26.7.2000.
(…)
26. O arguido C………., trabalha como motorista, auferindo cerca de 550,00 euros mensais.
Tem 2 filhos menores, que se encontram a seu cargo e da esposa.
Não tem antecedentes criminais.
(…)”

E, quanto aos factos não provados, consignou-se o seguinte:
“1) Os arguidos B………., E………., Q:………, BI………., BJ………., D………., C………., BK………., BL………., BM………. e BN………., todos conhecidos entre si, enquanto frequentadores dos bares nocturnos, nomeadamente do BO………. pertencente a E………., em data não concretamente apurada mas que se reportará ao início do ano de 1999, decidiram, entre si, através da alteração de documentos que adquiriam a terceiros, provenientes de actos ilícitos contra o património, nomeadamente através da alteração dos dados constantes dos bilhetes de identidade, números de contribuinte, cartas de condução, cartões de identificação de empresário em nome individual e bem assim através do preenchimento abusivo de módulos de cheques também adquiridos a terceiros e retirados aos seus titulares sem o consentimento ou a sua autorização, proceder a diversas aquisições de bens e valores, como se fossem os verdadeiros titulares de tais documentos e de tais cheques.
Posteriormente, de acordo com o então combinado, procederiam à venda dos bens e valores assim adquiridos a terceiros que se dispusessem a comprar, por preços mais atractivos, ou seja inferiores aos de mercado.
Nessa ocasião, ou seja, desde o início de 1999 até finais desse mesmo ano, a arguida BM………. residia na ………., local onde os arguidos, também de comum acordo, decidiram armazenar os bens a adquirir pela forma acima descrita, o que de facto aconteceu.
(…)
3) Todos os arguidos tinham conhecimento de que o cheque número ………. do V………. havia sido retirado da posse de G………. .
O preenchimento do referido cheque foi efectuado por pessoa cuja identidade não foi possível apurar com o conhecimento e o acordo de todos os arguidos.
Quando se dirigiram ao estabelecimento comercial da firma “K………., Lda.”, e entregaram o cheque número ………. para aquisição de mobiliário nos termos acima referidos, os arguidos D………. e C………. actuaram em concretização dos intentos preestabelecidos por todos os demais arguidos.
(…)
9) Todos os arguidos sabiam que o cheque número ………. do V………. havia sido retirado da posse de G………. .
Quando se dirigiu ao estabelecimento comercial “U……….”, onde adquiriu uma televisão e uma aparelhagem no valor de 100.000$00 e entregou em pagamento o cheque número ………., o arguido C………. fê-lo em concretização dos intentos preestabelecidos por todos os arguidos.
O preenchimento do referido cheque foi efectuado por pessoa cuja identidade não foi possível apurar com o conhecimento e o acordo de todos os arguidos.
(…)
12) Todos os arguidos sabiam que o cheque número ………., do V………. havia sido retirado da posse de G………. .
Quando se dirigiu ao estabelecimento comercial denominado “W……….”, onde adquiriu uma televisão e uma aparelhagem de som, para pagamento do que entregou o cheque número ………., o arguido C………. fê-lo em concretização dos intentos preestabelecidos por todos os arguidos.
O preenchimento do referido cheque foi efectuado por pessoa cuja identidade não foi possível apurar com o conhecimento e o acordo de todos os arguidos.
O preenchimento do referido cheque foi efectuado por pessoa cuja identidade não foi possível apurar, com o conhecimento e o acordo de todos os arguidos, nomeadamente do arguido C………. .
(…)
13) Em data não concretamente apurada, mas sempre posterior a 7 de Novembro de 1997 e anterior à data da utilização dos cheques nos moldes atrás descritos, os arguidos B………., E………., Q………., BI………., BJ………., D………., C………., BK………., BL………., BM………. e BN………. adquiriram os módulos de cheques pertencentes aos ofendidos G………., H………., X………., BP………., BQ………. e “BB………., Lda”, a terceiros cuja identidade não foi possível apurar, com vista à sua utilização, nos moldes atrás descritos, com o conhecimento da origem e proveniência dos mesmos.
14) Os documentos referidos em 16. dos factos provados que o arguido B………. possuía na sua residência, destinavam-se à sua utilização nos moldes atrás relatados, pelos arguidos E………., Q………., BI………., BJ………., D………., E………., BK………., BL………., BM………. e BN………. .
Embora fosse o arguido B………. aguardar na sua residência tais documentos, os mesmos ou os dados neles insertos destinavam-se a ser usados na actividade que os arguidos vinham a desenvolver, nos moldes atrás descritos.
(…)
17) O arguido M………. não só tinha conhecimento da forma e meios como tal mobília havia sido adquirida pelos demais arguidos à firma “K………., L.da.”, tal como sabia que o preço da mesma era em muito superior a 450.000$00.
Contudo, agiu da forma acima descrita com a intenção concretizada de obter tais bens por valor inferior ao preço de mercado.”

Da respectiva fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, consta o seguinte:
“A convicção do tribunal resultou de uma análise crítica e global do conjunto da prova produzida, considerando, nomeadamente:
- As declarações da testemunha, G………., professor na cidade de Coimbra, que afirmou que os cheques acima referidos com os números ………., ………., ………., ………., ………., ………..., ………., ………. e ………., todos do V………., agência de ………., relativo à conta número ……….., por si titulada, lhe foram furtados, totalmente por preencher, do interior de um seu veículo, que também lhe furtaram, no dia 13 de Abril de 1999, em Coimbra, pelo que de imediato deu ordens ao banco para não proceder ao respectivo pagamento com a indicação de se tratar de cheques roubados.
- As declarações da testemunha H………., que afirmou que o cheque acima referido número ………., do T………., agência de ………., no valor de 600.000$00, relativo à conta ………., por si titulada, lhe foi furtado totalmente por preencher, em Março de 1999, na cidade de Esposende, pelo que deu indicações ao banco para não proceder ao seu pagamento com a indicação de “cheque roubado”.
- As declarações da testemunha BQ………. que afirmou que o cheque acima referido número ………., com data de 09/08/99, do BS………., da conta número ………., relativa à conta ……….., lhe foi furtado totalmente por preencher, pelo que deu indicações ao banco para não proceder ao seu pagamento com a indicação de “cheque roubado”.
Mais especificadamente, foram considerados pelo Tribunal:
(…)
Quanto à matéria de facto provada no ponto 2. dos factos provados:
- As declarações da testemunha, I………., filho do dono do estabelecimento “K………., Lda.”, que declarou que na data referida na acusação estava na loja de venda móveis com o seu irmão BT………., quando aí se dirigiram três indivíduos que adquiriram as peças de mobiliário referidas na acusação e examinadas a fls. 923 pelo preço de 600.000$00, a pagar por cheque e lhe ordenaram que fossem entregues numa morada sita na ………. . Mais afirmou não ter dúvidas em reconhecer um desses indivíduos como sendo o arguido D………., que já havia reconhecido no auto de reconhecimento de fls. 876, e que o outro lhe parecia o C………., embora não tivesse a certeza.
- As declarações das testemunhas, J……….[2], motorista da K………., Lda que transportou a referida mobília até ao local indicado e L………., funcionário da K………., Lda e que acompanhou o P………. em tal deslocação.
Ambos afirmaram que contra a entrega das mobílias lhes foi entregue o referido cheque nº cheque número ………., do T………., agência de Esposende, no valor de 600.000$00, relativo à conta ……….., titulada por H………., tendo o P………. reconhecido tais indivíduo, que se afirmaram legítimos portadores de tal título, como sendo os arguidos D………. e C………. por reconhecimento fotográfico – fls. 934 -, embora com dúvidas no reconhecimento pessoal fls. 962 relativamente a este último arguido, e o L………., afirmado não ter dúvidas - conforme auto de reconhecimento de fls. 960 - de que esses indivíduos que lhe entregaram o cheque em causa como sendo os arguidos D………. e C………. .
- As declarações da testemunha, BU………., residente na ………., que reconheceu o D………. – auto de reconhecimento de fls. 961 – como sendo a pessoa a quem arrendou a casa na qual os móveis em causa foram entregues pelos referidos P………. e L………. .
- As declarações do arguido M………., que afirmou ter sido o arguido C………. quem lhe propôs a aquisição de tal mobiliário quando estava acompanhado de outro indivíduo que lhe pareceu ser, embora não tendo a certeza, o arguido o D………. .
Assim e considerando ainda o teor do cheque de fls. 1337, não se suscitaram dúvidas ao Tribunal de uma actuação conjunta dos arguidos D………. e C………. na aquisição do mobiliário em causa com pagamento de um cheque de que sabiam não serem regulares portadores por não assinado pelo seu legítimo titular.
Relativamente à imputada participação dos demais arguidos, foi tal factualidade dada por não provada por total ausência de prova nesse sentido.
(…)
Quanto à matéria de facto provada no ponto 8. dos factos provados:
- As declarações da testemunha, N………., proprietária do estabelecimento "U……….” que afirmou reconhecer sem dúvidas o arguido, C………. - conforme auto de reconhecimento de fls. 959 - como sendo a pessoa que na data indicada na acusação lhe adquiriu uma televisão e uma aparelhagem no valor de 100.000$00, para pagamento do que lhe entregou o cheque número ………., no valor de 100.000$00, da conta número ……….., do V………., arrogando-se seu regular portador assim determinando a entregar-lhe tais bens.
- O teor de tal cheque junto a fls. 1336.
- Relativamente à imputada participação dos demais arguidos, foi tal factualidade dada por não provada por total ausência de prova nesse sentido.
(…)
Quanto à matéria de facto provada no ponto 11. dos factos provados:
- As declarações da testemunha, O………., dona do estabelecimento comercial denominado “W………., que afirmou reconhecer o arguido C………. - conforme auto de reconhecimento de fls. 956 - como sendo a pessoa que, na data indicada na acusação, aí adquiriu uma televisão e uma aparelhagem de som, no valor de 205.000$00, para pagamento do que lhe entregou o cheque o cheque número ………. de idêntico valor, do V………., arrogando-se seu regular portador assim determinando a entregar-lhe tais bens, e afirmou ainda que tendo apresentado tal cheque a pagamento, o mesmo veio a ser retido e não pago pelo banco por existir indicação de furto.
- Relativamente à imputada participação dos demais arguidos, foi tal factualidade dada por não provada por total ausência de prova nesse sentido.
Quanto à matéria de facto provada no ponto 12. dos factos provados:
- O teor dos documentos juntos, nomeadamente a fls. 13 e 32, do processo apenso nº5 a estes autos.
- As declarações da testemunha AB………., que confirmou o furto de tais cheques, e que os mesmos lhe haviam sido entregues pelo X……… já preenchidos.
Quanto à matéria de facto provada no ponto 13. dos factos provados:
- As declarações da testemunha, F………. que confirmou ter-lhe sido furtada a respectiva carta de condução nas circunstancias indicadas na acusação.
- O teor de tal carta de condução apreendida no interior da residência do arguido B………. - auto de fls. 258 -, da qual resulta - fls. 273 dos autos - que na mesma foi aposta a fotografia deste arguido.
- A livre convicção do Tribunal, considerando ser da experiência comum das coisas e da normalidade dos comportamentos humanos que quem não sendo titular de habilitação para conduzir, falsifica uma carta de condução apondo-lhe a sua fotografia, terá em vista à sua utilização na circulação rodoviária, como se fosse o seu verdadeiro titular.
Quanto à matéria de facto provada no ponto 14. dos factos provados:
- O auto de apreensão de fls. 258, do qual resulta que no mesmo dia 3 de Fevereiro de 2000, o arguido B………. possuía no interior da sua residência quatro munições de calibre 32 e três munições de calibre 38. Todavia e considerando não ter sido produzida prova pericial ou exame directo quanto ao funcionamento ou capacidade de deflagração de tais munições, o mesmo pôde assim ser apurado pelo Tribunal.
Quanto à matéria de facto provada no ponto 15. dos factos provados:
- O auto de apreensão de fls. 258, do qual resulta que no mesmo dia 3 de Fevereiro de 2000, o arguido B………. possuía no interior da sua residência quatro notas de 200 francos, com os números ……, …….., …… e ……, as quais não haviam sido emitidas e colocadas em circulação pelo AC………., sendo assim falsas conforme se concluiu no exame pericial do L.P.C. de fls. 895.
- A livre convicção do Tribunal, considerando não ter o arguido B………. dado qualquer explicação para a posse de tais notas falsas e ser da experiência comum e da normalidade dos comportamentos humanos que quem detém consigo notas falsas tem, à falta de outra razão ou explicação em contrário, a intenção de as introduzir em circulação e dessa forma obter um correspondente benefício ilegítimo.
Quanto à matéria de facto provada no ponto 16. dos factos provados, o auto de apreensão de fls. 257 a 261.:
(…)
Quanto à matéria de facto provada no ponto 19. dos factos provados as declarações da testemunha BH………., que confirmou o furto do veículo e cheques em causa nas circunstâncias aí referidas.
Quanto à matéria de facto provada nos pontos 20. e 21. dos factos provados as declarações do arguido M………., que confirmou ter adquirido, na data aí indicada, aos arguidos D………. e C………., a mobília em causa pelo preço de 450.000$00, e confessou ainda que no dia 22 de Maio de 2001, detinha consigo na sua residência uma arma de marca “FT”, modelo …., 8 mm adaptada para arma de fogo de calibre 6,35 mm, afirmando, todavia, ter sido já julgado por tal posse ilegal de arma, o que veio a ser confirmado pela junção de certidão judicial extraída do processo nº …../02.0TBGMR do .º juízo criminal do Tribunal da comarca de Guimarães
Não se deu por provado a matéria de facto constante do ponto 1) dos factos não provados, ou seja, de que,
(…)
por manifesta falta de produção de prova no sentido de que um tal desígnio criminoso tenha sido acordado entre todos os arguidos.
Igualmente por manifesta falta de produção de prova se deu por não provado que,
(…)
Atenta a proximidade entre o valor apurado de 450.000$00 que o arguido M………. pagou pelas referidas mobílias e o respectivo valor de mercado - de 530.000$00 conforme exame pericial de fls. 923 -, e considerando tratar-se de mobiliário já adquirido em "segunda-mão", deu-se por não provado que este arguido tivesses, ou devesse sequer ter, conhecimento que o preço da mesma era em muito superior ao preço por si pago e, que assim tenha agido com a intenção concretizada de obter tais bens por valor inferior ao preço de mercado.
Por total ausência de prova, deu-se por não provado que arguido M………. soubesse da forma e meios como tal mobília havia sido adquirida pelos demais arguidos à firma “K………., Lda.”.
No que se refere ás condições pessoais dos arguidos foram aceites as respectivas suas declarações, assim como o teor dos certificados de registo criminal juntos aos autos.”
*
II- FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso é demarcado pelo teor das suas conclusões (art. 412 nº 1 do CPP).
Neste caso, recorreram os arguidos B………. e C………. do acórdão proferido nestes autos.
As questões que colocam são as seguintes:
A) Recurso do arguido B……….
1ª - Analisar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, quanto aos pontos 13, 15 e 21 dados como provados, na parte desfavorável ao recorrente por, na sua perspectiva (haver erro notório na apreciação da prova, violação do disposto no art. 127 do CPP, violação do princípio in dubio pro reo e ausência de prova suficiente para a sua condenação), tais factos não se terem provado;
2ª - Verificar se, na motivação de facto do acórdão sob recurso, foi ou não feito o “exame crítico sobre as provas produzidas em julgamento” e, portanto, apurar se foi cometida a nulidade prevista no art. 379 nº 1-a) do CPP;
B) Recurso do arguido C……….
3ª - Analisar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, quanto aos pontos 2, 8, 11, 19[3] e 21 dados como provados, na parte desfavorável ao recorrente por, na sua perspectiva (haver errada apreciação da prova, violação do princípio in dubio pro reo e ausência de prova suficiente para a sua condenação), tais factos não se terem provado;
4ª - Verificar se o acórdão sob recurso enferma da nulidade prevista no art. 379 nº 1-a) do CPP (por, na sua perspectiva, resultar da motivação do acórdão que as declarações do co-arguido M………. contribuíram irrestritamente para a condenação do recorrente).
Passemos então a apreciar as questões colocadas nos recursos aqui em apreço.
Antes de mais, há que ter presente que, no caso dos autos, procedeu-se à documentação (por meio de gravação) das declarações prestadas oralmente em audiência de julgamento, encontrando-se juntos aos autos os respectivos suportes magnéticos.
Na motivação dos respectivos recursos, os arguidos B………. e C………. cumpriram, ainda que de forma pouco modelar, os ónus de impugnação da decisão da matéria de facto, indicados no art. 412 nº 3 e 4 do CPP na versão actual.
Atentos os poderes de cognição das Relações (art. 428 do CPP), uma vez que a prova produzida em audiência de 1ª instância foi gravada, constando dos autos os respectivos suportes magnéticos (art. 412 nº 3 e 4 do CPP), pode este tribunal conhecer da decisão proferida sobre a matéria de facto.
Mas, convém aqui lembrar que “o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.”[4]
Ou seja, a gravação das provas funciona como uma “válvula de escape” para o tribunal superior poder sindicar situações insustentáveis, situações limite de erros de julgamento sobre a matéria de facto[5].
Os elementos de que esta Relação dispõe, no caso em apreço, são apenas a gravação da prova produzida oralmente em audiência na 1ª instância e as provas documental e pericial juntas aos autos, aludidas na motivação de facto do acórdão sob recurso.
Assim, não obstante os seus poderes de sindicância quanto à matéria de facto, a verdade é que não podemos esquecer a percepção e convicção criada pelo julgador (neste caso pelo Tribunal Colectivo) na 1ª instância, decorrente da oralidade da audiência e da imediação das provas.
O juízo feito pelo Tribunal da Relação é sempre um juízo distanciado, que não é «colhido directamente e ao vivo», como sucede com o juízo formado pelo julgador da 1ª instância.
É que, a credibilidade das provas (o seu mérito ou desmérito) e a convicção criada pelo julgador da 1ª instância «tem de assentar por vezes num enorme conjunto de situações circunstanciais, de tal maneira que essa convicção criada assenta não tanto na quantidade dos depoimentos prestados, mas muito mais em outros factores»[6], fornecidos pela imediação e oralidade do julgamento, «onde para além dos testemunhos pessoais, há reacções, pausas, dúvidas, enfim, um sem número de atitudes que podem valorizar ou desvalorizar a prova que eles transportam»[7].
Posto isto, não esquecendo que o princípio da livre apreciação da prova (art. 127 do CPP) também se aplica ao tribunal da 2ª instância, importa “saber se existe ou não sustentabilidade na prova produzida para a factualidade dada como assente, e que é impugnada, sendo que tal sustentabilidade há-de ser aferida através da verificação da existência de prova vinculada, da verificação da existência de erros sobre a identificação da prova relevante e da constatação da inconsistência mínima de certo facto perante uma revelada fonte que o suporta”[8].
E, claro, há que ter presente que, com as provas “pretende-se comprovar a realidade dos factos”, ou seja, pretende-se “comprovar a verdade ou a falsidade de uma proposição concreta ou fáctica”[9], criar no juiz um determinado convencimento.
Produzidas as provas em audiência de julgamento, o julgador terá de as apreciar, com vista à sua valoração.
Para esse efeito vai desencadear dois tipos de juízos ou operações que estão intimamente relacionados entre si: o primeiro tem a ver com a interpretação das provas e, o segundo com a valoração propriamente dita dessas mesmas provas[10].
O que implica um exercício de comparação (entre, por um lado, os factos alegados pela acusação e pela defesa e, por outro, as afirmações instrumentais, decorrentes das provas produzidas, que se reputaram como certas e reais) que irá conduzir a uma necessária dedução de factos (dedução de um facto a partir de outro ou outros factos que se deram previamente como provados através do referido exercício de comparação)[11].
Quando procede à apreciação das provas, o julgador está sujeito a determinados limites que tem de respeitar, nomeadamente, decorrentes da vinculação temática e do funcionamento do princípio da livre apreciação da prova (art. 127 do CPP), bem como das respectivas “excepções” ou limitações.
Analisemos, em particular, cada um dos recursos.
A) Recurso do arguido B……….
1ª Questão
O recorrente considera incorrectamente julgados os factos que foram dados como provados nos pontos 13, 15 e 21 por, na sua perspectiva (existindo erro notório na apreciação da prova, violação do disposto no art. 127 do CPP, violação do princípio in dubio pro reo e ausência de prova suficiente para a sua condenação), tais factos não se terem provado.
Argumenta que o tribunal da 1ª instância errou notoriamente na apreciação da prova (art. 410 nº 2-c) do CPP) por inexistir prova segura que permita a sua condenação (sustenta que quer a prova documental relativa à dita carta de condução e às notas falsas, quer a prova testemunhal que resulta dos depoimentos de F………. e BV………., são insuficientes para esse efeito).
Alega, ainda, que o tribunal colectivo violou o disposto no art. 127 do CPP (considerando que fez uma apreciação arbitrária da prova, socorrendo-se de regras de experiência comum inaplicáveis no caso dos autos) e o princípio in dubio pro reo (parecendo que o arguido B………. só foi condenado por não ter prestado declarações em julgamento).
Vejamos então.
Os meios de prova disponíveis quanto aos factos impugnados pelo recorrente B………., são os seguintes – tendo ainda presente que a testemunha BV………. (inspector da PJ) foi ouvida oficiosamente, nos termos do art. 340 do CPP, na sessão de julgamento do dia 26/10/2007 (como resulta de fls. 3132 a 3136, estando o seu depoimento gravado na respectiva cassete):
a)- relativamente aos pontos 13 e 21 dos factos dados como provados (factos esses considerados como integradores do crime de falsificação de documento pelo qual o recorrente foi condenado), o depoimento da testemunha F………. (que convenceu o Colectivo quanto aos factos relativos ao furto da sua carta de condução, nas circunstâncias indicadas na acusação), o teor da carta de condução (da qual resulta, até por confronto com a fotografia do bilhete de identidade do F………., que nela foi aposta a fotografia do mesmo arguido B……..), e o local (no interior da residência do arguido B……….) onde a mesma, juntamente com o bilhete de identidade do F………., foi apreendida, em 3/2/2000 (na sequência de busca domiciliária aludida a fls. 255 e 256, efectuada em 3/2/2000, foi lavrado o auto de apreensão de fls. 257 a 261[12], constando de fls. 257 a apreensão da dita carta de condução e do bilhete de identidade emitidos em nome de F………., os quais se encontram juntos a fls. 273);
b)- relativamente aos pontos 15 e 21 dos factos dados como provados (factos esses considerados como integradores do crime de aquisição de moeda falsa pelo qual foi condenado), as próprias 4 notas (de 200 francos cada uma) constantes de fls. 894, o local (no interior da residência do recorrente) onde as mesmas foram apreendidas (resultando do mesmo auto de apreensão de fls. 257 a 261 que, naquela busca domiciliária realizada em 3/2/2000, o arguido B………. possuía no interior da sua residência as ditas quatro notas de 200 francos cada, bem como uma fotocópia de duas notas de 200 francos, junta a fls. 344) e a prova pericial de fls. 895 (onde se conclui que aquelas mesmas notas, juntas aos autos a fls. 894, são falsas, pelo que não foram emitidas e colocadas em circulação pelo AC……….).
Face ao teor da acta de julgamento de fls. 2981 a 2990 (12º volume) não há dúvidas que o arguido B………. não quis prestar declarações quanto aos factos que lhe eram imputados e, pelos quais estava pronunciado (despacho de pronúncia que consta de fls. 2055, o qual deu como reproduzida a peça acusatória de fls. 1697 a 1724 – ver 8º e 7º volumes respectivamente).
Portanto, o arguido B………. exerceu o seu direito ao silêncio.
Isso significa, como diz Costa Andrade[13], citando Kühl, que o arguido ao exercer «o seu direito ao silêncio renuncia (faculdade que lhe é reconhecida) a oferecer o seu ponto de vista sobre a matéria em discussão, nessa medida vinculando o Tribunal à valoração exclusiva dos demais meios de prova disponíveis no processo».
Ao contrário do que sugere o recorrente/arguido B………., em parte alguma da decisão sob recurso, consta qualquer valoração em seu prejuízo pelo facto de o mesmo ter exercido o seu direito ao silêncio.
Qualquer intérprete (considerando o homem médio) percebe que, a afirmação feita na motivação de facto da decisão sob recurso, no sentido de “não ter o arguido B………. dado qualquer explicação para” a posse de tais notas falsas, no contexto em que a mesma se insere, significa que o Tribunal Colectivo, na falta de produção de qualquer prova que justificasse a posse pelo arguido/recorrente daquelas notas falsas na sua residência, não podia colocar a hipótese (como é posta na motivação de recurso) de o mesmo ser, por exemplo, coleccionador de notas falsas, tanto mais que outras (v.g. o resto da colecção) não foram apreendidas na busca domiciliária efectuada (cf. auto de busca de fls. 255 e 256 e auto de apreensão de fls. 257 a 261), como seria normal esperar, se tal fosse uma hipótese razoável e plausível a colocar.
Essa interpretação é perfeitamente perceptível por, não ter sido produzida prova (v.g. testemunhal) que sustentasse por exp. que o arguido B………. era coleccionador de notas falsas.
Com efeito, se essa prova tivesse sido produzida e, obviamente tivesse convencido o tribunal, nada obstava à sua apreciação, apesar de o arguido B………. ter exercido o seu direito ao silêncio.
Como não foi produzida essa prova, não podiam retirar-se ilações do seu silêncio, ficando o Colectivo sem resposta do arguido B………. (que não prestou declarações, como era seu direito), quanto ao motivo pelo qual possuía aquelas notas falsas, o que não o podia favorecer, nem desfavorecer: é isto o que resulta daquela afirmação (que o recorrente questiona) feita pelo tribunal a quo na motivação de facto da decisão sob recurso, o que claramente não pode ser equiparado a valoração do silêncio em seu desfavor.
Portanto, neste aspecto, é o recorrente – e não o tribunal a quo – que faz conjecturas, não sustentadas no texto da decisão, sobre uma pretensa valoração, em seu desfavor, do seu silêncio como meio de prova.
Não se detecta, por isso, qualquer violação do princípio da presunção de inocência ou do privilégio que, qualquer arguido goza, de não se auto-incriminar[14], pilares esses que asseguram o acesso a um verdadeiro processo equitativo.
Avançando para a análise da prova produzida em julgamento, vejamos então se foi ou não produzida prova bastante que sustente a matéria de facto dada como provada, na parte aqui impugnada (seus pontos 13,15 e 21).
Ora, resulta da conjugação do auto de apreensão de fls. 257 a 261 com o relatório pericial de fls. 895, vistas ainda as próprias notas (fls. 894) que, efectivamente, em 3/2/2000, o arguido B………. possuía (no interior da sua residência, onde as guardava) aquelas 4 notas falsas de 200 francos cada uma.
Não tendo sido produzida prova que explicasse a razão pela qual o arguido B………. possuía aquelas notas falsas no interior da sua residência, o que podia o tribunal colectivo concluir?
Como já foi adiantado, não havendo sequer quaisquer indícios de o arguido B………. gostar de notas falsas ou de ser um coleccionador de notas e moedas (verdadeiras ou falsas), atentas as circunstâncias em que as possuía (guardadas na sua residência), é razoável e lícita a conclusão retirada pelo Colectivo com recurso à regra da experiência comum[15], que decorre também “da normalidade dos comportamentos humanos”, de que “quem detém consigo notas falsas [naquelas circunstâncias] tem, à falta de outra razão ou explicação em contrário, a intenção de as introduzir em circulação e dessa forma obter um correspondente benefício ilegítimo.”
Caso contrário (isto é, se não fosse para as introduzir em circulação e obter o correspondente benefício ilegítimo), para que guardava, na sua residência, essas notas falsas?
Note-se ainda que, diferentemente do sugerido na motivação de recurso, não foi dado como provado que o arguido B………. vendesse moeda falsa, mas antes que tinha intenção de introduzir em circulação aquelas notas falsas que possuía e guardava na sua residência, com vista a obter o correspondente benefício ilegítimo.
Assim, a conjugação das provas indicadas (fls. 257 a 261 e 894 e 895) com a mencionada regra da experiência comum, explicam, de forma lógica e objectiva, o raciocínio (indutivo e dedutivo) que o tribunal da 1ª instância fez para formar a sua convicção segura quanto à matéria que deu como provada, constante dos pontos 15 e 21 impugnados.
O mesmo se passa quanto aos factos dados como provados nos pontos 13 e 21[16].
Com efeito, ouvindo o depoimento da testemunha F………. (cf. acta de julgamento de fls. 3132 a 3136 – 13º volume – relativa à sessão de 26/10/2007 e respectiva cassete com gravação), não merece censura a análise feita pelo Colectivo, quando se convenceu que a carta de condução de que aquele é titular, a qual se encontrava no interior do seu veículo automóvel (onde deixara a chave na ignição enquanto fora ao café comprar tabaco), foi furtada, juntamente com outros documentos pessoais (bilhete de identidade e seguro) e com o próprio veículo (que nunca mais recuperou).
Na época (emissão de 1/9/1998), as cartas de condução de veículos automóveis, ostentavam a fotografia (colada no próprio título) do respectivo titular (aliás, confira-se a própria carta de condução junta a fls. 273).
Conjugando esse depoimento com o teor dos documentos juntos a fls. 273 (quer da carta de condução, quer do bilhete de identidade, ambos emitidos em nome do F……….), logo se alcança que daquela carta de condução (emitida em nome da testemunha F……….) foi retirada a fotografia do respectivo titular e colocada (colada) a fotografia do arguido B………. .
Qualquer pessoa sabe que não pode substituir a fotografia que consta da carta de condução de veículos automóveis de outrem.
E, não há quaisquer dúvidas que essa carta de condução assim falsificada (com a fotografia do arguido B……….) foi apreendida no interior da residência do arguido B………., na sequência da busca domiciliária realizada em 3/2/2000.
Ora, não tendo então o arguido B………. título que o habilitasse a conduzir veículos automóveis, sendo apreendida aquela carta de condução com a sua fotografia na sua própria residência, quem teria interesse em falsificar (colocar essa fotografia e não outra) aquele documento?
A resposta lógica e racional de ter sido o arguido B………. o autor dessa falsificação, nos moldes dados como provados, é consentida pelas referidas provas produzidas em julgamento.
Apesar de não haver prova directa (na medida em que nenhuma testemunha presenciou) sobre a forma como o arguido B………. adquiriu (se a titulo gratuito ou oneroso) aquela carta de condução (sendo indiferente o conhecimento da identidade do autor do furto), nem sobre o momento em que a fotografia nela aposta foi substituída pela do mesmo arguido, como é claro o Tribunal Colectivo é obrigado a raciocinar, como o fez, e a articular as respectivas provas produzidas em julgamento.
Anote-se ainda que, diferentemente do sugerido na motivação de recurso, não foi dado como provado que o arguido B………. utilizou aquela carta de condução por ele falsificada, mas antes que a falsificou (procedendo à referida alteração, através da substituição da fotografia) com vista à sua utilização na circulação rodoviária.
E, perante aquelas provas indicadas, articuladas no seu conjunto (e não olhadas de forma desarticulada como o faz o recorrente), o Colectivo não podia chegar a solução diversa daquela a que chegou.
De resto, não obstante o depoimento da testemunha BV………. (invocado na motivação de recurso) poder ser vago (na medida em que apenas recordava terem sido apreendidos documentos e “pensando” que também munições no quarto onde estava o arguido, qualquer coisa em cima do roupeiro, reconhecendo que tudo o que foi apreendido foi relacionado, confirmando o auto de busca domiciliário que lhe foi exibido, acrescentando que não foi ele que o redigiu mas que o assinou por ter também participado nessa busca), o certo é que, ao contrário do que afirma o recorrente, foi feita a busca domiciliária à residência do arguido B………. (fls. 255 e 256) e no seu interior (concretamente no quarto de dormir) foi apreendida (além do mais) aquela carta de condução emitida em nome do F………. (auto de apreensão de fls. 257 a 261, também assinado pelo arguido B……….) que, contudo, tinha colada outra fotografia, precisamente a fotografia do arguido B………. .
Ou seja: perante a prova acima indicada, não fazem sentido as interrogações que o arguido B………. coloca na motivação de recurso, sendo irrelevante que a dita testemunha inspector da PJ não se recordasse do que naquela residência buscada foi apreendido (consta do auto de apreensão de fls. 257 a 261 o que ali foi apreendido, tudo se encontrando junto aos autos).
E, tendo presente que a decisão sobre a matéria de facto há-de ser “o resultado de todas as operações intelectuais, integradoras de todas as provas oferecidas e que tenham merecido a confiança do Juiz”[17], é evidente que não tem razão o recorrente, quando sugere que a prova produzida é insuficiente para dar como assente a factualidade que impugnou.
Como resulta do que acima se expôs, foi produzida prova necessária e bastante (ao contrário do que alega o recorrente) que sustenta e fundamenta, de forma objectiva e criteriosa, a decisão sobre a matéria de facto, não havendo erro no julgamento quanto aos factos impugnados.
E, não se diga que estamos perante uma “apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova” ou perante uma apreciação subjectiva do julgador, incontrolável ou imotivável ou, sequer desconforme com as regras da experiência.
Como sabido, na busca do convencimento sobre o caso submetido a julgamento, funciona (também) a regra básica (herdada do sistema da prova livre), consagrada no artigo 127 do CPP, da livre apreciação da prova, a qual comporta algumas “excepções”, que se prendem com aspectos particulares da prova testemunhal, das declarações do arguido e das provas pericial e documental.
A ideia da livre apreciação da prova, «uma liberdade de acordo com um dever»[18], assenta nas regras da experiência e na livre convicção do julgador.
Esse critério de apreciação da prova, implica que o julgador proceda a uma valoração racional, objectiva e crítica da prova produzida.
E, foi isso o que foi feito pelo Tribunal Colectivo, como resulta da fundamentação de facto da decisão sob recurso (vide a totalidade da decisão proferida sobre a matéria de facto – quer factos dados como provados, quer dados como não provados relativamente ao mesmo recorrente – a qual denota que o Colectivo fez uma análise criteriosa da prova, fazendo funcionar o princípio in dubio pro reo, sempre que se suscitavam dúvidas, por mínimas que fossem, dando como não provados os factos pelos quais o recorrente estava pronunciado quando a prova não era bastante para formar um juízo seguro de condenação), não se verificando a invocada violação do disposto no art. 127 do CPP.
Não há, assim (tendo presente toda a prova ponderada pelo Colectivo), qualquer surpresa quanto ao teor da decisão proferida sobre a matéria de facto, na parte aqui em apreço.
Invoca, ainda, o recorrente que a sentença recorrida enferma de “erro notório na apreciação da prova”.
O "erro notório na apreciação da prova" (art. 410 nº 2-c) do CPP) “constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio. A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da "experiência comum". Na dimensão valorativa das "regras da experiência comum" situam-se, por seu lado, as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta.”[19]
Os vícios previstos no art. 410 nº 2 do CPP, mormente o “erro notório na apreciação da prova”, não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em julgamento e a convicção que o tribunal firmou sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inserto no art. 127 do CPP[20].
Compulsado o texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, este Tribunal da Relação não detecta qualquer dos vícios enunciados no art. 410 nº 2 do CPP, mormente o indicado na sua alínea c).
A decisão sob recurso, nesse aspecto, sendo de evidente clareza, mostra coerência lógica entre factos provados e não provados, não enfermando de qualquer contradição entre a motivação e a decisão de condenação e não patenteando qualquer erro de que o homem médio facilmente se desse conta.
Com efeito, por um lado não se detecta qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão (nem sequer foi exposto qualquer raciocínio ilógico ou contraditório na fundamentação que apontasse para decisão contrária à da condenação) e, por outro, o texto da decisão sob recurso revela que foi feito o exame crítico das provas produzidas e examinadas em audiência (nomeadamente, as indicadas na respectiva motivação), foram todas elas articuladas e apreciadas no seu conjunto, como se impunha, analisadas de acordo com os critérios legais, desse modo servindo para fundamentar a convicção do tribunal (cumprindo-se o determinado no art. 374 nº 2 do CPP), sendo sólida a sua argumentação, estando explicitada de forma objectiva e criteriosa a apreciação feita.
Além disso, essa apreciação feita pelo julgador (neste caso pelo Tribunal Colectivo), não contraria as regras da experiência comum e tão pouco evidencia qualquer erro de que o homem médio facilmente se desse conta, como sugere o recorrente.
Todas as provas supra descritas, apreciadas em conjunto, permitiam ao Tribunal Colectivo, segundo as normais regras da experiência comum, formar a sua convicção no sentido dos factos que deu como provados.
As considerações feitas pelo recorrente não integram sequer o vício do “erro notório da apreciação da prova”; antes delas decorre que o recorrente, no essencial, limita-se a contrapor a sua própria apreciação das provas àquela que foi a convicção do julgador formada segundo o enunciado princípio da livre apreciação da prova.
Esqueceu o recorrente que o que é relevante é a convicção que o tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, e não a sua (do recorrente) convicção pessoal[21].
O que sucede, portanto, é que o recorrente quer substituir-se ao tribunal, quando pretende impor a sua própria apreciação (subjectiva e parcial) de parte da prova produzida em julgamento.
Isto é, o recorrente esqueceu o teor do art. 127 do CPP, sendo a sua divergência pessoal e subjectiva, carecida de relevância jurídica e, como tal, inconsequente.
Assim, as arguições do recorrente quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto revelam-se inconsequentes, não se detectando qualquer “erro notório na apreciação da prova”, razão pela qual não há lugar a renovação da prova, nem a reenvio do processo para novo julgamento.
Invoca, ainda, o recorrente, que o tribunal da 1ª instância violou o princípio do in dubio pro reo.
Porém, não lhe assiste razão.
Não foi violado o princípio in dubio pro reo (princípio este que se destina «a dar solução a um problema muito preciso – o da falta de convicção suficiente do julgador relativamente à matéria de facto, objecto da prova»[22]), visto que o tribunal a quo conseguiu obter a certeza dos factos que deu como provados, como se verifica do texto da respectiva fundamentação da decisão recorrida.
2ª Questão
Alega, ainda, o recorrente que na motivação de facto do acórdão sob recurso não foi feito o “exame crítico sobre as provas produzidas em julgamento” e, portanto, que foi cometida a nulidade prevista no art. 379 nº 1-a) do CPP.
Como sabido, na sentença/acórdão o julgador tem de motivar (artigo 374 nº 2 do CPP) a apreciação que fez do caso submetido a julgamento, expondo fundamentos suficientes (com recurso a regras da ciência, da lógica e da experiência) que expliquem o processo lógico e racional que foi seguido na apreciação das provas (a razão pela qual a convicção do tribunal se formou em determinado sentido).
Lendo a fundamentação de facto do acórdão sob recurso verificamos que foi feito o exame crítico das provas pertinentes produzidas e examinadas em audiência, foram todas elas articuladas e apreciadas no seu conjunto, como se impunha, analisadas de acordo com os critérios legais, desse modo servindo para sustentar a convicção do tribunal (cumprindo-se o determinado no art. 374 nº 2 do CPP), estando explicitado, de forma objectiva e coerente, a apreciação que ali foi feita.
O exame crítico resulta, desde logo, da indicação dos motivos pelos quais as provas produzidas em julgamento, analisadas na fundamentação da decisão sob recurso, convenceram o tribunal no sentido dos factos dados como provados.
Isso significa que, ao contrário do que alega o recorrente, foi feito o exame crítico das provas produzidas em julgamento.
Ou seja, o tribunal explicitou o processo lógico e racional que seguiu na apreciação da prova que fez e, a forma como fundamentou a sua convicção, satisfaz a exigência que decorre do n.º 2 do artigo 374.º do CPP, razão pela qual não ocorre a invocada nulidade prevista no art. 379 nº 1-a) do mesmo código.
Daí que se mostre sustentada a convicção segura do tribunal no sentido de o arguido/recorrente ter praticado os factos dados como provados, que foram impugnados, não merecendo censura a decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada, a qual se mostra devidamente fundamentada.
Em conclusão
Não se verificando qualquer dos vícios aludidos no art. 410 nº 2 do CPP, nem ocorrendo qualquer nulidade de conhecimento oficioso, está definitivamente fixada a decisão proferida sobre a matéria de facto, acima transcrita, a qual se mostra devidamente sustentada (fundamentada) na parte aqui em apreço, relativamente ao recorrente.
Por isso, os respectivos factos dados como provados (dos quais resulta – ao contrário do que conclui o recorrente de forma abstracta e sem qualquer justificação – que estão preenchidos todos os elementos, objectivos e subjectivos, de ambos os tipos legais em questão) suportam a decisão condenatória proferida em relação ao recorrente.
Improcede, pois, na sua totalidade o recurso interposto pelo arguido B………. .
B) Recurso do arguido C……….
3ª e 4ª Questões
O recorrente considera incorrectamente julgados os factos que foram dados como provados nos pontos 2, 8, 11, 19 e 21 por, na sua perspectiva (haver errada apreciação da prova, violação do princípio da presunção de inocência e do in dubio pro reo e ausência de prova suficiente para a sua condenação), tais factos não se terem provado.
Argumenta que é da conjugação, sobretudo das declarações das testemunhas (G………., H………., I………., P………., L………., N………. e O……….) e do co-arguido M………., que discorda, concluindo que o tribunal da 1ª instância errou na apreciação da prova por inexistir prova segura que permita a sua condenação.
Alega, ainda, que o tribunal da 1ª instância fez uma apreciação arbitrária da prova e violou os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo (por na dúvida ter decidido contra o recorrente), para além de o acórdão sob recurso enfermar da nulidade prevista no art. 379 nº 1-a) do CPP (por, na sua perspectiva, resultar da motivação do acórdão que as declarações do co-arguido M………. contribuíram irrestritamente para a condenação do recorrente).
Ora, quanto aos factos impugnados pelo recorrente C………., estava em causa (sem prejuízo da análise que abaixo se fará) a seguinte prova:
A)- relativamente aos pontos 2, 19 e 21 dos factos dados como provados (factos esses considerados como integradores de um crime de uso de documento falso e de um crime de burla, cometidos em co-autoria com o arguido D………., pelos quais foi condenado), os depoimentos das testemunhas H………. (titular do cheque utilizado no pagamento da mobília comprada no estabelecimento da “K………., Ldª”), I………. (filho do gerente da “K………., Ldª” que, estando na loja de venda de móveis com o seu irmão BT………, descreveu as circunstâncias em que atendeu 3 indivíduos que ali se deslocaram para comprar as peças de mobiliário examinadas a fls. 923), BT………. (irmão da anterior testemunha), BW………. (pai das testemunhas I………. e BT………., que chegou a fazer diligências no sentido de recuperar a mobília em questão), P………., L………. (ambos empregados da “K………., Ldª”, os quais se pronunciaram sobre o transporte daquela mobília ao local da entrega, em …………., e contactos que então tiveram até ao recebimento do dito cheque), BU………. (que entregou as chaves da casa “arrendada” onde os móveis em questão foram descarregados), as declarações prestadas pelo arguido M………. (o qual se pronunciou sobre contacto que teve com o arguido/recorrente C………., quando este, acompanhado de outro indivíduo, lhe propôs a aquisição daquela mobília examinada a fls. 923), o teor do próprio cheque (junto a fls. 1337, sendo certo que o exame à escrita não permitiu retirar qualquer conclusão segura quanto a quem o manuscreveu – cf. fls. 1320 a 1353), o orçamento de fls. 88 (onde consta a descrição daquela mobília vendida em 4/8/1999, sendo indicado como comprador o titular do cheque que foi entregue para pagamento do preço total de 600.000$00, H…………., com morada na Rua ………., Vila das Aves, constando ainda a referência que seria “junto ao BX………., Vila das Aves”), fls. 854 (auto de busca e apreensão realizado em 22/5/2001 à residência do filho do arguido M………., onde aquela mobília foi apreendida), fls. 923 (exame feito a essa mesma mobília), fls. 924 e 925 (fotos da mobília em questão) e autos de reconhecimentos pessoais (fls. 876, 960 a 962);
B)- relativamente aos pontos 8 e 21 dos factos dados como provados (factos esses considerados como integradores de um crime de uso de documento falso e de um crime de burla, cometidos em autoria material, pelos quais foi condenado), o depoimento das testemunhas N………. (proprietária do estabelecimento “U……….” que se pronunciou sobre compra que ali foi feita de uma televisão e uma aparelhagem, cujo preço foi pago através de cheque furtado) e G………. (titular do cheque utilizado no pagamento da mercadoria comprada no estabelecimento “U……….”), o auto de reconhecimento pessoal do arguido C………. (fls. 959) e o teor do cheque em questão (junto a fls. 1336);
C)- relativamente aos pontos 11 e 21 dos factos dados como provados (factos esses considerados como integradores de um crime de uso de documento falso e de um crime de burla, cometidos em autoria material, pelos quais foi condenado), o depoimento das testemunhas O………. (proprietária do estabelecimento “W……….”, que se pronunciou sobre compra que ali foi feita de uma televisão e uma aparelhagem de som, cujo preço foi pago através do cheque furtado) e G………. (titular do cheque utilizado no pagamento da mercadoria comprada na “O……….”), o auto de reconhecimento pessoal do arguido C………. (fls. 956) e a fotocópia do cheque em questão (junto a fls. 27 do apenso 11).
Foram, ainda, realizadas diligências que consistiram na exibição de fotografias existentes em ficheiros fotográficos da polícia (ver fls. 933, 934, 936, 946 e 947).
Adiante-se desde já que essas exibições de fotografias mais não são do que “meios de investigação policial”, isto é, tratam-se de diligências policiais que visam iniciar a identificação do autor do crime em investigação, quando este é desconhecido, sendo um ponto de partida para o meio de prova do reconhecimento pessoal.
Considerando a data (8/10/2001 e 23/10/2001) da sua realização, tendo presente a versão do CPP então vigente (uma vez que o que interessa, nos termos do disposto no art. 5 nº 1 do CPP, é a lei processual vigente à data da prática desses actos), seria discutível que essas diligências policiais, por si só, chegassem a constituir um meio de prova atípico quando não fossem seguidas de reconhecimento pessoal, razão pela qual a sua apreciação sempre dependeria de particulares cautelas e exigências[23].
Recorde-se que este tipo de identificação (visualização de arquivos fotográficos) é muito mais falível do que o reconhecimento pessoal (mesmo quando este é feito com observância do formalismo previsto nos arts. 147 e 149 do CPP), desde logo porque se circunscrevem apenas àquelas fotografias constantes dos “álbuns” policiais (desconhecendo-se quais as fotografias que deles constavam - uma vez que não há cópias nos autos - para se poder sindicar as diligências efectuadas), tratando-se da exibição de imagens estáticas, onde não existem expressões faciais e que por regra não são de corpo inteiro[24].
Daí que também acompanhamos aqueles Autores (como por exemplo Manuel Cobo Del Rosal[25]) que defendem que o dito “reconhecimento fotográfico” (não tipificado na lei à data em que tais diligências foram efectuadas) não vale mais do que uma mera denúncia, razão pela qual para adquirir valor probatório, deverá ser seguido de reconhecimento pessoal, obviamente que observe o formalismo legal.
No caso dos autos, independentemente do resultado (positivo ou negativo) dessas diligências policiais, como já se viu, foram realizados posteriormente “reconhecimentos pessoais”.
A questão do valor probatório dessas diligências policiais transfere-se, assim, para o momento de apreciação desses “reconhecimentos pessoais” que, para valerem como meio de prova, terão de ter observado o formalismo previsto no art. 147 do CPP na versão então vigente (cf. também art. 149 nº 2 e 3 na mesma versão do CPP).
De esclarecer, ainda (face ao teor da motivação de recurso aqui em apreço que apela ao despacho de arquivamento) que, pese embora o Ministério Público tivesse arquivado os autos quanto aos crimes de falsificação de documento previstos à data dos factos e actualmente no art. 256 nº 1-a) e nº 3 do CP, relativamente aos cheques entregues nos estabelecimentos “K………., Ldª”, “U……….” e “W……….” (por desconhecimento de quem abusou da assinatura dos respectivos titulares dos ditos 3 cheques), o certo é que a matéria que foi submetida a julgamento, delimitada na acusação pública deduzida, para a qual remeteu o despacho de pronúncia, integrava a prática, entre outros, de crimes de falsificação de documento previstos à data dos factos no art. 256 nº 1-c) e nº 3 do CP e hoje previstos no art. 256 nº 1-f) e nº 3 do CP.
Portanto, não se pode confundir (como se fosse tudo a mesma coisa) o arquivamento dos crimes de falsificação de documento relativos aos ditos três cheques (por abuso de assinatura dos respectivos titulares desses cheques) com os crimes de uso de documento falsificado (então previstos no art. 256 nº 1-c) e nº 3 do CP) que foram imputados aos respectivos arguidos.
Aliás, isso mesmo se percebe da leitura da peça acusatória, quando se alega, em relação a cada um desses três cheques, que o seu preenchimento “foi efectuado por pessoa cuja identidade não foi possível apurar, com o conhecimento e o acordo de todos os arguidos, nomeadamente dos arguidos (…)”.
Refira-se, ainda, que o arguido C………. exerceu o seu direito ao silêncio em audiência de julgamento (cf. a acta de fls. 2981 a 2990).
Portanto, o Tribunal fica vinculado à valoração exclusiva dos meios de prova produzidos em julgamento.
A) Analisemos então os factos apurados relacionados com o estabelecimento da “K………., Ldª” (factos provados constantes dos pontos 2, 19 e 21 impugnados).
Em primeiro lugar é preciso ter em atenção que, relativamente à matéria aqui em apreço, o arguido M………. era acusado, em autoria material, de um crime de receptação, não sendo co-autor do arguido/recorrente C………., que nesta parte estava acusado, em co-autoria com o arguido D………., de um crime de “uso de documento falso” e de um crime de burla.
Ou seja, co-autor do recorrente no crime de uso de documento de falso e no crime de burla era o arguido D………. (que igualmente não prestou declarações em julgamento).
Como é evidente e resulta claro da acusação, para a qual remete o despacho de pronúncia, o crime de receptação (relativo à mobília em questão) imputado, em autoria material, ao arguido M………. (do qual o mesmo foi absolvido) é distinto do crime de receptação (relativo aos documentos que na acusação se alegava terem sido adquiridos a terceiros, sendo provenientes de actos ilícitos contra o património) que era imputado, em co-autoria, aos restantes arguidos, nomeadamente aos arguidos C………. e D………. (e do qual todos foram absolvidos).
Obviamente que estando os arguidos C………. e D………. acusados da prática, em co-autoria, dos ditos crimes de “uso de documento falso” e de burla em relação àquela mobília (tendo sido, segundo a acusação que lhes é feita, através da prática de tais crimes que a obtiveram), não se lhes podia imputar um crime de receptação pela venda dessa mesma mobília[26].
Em audiência de julgamento, o arguido M………. pronunciou-se sobre as circunstâncias em que comprou a mobília (que veio a ser apreendida em casa do filho, na sequência de busca domiciliária ali efectuada) examinada a fls. 923 ao arguido C………., a quem já conhecia do café, costumando vê-lo com outro indivíduo (que lhe pareceu ser o arguido D……….), sabendo que vendiam “umas coisitas”, móveis.
Disse que foi no café que o arguido C………., acompanhado do dito indivíduo com quem o costumava ver, lhe propôs a venda da mobília em questão, tendo ido com ambos ver essa mobília a um “armazém” em Vila das Aves.
Nesse “armazém” (onde no seu interior estavam os móveis que comprou, sendo o resto “coisas velhas”) viu, em cima da mesinha de cabeceira da mobília de quarto, um papel com o preço marcado de 580 contos mas, negociaram o preço, acabando por comprar a mobília que veio a ser apreendida por 450 contos (o que achou normal por ser o resultado da negociação que fizeram, não tendo desconfiado de nada) que pagou na hora, em dinheiro, ao arguido C………. (embora ficasse com a ideia que o negócio era dos dois, isto é do arguido C………. e do amigo, ou seja, do indivíduo que o costumava acompanhar).
Acrescentou que, mais tarde, já na Judiciária, reconheceu o C………. e falaram num outro mas não lhe mostraram mais ninguém, só lhe mostraram o C………. .
De esclarecer, ainda, que em audiência o arguido M………. não foi confrontado com declarações anteriores que tivesse prestado no processo, nomeadamente em fase de inquérito.
Nem sequer tal foi requerido pelo mandatário do arguido C……….., o qual, de resto, não solicitou esclarecimentos e nem sequer pôs em crise (colocando questões que de alguma forma afectassem a sua credibilidade e coerência) as declarações prestadas pelo arguido M………. em julgamento (cf. respectiva cassete e a acta de audiência de julgamento de fls. 2981 a 2990).
Ora, o local próprio para questionar ou colocar em crise essas declarações prestadas pelo arguido M………. era em julgamento.
No entanto, foi só em sede de recurso, que o recorrente veio invocar declarações anteriores do mesmo arguido M………. (que na sua perspectiva seriam distintas das prestadas em julgamento), esquecendo que as mesmas não podiam ser atendidas, por não se verificar o condicionalismo previsto no art. 357 do CPP.
Portanto, o seu raciocínio (para descredibilizar as declarações prestadas pelo arguido M……….) assenta desde logo em pressuposto errado que não pode ser atendido por este tribunal.
Com efeito, nestes casos (em que, no julgamento, não há confronto com declarações anteriores), o tribunal apenas pode apreciar as declarações que os arguidos prestem em julgamento.
Nessa medida não há qualquer impedimento à apreciação que foi feita pelo Tribunal da 1ª instância relativamente às declarações prestadas pelo arguido M………. em audiência de julgamento, mesmo na parte em que se pronunciou sobre o negócio que fez com o arguido C………. .
Sendo certo que as declarações do co-arguido podem, sem ofensa da lei, ser valoradas pelo tribunal para fundamentar a condenação de co-arguido que não presta declarações, a verdade é que essa apreciação exige que as declarações prestadas se mostrem coerentes entre si e sejam corroboradas por outros elementos de prova.
A este propósito, diz Teresa Beleza de forma esclarecedora: «O depoimento do co-arguido, não sendo, em abstracto, uma prova proibida em Direito Português, é no entanto um meio de prova particularmente frágil, que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia; muito menos para sustentar uma condenação. Não tendo esse depoimento sido controlado pela defesa do co-arguido atingido, nem corroborado por outras provas, a sua credibilidade é nula»[27].
A posição defendida por Rodrigo Santiago[28], invocado pelo recorrente, assenta resumidamente nos seguintes pressupostos cumulativos: - que ao co-arguido que usa do direito ao silêncio não é dada a oportunidade de exercer o contraditório em relação ao co-arguido que presta declarações e o incrimina; - que as declarações do co-arguido contribuam irrestritamente para a formação da convicção do tribunal.
Para Rodrigo Santiago, estando preenchidos cumulativamente esses dois pressupostos “verifica-se uma situação de nulidade do julgamento, por violação do disposto nos artigos 323º, alínea f), e 327, nº 2, entre outros, todos do Código de Processo Penal.”[29]
Mas, não é isso o que se passa no caso destes autos.
Com efeito, ouvindo o respectivo suporte magnético, verifica-se que os advogados de todos os arguidos tiveram oportunidade de exercer o contraditório, aliás, de acordo com o disposto no art. 327 nº 2 do CPP.
Neste caso também não estamos em face de situação em que o arguido M………., por exemplo, se tivesse recusado a responder a perguntas colocadas pelos defensores dos restantes arguidos.
O que sucedeu foi que só um advogado (o seu defensor) é que quis colocar perguntas, às quais o arguido M………. respondeu.
Portanto, nem aqui se verifica a impossibilidade dos restantes arguidos, através dos seus defensores, colocarem perguntas ao arguido M………. e, tão pouco, existiu qualquer recusa por parte do mesmo arguido em responder a perguntas que lhe fossem colocadas.
Isto mostra que, por um lado, foi assegurado o direito de defesa, incluindo o contraditório, a todos os arguidos e, por outro, não foi violado o princípio da legalidade da prova (arts. 125, 140, 327 nº 2 e 345 do CPP).
Resulta igualmente da motivação de facto da decisão sob recurso que as declarações do arguido M………. só por si não eram, nem foram consideradas bastantes para formular um juízo seguro de condenação relativamente ao arguido C………. .
Isto é: o tribunal entendeu (desde logo quando enunciou toda a restante prova que destacou) que tais declarações não eram suficientes para se concluir pela participação do arguido C………. nos factos em questão.
Só em articulação com os depoimentos das testemunhas abaixo indicadas (particularmente os de H………., I………., P………., L………., BU………. e BW……….) é que já era possível a decisão do colectivo quanto a tal conclusão.
Portanto, as declarações do arguido M………. não foram o único ou exclusivo meio de prova que permitiu ao Tribunal concluir pela participação do arguido C………. nos factos descritos nos pontos 2 e 21 (e bem assim 19) dados como provados.
Daí que não se possa dizer, como o faz o recorrente, que aquelas declarações do arguido M………. contribuíram irrestritamente para a formação da convicção do tribunal da 1ª instância.
Por isso, não ocorre a invocada nulidade do julgamento e/ou do acórdão, não tendo sido violado o disposto nos arts. 368 nº 2, 374 nº 2 e 379 nº 1-a) do CPP.
No caso aqui em apreço, para obter a absolvição do crime de receptação previsto no art. 231 nº 1 do CP, pelo qual estava pronunciado, ao arguido M………. interessava afastar o conhecimento de que aquele mobiliário que havia adquirido, fora obtido por outrem mediante facto ilícito típico contra o património.
Era-lhe indiferente dizer que havia comprado aquele mobiliário a qualquer um dos restantes arguidos (vide nesta parte a acusação para a qual remete a pronúncia, segundo a qual essa aquisição havia sido feita aos restantes arguidos).
Isso significa que o facto de ter dito que foi o arguido C………. que lhe vendeu aquele mobiliário não trazia qualquer beneficio (e tão pouco prejuízo) à sua defesa e, portanto, não se pode dizer que, por essa via (com essa imputação concreta ao arguido C……….), estava a tentar afastar a sua responsabilidade no crime que lhe era imputado em autoria material.
Como vimos, as declarações prestadas pelo arguido M………. em julgamento, mostram-se coerentes entre si, não padecendo de qualquer contradição (tal como o entendeu com toda a legitimidade o tribunal a quo).
Tendo o arguido M………. comprado aquele mobiliário ao arguido C………., indo inclusivamente com este e seu (do C……….) amigo a Vila das Aves para ver o que adquiria e fazer o negócio, o Colectivo podia concluir, desde que articulasse essas declarações com a demais prova testemunhal acima referida, que o arguido C………. foi um dos 3 indivíduos que dolosamente praticou os factos dados como provados, enunciados nos pontos 2 e 21 impugnados, tendo também efectuado o “negócio” aludido no ponto 19 dos factos provados.
Como adiante melhor se verá, o dito “armazém”, em Vila das Aves, onde o arguido M………. foi ver a mobília, é a casa que foi “arrendada” ao arguido D………., através da testemunha BU………., tendo esta chegado a ver a movimentação resultante da entrega da mobília feita pela “K………., Ldª”, quando as testemunhas P………. e L………. ali se deslocaram e descarregaram essa mercadoria.
Isso mesmo também resulta do depoimento da testemunha BW………. que chegou a deslocar-se (com o seu funcionário que lhe indicou o local onde entregara a mobília) ao mesmo local em Vila das Aves, após saber que o cheque que receberam pela encomenda (feita perante seu filho I……….) e venda dessa mobília era furtado (não logrando obter o seu pagamento), tendo nessa ocasião falado também com a testemunha BU………. .
Depois, não se pode esquecer que as testemunhas I………. (que contactou os 3 indivíduos que lá foram à loja para comprar aquele mobiliário) e BU………., identificaram em julgamento o arguido D………. (o primeiro identificando-o como sendo o interlocutor dos compradores no negócio que fez relativo ao mobiliário em questão e, a segunda, identificando-o como sendo a pessoa a quem entregou a chave da casa que “arrendou”, o qual se fazia acompanhar de outro indivíduo).
Ora, considerando o interesse manifestado pelo recorrente na venda do mesmo mobiliário ao arguido M………. estabelece-se a ligação entre os arguidos D………. (interlocutor do negócio feito com a “K……….., Ldª”) e o recorrente C………. .
Arguido C………. que liderou essa transacção com o arguido M………., fazendo até um bom desconto quando negociaram o preço, o qual depois recebeu, tendo um comportamento adequado ao de quem é “proprietário” da mercadoria que vendeu (se assim não fosse, dizem as regras da experiência comum que, também o teria dito, sem problema, ao arguido M………. e, obviamente, não teria uma margem tão grande para negociar o preço).
Essa atitude do recorrente explica e justifica a convicção do Colectivo quando o considerou como um dos participantes, juntamente com o arguido D……….., nos factos provados descritos no ponto 2.
Ou seja: Só articulando as declarações do arguido M………. com os depoimentos acima indicados e também com o da testemunha H………. (que descreveu as circunstâncias em que lhe foi furtado o cheque em questão e que confirmou nunca ter feito qualquer aquisição no estabelecimento da “K………., Ldª”), é que se mostra sustentada a convicção do Colectivo no sentido daqueles factos dados como provados.
Relativamente ao momento temporal (em data não concretamente apurada mas situada entre 4/8/1999 e 22/5/2001) dessa compra de mobiliário, relatada pelo arguido M………., a mesma resulta do confronto entre a data do orçamento de fls. 88 (que se reporta a 4/8/99) e a data da busca domiciliária feita à residência do filho do arguido M………. (22/5/2001), onde aqueles bens foram apreendidos.
Vejamos, então, os demais elementos de prova que corroboram, nos termos apontados, a versão do arguido M………. e que, apreciados todos eles em conjunto e de forma articulada (efectuando o raciocínio indutivo e dedutivo do tribunal da 1ª instância quando formou a sua convicção), sustentam os factos dados como provados nos pontos 2, 19 e 21 aqui em apreço.
Começando pela testemunha H………. (que não conhece os arguidos) verificamos que a mesma se pronunciou sobre as circunstâncias em que nos últimos dias de Maio de 1999 lhe foi furtado o seu veículo automóvel (em Esposende, de dentro do parque da fábrica, onde deixara as chaves na ignição, tudo se tendo passado de forma muito rápida), com caderneta de cheques (individuais e da firma) e documentos do carro (livrete e titulo de registo de propriedade do mesmo veiculo) que estavam no seu interior.
Confirmou que deu baixa dos cheques no banco e participou o furto à polícia, tendo tido conhecimento posterior que os cheques foram usados (nomeadamente através de pessoas que lhe telefonavam por causa dos cheques).
Também referiu que nunca fez qualquer compra no estabelecimento “K………., Ldª” (que nem conhece) e nunca deu qualquer cheque seu para alguém fazer pagamento de encomenda (mobiliário) a esse estabelecimento.
Portanto, retira-se do depoimento da testemunha H………. que o pagamento do preço da mobília comprada na “K………., Ldª” em 4/8/1999, foi feito com impresso de cheque que lhe foi furtado em finais de Maio de 1999, o qual não foi por ele preenchido e, como tal, aquele pagamento foi feito com o uso de documento falsificado.
Por sua vez, a testemunha BT………. (irmão da testemunha I………., sendo ambos filhos do gerente da “K………., Ldª”) tinha uma vaga ideia do que se passara, por já ter decorrido muito tempo e, na altura dos factos em questão, ter 12 ou 11 anos, não tendo prestado atenção ao negócio feito lá na loja (onde também se encontrava) pelo seu irmão I………. com as três pessoas que encomendaram e compraram a mobília (diz a testemunha que “salvo erro foi vendido uma mobília de quarto e uma mesa”).
Ou seja, desse depoimento apenas se podia retirar que foram à dita loja 3 pessoas para comprarem mobiliário e que o negócio foi feito pelo I………. .
Ouvida, de seguida, a testemunha P………. (que então exercia funções de motorista na “K………., Ldª”, transportando mobília), referiu que alguém da empresa lhe mandou fazer a entrega da mobília em Vila das Aves, em morada que indicaram.
Esclareceu que levava a guia da mercadoria e por norma quando a entrega recebe o preço.
Foi ao local da morada que lhe indicaram e, na altura, estavam dois senhores à espera, os quais receberam a mercadoria e fizeram o pagamento com o dito cheque que recebeu, indo embora, entregando-o depois na firma.
Referiu que, na altura, a casa onde colocaram o mobiliário (respectivamente “num quartinho e no corredor”) estava um “bocado deteriorada”, não tendo condições para se viver nela e que os dois senhores lhe disseram que iam começar com obras.
Mencionou, ainda, que quando recebeu o cheque, achou estranho a rubrica que dele constava mas, quando em audiência lhe foi exibido o respectivo cheque no valor de 600.000$00, por entretanto terem passado muito anos, não se conseguia recordar do mesmo, nem olhando para o pormenor da rubrica do emitente (olhando nós para o cheque verificamos que a rubrica parece a imagem de uma cruz, o que de facto justificava a tal estranheza que a testemunha recordava mas não sabia explicar).
Também se recordava de mais tarde ter ido à PJ para reconhecer essas duas pessoas que o esperavam quando foi entregar a mobília a Vila das Aves, tendo indicado duas pessoas, mas sem certezas, como frisou em julgamento.
Olhando para o auto de reconhecimento pessoal que consta de fls. 962, efectuado em 15/11/2001, verifica-se desde logo que a testemunha P………. apresentou dúvidas quanto às duas pessoas que indicou (sendo uma delas o arguido D………. e a outra um inspector da PJ), pese embora dias antes (em 8/10/2001) tivesse identificado as fotos dos arguidos C………. e D………., quando lhe foram exibidas fotografias (que se desconhecem) existentes em ficheiros fotográficos da PJ (fls. 934).
Isto significa que tais reconhecimentos pessoais feitos pela testemunha P………. (não obstante a identificação fotográfica constante da diligência de fls. 934 que necessariamente é também afectada ou “contaminada” pelas dúvidas suscitadas no reconhecimento pessoal) teriam desde logo de suscitar dúvidas e, como tal, em nada podiam contribuir para a formação da convicção do tribunal.
Mas, se lermos a motivação de facto da decisão recorrida, também percebemos que não foi esse reconhecimento pessoal (fls. 962) que convenceu o tribunal colectivo quanto à participação do arguido C………. nos factos dados como provados referidos no ponto 2, não obstante a referência ao dito “reconhecimento fotográfico” de fls. 934.
O que resulta da motivação de facto (ao contrário da leitura que dela faz o recorrente) é que o depoimento da testemunha P………. mereceu crédito ao tribunal colectivo quanto à forma e circunstâncias em que decorreu o acto de entrega da mobília em Vila das Aves (Vila das Aves onde o arguido M………. também se deslocou, quando juntamente com o arguido C………. e amigo deste foi ver a mobília que estava em “armazém”, mobília que, atentas as suas dimensões - conforme fotografias de fls. 924 e 925 -, ainda que desmontada, também não era de fácil deslocação, não sendo lógico, nem plausível, segundo as regras da experiência comum, que fosse mudada de casa na mesma Vila das Aves só para ser mostrada ao arguido M……….., tanto mais que, afinal, segundo as declarações deste último, ali só tinha mesmo para venda aquela mobília, sendo o resto “coisas velhas”, o que coincide com o estado degradado da casa com que o P………. se deparou quando efectuou aquela descarga), mas não quanto ao reconhecimento pessoal que fez na PJ, constante de fls. 962 (que o tribunal a quo salientou ter sido feito com dúvidas e, como tal, percebe-se que não pudesse ser valorado contra o arguido C……….), que enunciou, tal como o dito “reconhecimento fotográfico”.
Para além disso, o reconhecimento pessoal constante de fls. 962, tal como o de fls. 960 (efectuado pela testemunha L……….) e o de fls. 961 (efectuado pela testemunha BU……….), não tem valor como meio de prova (art. 147 nº 4 do CPP) por não ter sido observado o disposto nos arts. 147 nº 2 e 149 do CPP.
Com efeito, tratando-se de pluralidade de reconhecimentos (estavam em causa, em simultâneo, a identificação dos arguidos C………. e D……….), deviam ter sido feitos separadamente, observando-se o disposto no art. 147 do CPP, o que não foi feito (dos autos de reconhecimento pessoal de fls. 960 a 962 resulta que cada uma das testemunhas P………., L………. e BU………. identificou simultaneamente – e não em separado para cada pessoa – duas pessoas, como sendo os autores dos factos em questão e nem sequer foi observado o nº mínimo de pessoas – pelo menos duas para cada reconhecimento – exigido pelo art. 147 nº 2 do CPP, visto que, na mesma fila, para além dos arguidos C………. e D………., apenas estavam 3 outras pessoas, funcionários da PJ).
Portanto, tais reconhecimentos pessoais constantes de fls. 960 a 962, enunciados pelo Colectivo na motivação de facto da decisão sob recurso, não tinham valor como meios de prova (arts. 147 nº 4 e 149 nº 2 e 3 do CPP).
Assim, embora por motivos diferentes dos indicados pelo recorrente (que, nessa parte, apenas apresentou argumentos abstractos e subjectivos, sem qualquer valor, tanto mais que nem em julgamento – local indicado para o fazer – questionou os referidos reconhecimento pessoais), concorda-se com a conclusão de que esses concretos (os de fls. 960 a 962) reconhecimentos pessoais não têm valor como meio de prova, o que necessariamente afecta (“contamina”), retirando credibilidade, às diligências policiais que consistiram na exibição de fotografias constantes de ficheiros policiais (fls. 933, 936 e 934).
Mas isso não significa que o recorrente tenha razão no pedido de absolvição, como se verá.
Do depoimento da testemunha P………. resulta que não há dúvidas que o mobiliário em questão foi entregue na referida casa em Vila das Aves (altura em que recebeu o cheque destinado ao pagamento do preço da transacção efectuada) - sendo a mesma casa onde também se deslocou o arguido M………. - que, como veremos, foi aquela que a BU………. “arrendou”, entregando a chave ao arguido D………., arguido este que também foi identificado pela testemunha I………., como sendo um dos três indivíduos que foram ao estabelecimento da “K………., Ldª”, com quem falou quando fez aquele negócio.
Passando a ouvir o depoimento da testemunha I………. (quando foi ouvido na sessão de 12/10/2007, tinha 25 anos e, como já referido, é irmão da testemunha BT………. e também filho do sócio gerente da “K………., Ldª”) verificamos que foi ele (tal como já fora afirmado pelo irmão BT……….) quem negociou a venda da mobília em questão e abriu a porta aos três indivíduos que então lá apareceram (referindo a testemunha que “vestiam-se bem e eram bons falantes”), apenas tendo identificado, em audiência, o arguido D………. .
Referiu esta testemunha que com quem dialogou foi com o arguido D………., relatando como tudo se passou: começou por dizer que lhe disseram que queriam ver mobília de quarto, mostrou e gostaram, depois queriam ver uma mesa de centro e mostrou, em nenhuma dessas duas situações discutiram preço (o qual, dado o tempo decorrido, já não se lembrava ao certo mas podia ser 600/610 contos) e pediram se podiam confirmar a encomenda a entregar depois das 14 horas, que telefonavam a partir dessa hora (porque tinham as mulheres nas praias ou estavam de férias) para ver se a encomenda podia ser entregue nesse mesmo dia (como tinham aquela mobília em stock não havia problema na entrega no dia).
Depois pelas 14h/14h30 telefonaram para a loja a confirmar a encomenda (a instância de um dos advogados da defesa disse que não sabia quem telefonou, mas “pensava” – o que significa que não tinha a certeza – que seria o arguido D………., pessoa que então disse que foi com quem falou na loja[30]).
Ou seja, segundo o depoimento da testemunha I………., o arguido D………. foi o interlocutor daquele negócio, no qual os três, como “compradores”, iam manifestando o seu agrado em relação à mobília que lhes era mostrada, não tendo sequer pedido um desconto no preço.
Segundo a mesma testemunha, na altura, não falaram na forma do pagamento, mas isso depois seria feito no acto da entrega do mobiliário e, como a encomenda era para entregar no mesmo dia, ali perto, nem sequer houve sinal e não havia problemas em dar andamento à encomenda, fazendo a entrega.
Posteriormente é que souberam que o cheque era furtado, porque o tio terá telefonado para o banco, por ter desconfiado da assinatura que era uma cruz.
Disse que mais tarde viu o cheque, razão pela qual, em audiência, o mesmo lhe foi exibido, tendo ali confirmado que era o que havia sido entregue ao motorista que efectuara o transporte da mobília.
Também se referiu ao reconhecimento pessoal que fez na Policia Judiciária (fls. 876), adiantando que a pessoa que então identificou era a mesma que em julgamento reconhecera (portanto, era o arguido D……….).
Como é evidente, o auto de reconhecimento pessoal de fls. 876 não serve para identificar o arguido C………. como um dos autores dos factos em questão, desde logo porque dele consta que a testemunha I………. apenas terá dito que teria “certas parecenças o suspeito C……….”.
O que consta da motivação de facto da decisão recorrida quanto à parecença do C………. (o que exigia uma melhor redacção do que se escreveu para não criar equívocos) apenas se pode referir ao teor do auto de reconhecimento pessoal de fls. 876, uma vez que a testemunha I………., em audiência, não identificou tal (C……….) arguido.
Mas, não é pela forma equívoca como foi, nessa parte, redigida a motivação de facto que se pode concluir, como o fez o recorrente, que o tribunal a quo “presumiu” que o arguido C………. era um dos outros dois indivíduos que acompanhou o arguido D………. quando foi negociar a compra daquele mobiliário.
Com efeito, não é isso o que resulta de tudo quanto o tribunal da 1ª instância expôs quando explicou (ainda que de forma equivoca em aspectos pontuais) o raciocínio que fez para dar como provados os factos dos pontos 2, 19 e 21 impugnados.
Ouvindo agora o depoimento da testemunha BW………. (pai das testemunhas BT………. e I……….) verifica-se que o mesmo tomou conhecimento do negócio que o filho I………. fez pelo que este e o irmão BT………. lhe contaram quando foram almoçar.
Confirmou, no entanto, que foi a testemunha P………. que lhe entregou o cheque que recebera quando fora levar a mobília a Vila das Aves e que achou estranha a assinatura de cruz que constava do mesmo cheque (tendo reconhecido em audiência o cheque que lhe foi exibido), razão pela qual depois telefonou para o banco e disseram-lhe que era furtado, não tendo obtido pagamento.
Também salientou que, como o cheque foi devolvido, depois tentou recuperar a mobília, indo com o empregado a Vila das Aves, até à casa onde fora descarregada a dita mobília (segundo as indicações dadas pelo seu empregado), razão pela qual falou com uma senhora (que até estava fora da sala de audiências) numa mercearia perto, tendo ela lhe dito que no dia dessa entrega apareceram lá uns senhores para alugar a casa onde ficou a mobília.
Mais tarde, através da PJ, recuperou a mobília em questão, precisamente a que foi apreendida em casa do filho do arguido M………. (mobília oferecida pelo pai, conforme este declarou).
De seguida foi ouvida a testemunha BU………. (a senhora com quem o BW………. disse que falou quando foi a Vila das Aves com o empregado ver se recuperava a mobília) a qual confirmou que foi ela que deu a chave da casa de Vila das Aves, onde a mobília foi entregue, ao arguido D………. (arguido que identificou em audiência), o qual, através dela e pelo telefone negociou com a patroa (dona da casa) o arrendamento da mesma (embora ficassem de celebrar o contrato mais tarde).
Mais esclareceu que o arguido D………., quando a contactou, se fazia acompanhar de outro indivíduo (que não conseguia identificar) e que se apresentavam “bem” (tendo até a patroa lhe dito, após a conversa telefónica com o arguido D………., para dar a chave da casa que eram de “boa família”).
Ou seja, do seu depoimento, ressaltam características (bom aspecto e facilidade de expressão), notadas em relação ao arguido D………. e ao outro indivíduo que o acompanhava, que coincidem com as indicadas pela testemunha I………. (quando disse que os três a quem abriu a porta “vestiam-se bem e eram bons falantes”).
Mencionou ainda a testemunha BU………. que só contactou o arguido D………. e o outro indivíduo que o acompanhava no dia em que lhe falaram para arrendar a casa e no dia seguinte (quando viu o movimento na ocasião da entrega do mobiliário, numa altura em que o arguido D………. não estava, tendo perguntado por ele ao outro individuo que lhe respondeu que ainda não tinha chegado) e depois nunca mais os viu por ali, apenas tendo visto novamente o arguido D………. em reconhecimento que fez na PJ no Porto.
Também se pronunciou sobre o estado da casa, a qual na altura não tinha água, nem luz, era fraca, tendo eles lhe dito que iriam fazer obras.
Portanto, esta testemunha identificou, em audiência, o arguido D………. como sendo a pessoa a quem entregou as chaves da dita casa em Vila das Aves, casa essa onde foi descarregada a mobília vendida pela K………., Ldª, na sequência do negócio que a testemunha I………. fez, acima descrito, testemunha esta que também identificou o mesmo arguido D………. em audiência.
Esses depoimentos das testemunhas BU………. e I………., mostraram-se credíveis ao tribunal a quo[31], como ressalta da motivação de facto constante da decisão sob recurso.
Conjugando, ainda, essa prova com as declarações prestadas pelo arguido M………., podia o tribunal colectivo chegar à conclusão que o recorrente C………. estava conluiado com o arguido D………., quer quando fizeram a dita “transacção” com a “K………., Ldª”, quer quando lhe (ao arguido M……….) vendeu o mesmo mobiliário, no circunstancialismo descrito (sempre acompanhado do arguido D……….), assumindo a liderança do negócio, fazendo aquela redução de preço (de 580 contos para 450 contos), como se fosse o proprietário.
Por fim, a testemunha L………. (que então com cerca de 14 anos “trabalhava” para a K………., Ldª) pronunciou-se sobre a entrega da mobília que juntamente com o colega P………. (testemunha P……….) foi fazer a Vila das Aves.
Referiu que quando chegaram à casa de Vila das Aves descarregaram a mobília e não chegaram a montar, como se propunham, porque o senhor que os atendeu disse não valia a pena que ainda tinham que pintar as paredes.
Foi o seu colega P………. que recebeu o cheque, mas ainda tiveram que esperar cerca de meia hora para que chegasse o senhor que fez o pagamento.
Não sabia se o cheque fora ou não preenchido na altura em que foi entregue.
Dado o tempo (anos) que entretanto passou não conseguiu em audiência identificar essas pessoas (quer o que os recebeu, quer o que fez o pagamento) que viu nesse dia em que fizeram a entrega daquela mobília.
Na motivação de facto da decisão sob recurso o tribunal a quo fez apelo ao auto de reconhecimento pessoal que a testemunha L………. fez em sede de inquérito, na Policia Judiciária (fls. 960).
Mas, como acima já se referiu, esse reconhecimento pessoal não obedeceu ao formalismo previsto nos arts. 147 nº 2 e 149 do CPP, razão pela qual não valendo como meio de prova (art. 147 nº 4 do CPP) também não podia ser utilizado para formar a convicção do tribunal colectivo.
As pequenas discrepâncias (de estarem os dois homens a recebê-los quando foram fazer a entrega da mobília, como disse o P………. ou de inicialmente estar um e depois chegar o outro, que foi quem entregou o cheque ao P………., como disse o L……….) existentes entre o depoimento das testemunhas P………. e L………, são irrelevantes, não colocando em causa a análise que delas fez o Tribunal Colectivo.
E, não há dúvidas que quem recebeu o dito cheque furtado destinado ao pagamento do preço (600.000$00) da transacção a que se refere o orçamento de fls. 88, foi a testemunha P………. que o entregou ao BW………., sócio-gerente da “K………., Ldª”.
Esta gratuitidade na forma de “aquisição” daquele mobiliário explica, como acima já referimos, o interesse e liderança do arguido C………. na venda do mesmo mobiliário ao arguido M………., bem como a reconhecida capacidade de decisão no desconto (de 580 contos para 450 contos) que lhe fez no preço que acabou por pagar logo no acto.
É precisamente a conjugação dos depoimentos das testemunhas H………., I………., P………., L………., BU………. e BW………. com as declarações prestadas pelo arguido M………. (não obstante os reconhecimentos pessoais de fls. 876, 960 a 962 e os ditos “reconhecimentos fotográficos” de fls. 933, 934 e 936 não poderem ser atendidos no processo de formação da convicção do tribunal), todos articulados em conjunto, que habilitavam o Colectivo a formar a sua convicção segura no sentido dos factos que deu como provados constantes dos pontos 2,19 e 21 supra.
Daí que se possa concluir que não há erro de julgamento quanto aos factos dados como provados nos ditos pontos 2, 19 e 21.
Improcede, pois, nesta parte a argumentação do recorrente, não existindo a invocada nulidade do julgamento e/ou do acórdão, como acima se explicou.
B) Analisemos agora os factos apurados relacionados com o estabelecimento “U……….”, propriedade de N………. (factos provados constantes dos pontos 8 e 21 impugnados).
A testemunha G………. (que não conhece os arguidos) pronunciou-se sobre as circunstâncias em que lhe foi furtado (em 13/4/1999, pelas 13h30m, quando foi almoçar a casa dos sogros, tendo deixado as chaves na ignição por ali ser “aldeia”, demorando cerca de 15 minutos o almoço) o seu automóvel Audi ., em cujo interior tinha uma pasta e a carteira, com os seus documentos, v.g. bilhete de identidade, carta de condução, cartão de contribuinte, cartões de crédito e Multibanco e livro com “cento e qualquer coisa” (“mais de cem tinha”) cheques do então V………. .
Por ter ficado sem nada, passados 20 minutos participou ao banco o sucedido (a cancelar cheques e cartões), assim como apresentou queixa à GNR, tendo mais tarde, em Setembro desse ano, a polícia lhe comunicado que o veículo havia sido encontrado na ………., no Porto, aonde se deslocou (relativamente aos documentos nada lhe foi entregue).
Confirmou essa testemunha que não fez qualquer compra (nomeadamente de televisão e aparelhagem) no referido estabelecimento “U……….” (e tão pouco fez qualquer compra na “W……….”).
Entretanto, como foi ouvido “33 vezes, salvo erro” no DIAP de Coimbra, soube que os seus cheques estavam a ser usados (muitos deles tinham uma assinatura muito próximo da que a testemunha usava mas, no caso dos cheques relativos à conta do então V………., apenas os rubricava, não usando a assinatura).
Portanto, do depoimento da testemunha G………. resulta que o pagamento dos bens comprados no estabelecimento “U……….” (o mesmo sucedendo com os comprados na “W……….”) foi feito com cheque que lhe foi furtado em 13/4/1999, o qual não foi por ele preenchido, nem assinado, o que significa que aquele pagamento foi feito com uso de documento falsificado por outra pessoa.
A testemunha N………. (proprietária do estabelecimento “U……….”, sito no Porto), ouvida na sessão de julgamento de 12/10/2007, pronunciou-se sobre as circunstâncias em que vendeu uma televisão e uma aparelhagem a um indivíduo que se identificou como sendo médico na Prelada, que estava na altura a fazer estágio e que lhe disse que vivia numa casa mais abaixo da sua.
Na altura o preço daqueles bens foi à volta de 100.000$00, confirmando depois ter recebido o cheque que consta de fls. 1336, o qual lhe foi exibido.
Esclareceu que esse cheque já estava assinado no rosto (lugar do emitente), estava escrito no verso, sendo o resto, designadamente o valor (em algarismos e por extenso), a data (16/7/1999), o local de emissão (………., que recordava por ser próximo da terra do marido) preenchido ali no estabelecimento pelo indivíduo que comprou aquela mercadoria, no qual acreditou (a mercadoria foi ao fim da tarde desse mesmo dia levantada).
Note-se que o relatório pericial constante de fls. 1347 a 1351 refere que “a insuficiência de elementos comuns e a reduzida quantidade de semelhanças encontrada na análise das escrita suspeitas com as dos autografados, não permitem formular uma conclusão segura quanto à possibilidade de as escritas suspeitas constantes do preenchimento dos cheques de fls. (…) sejam da autoria de (…) C………. (…)”.
Daí que (ao contrário do que refere o recorrente) desse relatório pericial nada se possa retirar para efeitos de prova.
Errado seria interpretar aquele relatório pericial (como o faz o recorrente) no sentido de ficar excluída a possibilidade de o arguido C………. ter completado o preenchimento do cheque em questão e, a partir daí concluir que não podia ser o autor dos factos em questão (isto independentemente de a autoria desse preenchimento ser irrelevante uma vez que o crime que lhe era imputado era, além do de burla, o de uso de documento falsificado).
De esclarecer que não há qualquer desconformidade entre o que foi declarado pela testemunha N………. (quando disse que o cheque já estava assinado no rosto e escrito no verso) e o que consta do despacho de arquivamento proferido pelo MP, quanto ao crime de falsificação de documento p. e p. à data dos factos no art. 256 nº 1-a) e nº 3 do CP, pois o arquivamento relaciona-se com a impossibilidade de “determinar qual dos arguidos apôs o nome de G………. em tal cheque” e “em que circunstâncias” o fez, isto é, relaciona-se com o abuso de assinatura do titular do cheque (confira-se, ainda, o que a esse propósito consta dos factos dados como provados).
Referiu igualmente a testemunha que fez queixa na Polícia e que não recuperou a mercadoria vendida, nem recebeu o valor do cheque (“na altura o banco não pagou por se tratar de cheque roubado”).
Também disse que, ali em audiência (onde estava pela primeira vez), não conseguia reconhecer entre os arguidos se algum deles era o indivíduo que lhe entregara o dito cheque (embora houvesse um Senhor que apontou que “lhe dava ares”), mas, quando foi à Polícia “não teve dúvida nenhuma no reconhecimento” que nessa altura fez (referindo-se, portanto, ao reconhecimento pessoal do arguido C………., constante de fls. 959, feito em 15/11/2001, numa altura muito mais próxima daquela transacção efectuada em 16/7/1999).
Ou seja, em audiência, a testemunha não conseguiu identificar o autor dos factos em questão.
Na motivação de facto da decisão sob recurso, o tribunal a quo fez apelo ao auto de reconhecimento pessoal de fls. 959, no qual a mesma testemunha N………. identificou o arguido C………. como sendo o autor dos factos em questão.
Esse reconhecimento pessoal feito na fase de inquérito em 15/11/2001 (no qual reconheceu o arguido C……….) não obedece ao formalismo indicado nos arts. 147 nº 2 e 149 do CPP na versão então vigente.
Como já foi dito, tratando-se de pluralidade de reconhecimentos (estavam em causa, em simultâneo, como resulta do próprio auto de fls. 959, a identificação dos arguidos C………. e D……….), deviam ter sido feitos separadamente, observando-se o disposto no art. 147 do CPP, o que não foi cumprido (do auto de reconhecimento pessoal de fls. 959 resulta que a testemunha N………. foi chamada a identificar simultaneamente – e não em separado para cada pessoa, como a lei determinava – os arguidos C………. e D………., como sendo os autores dos factos em questão, e nem sequer foi observado o nº mínimo de pessoas – pelo menos duas para cada reconhecimento – exigido pelo art. 147 nº 2 do CPP, visto que, na mesma fila, para além dos arguidos C………. e D………., apenas estavam 3 outras pessoas, funcionários da PJ).
Portanto, esse reconhecimento pessoal constante de fls. 959, enunciado pelo Colectivo na motivação de facto da decisão sob recurso, não tinha valor como meio de prova, o que também retira credibilidade e “contamina” o valor da diligência policial, a que se refere fls. 947 (o dito “reconhecimento fotográfico”).
Assim, embora por motivos diferentes dos indicados pelo recorrente, concorda-se que esse concreto (o de fls. 959) reconhecimento pessoal não tem valor como meio de prova, o que também afecta a diligência a que se refere fls. 947 (daí que não pudessem ser utilizados no processo de formação da convicção do tribunal da 1ª instância).
Conclusão: neste caso não há prova bastante que permita concluir que o arguido C………. foi autor dos factos descritos no ponto 8 dos factos provados.
Nessa medida houve erro de julgamento, impondo-se alterar a decisão proferida quanto à matéria de facto nesta parte.
Assim, modifica-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, ficando a constar,
a)- do ponto 8 dos factos dados como provados que:
“No dia 16 de Julho de 1999, indivíduo do sexo masculino cuja identidade não foi possível apurar dirigiu-se ao estabelecimento comercial “U……….”, sito na rua ………., no Porto, pertencente a N………., onde adquiriu uma televisão e uma aparelhagem no valor de 100.000$00.
Para pagamento de tais bens, esse indivíduo entregou o cheque número ………., no valor de 100.000$00, da conta número ……….., do V………., fazendo crer e convencendo a N………. que o atendeu, de que era o legítimo titular do cheque, assim a determinando a entregar-lhe tais bens.
No entanto, uma vez apresentado tal cheque a pagamento, o mesmo veio devolvido, com a indicação de “cheque roubado”.
Tal cheque havia sido furtado, totalmente por preencher, a G………., em 13 de Abril de 1999, em Coimbra.
O preenchimento do referido cheque havia sido efectuado por pessoa cuja identidade não foi possível apurar.”
b)- do ponto 18 que se adita aos factos dados como não provados:
“18- que no dia 16 de Julho de 1999, o arguido C………. se dirigiu ao estabelecimento comercial “U………..”, onde adquiriu uma televisão e uma aparelhagem no valor de 100.000$00;
- que o arguido C………. entregou o cheque número ………., no valor de 100.000$00, da conta número ……….., do V………., fazendo crer e convencendo a N………. que o atendeu, de que era o legítimo titular do cheque, assim a determinando a entregar-lhe tais bens;
- que o arguido C………. tinha conhecimento que tal cheque havia sido assinado sem o consentimento ou a autorização do respectivo titular, G………., tal como sabia que este não o havia preenchido nem assinado;
- os demais factos alegados quanto ao dolo.”
Em face desta modificação da matéria de facto provada e não provada, impõe-se a absolvição do arguido C………. de um crime de falsificação de documento p. e p. à data dos factos no art. 256 nº 1-c) e nº 3 do CP e de um crime de burla p. e p. à data dos factos no art. 217 nº 1 do CP, pelos quais foi condenado (nas penas individuais respectivas de 150 dias de multa à taxa diária de € 7,00 e de 100 dias de multa à mesma taxa diária) relativamente ao factos descritos no mencionado ponto 8, agora modificado.
C) Vejamos agora os factos apurados relacionados com o estabelecimento “W……….”, propriedade de O………. (factos provados constantes dos pontos 11 e 21 impugnados).
Vale aqui, com as devidas adaptações, o que acima se referiu quanto ao depoimento da testemunha G………. .
Como já foi adiantado, resulta do seu depoimento que não fez qualquer compra (nomeadamente de televisão e aparelhagem de som) no referido estabelecimento “W……….”, podendo concluir-se que o pagamento dos bens ali comprados foi feito com cheque que lhe foi furtado em 13/4/1999, o qual não foi por ele preenchido, nem assinado, o que significa que aquele pagamento foi feito com o uso de documento falsificado.
Passando agora para o depoimento da testemunha O………., ouvida em julgamento no dia 26/10/2007, a mesma apenas recordava (dado que entretanto decorreram vários anos) que dois senhores foram ao seu estabelecimento, “W……….” e lhe passaram um cheque que não foi pago (ver fotocópia desse cheque a fls. 27 do apenso 11).
Esclareceu que tudo se passou ao fim da tarde, que um desses senhores lhe comprou um televisor e um aparelho de música e que o preço (preço que não recordava mas seria para aí 100 contos) foi pago por cheque, tendo o senhor até ido ao carro buscar o livro de cheques (não lembrando onde o cheque fora preenchido, se foi no carro ou se estava já antes preenchido).
Apresentou o cheque a pagamento e foi devolvido, tendo depois tomado conhecimento que fora furtado.
Em audiência não conseguiu identificar nenhum dos arguidos como autor dos factos em questão.
Porém, na motivação de facto da decisão sob recurso, o tribunal a quo fez apelo ao auto de reconhecimento pessoal de fls. 956, no qual a mesma testemunha O………. identificou o arguido C………. como sendo o autor dos factos em questão.
Esse reconhecimento pessoal feito na fase de inquérito em 15/11/2001 (no qual reconheceu o arguido C……….) não obedece ao formalismo indicado nos arts. 147 nº 2 e 149 do CPP na versão então vigente.
Com efeito, tratando-se de pluralidade de reconhecimentos (estavam em causa, em simultâneo, a identificação dos arguidos C………. e D……….), deviam ter sido feitos separadamente, observando-se o disposto no art. 147 do CPP, o que não foi cumprido (do auto de reconhecimento pessoal de fls. 956 resulta que a testemunha O………. foi chamada a identificar simultaneamente – e não em separado para cada pessoa, como a lei determinava – os arguidos C………. e D………., como sendo os autores dos factos em questão, e nem sequer foi observado o nº mínimo de pessoas – pelo menos duas para cada reconhecimento – exigido pelo art. 147 nº 2 do CPP, visto que, na mesma fila, para além dos arguidos C………. e D………., apenas estavam 3 outras pessoas, funcionários da PJ).
Portanto, esse reconhecimento pessoal constante de fls. 956, enunciado pelo Colectivo na motivação de facto da decisão sob recurso, não tinha valor como meio de prova.
Assim, embora por motivos diferentes dos indicados pelo recorrente, concorda-se que esse concreto (o de fls. 956) reconhecimento pessoal não tem valor como meio de prova (daí que não pudesse ser utilizado no processo de formação da convicção do tribunal da 1ª instância).
Conclusão: neste caso não há prova bastante que permita concluir que o arguido C………. foi autor dos factos descritos no ponto 11 dos factos provados.
Nessa medida houve erro de julgamento, impondo-se alterar a decisão proferida quanto à matéria de facto nesta parte.
Assim, modifica-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, ficando a constar,
a)- do ponto 11 dos factos dados como provados que:
“No dia 16 de Julho de 1999, indivíduo do sexo masculino cuja identidade não foi possível apurar dirigiu-se para o estabelecimento comercial denominado “W……….”, sita em Gondomar, pertença de O………., onde adquiriu uma televisão e uma aparelhagem de som, no valor de 205.000$00.
Para pagamento de tais bens, esse indivíduo entregou o cheque número ........., do I………., titulado por G………., fazendo crer e convencendo a O………. que o atendeu, de que era o legítimo titular do cheque, assim a determinando a entregar-lhe tais bens.
No entanto, uma vez apresentado tal cheque a pagamento, o mesmo veio a ser retido e não foi pago pelo banco por existir indicação de furto.
Tal cheque havia sido furtado, totalmente por preencher, a G………., em 13 de Abril de 1999, em Coimbra.
O preenchimento do referido cheque havia sido efectuado por pessoa cuja identidade não foi possível apurar.”
b)- do ponto 19 que se adita aos factos dados como não provados:
“18)- que no dia 16 de Julho de 1999, o arguido C………. se dirigiu ao estabelecimento “W……….”, onde adquiriu uma televisão e uma aparelhagem de som, no valor de 205.000$00;
- que o arguido C………. entregou o cheque número ………., do V………., titulado por G………., fazendo crer e convencendo a O………. que o atendeu, que era o legítimo titular do cheque, assim a determinando a entregar-lhe tais bens;
- que o arguido C………. tinha conhecimento que tal cheque havia sido assinado sem o consentimento ou a autorização do respectivo titular, G………., tal como sabia que este não o havia preenchido nem assinado;
- os demais factos alegados quanto ao dolo.”
Em face desta modificação da matéria de facto provada e não provada, impõe-se a absolvição do arguido C………. de um crime de falsificação de documento p. e p. à data dos factos no art. 256 nº 1-c) e nº 3 do CP e de um crime de burla p. e p. à data dos factos no art. 217 nº 1 do CP, pelos quais foi condenado (nas penas individuais respectivas de 150 dias de multa à taxa diária de € 7,00 e de 100 dias de multa à mesma taxa diária) relativamente ao factos descritos nos mencionados pontos 8 e 11, aqui modificados.
Face à exclusão das quatro penas individuais que foram aplicadas ao arguido C………. pelos crimes de que aqui é absolvido (relativos aos factos descritos nos pontos 8 e 11 supra referidos), subsistem só as penas que lhe foram impostas pelos factos descritos nos pontos 2 e 21 dos factos provados (penas individuais de 200 dias de multa à taxa diária de € 7,00 e de 180 dias de multa à mesma taxa diária).
Importa, pois, refazer o cúmulo jurídico dessas duas penas individuais que lhe foram impostas.
Assim:
Resulta do art. 77 do CP que, em caso de concurso efectivo de crimes, existe um regime especial de punição, que consiste na condenação final numa única pena, considerando-se, “na medida da pena, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
A justificação para este regime especial de punição radica nas finalidades da pena, exigindo uma ponderação da culpa e das razões de prevenção (prevenção geral positiva e prevenção especial), no conjunto dos factos incluídos no concurso, tendo presente a personalidade do agente[32].
A pena aplicável (a moldura abstracta do concurso de penas) tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos dois crimes em concurso (ou seja, 380 dias de multa à taxa diária de € 7,00) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos mesmos crimes em concurso (ou seja, 200 dias de multa à taxa diária de € 7,00).
Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido C………., pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou.
Esta pena única é o resultado da aplicação dos “critérios especiais” estabelecidos no mesmo art. 77 nº 2 – tendo em atenção os limites consignados no seu nº 3 – não esquecendo, ainda, os “critérios gerais” do art. 71 do CP[33].
Assim, atendendo aos respectivos factos no conjunto (conexão entre os crimes cometidos e gravidade do ilícito global) e à sua personalidade (adequada aos factos que cometeu), bem como considerando a culpa pessoal, as exigências de prevenção geral e especial, as condições de vida, a ausência de antecedentes criminais e o tempo entretanto decorrido desde a prática dos factos em questão, julga-se ajustada e adequada, a pena única de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa à taxa diária de € 7,00 (sete euros), ou seja, a multa única de € 1960,00 (mil novecentos e sessenta euros).
Em conclusão: procede parcialmente o recurso interposto pelo arguido C………. uma vez que se altera a decisão da 1ª instância nos moldes indicados.
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III- DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação:
A – em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B……….;
B – em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido C………. e, em consequência, altera-se a decisão sob recurso, nos moldes acima mencionados (incluindo, portanto, a modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto), absolvendo-o de dois crimes de falsificação de documento (ali designados como “crimes de uso de documento falso), p. e p. à data dos facto no art. 256º, nº1, alínea c), e nº3 do CP e de dois crimes de burla, p. e p. à data dos facto no art. 217º, nº1 do CP (relacionados com os factos ocorridos nos estabelecimentos denominados “U……….” e “W……….”), pelos quais foi condenado na 1ª instância e, reformulando o cúmulo jurídico quanto às restantes duas penas individuais que lhe foram impostas, condená-lo na pena única de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa à taxa diária de € 7,00 (sete euros), ou seja, condená-lo na multa única de € 1960,00 (mil novecentos e sessenta euros).
C – no mais mantém-se a decisão sob recurso.
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Os recorrentes vão condenado nas custas, fixando-se a taxa de justiça devida pelo arguido B………. em 6 UCs e a devida pelo arguido C………. em 4 UCs.
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(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária. O verso das folhas encontra-se em branco – art. 94 nº 2 do CPP)
*

Porto, 24/09/2008
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias
Jaime Paulo Tavares Valério

__________________________
[1] Lapso de escrita uma vez que pretende invocar o disposto no art. 379 nº 1-a) do CPP.
[2] Nos termos do art. 380 nº 1-b) e nº 2 do CPP corrige-se aqui o lapso de escrita quanto ao nome dessa testemunha (indicada como sendo J……….) uma vez que, conforme consta da acta de fls. 3008 a 3013 (12º volume), o seu nome é P………. .
[3] Uma vez que existe lapso na numeração dos factos provados constantes da decisão sob recurso (existem dois pontos com o nº 19), esclarecemos aqui que a matéria impugnada é a relativa ao segundo ponto 19.
[4] Cf. Ac. do STJ de 15/12/2005, proferido no proc. nº 2951/05 e Ac. STJ de 9/3/2006, proferido no proc. nº 461/06, relatados por Simas Santos (consultado no site do ITIJ – Bases Jurídicas Documentais). Aliás, como se diz no Ac. do STJ de 21/1/2003, proferido no proc. nº 02A4324, relatado por Afonso Correia (consultado no mesmo site), a admissibilidade da alteração da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação “mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.
Assim, por exemplo:
a) apoiar-se a prova em depoimentos de testemunhas, quando a prova só pudesse ocorrer através de outro sistema de prova vinculada;
b) apoiar-se exclusivamente em depoimento(s) de testemunha(s) que não depôs(useram) à matéria em causa ou que teve(tiveram) expressão de sinal contrário daquele que foi considerado como provado;
c) apoiar-se a prova exclusivamente em depoimentos que não sejam minimamente consistentes, ou em elementos ou documentos referidos na fundamentação, que nada tenham a ver com o conteúdo das respostas dadas.”
[5] Assim, cit. Ac. do STJ de 21/1/2003.
[6] Ibidem.
[7] Ac. do STJ de 9/7/2003, proferido no proc. nº 3100/02, relatado por Leal-Henriques (consultado no mesmo site do ITIJ).
[8] Assim, Ac. do TRG proferido no recurso nº 1016/2005, relatado por Nazaré Saraiva.
[9] Carlos Climent Durán, La Prueba Penal, tomo I, 2ª ed., Valência: tirant lo blanch, 2005, p. 65. Mais à frente, o mesmo Autor, ob. cit., p. 78, nota 64, citando K. Engisch, diz que “o objectivo da actividade probatória é «criar no juiz o convencimento da existência de certos factos»”. No mesmo sentido, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed. Revista e actualizada de acordo com o DL 242/85, Coimbra: Coimbra Editora, Limitada, 1985, pp. 435-436, quando afirmam que “a prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto. (…) É o juiz da causa ou o tribunal colectivo, consoante as circunstâncias, que há-de convencer-se da realidade do facto, para que este se considere provado e se lhe possa aplicar a estatuição da norma que o tem como pressuposto”. Também Jeremias Bentham, Tratado de las Pruebas Judiciales (obra compilada dos manuscritos do Autor por E. Dumont, trad. de Manuel Ossorio Florit), Granada: Comares, 2001, p. 22, refere que a prova é «um meio que se utiliza para estabelecer a verdade de um facto, meio que pode ser bom ou mau, completo ou incompleto».
[10] Carlos Climent Durán, ob. cit., p. 91. Citando Jiménez Conde, F. (La apreciación de la prueba legal, cit., p. 122), refere, na nota 81, que este Autor, a propósito da apreciação das provas, observa que não se podem confundir os dois tipos de juízos que lhe estão subjacentes: «1º a averiguação dos dados fácticos ou juízos de facto particulares que são trazidos pelas provas produzidas, independentemente da sua verdade ou falsidade; 2º a fixação do concreto valor que se há-de conceder a esses mesmos meios de prova, ou, o que é igual, a decisão quanto à credibilidade dos resultados fácticos por eles produzidos, ou juízo sobre o grau de correspondência desses resultados fácticos com a realidade histórica objectiva do facto questionado. A primeira dessas operações constitui, como alguns autores lhe chamam, a interpretação das provas, enquanto a segunda se refere mais propriamente à sua valoração. E ambas se integram no conceito de apreciação das provas, como actividade complexa que as abarca».
[11] Neste sentido, Carlos Climent Durán, ob. cit., p. 94.
[12] De notar que tanto o auto de busca domiciliária, como o auto de apreensão, mostram-se assinados não só pelos elementos da PJ que participaram nessa diligência, como também pelo recorrente/arguido B………. .
[13] Costa Andrade, Sobre as proibições de prova em processo penal, Coimbra: Coimbra Editora, 1992,p. 129. Realça ainda (ob. cit., pp. 128 e 129) que «o silêncio deve, por isso, ser tomado como a ausência pura e simples de resposta, não podendo, enquanto tal, ser levado à livre apreciação de prova. E isto (…) quer se trate de silêncio total quer, na parte pertinente, de silêncio meramente parcial».
[14] O TEDH (Caso John Murray c. Royaume-Uni, ac. de 8/2/1996), também defende que o direito de não se auto-incriminar e o direito ao silêncio são direitos absolutos de que os arguidos devem beneficiar sem restrições. O exercício do direito ao silêncio não deve ser utilizado como prova contra o arguido sob pena de se estar a subverter a presunção de inocência e, bem assim, os moldes em que deve ser produzida a prova em processo penal. Igualmente, no Caso Allan c. Reino Unido, ac. de 5/11/2002, o TEDH reafirmou que o privilégio contra a auto-incriminação ou o direito ao silêncio “são normas reconhecidas internacionalmente, que estão intimamente ligadas com a noção de processo equitativo. Essas normas visam proteger o acusado de uma coerção abusiva por parte das autoridades, e, portanto, pretendem evitar erros judiciários e garantir o disposto no artigo 6 da CEDH”.
[15] Regra de experiência que, como diz Paolo Tonini, A prova no processo penal italiano (trad. de Alexandra Martins e Daniela Mróz, de La prova penale, 4ª ed., publicado em Pádua, pela Cedam – Casa Editrice Dott. António Milani, em 2000 e posterior actualização de Setembro de 2001), São Paulo, Brasil: Editora Revista dos Tribunais LTDA, 2002, pp. 55 e 56, “expressa aquilo que acontece na maioria dos casos”, sendo “extraída de casos similares”, gerando “um juízo de probabilidade”, de um “idêntico comportamento humano”, devendo o juiz formular “um raciocínio de tipo indutivo” e sucessivamente “um raciocínio dedutivo”.
[16] A repetição (em relação a ambos os recursos) quanto ao ponto 21 dos factos provados, que iremos fazer ao longo desta decisão, justifica-se por se tratar de matéria que faz parte do tipo subjectivo em qualquer dos crimes em questão.
[17] Ver citado Ac. do STJ de 21/1/2003.
[18] Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal (lições coligidas por Maria João Antunes), Secção de Textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1988-89, p. 139, refere que «a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo» (possa embora a lei renunciar à motivação e ao controlo efectivos)».
[19] Assim, Ac. do STJ de 13/7/2005, proferido no processo nº 2122/05, relatado por Henriques Gaspar (consultado no site do ITIJ – Bases Jurídicas Documentais).
[20] Acrescenta-se, ainda, no cit. Ac. do STJ de 13/7/2005: “Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é a convicção que o tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função do controlo ínsita na identificação dos vícios do art. 410 nº 2, do CPP, a convicção pessoalmente formada pelo recorrente e que ele próprio alcançou sobre os factos”.
[21] Aliás, como tem vindo a ser decidido por esta Relação, “o recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação (…) e também não pode destinar-se a substituir a convicção formada pelo tribunal recorrido, objectivamente motivada, plausível segundo as regras da lógica, da experiência da vida e do senso comum e coerente com o sentido das provas produzidas” (assim, Ac. proferido no proc. nº 4133/05-1, relatado por Guerra Banha, citando outra jurisprudência).
[22] Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de Inimputáveis e «In Dubio Pro Reo», Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 65.
[23] Abordando questões relacionadas com os designados “reconhecimentos fotográficos” ver, entre outros, Ac. do TRE de 12/12/2006, proferido no proc. nº 2269/06-1 (relatado por João Gomes de Sousa), Ac. do TRL de 8/10/2003, proferido no proc. nº 7002/2003-3 (relatado por Carlos Almeida), Ac. do STJ de 15/3/2007, proferido no proc. nº 07P659 (relatado por Santos Carvalho) e, ainda, Manuel José Mendes e Francisco de Almeida Garrett, Da prova por reconhecimento em processo penal, identificação de suspeitos e reconhecimentos fotográficos, Porto: Fronteira do Caos Editores, 2007, pp. 41-56 e Carlos Climent Durán, La Prueba Penal, tomo II, 2ª ed., Valência: tirant lo blanch, 2005, pp. 2102-2117 (concluindo que o “reconhecimento fotográfico que não seja confirmado por ulterior reconhecimento pessoal carece de aptidão probatória”). Daí que, esse tipo de diligência investigatória policial, na altura em que foi feita, ainda que permitida, tivesse de ser analisada cuidadosamente dada a sua fragilidade. É discutível que, na falta de outros elementos de prova (v.g. quando não é feita prova por reconhecimento pessoal, nos termos do art. 147 do CPP), a mesma possa, por si só, ser considerada como suficiente para alicerçar sequer uma acusação. E isto precisamente por, nesse caso (quando apenas existe a dita diligência do “reconhecimento fotográfico”), não lhe ser reconhecida “aptidão probatória capaz de destruir a presunção de inocência do acusado” (ver Carlos Climent Durán, ob. ult. cit., indicando diversa jurisprudência espanhola que se tem pronunciado sobre esta matéria).
[24] Manuel Cobo Del Rosal, Tratado de Derecho Penal Español, Madrid: CESEJ, 2008, pp. 403 e 404.
[25] Ibidem.
[26] Assim, Pedro Caeiro em anotação ao art. 231 do CP, in Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 478, quando salienta que “o tipo da receptação exclui do seu âmbito subjectivo o autor (material, mediato ou co-autor) do facto referencial.”
[27] Teresa Beleza, «Tão amigos que nós éramos: o valor probatório do depoimento do co-arguido no Processo penal português», in RMP, ano 19, nº 74, Abril-Junho de 1998, p. 58.
[28] Rodrigo Santiago, “Reflexões sobre as «declarações do arguido» como meio de prova no Código Processo Penal de 1987, in RPCC, ano 4, fasc. 1, Janeiro-Março 1994, pp. 49 e 62, sempre “suposta a situação de co-arguição”.
[29] Ibidem.
[30] De esclarecer que a testemunha previamente, a instâncias do Sr. Procurador da República, ao relatar o sucedido e contactos que teve com os 3 indivíduos a quem abriu a porta, falava no plural e, posteriormente, a instância de um dos advogados da defesa, já referiu que apenas falou com o arguido D………., dizendo que os outros dois indivíduos o acompanhavam. No entanto, não obstante resultar do seu depoimento que o arguido D………. era o seu interlocutor, a verdade é que, a forma como relatou o que passou, mostra que o negócio, do lado dos “compradores”, seria dos três.
[31] Como se refere no Ac. do STJ de 15/7/2008, proferido no proc. nº 08P418, relatado por Souto Moura (consultado no site www.dgsi.pt), citando Ac. do Tribunal Constitucional de 25/8/2005, Proc. nº 425/05 da 2ª Secção, “Se a testemunha que depõe em audiência de julgamento, tendo na sua frente certa pessoa na posição do arguido, lhe assaca a prática de determinados actos, contextualizados espacio-temporalmente, a questão posta ao tribunal não é a de saber qual é a pessoa, dentre várias, a quem os factos constantes da pronúncia podem ser atribuídos que corresponda à representação recognitiva e mnemónica retida pela testemunha, mas a de saber se a imputação feita nesse depoimento a essa concreta pessoa é ou não credível, segundo o princípio da livre apreciação da prova”.
[32] Neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, III, Teoria das Penas e das Medidas de Segurança, Editorial Verbo, 1999, p. 167 e Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II, As consequências jurídicas do crime, p. 291. Acrescenta este último Autor que “tudo se deve passar como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só, a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
[33] Ver Jorge Figueiredo Dias, ob. cit., p. 291.