Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00042178 | ||
| Relator: | ALBERTINA PEREIRA | ||
| Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO ASSÉDIO MORAL | ||
| Nº do Documento: | RP200902020843819 | ||
| Data do Acordão: | 02/02/2009 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 70 - FLS 109. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | Entende-se por assédio todo o comportamento indesejado relacionado com um dos factores indicados no n.º 1 do art. 23º do C. do Trabalho, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de afectar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador (art. 24º do C. do Trabalho). | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Reg. 279 Apel. 3819.08 (PC …..06 – TT Porto, ..º Juízo) Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório B………. instaurou acção emergente de contrato individual de trabalho com processo comum contra C………., LDA., pedindo a condenação desta a abster-se de praticar novos actos discriminatórios ou persistir directa ou indirectamente nos já ocorridos, dando ao autor o mesmo tratamento que dá aos demais trabalhadores, bem como a pagar-lhe indemnização por danos morais na quantia mínima de 50 mil euros. Alegou em síntese que a ré a partir de Outubro de 2004 passou a discriminá-lo, agredindo-o com decisões e comportamentos ofensivos da sua honra dignidade e consideração pessoais e do seu brio profissional. A ré contestou invocando que a sua conduta foi sempre irrepreensível concluindo pela sua absolvição. Deduziu reconvenção, pedindo a condenação do autor em indemnização em quantia não inferior a 20.000 pelos danos que lhe causou. O autor respondeu à reconvenção, mantendo os seus pontos de vista. Foi proferido despacho saneador, fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória, alvo de reclamação. Teve lugar o julgamento, tendo-se respondido à base instrutória, sem reclamação. Proferida sentença foi a acção julgada parcialmente procedente tendo-se condenado a ré a devolver ao autor o computador portátil que lhe esteve distribuído até Abril de 2006 para o desempenho das suas funções logo que – cessada a situação de baixa médica em que se encontra - o autor retome o exercício das suas funções. No mais foi a ré absolvida do pedido. O autor foi absolvido do pedido reconvencional. A) Por discordar da sentença na parte em que absolveu o autor do pedido reconvencional, dela recorre a ré, concluindo que: a) Não se conformando com a sentença proferida nos presentes autos na parte que julgou a reconvenção da R. improcedente, absolvendo o A. do pedido reconvencional, a R. e ora Recorrente interpôs o presente recurso de apelação. b) Da douta sentença resultou que: o ora Apelado enviou comunicações escritas à sede da empresa detentora das quotas da Apelante; revelou nas supra referidas comunicações factos que se passariam na Apelante e que qualificou como sendo ilegais, vexatórios, abusivos e discriminatórios e ainda que por estas razões foi instaurado, propositadamente para o efeito um inquérito efectuado pela D………. na ora Apelante. c) Ficou ainda provado que o inquérito realizado concluiu pela inexistência de qualquer fundamento nas queixas apresentadas pelo ora Apelado e ainda que a realização daquele inquérito provocou despesas e deslocação de dois elementos da D………., de vários funcionários da Apelante e implicou que estes não prestassem trabalho para a Apelante durante todo o dia do inquérito, despesas essas que irão ser imputadas à Apelante. d) Porém, apesar de todo o supra exposto, conclui a sentença não se encontrar preenchido o requisito da ilicitude., i.e., não se ter provado que as comunicações escritas do Apelado tenham sido determinadas por qualquer intenção difamatória do Apelado. e) Contudo, do conjunto de todos os articulados do Apelado, assim como dos factos que resultaram provados na sentença, resulta claramente não só que as afirmações do Apelado se revelaram infundadas mas também que as mesmas foram apresentadas de forma a distorcer propositadamente a realidade de determinados factos inócuos, atribuindo reiteradamente aos mesmos motivações ilegais, vexatórias, abusivas e discriminatórias e apresentando até mesmo alguns factos falsos. f) Tais comunicações foram proferidas pelo Apelado na sequência de diversas ordens de trabalho dadas pela Apelante que não agradaram àquele, sendo que, para além disso o Apelado não dirigiu as suas supostas dúvidas aos seus superiores hierárquicos, os quais poderiam resolver as suas questões mais facilmente. g) Tendo, ao invés, optado por dirigir comunicações com factos falsos e versões falsas de alguns factos à D………., tal como resultou provado na sentença, com a intenção de difamar e vexar a Apelante como retaliação por decisões desta com as quais o Apelado não concordou. h) Ficando, assim, plenamente demonstrada a intenção do Apelado em prejudicar a Apelante, pelo que, é devida a indemnização pelos danos patrimoniais causados ilicitamente pelo Apelado. i) No que concerne ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais, entendeu o Meritíssimo Juiz que o facto das acusações que o Apelado fez à Apelante terem sido comentadas no meio de sector de actividade da Apelada não assumem relevância jurídica suficiente que justifique indemnização, sendo uma vicissitude própria do mercado concorrencial. j) No entanto, cumpre esclarecer que o mercado farmacêutico é um mercado com características especiais, que depende, em grande parte, das relações de confiança que se estabelecem entre profissionais de saúde e delegados de informação médica, sendo estes a imagem das companhias farmacêuticas perante aqueles. k) Deste modo, o facto das representaram danos efectivos na Apelada. l) A circunstância de diversos médicos se mostrarem avessos a receber delegados de informação médica da Apelante devido a acusações falsas e difamatórias veiculadas quer directamente pelo próprio Apelado, quer por terceiros a quem aquele as transmitiu, representa um grande obstáculo ao trabalho de divulgação e informação dos delegados, impedindo que os medicamentos que estes divulgam sejam prescritos. m) Ora, o supra referido obstáculo não foi devido a uma qualquer abstracta vicissitude de mercado, mas antes directamente devido à divulgação das acusações falsas e difamatórias levada a cabo pelo Apelado. n) O que assume especial gravidade pelo facto de não ser uma acto difamatório proveniente de uma empresa concorrente ou de terceiro exterior à Apelante, como seria normal, podendo então ser classificado como vicissitude própria do mercado concorrencial, o) Mas, ao invés, ser um acto difamatório proveniente de um trabalhador ao serviço da própria Apelante sendo, nestes termos um dano com gravidade passível de ser indemnizado, nos termos o art. 496º, n.º 1 do C. Civil. p) Deste modo, deve a decisão do tribunal de 1ª instância ser parcialmente alterada e, em concreto, ser o Recorrido condenado a pagar à Recorrente a quantia de € 20.000,00 a título de danos patrimoniais e danos não patrimoniais. B) Igualmente inconformado com aquela sentença dela recorre de apelação o autor, formulando as seguintes conclusões: 1.ª- O A. é Técnico Especialista de Informação Médica e nessa qualidade compete-lhe visitar, promover a prescrição de medicamentos, às especialidades de Urologia, Dermatologia e Ginecologia. 2.ª- A retirada da visitação ao Recorrente por parte da Ré da visita às especialidades referidas supra 1.º, constitui infracção aos art.º 14.º da C.R.P. e art.º 21.º e 22.º do Código do Trabalho, não podendo considerar-se acto praticado no âmbito do poder de Direcção, desde logo porque tal acto não foi prévia ou posteriormente justificado, nem ditado pela realização de interesses legítimos da Empresa. 3.ª- A atribuição ao Recorrente da visitação de um Target de cem médicos Estomatologistas, normalmente visitados por Delegados de inicio de carreira que sempre por essa área principiam, retirando-lhe já depois de ser colocado nessa situação, do computador à longo tempo utilizado como instrumento de trabalho, a não convocação para as reuniões gerais e de zona da sua área de actividade, promoção da prescrição de medicamentos, e de todas as reuniões nacionais onde estão presentes todos os trabalhadores da Recorrida, bem como a privação do uso do veículo para fins pessoais. 4.ª- Bem como o não aumento do seu vencimento desde o ano de 2004, a não entrega do Cabaz de Natal que até 2004 sempre recebeu, constituem actos discriminatórios que, pela causa e sucessão cronológica tem de ser interpretados como integrantes de um plano previamente pensado para levar o Recorrente à saída da empresa são, de per si, e em conjunto discriminatórios e devem ser classificados de assédio laboral ao abrigo dos art. 22.º e 23.º do Código do Trabalho. 5.ª- As respostas aos quesitos são excessivas ou deficientes, pelo que face à matéria de facto que sustenta a decisão recorrida pelo que devem ser alteradas de acordo com o exposto nas alegações. 6.ª- E permita fixar matéria de facto essencial à boa decisão da causa. 7.ª- A sentença recorrida não distingue convenientemente reuniões gerais de todos os trabalhadores da Recorrida, reuniões gerais de vendas e reuniões de zona. 8.ª- Em qualquer das reuniões referidas supra 7.º são discutidas questões que interessam ao Recorrente enquanto profissional de informação médica, designadamente nas reuniões da zona norte onde estão presentes todos os Delegados de informação médica, independentemente das especialidades que visitam. 9.ª- A sujeição do Recorrente a reuniões individuais não encontram justificação técnica ou estratégica em qualquer dos argumentos alegados pela Recorrida, e tem como único objectivo subtrai-lo ao contacto profissional com os seus colegas o que o humilha e menospreza no seu ambiente de trabalho. 10.ª- Todos os actos alegados e provados constituem degradação objectiva das condições de trabalho violando os art.º 120.º alíneas a), c), d) e e). 11.ª- E representam, na prática e no âmbito da empresa desrespeito pela categoria profissional do Recorrente Técnico Especialista de Informação Médica, e um abaixamento da categoria profissional, causadora de desprestigio e diminuição do estatuto profissional. 12.ª- A sentença recorrida, ao partir do principio de que todos os actos alegados e provados foram praticados ao abrigo do seu poder de Direcção, coberto pelo art.º 150.º do Código do Trabalho, sem ter em conta os limites que resultam do contrato, da categoria profissional e da pratica da empresa, viola a lei, designadamente o próprio art.º 150.º e as demais normas referidas. 13.ª- E ao não quesitar matéria nova surgida em audiência de discussão e julgamento não a tendo em conta violou o art.º 515.º, 650.º n.º 2 alínea f) e 264.º n.º 3 do Código de Processo Civil. 14.ª- A sentença faz assim, deficiente interpretação dos factos provados e aplica deficientemente o direito pelo que deve ser revogada. 15.ª- Quando assim se não entenda deve ser ordenada a baixa do processo à primeira instância para aditamento de matéria de facto conforme ao alegado neste recurso. C) Também inconformada com a referida sentença na parte em que a condenou a devolver o computador ao autor, dela recorre subordinadamente a ré, onde conclui que: a) Em primeiro lugar, relativamente ao quesito 11º da Base instrutória, houve vários depoimentos de testemunhas na audiência de julgamento que vieram provar não ser resposta dada ao mesmo exacta. b) De facto, foi inequivocamente afirmado que, em Outubro de 2004 não foi só o Recorrido que deixou de visitar as especialidades supra referidas mas diversos delegados de informação médica, tendo este facto decorrido de uma decisão estratégica da Recorrente, como é o caso da testemunha L………. (cassete 6, Lado A, 0001 a 5040) e G………., (cassete 8ª. Lado B, 0001 a final). c) Pelo que, não poderá a resposta ao quesito em questão deverá passar a ter o seguinte conteúdo: “A retirada referida na al. B) da matéria assente teve - na sua base – alterações estratégicas na distribuição dos delegados.”. d) Cumpre salientar que o computador em questão não foi retirado apenas ao Recorrido mas a todos os trabalhadores da Recorrente as circunstâncias em que foi retirado o computador portátil ao Recorrido, uma vez que foi necessário proceder à alteração de todo o programa informático das suas equipas de vendas do Recorrente. e) Pelo que, pode-se concluir com toda a certeza, não existir qualquer intuito persecutório ou discriminatório da parte da Recorrente contra o Recorrido. f) Sucede que, esta recolha dos computadores coincidiu com a atribuição ao Recorrido de um projecto novo e pioneiro na Recorrente, sendo o supra referido programa informático, quer antes, quer após as alterações efectuadas, inadequado a ser usado pelo Recorrido para a prossecução daquelas tarefas. g) Posto isto, o Recorrido passou a utilizar uns relatórios de fácil preenchimento manual, temporariamente, até que se encontrasse uma solução informática para a especialidade de estomatologia, altura essa em que lhe seria novamente atribuído um computador portátil. h) Não havendo qualquer necessidade, no presente momento, do Recorrido ter um computador à sua disposição, não desempenhando, aliás, qualquer tarefa que implique a utilização do mesmo. O MP emitiu parecer no sentido de que não ser admissível o recurso subordinado e que não deve ser provido o recurso da ré; quanto ao recurso do autor entende que deverão ser ponderados os elementos que refere a fim de se decidir o recurso. Recebidos o recursos foram colhidos os vistos legais. 2. Matéria de Facto Na primeira instância foram considerados provados os seguintes factos: 1. O A. exerce as funções de técnico especialista de informação médica, sob a direcção e orientação da ré, sendo a sua antiguidade reportada a O1.SET.73. 2. O A., em reunião havida em Outubro de 2004, não aplaudiu a nomeação do novo chefe da equipa sul — E………. — em substituição da D. F………. . 3. A partir de Outubro 2004, a R. retirou ao A. a visitação dos médicos especialistas de dermatologia e urologia — que visitava há anos - e não lhe atribuiu a visitação dos médicos especialistas em ginecologia, com vista ao lançamento no mercado de um novo medicamento, visitação essa que foi efectuada por outros profissionais da A. 4. A R., a partir de Outubro de 2004, retirou ao A. a visitação dos médicos especialistas de dermatologia e urologia, que visitava há anos, retirada essa que teve - na sua base - a atribuição ao autor de um novo projecto, tendo sido atribuída ao A., em carácter de exclusividade, a visitação da especialidade de Estomatologia. 5. A ré efectuou algumas vezes a redistribuição de especialidades pelos vários técnicos de informação médica, em especial a partir de 2004. 6. Os contactos de vendas, reportes de produtos e tudo o mais necessário à articulação e coordenação das promoções e vendas dos medicamentos são feitos por via informática, dispondo cada um dos profissionais de informação médica de um computador portátil. 7. Procedeu a R., em Abril de 2006, à recolha de todos os computadores de todos os técnicos de i.m. ao seu serviço em virtude de alteração do programa informático das suas equipas de vendas, para que o programa informático assim alterado pudesse ser instalado nesses computadores. 8. A referida alteração do programa informático consistiu na possibilidade — até aí inexistente - de o respectivo utilizador poder contactar com as outras filiais da demandada a nível mundial através de correio electrónico. 9. Em 06.ABR.06 a ré retirou ao A. — através do chefe de equipa norte, G………. — o computador portátil que lhe estava atribuído; a comunicação do A. com os serviços da R. passou então a ser efectuada através do preenchimento de impressos — que foram atribuídos ao A. - a remeter directamente ao referido chefe de equipa. 10. Na área Norte, a ré tem um d.i.m. afecto aos denominados Transplantes (também afecto à zona Centro); 2 d.i.m. afectos às especialidades de Dermatologia, Urologia e Ginecologia e cerca de 10 d.i.m. a quem são atribuídas a Clínica Geral; e a especialidade de Estomatologia (o autor). [1] 11. Para coordenação, avaliação de resultados por ciclo e programação e definição de estratégia do seguinte, são efectuadas reuniões trimestrais, convocadas, conforme o caso, pelo chefe nacional de vendas — se nacionais — e pelos respectivos chefes de equipas quando de zona; anualmente, é feita uma reunião geral de todos os trabalhadores da ré, na qual o director-geral faz um balanço e apresenta resultados, fazendo a respectiva comunicação; é necessária a presença dos técnicos de i.m. apenas naquelas reuniões que lhes dizem directamente respeito. 12. Apenas é obrigatório que a ré convoque para as reuniões gerais aqueles trabalhadores que desempenhem tarefas que tenham ligação com os assuntos tratados ou discutidos nas respectivas reuniões, não sendo necessário que nelas estejam presentes todos os técnicos de i.m. 13. Para além das referidas reuniões, as equipas regionais de vendas fazem 5 a 6 reuniões de zona por cada ciclo, sendo que o A, não foi convocado desde o 1. ciclo de 2005/2006 para as reuniões da equipa da zona Norte. 14. A R. não convocou o A. para as reuniões de trabalho dos dias: - 27 e 29 de Junho de 2005, em que foi feito o balanço do 1. ciclo, com a presença da equipa nacional de vendas; - 10 e 11 de Outubro de 2005, realizada com a presença da equipa nacional de vendas, onde foi feito o balanço do 2. ciclo; - 4, 5 e 6 de Janeiro de 2006, onde foi feito o balanço das actividades até final do ano de 2005, exibida uma mensagem especial do Presidente da Companhia, com almoço de todo o pessoal; - 1, 2 e 3 de Abril de 2006, onde foi feito o balanço do 3º ciclo de 2005 e 2006 e apresentação do seguinte; - 2 a 7 de Junho de 2006, onde foi feito o balanço 2005/2006 com a presença de todo o pessoal nacional da companhia e foi dado a conhecer os projectos para o ano de 2006/2007. 15. As funções desempenhadas pelo A. requerem um tratamento individual e diferenciado; por ter sido atribuída ao A., com carácter de exclusividade, a visitação da especialidade de Estomatologia, a sua presença apenas era necessária nas reuniões que lhe diziam directamente respeito. [2] 16. Nessas reuniões está presente o chefe nacional de vendas da R., passando a efectuar-se reuniões de ciclo individuais para a especialidade de Estomatologia de 3 em 3 meses. 17. A quantidade de amostras distribuída ao A. — que a ré põe à disposição dos profissionais de informação médica para promoção e sensibilização dos médicos — bem como outro material promocional (brindes, esferográficas e brochuras) foi em quantidade inferior à que disponibilizou aos restantes delegados: desde Outubro de 2005 que a R. não lhe entrega amostras de medicamentos em promoção e, a partir de Abril de 2006, apenas uma vez lhe entregou esferográficas. 18. O medicamento actualmente promovido pelo A., o H………., está no mercado há mais de 2 anos. 19. O target group do autor é de 100 médicos, sendo que, relativamente aos clínicos gerais, a média é de 250 médicos. 20. O vencimento do A. sempre foi aumentado pela R. até ao ano de 2004. 21. Nos anos de 2005 e 2006 a ré procedeu ao aumento dos vencimentos de alguns dos seus funcionários. 22. No ano de 2005 não foi oferecido ao A. o cabaz de Natal. 23. Em anos anteriores a 2005 a ré não ofereceu quaisquer presentes de Natal aos seus trabalhadores, apenas tendo oferecido o cabaz de Natal, em 2005, aos trabalhadores que apresentassem resultados susceptíveis de serem premiados; a partir de 2005, a política da ré de atribuição de presentes foi a de o fazer em função do desempenho profissional dos seus trabalhadores. 24. Em 15.JAN.07 a ré exigiu ao A. a entrega da viatura automóvel de matrícula ..-..-XL, propriedade da ré e que lhe estava distribuída, alegando se encontrar o A. de baixa médica e, assim, dele não necessitar para trabalhar. 25. O referido veículo estava confiado ao A. para seu uso profissional e pessoal, como sucede com todos os delegados de i.m. ao serviço da ré, sendo da responsabilidade do respectivo utilizador as despesas com combustível e portagens aquando do uso pessoal do referido veículo. 26. O A., em virtude dos factos referidos nos pontos 3., 4., 9., 14., 17., 22. e 24. sofreu e sofre de angústia, stress, dores de cabeça, irritação, indisposição geral e insónias, o que tem perturbado a sua paz interior, ambiente social e familiar, tornando-o irascível, designadamente com amigos, familiares, cônjuge e filhos, que o A. só suporta com esforço, aconselhamento e medicação. 27. Encontra-se o A. de baixa médica desde finais de Dezembro de 2006, com direito ao correspondente subsídio atribuído pela Segurança Social. 28. Enviou o A. para a sede da empresa que detém as quotas da R. pelo menos duas comunicações, alegando que se passavam situações ilegais, vexatórias, abusivas e discriminatórias na ré, resultando delas a instaurações de um inquérito, conduzido por executivos da D………., que propositadamente se deslocaram a Portugal na segunda quinzena da Abril de 2006. [3] 29. Tal inquérito concluiu pela inexistência de qualquer fundamento nas queixas apresentadas pelo autor, tendo esse inquérito acarretado despesas de deslocação dos referidos dois elementos da empresa estrangeira, cujos custos irão ser imputados à ré, bem como a deslocação de vários funcionários da ré à sua sede, para a sua inquirição, os quais, nesse dia, não puderam efectuar o seu trabalho habitual. 30. As acusações que o A. faz à R. são comentadas no meio do sector de actividade da ré, e, por isso, alguns médicos, para além de exprimirem a sua antipatia para com a ré e colaboradores desta, não se mostraram receptivos a recebê-los. 31. A ré tem actividade no mercado nacional desde 1967 (sob outra designação), passando a designar-se I………. desde 1994 e, em 2005, C………., sendo uma empresa considerada na indústria farmacêutica e fazendo parte de um grupo internacional. 3. O Direito De acordo com o preceituado nos artigos 684, n.º 3 e art. 690, n.º s 1 e 3, do Código de Processo Civil[4], aplicáveis ex vi do art. 1, n.º 2, alínea a) e art. 87 do Código de Processo do Trabalho, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso. Questão prévia Deduziu a ré recurso subordinado (fls. 476 a 482). Como é sabido, decaindo o autor e o réu, a ambos é permitido recorrer. Só que, como referem Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, “Código de Processo Civil Anotado”, 3.º Volume, Coimbra, pág. 27 “Há duas possibilidades de interposição de recurso nestes casos: ou ambas as partes interpõem recursos independentes, no prazo do art. 685, tendo cada uma delas autonomia, embora sejam processados em conjunto; ou apenas uma interpõe recurso principal e a outra, notificada da sua admissão, decide também interpor recurso, o qual fica dependente do primeiro, na medida em que só é conhecido pelo tribunal ad quem se ele tomar conhecimentos do recurso principal.” No presente caso, a ré interpôs também recurso de apelação (principal) da sentença recorrida, fls. 388 a 394. Ora, visando o recurso subordinado, como se deixou antevisto, permitir a uma das partes vencidas que não recorreu, vir a interpor recurso, quando toma conhecimento da interposição do recurso da outra parte, não pode, como é lógico, quem recorreu a título principal interpor também recurso a título subordinado, pois isso desvirtuaria a finalidade deste recurso. Como refere Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, Almedina, pág. 88, são razões de igualdade das partes e de justiça processual que justificam a assunção de que a renuncia ao recurso ou mesmo a aceitação expressa ou tácita da decisão não obstam à interposição de recurso subordinado, salvo declaração expressa em sentido contrário. Cfr. Também os Acórdãos do STJ de 5.10.2003 e da Relação do Porto de 25.06.2007, docs. SJ200310050025922 e RP200706250713886, www.dgsi.pt. Desta feita, não se admite o recurso subordinado de apelação deduzido pela ré. As questões que a ré e o autor colocam à apreciação deste tribunal nos respectivos recursos são as seguintes: A) Recurso de apelação da ré Existência de danos patrimoniais e não patrimoniais causados pelo autor B) Recurso de apelação do autor 1. Impugnação da matéria de facto 2 Se o autor foi alvo de discriminação por parte da ré. 3. A Da existência de danos patrimoniais e não patrimoniais causados pelo autor Pretende a ré que a conduta do autor ao fazer comunicações para a sede da empresa que detém as quotas do ré, que se veio a concluir em inquérito realizado que eram infundadas, lhe causaram danos patrimoniais e não patrimoniais. A presente matéria foi devida e fundamentadamente abordada na sentença recorrida a qual fez correcta aplicação da lei aos factos, para a mesma se remetendo – art. 713, n.º 5. A título de complemento dir-se-á somente que, se é verdade, se apurou que o autor endereçou para a empresa que detém as quotas da ré pelo menos duas comunicações, invocando a prática pela ré de um conjunto de irregularidades e de situações discriminatórias, situação essa, para além de outras cartas anónimas, que estiveram na origem da instauração de um inquérito conduzido na ré por executivos da D………., que se deslocaram a Portugal na segunda quinzena da Abril de 2006, e onde se concluiu pela inexistência de qualquer fundamento nas queixas apresentadas pelo autor, isso não significa, sem mais, que a conduta do autor reúna os elemento da obrigação de indemnizar (art. 483, do Código Civil). Com efeito, não resulta da factualidade apurada que o autor tivesse tido a intenção de difamar a ré, como parece pretender esta, quando emitiu aquelas comunicações, para além de que, o facto de se não terem apurado no inquérito interno levado a cabo na ré os factos referidos pelo autor, isso não quer dizer que os mesmos se não tenham passado – o que implica a não verificação do requisito da ilicitude. Acresce ainda, como resulta, claramente do teor de fls. 326 a 333, que a dita investigação levada a cabo na ré não teve na sua origem apenas as denúncias feitas pelo autor, tendo também assentado em cartas anónimas que foram dirigidas àquela empresa - o que significa que se não pode concluir em termos seguros pela existência do nexo de causalidade entre a conduta do autor e os alegados danos sofridos pela ré. Improcedem, deste modo, as conclusões de recurso. 3. B. 1 Da impugnação da matéria de facto Pretende o autor a modificação da decisão da matéria de facto. Sustenta que devem ser alteradas as respostas dadas aos quesitos 2, 8, 9, 11, 13, 19, 21, 22, 31, 32, 36 e 38. De acordo com o art. 712, n.º 1, “A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser alterada pela Relação: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base á decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, ou tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 690.º -A, a decisão com base neles proferida”. No presente caso a prova foi gravada, importando, assim, ponderar se se mostram verificados os requisitos a que alude o citado art. 690-A. Estabelece este normativo que: “1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C”[5]. Por sua vez, dispõe o n.º 2 do art. 522 -C do mesmo diploma, o seguinte: “2 - Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, deve ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento” [6]. O autor deu cumprimento aos citados normativos, pois não só indicou os pontos que considera incorrectamente julgados, como referiu os depoimentos (as respectivas passagens) em que funda a sua discordância, com indicação do assinalado na acta com a menção do número de voltas, início e termo das cassetes. Vejamos, então, se é de modificar a matéria de facto, nos termos propugnados pelo mesmo autor. Este pretende que se dêm como provados os quesitos 2, 8, 9, 11 e 13. No quesito 2 perguntava-se: “Tendo o autor sido dado como testemunha em processo judicial que F………. instaurara contra a ré e que não foi concluído?” Este quesito recebeu a resposta de “Não Provado”. Quanto a esta matéria assiste razão ao autor. Com efeito, após ter sido ouvida a prova testemunhal produzida a este respeito, e tendo em conta a versão corrigida deste quesito constante de fls. 176, pode com segurança concluir-se que a resposta a dar deve ser afirmativa, pois as testemunhas ouvidas a esse propósito – J………., K………. e o Director Comercial da ré, a testemunha L………. - o afirmaram em termos claros e seguros. As duas primeiras realçando esse facto e a circunstância de o autor não ter aplaudido a nomeação do substituto de F………., como tendo estado na origem do tratamento discriminatório de que o autor passou a ser alvo. A terceira testemunha, que no seu longo depoimento, embora não se lembrasse de o autor não ter aplaudido aquela substituição, confirmou, sem qualquer hesitação ou reserva, que o autor foi indicado no âmbito do sobredito processo judicial que veio a terminar por acordo entre as partes. Assim, a resposta ao quesito 2, passa agora a ser a de Provado, ou seja que “O autor foi dado como testemunha em processo judicial que F……… instaurou contra a ré e que terminou por acordo entre as partes”. Insurge-se o autor contra as respostas (de não provado) dadas aos quesitos 8 e 9. Aí se perguntava se o autor teve “dificuldade e retracção no exercício da sua actividade” e” humilhação no ambiente de trabalho”. Os quesitos em causa, que surgem na sequência dos quesitos 6 e 7, assumem carácter conclusivo, pelo que nos termos do art. 646, n.º 4, se consideram não escritos. Pretende também o autor a alteração da resposta ao quesito 11 (onde se consignou que “a retirada das especialidades de dermatologia e urologia teve na sua base a atribuição de um novo projecto”), ao que entendemos, no sentido de ser considerado como não provado. Não lhe assiste razão. Do conjunto da prova testemunhal ouvida a esse propósito, em particular do depoimento do aludido L………., retira-se que a ré implementou esse novo projecto que se consubstanciou na dinamização da venda de um produto farmacêutico de nome H………, (antibiótico de estomatologia), que estava a ter grande aceitação por parte dos médicos estomatologistas que o prescreveram em muitos casos. Deve manter-se, pois, a redacção dada ao citado quesito 11 pelo tribunal a quo com o esclarecimento de que “tal projecto se consubstanciou na dinamização da venda de um produto farmacêutico de nome H………, (antibiótico de estomatologia), que estava a ter grande aceitação por parte dos médicos estomatologistas que o prescreveram em muitos casos”. Refere o autor que o quesito 13 deveria ter tido resposta diferente no sentido de que até finais de 2004, não ter ocorrido alteração no que respeita ao sistema de visitação. A resposta dada ao quesito é, porém, coerente com a prova produzida, pois várias testemunhas se referiram a essa redistribuição de especialidades pelos vários técnico de informação, em particular L………. e M………., que realçaram o carácter normal dessa situação, na área de venda e informação médica, sem que resultasse apurado que até finais de 2004 essa redistribuição não tivesse de todo ocorrido. Deve, por isso, manter-se a resposta dada em primeira instância ao quesito 13. Pretende ainda o autor a alteração das repostas aos quesitos 19 e 21. Quanto ao primeiro, no sentido de constar que anteriormente a 2004 a estomatologia era tratada por 10 DIM a quem eram atribuídos a clínica geral e a estomatologia, o que continuou a ocorrer depois dessa altura, a partir da qual o autor ficou encarregue de visitar apenas 100 profissionais de estomatologia, insurgindo-se ainda contra a resposta dada ao quesito 21, onde se consignou que “as funções desempenhadas pelo autor requerem um tratamento individual e diferenciado”, e ainda a título de esclarecimento “que por ter sido atribuído ao autor com carácter de exclusividade a visitação da especialidade de estomatologia a sua presença apenas era necessária nas reuniões que lhe diziam respeito”. Da análise conjugada de toda a prova produzida a propósito desta matéria pode concluir-se que, efectivamente, ao autor foram retiradas as especialidades com que antes trabalhava (urologia e dermatologia) e passou o mesmo a trabalhar, apenas (em exclusivo), com a especialidade de estomatologia. Mas a especialidade de estomatologia era trabalhada também por outros colegas do autor que faziam a clínica geral. Essa situação foi explicitada com clareza e conhecimento pelas testemunhas K………. (que é delegado de informação médica na ré) e por F………. (que foi trabalhadora na ré, com responsabilidades na área em causa como chefe de sector) e também por N………. (que desempenhou funções de delegado de informação médica na ré). E não foi claramente desmentida pelas testemunhas da ré. Quanto ao quesito 21 as testemunhas que se pronunciaram sobre essa matéria, com particular destaque para K………. (que referiu que o “autor não precisava de reuniões à porta fechada”), F………. e J………. (que foi também d.i.m na ré), foram firmes no sentido de que a atribuição ao autor da especialidade de estomatologia não implicava a necessidade de tratamento diferenciado, que, aliás, os outros DIM dessa especialidade não tinham. Ainda quanto a esta mesma matéria os depoimentos de L………. e das demais testemunhas da ré que sobre a mesma falaram, com destaque para o chefe directo do autor, G………., não lograram minimamente convencer porque razão esse tratamento individual e indiferenciado era necessário para o autor. Falaram do projecto do H………., que, curiosamente, já estava no mercado há venda há mais de 2 anos, e da grande “saída” que esse medicamento tinha junto dos médicos, que o teriam prescrito já em cerca de 1.200 casos, mas não concretizaram o que tinha de verdadeiramente particular, diferente ou especial, essa venda a fazer pelo autor, que implicasse um tratamento especifico como o que lhe foi dado. Tanto mais, como também resultou dos depoimentos prestados a esse título, que outros DIM também faziam a especialidade de estomatologia e quanto a esses não constou que tivessem recebido esse tratamento. Para além disso, tão pouco é crível, segundo as regras da experiência e da vida, que a situação do autor - um vendedor com mais de 30 anos de experiência, alvo de distinções por parte da ré (um dos seus melhores e mais especializados vendedores, nas palavras de várias testemunhas) - com a atribuição a si de uma só especialidade, implicasse para o mesmo um tratamento individual e indiferenciado, como foi consignado pelo tribunal a quo. Deve, pois, ser alterada em conformidade a resposta ao quesitos 19. E ser dado apenas parcialmente como provado o quesito 21, em harmonia aliás, com o teor do quesito 20 dado como provado. Deste modo, passa agora aí a ler-se o seguinte: “19. Provado apenas que na área Norte, a ré tem um d.i.m. afecto aos denominados Transplantes (também afecto à zona Centro); 2 d.i.m. afectos às especialidades de Dermatologia, Urologia e Ginecologia e cerca de 10 d.i.m. a quem são atribuídas a Clínica Geral; e a especialidade de Estomatologia (o autor e aos 10 d.i.m de clínica geral). “21. Provado apenas que a presença do autor era necessária nas reuniões que lhe diziam directamente respeito.” Já a resposta ao quesito 22 se deve manter por ter resultado dos depoimentos de M………. e de O……….., não contrariada pelos demais depoimentos. Também não concorda o autor com a resposta (de provado), dada ao quesito 31, pretendendo que a mesma deveria ser que o autor enviou à empresa que detém a ré cartas com o conteúdo de fls. 254 a 258, 263 a 264. Afigura-se-nos ter o mesmo razão quanto a este ponto. Na verdade, o que se apurou, foi que o autor enviou essas cartas. Se o conteúdo das mesmas revela situações ilegais, vexatórias, abusivas e discriminatórias na ré, é algo que se retirará da leitura e interpretação dessas cartas. A resposta ao quesito 31, passará, pois, a ter a seguinte: Provado que “o autor enviou para a sede da empresa que detém as quotas da ré, pelo menos as comunicações com os dizeres de fls. 254 a 258, 263 a 264.” Quanto ao quesito 32, o autor entende que face ao teor do relatório do dito inquérito, fls. 326 a 331, onde se refere que várias cartas foram enviadas, algumas delas assinadas pelo autor, deve a resposta a tal quesito ser alterada, no sentido de que não foram as suas cartas que deram origem ao inquérito. Tem parcial razão o autor. De facto, lendo o relatório daquele inquérito, verifica-se que aí se refere que “várias cartas foram enviadas aos dirigentes superiores da APEL e API nos últimos meses, expressando uma série de graves alegações sobre comportamentos condenáveis na empresa afiliada e sobre a capacidade de gestão do Director Geral. Algumas cartas eram assinadas por … Sr. S………., outras eram anónimas.” Assim, a resposta ao quesito 32, deverá passar a ter a seguinte redacção: “Do envio das referidas comunicações do autor e de outras cartas anónimas, resultou a instauração de um inquérito conduzido por executivos da D………., que propositadamente se deslocaram a Portugal na segunda quinzena de Abril de 2006.” Contra a resposta de Provado ao quesito 36, se insurge igualmente o autor. Aí consta, na sequencia da resposta dada ao quesito anterior, que esse inquérito implicou a deslocação de vários funcionários da ré à sua sede, para sua inquirição, “os quais, nesse dia, não puderam efectuar o seu trabalho habitual”, deve, porém, manter-se, pois ela resulta das testemunhas inquiridas a esse respeito (L………. e M……….) e das próprias regras da experiência. E também a resposta ao quesito 38[7] é de manter, por resultar da prova no seu conjunto e em particular dos depoimentos de P………. e Q………. . Em face do exposto, e nos termos sobreditos, procedem parcialmente as conclusões de recurso, no que se refere à matéria da impugnação da matéria de facto. 3. B. 2. Da discriminação do autor Pretende o autor que os factos praticados contra si constituem actos discriminatórios que, pela causa e sucessão cronológica tem de ser interpretados como integrantes de um plano previamente pensado para levar o Recorrente à saída da empresa são, de per si, e em conjunto discriminatórios e devem ser classificados de assédio moral. Vejamos, então, se a ré como seu comportamento praticou actos discriminatórios na pessoa do autor, e, em concreto, assédio moral. Regem a propósito os seguintes normativos legais: Artigo 22 1. Todos os trabalhadores têm direito à igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho.Direito à igualdade no acesso ao emprego e no trabalho 2. Nenhum trabalhador ou candidato a emprego pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião convicções religiosas ou ideológicas e filiação sindical. Artigo 23 Proibição de discriminação 1 — O empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, baseada, nomeadamente, na ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical. Artigo 24 2 — Entende-se por assédio todo o comportamento indesejado relacionado com um dos factores indicados no nº 1 do artigo anterior, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de afectar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.Assédio Aritgo 26 Obrigação de Indemnização Sem prejuízo do disposto no Livro II, à prática de qualquer acto discriminatório lesivo de um trabalhador ou candidato a emprego confere-lhe o direito a uma indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais. Artigo 32 2 — Considera-se:Conceitos a) Discriminação directa sempre que, em razão de um dos factores indicados no referido preceito legal (Art.º 23, n.º 1 do CT), uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável. Através destes normativos consagra o Código do Trabalho e seu Regulamento, o essencial do regime vigente sobre igualdade e não discriminação, no que concerne ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho. E passou-se a prever, expressamente, o direito à indemnização como decorrência de acto discriminatório. Com estes normativos estreitamente se liga o artigo 13 da nossa Constituição, que trata do princípio da igualdade. No que se refere ao princípio da igualdade, está em causa no art. 22, “a afirmação pela positiva desse princípio na relação de trabalho e a proclamação quer de um ideal de igualdade formal assente na asserção clássica segundo a qual “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, quer da igualdade em sentido material, emergente do Estado Social de Direito conducente ao conceito de igualdade de oportunidades, enquanto projecto de igualdade real.” Cfr. Pedro Romano Martinez e Outros, “Código do Trabalho Anotado”, Almedina, pág. 108. A igualdade está também inserida no plano do art. 23, mas desta vez através da proclamação negativa das diversas modalidades de discriminação. O conceito de discriminação envolve um juízo de desvalorização e de censura relativamente a certas práticas que se traduzem num tratamento de desvantagem conferido a trabalhadores ou a candidatos a emprego em função de determinadas situações. Na sequência do que vem sendo entendido no campo da igualdade, o que está em causa, o que é proibido, não é tratamento diferente em si mesmo, mas antes a irrazoabilidade da diferenciação e a ausência de motivos que a justifiquem. [8] O assédio moral, também conhecido por mobbing, está contido no art. 24, é considerado pelo legislador como uma das formas de discriminação, e pode concretizar-se não apenas quando se apura que era objectivo do empregador afectar a dignidade do trabalhador, como também nos casos em que não tendo sido esse o desiderato, o efeito obtido seja o de afectar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante e desestabilizador, como expressamente refere a parte final do citado artigo. Depois de vários estudos de cariz psicológico e sociológico, que foram desenvolvidos sobretudo na Suécia e nos EUA, onde se constatou a existência, em larga escala, do fenómeno do assédio no local de trabalho - que consiste essencialmente em humilhar, vexar ou desprezar o trabalhador a fim de o afastar do mundo do trabalho, cientes da gravidade dessa realidade e das suas consequências - alguns países têm vindo a consagrar legislação sobre essa matéria. A União Europeia, revelando estar atenta a essa realidade emitiu, a propósito, a Resolução A5-0283/2001, do Conselho, onde, para além do mais, chama a atenção para as consequências devastadoras do assédio moral, quer para o trabalhador quer para sua família, que frequentemente necessitam de assistência médica e terapêutica, e que induz aqueles a ausentarem-se do trabalho ou a demitirem-se; e sublinha que as medidas de luta contra o assédio moral no trabalho devem ser consideradas como um elemento importante dos esforços destinados a melhorar a qualidade do emprego e as relações sociais no local de trabalho, que contribuem também para lutar contra a exclusão social. Como tem sido assinalado pela doutrina, as fórmulas mais frequentes de mobbing consistem na marginalização do trabalhador, no esvaziamento das suas funções, desautorização, ataques à sua reputação e assédio sexual. No caso em apreço, o autor afirma que foi alvo de assédio moral por parte da ré, na sequência de o mesmo numa reunião da ré, não ter aplaudido a substituição de uma colega de trabalho por outro colega, como chefe de sector. Afigura-se-nos que o autor tem razão. [9] Com efeito, se é certo que compete ao empregador determinar, dirigir e orientar a actividade do trabalhador que se lhe encontra subordinado, que trabalha sob as ordens, direcção e fiscalização do empregador (art. 10 do Código do Trabalho), não deve olvidar-se que o poder de direcção de que goza o empregador não pode significar a violação dos direitos fundamentais de que goza o trabalhador enquanto cidadão. A doutrina constitucional e a laboral, vêm realçando a este propósito que, se é certo o trabalhador goza, como se disse, dos direito[10]), não é menos certo que a liberdade de empresa também encontra consagração constitucional, colocando-se, assim, a questão em termos de delimitação de direitos – impondo-se a ponderação dos interesses em presença, devendo procurar-se a concordância prática dos interesses envolvidos através do princípio da proporcionalidade, na sua dimensão de necessidade, adequação e proibição do excesso. Cfr., designadamente, José João Abrantes, “Estudos sobre o Código do Trabalho”, pág. 159 e seguintes. A liberdade da empresa, base dos poderes patronais, também está prevista da na nossa lei fundamental e por isso se entende que o exercício pelo trabalhador dos seus direitos fundamentais não pode afectar a finalidade da empresa nem gerar a inexecução do contrato. No caso vertente, ficou provado que em reunião havida em Outubro de 2004, o autor não aplaudiu a nomeação do novo chefe da equipa sul — E………. — em substituição da D. F……….. Importa, todavia, não esquecer que o aplaudir ou não uma situação como a referida, se insere no âmbito do direito de liberdade de expressão previsto no art. 37, da nossa Constituição (e onde se consagra que todos têm direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio … (n.º 1), não se tendo apurado que essa situação se tenha traduzido em qualquer violação dos interesses da empresa ou em inexecução contratual. Só que, a partir daquela altura, a situação profissional do autor mudou profundamente, e para pior, como melhor se verá de seguida. Não somente a ré retirou o autor das vendas das especialidades que fazia há anos (dermatologia e urologia), como o colocou na área de estomatologia, e limitado a cem médicos. Essa especialidade, era, porém, também desenvolvida por outros colegas de informação médica que estavam encarregues da clínica geral e que tinham um maior número de médicos. Embora seja, à partida, legítimo à ré alterar as áreas de actuação dos seus trabalhadores, o que até aconteceu algumas vezes, sobretudo a partir de 2004, não pode deixar de considerar-se que esta alteração para o autor significou, na prática, uma diminuição do âmbito e dimensão do seu trabalho. Como se viu, não só ficou reduzido e uma especialidade, como a um leque reduzido de médicos, o que significou menos possibilidades de vendas. E essa alteração foi acompanhada de um processo de isolamento e de discriminação do autor relativamente aos seus outros colegas, também vendedores. Apurou-se, com efeito, que a ré a coberto da ter atribuído ao autor um novo projecto (que no essencial se traduziu a venda do medicamento H………. na área da estomatologia), deixou de o convocar para as reuniões de trabalho onde iam todos os trabalhadores, e passaram a ocorrer reuniões de ciclo de três em três meses, mas apenas entre o chefe nacional de vendas e o autor. Não será difícil de constatar, que não convocar o autor para as reuniões gerais, onde vão todos os trabalhadores (ponto 11 dos factos provados) e reunir com ele de três em três meses, apenas com um dos responsáveis do sector, é votar o trabalhador ao ostracismo e à solidão dentro do espaço complexo que é a realidade empresarial. O trabalhador deixa, em grande parte, de poder sentir o pulsar da empresa para a qual trabalha, de conhecer a sua estratégia, os seus desafios, as suas necessidades. E também de percepcionar qual a melhor postura a adoptar para melhorar, se for o caso, a sua perfomance. E ainda, de poder trocar impressões sobre o mercado e as suas novidades, as vendas e as suas oscilações, bem como, naquele âmbito, de contactar e conviver com os seus colegas. Sentir-se-á irremediavelmente só, excluído e marginalizado do seu universo laboral. Para além disso, no caso do autor, mesmo as reuniões que passou a manter com o chefe de equipa - e onde se compreende que apenas participem os trabalhadores a que essas reuniões digam respeito - passaram a ocorrer sem a presença dos demais colegas (de clínica geral) também vendedores de estomatologia. O que, naturalmente, também contribui para o isolar e não lhe proporcionar toda a informação relevante sobre essa área de acção. Desde aquela altura (Outubro de 2004), em que não aplaudiu a indicação do novo chefe, o autor deixou de poder participar nas 11 reuniões que a ré levou a cabo e para as quais não o convocou. Acresce ainda que a ré no que concerne à nova área de vendas afecta ao autor, estomatologia, apenas lhe entregou amostras e material promocional em número inferior ao dos seus colegas. Admitindo a limitação legal invocada pela ré (mas não concretamente referida), no que concerne às amostras do produto em questão, sempre se justificaria um reforço do material promocional atribuído ao autor para o “compensar” daquela alegada limitação quanto ao número de amostras do dito produto, sabido que é constituir o material promocional na área das vendas a um importante “instrumento” de trabalho. Na linha do que vimos referindo, a ré retirou ainda ao autor o computador que lhe estava distribuído. E, se é verdade o fez também quanto aos demais trabalhadores de informação médica, o que é certo é que esse aparelho não foi devolvido ao autor, pois o mesmo passou a reportar com os serviços da ré à “moda antiga”, através do preenchimento de impressos a remeter directamente ao chefe de equipa. Sendo de todos conhecido o importante papel que o computador e a informática desempenham hoje em dia, em qualquer actividade profissional, tanto mais numa área altamente concorrencial como é a venda médica – claramente se vê como a retirada desse aparelho e das possibilidades oferecidas pelo mesmo, se traduz numa acentuada degradação das condições de trabalho do autor. A tudo isto soma-se ainda o facto de ao autor não ter sido atribuído o cabaz de Natal, sem que se tivesse demonstrado que os resultados do autor eram insusceptíveis de ser premiados, já que se apurou que em 2005 o entregou aos trabalhadores que apresentaram resultados que justificaram essa entrega. E ainda a circunstância de não ter sido aumentado, quando sempre o fora até 2004, sem que igualmente se tivesse apurado diferente situação do autor relativamente à dos que o foram. A situação profissional do autor desde 2004 pode, pois, qualificar-se como de esvaziamento do seu âmbito funcional, marginalização e tratamento desigual e injustificado relativamente aos seus colegas de informação médica. O que não pode deixar de considerar-se que afectou a sua dignidade e lhe criou um ambiente de trabalho, intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador – característicos do referido assédio moral. O autor, em virtude dos descritos factos (discriminatórios) de que foi alvo sofreu e sofre de angústia, stress, dores de cabeça, irritação, indisposição geral e insónias, o que tem perturbado a sua paz interior, ambiente social e familiar, tornando-o irascível, designadamente com amigos, familiares, cônjuge e filhos, que o mesmo só suporta com esforço, aconselhamento e medicação. O que, ponderando a culpa e a ilicitude da conduta da ré, o tempo em que já dura a situação, antiguidade do autor na empresa e a situação económica da ré, implica dever o mesmo ser ressarcido a titulo de danos não patrimoniais - os mesmos pela sua gravidade merecem a tutela do direito (art. 496, do Código Civil e citado art. 26 do Código Civil) - a titulo de indemnização em 25.000.00 euros. [11] Procedem, pois, as conclusões de recurso. 4. Decisão Em face do exposto nega-se provimento ao recurso de apelação da ré confirmando-se a sentença recorrida nessa parte. Concede-se provimento parcial ao recurso de apelação do autor, revogando-se a sentença recorrida, pelo que se condena a ré a abster-se de relativamente ao autor praticar novos factos discriminatórios ou a persistir nos já ocorridos, dando ao autor o mesmo tratamento que dá aos demais trabalhadores de informação médica, bem como a restituir-lhe o computador. Condena-se a ré a pagar ao autor, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de euros 25.000 (vinte e cinco mil). Não se aprecia, nos termos supra expostos, o recurso subordinado da ré. Custas da apelação da ré por esta. Custas da apelação do autor, por este e pela ré na proporção do decaimento. Porto, 2009.02.02 Albertina das Dores Nunes Aveiro Pereira Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho Luís Dias André da Silva _________________ [1] Com redacção alterada como se verá infra. [2] Alterado como se verá infra. [3] Alterado como se verá infra. [4] Serão deste diploma todas as referências normativas sem menção de origem. [5] Redacção introduzida pelo DL 183/2000, de 10.08 [6] Redacção introduzida pelo diploma referido na nota anterior. [7] O autor refere-se por manifesto lapso ao quesito 7, quando é certo pelo que refere se reporta ao quesito 38. [8] Pedro Romano Martinez e Outros, “Ob. Cit.”, Almedina, pág. 110. [9] Com excepção da retirada do veículo que estava confiado ao autor para seu uso profissional e pessoal, sendo da sua responsabilidade as despesas com combustível e portagens aquando do uso pessoal desse veículo, o que inculca que o uso não profissional era residual e apenas tolerado pela ré, e que, por isso, estando o autor de baixa, configura-se como razoável que a ré deste o tenha retirado. [10] Vd. art. 59, da CRP [11] Quanto à invocada contra-ordenação, o apuramento de tal matéria insere-se no âmbito do processo de contra-ordenação. |