Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
669/12.3TTBRG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: ASSOCIAÇÃO SINDICAL
DIREITO DE ACÇÃO
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RP20131013669/12.3TTBRG.P1
Data do Acordão: 10/14/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - As associações sindicais podem exercer o direito de ação no que respeita aos interesses coletivos que representam bem como à violação de direitos individuais mas com caráter de generalidade, ou seja, que respeitem à maioria dos trabalhadores seus associados - artigo 5º, n.ºs 1 e 2, c), do C.P.T..
II - Não se verifica a violação generalizada de direitos individuais se não foram identificados quaisquer outros trabalhadores associados mas tão só o representado do A..
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 669/12.3TTBRG.P1
Tribunal do Trabalho de Braga (2º juízo)
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Relator – Paula Maria Roberto
Adjuntos – Machado da Silva
Fernanda Soares

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório

B…, com sede em Lisboa,

intentou a presente ação de processo comum, contra

C…, com sede em …, Braga

alegando, em síntese que:
- O seu representado aufere um vencimento inferior aos dos seus colegas revisores que exercem a mesma categoria e desempenham as mesmas funções em termos de quantidade, natureza e qualidade.
- Inexiste qualquer fundamento para tal situação, sendo a atitude da Ré violadora do princípio constitucional “para trabalho igual salário igual”.
- A problemática dos autos integra a defesa de direitos e interesses coletivos dos trabalhadores que representa, já que tem repercussão em todas as demais situações idênticas.
Termina, dizendo que a ação deve ser julgada provada e procedente e, por via dela, ser decretado e a Ré condenada a reconhecer a prática salarial ilícita aplicada ao seu representado desde que foi admitido na empresa, em comparação com os trabalhadores que exercem iguais funções, incluindo os que se encontram identificados; ser a Ré condenada a reconhecer o direito do seu representado a auferir mensalmente, desde a sua admissão como revisor, em 01/02/2010, a mesma retribuição base dos seus colegas de trabalho, os quais exercem as mesmas funções, identificadas supra; ser a Ré condenada a reconhecer o direito do seu representado a auferir, no futuro, uma retribuição igual à dos seus referidos colegas de trabalho e ser a Ré condenada a pagar ao seu representado e ao Estado, em partes iguais, a quantia de € 300, por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que lhe forem impostas por via da sentença que vier a ser proferida.
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A Ré contestou alegando, em sinopse, que:
- O B… autor carece de legitimidade para a presente ação pois não se encontra em juízo a defender os interesses coletivos dos seus associados nem a exercer a defesa coletiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos.
- Não existe qualquer violação do princípio “para trabalho igual salário igual”.
- As diferenças salariais resultam da antiguidade na empresa e da progressão na carreira.
- Está legalmente impedida de praticar qualquer ato que implique valorização remuneratória.
Conclui pela procedência da exceção de ilegitimidade invocada e sua absolvição da instância ou pela improcedência da presente ação, com as legais consequências.
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O A. apresentou resposta e na qual conclui pela improcedência da exceção invocada e pela condenação da Ré no pedido formulado na p.i..
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Foi proferido despacho saneador e julgada verificada a exceção de ilegitimidade ativa e a Ré absolvida da instância.
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O A. notificado desta decisão, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:
“CONCLUSÕES:
A – Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou o Autor/Recorrente parte ilegítima e absolveu a Ré da instância.
B – O Autor/Recorrente intentou, no quadro da sua legitimidade processual (artigos 12.º, n.º 2 e 56.º, n.º 1 da CRP e artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, alínea c) do CPT), em representação e defesa do seu Associado, acção de processo comum, pedindo, entre outros que a Ré fosse condenada a reconhecer a prática salarial ilícita aplicada ao representado do Autor, desde que foi admitido na empresa, em comparação com os trabalhadores que exercem iguais funções, incluindo os que se encontram identificados em 8.º da petição inicial (princípio constitucional de que para trabalho igual salário igual).
C – Para além da invocação das disposições legais supra citadas, que atribuem legitimidade processual ao Recorrente para representar o seu Associado, o Autor juntou à petição declaração emitida pelo trabalhador a dizer que pretende e tem interesse em ser representado pelo B… Recorrente (cfr. doc. 1 junto com a petição inicial).
D- O Recorrente refere, também, no artigo 31.º da petição inicial, que a problemática dos autos integra a defesa de direitos e interesses colectivos dos trabalhadores que o Autor representa, pois tem repercussão em todas as demais situações idênticas.
E - A decisão recorrida, ao julgar o Autor parte ilegítima, interpretou e aplicou erradamente os artigos 5.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), 12.º, n.º 2 e 56.º, n.º 1 da Constituição da Republica Portuguesa (CRP); 53.º, 1 do Código de Procedimento Administrativo (CPA); 443.º n.º 1, alínea d) do Código do Trabalho (CT).
F - Refere a douta sentença o seguinte: “Assim, segundo o n.º 2 do referido artigo (art.º 5.º do CPT), as associações sindicais podem intervir judicialmente pra defender interesses individuais dos trabalhadores, sendo certo que, nestas situações se trata mais de representação e substituição, uma vez que a legitimidade caba aos trabalhadores.”
G - Ora, a afirmação “(…)uma vez que a legitimidade cabe aos trabalhadores”, salvo o respeito devido por opinião contrária, não é correcta; a legitimidade é do B… e não do trabalhador; refere o n.º 4 do artigo 5.º do CPT que “verificando-se o exercício do direito de acção nos termos do n.º 2, o trabalhador só pode intervir no processo como assistente”; também por aqui sustentamos que o B… é parte legítima para intentar, em nome e representação do trabalhador associado, a respectiva acção.
H - Aliás, tal decisão contraria a própria natureza e objecto social dos sindicatos uma vez que o B… é uma entidade colectiva cujo objecto principal é ajudar os trabalhadores, na defesa dos seus interesses económicos e sociais, individuais ou colectivos, nomeadamente junto das entidades empregadoras;
I - Ao julgar o Recorrente parte ilegítima para defender direitos individuais do seu Associado, violando as disposições legais supra citadas, coarta também ao Recorrente a prossecução dos seus fins, impedindo-o de intentar processo judicial em representação de um só trabalhador, mas cujo direito reclamado se estende aos demais trabalhadores seus associados e trabalhadores da Ré.
J - Na verdade, se o B… intenta acção pedindo a equiparação salarial, com base no princípio de que para trabalho igual salário igual, tal reivindicação e uma eventual condenação da Ré, mesmo que só em nome de um trabalhador, terá repercussão em todos os demais, até porque a entidade empregadora, ao ser condenada nos termos pedidos, se verá obrigada a regularizar situações idênticas de outros trabalhadores, no cumprimento de uma decisão emanada pelo Tribunal.
K - Ademais, que sentido faria ou teria para um trabalhador ser associado de um sindicato, contribuir mensalmente com o pagamento de quotas, se no momento em que precisa de ser auxiliado o B… não o pode fazer, por não ter legitimidade para tal?
L - Não foi esta a intensão do legislador, sobretudo sabendo-se que a legislação laboral, ao longo dos tempos, foi sempre feita atendendo aos interesses da parte mais frágil numa relação laboral, o trabalhador.
M - Etimologicamente, a palavra sindicato tem as raízes no latim "sindicus", que por sua vez deriva do grego "syndicos" (que significa aquele que defende a justiça). Actualmente, e dito de uma forma muito sintética, um sindicato é uma associação livre, estável e permanente de empregados ou de trabalhadores pertencentes a uma mesma profissão (ou profissões relacionadas) ou a um mesmo sector de actividade, que se unem para defesa dos respectivos interesses profissionais, individuais ou colectivos, nomeadamente ao nível das condições de trabalho e condições salariais.
N - Também no que tange à legitimidade processual dos sindicatos para a representação dos interesses, quer colectivos quer individuais dos trabalhadores que representam, a jurisprudência é maioritária no sentido de defender tal legitimidade por parte do sindicato.
O - Assim, podemos ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24-02- 1999, disponível in BMJ, 484.º-237, o seguinte “o interesse colectivo não elimina nem ofusca os interesses de cada um dos interessados, conferindo-lhes, antes, uma maior força que, pela sua importância, justifica a respectiva tutela.” (sublinhado e negritos serão sempre da nossa autoria).
P - É referido, também, no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 08-09-2010, disponível em www.dgsi.pt, o seguinte: “Os sindicatos, para além da legitimidade para defender os interesses próprios de que sejam titulares, como qualquer outra pessoa colectiva, têm legitimidade para a defesa dos direitos e interesses colectivos e para a defesa dos direitos e interesses individuais dos trabalhadores que representam.”
Q - Também é este o entendimento maioritário no Tribunal Central Administrativo Sul, o qual refere no seu Acórdão de 19-05-2005, disponível em www.dgsi.pt, que “A legitimidade dos sindicatos para defesa colectiva de todos os direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representam, em matéria sócio-profissional, é independente de, no caso concreto, estar ou não em causa o interesse de todos os seus associados.
R - Também o Tribunal Central Administrativo Sul refere, no seu Acórdão de 22-04-2010, disponível em www.dgsi.pt, o seguinte: “ (…) decorre directamente do citado nº 1 do art° 56° da CRP que reconhece às associações sindicais a competência para defenderem os direitos e interesses dos trabalhadores que representem, sem restringir tal competência à defesa dos interesses colectivos desses trabalhadores, antes supondo que ela se exerça igualmente para defesa dos seus interesses individuais.”
S - Ainda neste Tribunal, citamos o Acórdão de 09-03-2006, proferido à luz da legislação então em vigor, disponível em www.dgsi.pt, que diz o seguinte: “A disposição do nº3 do artº 4 do DL 84/99, de 19.3, ao reconhecer às associações sindicais legitimidade «para a defesa colectiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representem», consagra a legitimidade processual activa dessas mesmas associações para a defesa dos direitos e interesses individuais de um só trabalhador.”
T - Para não sermos demasiados exaustivos com citações, indicam-se, a título de exemplo, outros Acórdãos que sufragam a posição defendida pelo Recorrente, a saber: Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 18-10-2007; de 28-03-2007; de 10-05-2007; de 17-05-2007; de 28-06-2007; de 26-07-2007 e de 26-11-2009; Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 22-10-2003; de 25-04-2004; de 21-09-2004; de 06-10-2005 e de 16-12-2010, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
U - A sentença recorrida, ao declarar o Recorrente parte ilegítima para intervir processualmente em representação do seu Associado, interpretou erradamente e violou o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 56.º, n.º 1 da CRP; artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, alínea c) do CPT; artigo 443.º, n.º 1 do CT, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que reconheça legitimidade ao Recorrente para representar processualmente o seu Associado.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Excias. certamente suprirão, deve ser julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, ser revogada a sentença proferida, seguindo-se os demais trâmites processuais até final,
Assim se fazendo JUSTIÇA!”
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A Ré não apresentou resposta.
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A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se nos termos constantes do douto parecer de fls. 133 e segs., no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II – Saneamento
A instância mantém inteira regularidade por nada ter entretanto sobrevindo que a invalidasse.
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III – Fundamentação
Factos provados resultantes dos documentos juntos e do acordo das partes:
1. O A. intentou a presente ação em representação do seu associado D….
2. Este associado do A. emitiu a declaração junta a fls. 14 no sentido de que está interessado e não se opõe a que o B… interponha ação comum.
3. O A. foi admitido a trabalhar para a Ré em 16/04/2007 e, desde 01/02/2010, é revisor/fiscal de transportes públicos.
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b) - Discussão
Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, ambos do anterior C.P.C. – artigos 637.º, n.º 2 e 639.º, n.º 1, ambos do C.P.C. na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06), com exceção das questões de conhecimento oficioso.
Assim, cumpre apreciar a questão suscitada pelo A. recorrente, qual seja:
- Se tem legitimidade para intervir em representação do seu associado.
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As associações sindicais são parte legítima como autoras nas ações relativas a direitos respeitantes aos interesses coletivos que representam (n.º 1 do artigo 5º, do C.P.T.). Estes assentam <<na existência de uma pluralidade de indivíduos sujeitos aos mesmos interesses (iguais ou de igual sentido), pressupondo uma nova e diferente entidade como titular>>[1].
<<Um direito ou um interesse é “colectivo” quando pertence a todo o colectivo de trabalhadores representados pelo sindicato. (…) tem em vista um bem jurídico protegido que é comum, que tem como co-titulares todo o universo de representados no sindicato>>[2].
Mas podem exercer, ainda, o direito de ação, em representação e substituição de trabalhadores que o autorizem <<nas acções respeitantes à violação, com carácter de generalidade, de direitos individuais de idêntica natureza de trabalhadores seus associados>> - n.º 2, c), do mesmo normativo.
Por outro lado, <<compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem>> - n.º 1, do artigo 56.º da C.R.P..
E, as associações sindicais têm o direito de iniciar e intervir em processos judiciais quanto a interesses dos seus associados, nos termos da lei – n.º 1, d), do artigo 443.º, do C.T..
Consta da decisão recorrida o seguinte:
“Ora, quanto à legitimidade das associações sindicais para intervir nas acções relativas a direitos respeitantes a interesses colectivos que representam ou ainda exercer o direito de acção em representação e substituição dos trabalhadores que o autorizem, rege o artigo 5º do Código de Processo do Trabalho (aprovado pelo DL nº 480/99 de 9 de Novembro e alterado pelo DL nº 295/2009, de 13 de Outubro), adiante referido pela forma abreviada de CPT.
Assim, segundo nº 2 do referido artigo, as associações sindicais podem intervir judicialmente para defender interesses individuais dos trabalhadores, sendo certo que, nestas situações se trata mais de representação e substituição, uma vez que a legitimidade cabe aos trabalhadores.
Por outras palavras, as associações sindicais podem exercer ainda o direito de acção em representação e substituição de trabalhadores que o autorizem, autorização essa que se presume se o trabalhador nada declarar em contrário, por escrito, no prazo de 15 dias, contados da comunicação por escrito da associação sindical da sua intenção de exercer o direito de acção em sua representação e substituição, com indicação do respectivo objecto. E, proposta a competente acção nos termos daquele nº 2, a intervenção do trabalhador fica limitada ao estatuto de assistente.
Enquanto nas situações previstas nas alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 5º do CPT ocorre uma situação de representação, dado que se defende um interesse em nome de outrem, no caso previsto na alínea c) daquele nº 2, trata-se antes de uma substituição, uma vez que o sindicato intervém em defesa, em nome próprio, de um interesse alheio.
Podem, pois, as associações sindicais exercer ainda o direito de acção quando ocorre violação, com carácter de generalidade, de direitos individuais de idêntica natureza de trabalhadores seus associados. É uma intervenção judicial da associação sindical que visa a defesa dos “interesses que afectam ou podem afectar uma generalidade de trabalhadores, mas que não chegam a formar uma síntese nova, diferente da mera agregação de interesses individuais, pelo que não se pode falar ainda de um verdadeiro interesse colectivo”.
Com a presente acção pretende o Autor que o Tribunal, para além de declarar que a prática salarial em relação ao seu único representado é ilícita, por violação do princípio da igualdade, condene ainda a Ré a reconhecer o direito do seu representado a auferir a retribuição base dos seus colegas de trabalho.
Com a petição, juntou, entre o mais, uma declaração assinada pelo D…, onde este declara que “… que está interessado e, consequentemente, não se opõe a que o B…, no qual se encontra filiado com o nº ….., interponha acção comum”.
Ora, não se sabe quantos trabalhadores tem a Ré, nem quantos deles terão a mesma categoria que a do representado do Autor, porque nenhuma das partes o refere nos articulados.
Mas, pelo que se diz no artigo 8º da petição e 17º da contestação, haverá na Ré, pelo menos, dois trabalhadores com a categoria profissional de revisor ou fiscal.
Em suma, segundo estes dados, conclui-se que num universo de vários, cujo número se desconhece, apenas um mantêm a sua autorização para o ora Autor o representar na presente acção!
Face a estes dados e ao que dispõe a alínea c) do nº 2 do artigo 5º do CPT, será que o ora Autor detém legitimidade processual para, em representação daquele único trabalhador, intentar a presente acção?
Cremos que não.
Com efeito, tendo em conta o teor daquela norma, tinha o ora Autor de:
− identificar devidamente todos os trabalhadores seus associados afectados nos seus direitos;
− especificar quais os direitos de natureza individual objecto de violação; e
− que a alegada violação assume carácter de generalidade.
Com efeito, conforme já foi decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 30/04/2003 (sumariado in www.dgsi.pt/jtrl), “o sindicato deve fundamentar a sua intervenção, em substituição dos seus associados referenciados na petição inicial no sentido de a acção se reportar à violação, com carácter de generalidade, de direitos individuais de idêntica natureza de trabalhadores seus associados”. E, para que a violação dos direitos individuais dos trabalhadores associados do sindicato assuma o carácter de generalidade referido na norma, torna-se necessário que “afecte a maioria dos trabalhadores da Ré”, no caso, com a categoria profissional de revisor ou fiscal de transportes públicos.
Ora, se o Autor nem sequer conseguiu cumprir bem o primeiro daqueles requisitos, muito menos se pode falar no cumprimento dos restantes, dado que, no nosso entendimento, a violação com carácter de generalidade não se verifica, em relação a um único trabalhador.
Temos, assim, que a decisão a proferir nesta acção nunca vincularia a maioria dos trabalhadores da Ré com a mesma categoria profissional. Estranha-se até que o Autor não esteja a representar igualmente, nesta acção, os outros trabalhadores que diz terem os mesmos interesses.
Em suma, não está justificada a intervenção processual do B… Autor, em representação e substituição do identificado trabalhador da Ré.”
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Insurge-se o A. contra o assim decidido, no entanto, adiantamos, desde já, sem razão.
Na verdade, as associações sindicais podem exercer o direito de ação no que respeita aos interesses coletivos que representam bem como à violação de direitos individuais mas com carácter de generalidade, ou seja, que respeitem à maioria dos trabalhadores seus associados - artigo 5º, n.ºs 1 e 2, c), do C.P.T..
Por outro lado, e a propósito do artigo 56.º da C.R.P., o Tribunal Constitucional já se pronunciou no âmbito do procedimento administrativo[3], no entanto, como refere João Reis[4] <<(…) o sindicato no processo administrativo goza de uma legitimidade mais ampla do que no processo de trabalho>>.
Acresce que, ainda a propósito do citado artigo 5.º e dos chamados interesses plúrimos, estes <<são interesses que afectam ou podem afectar uma generalidade de trabalhadores, mas que não chegam a formar um síntese nova, diferente da mera agregação de interesses individuais, pelo que não se pode ainda falar de um verdadeiro interesse colectivo.
Esta categoria de interesses encontra tratamento legal autónomo, se não erramos, no art.º 5º, n.º 2, al. c) do CPT. E o fito do legislador terá sido, permitir ao sindicato a faculdade de agir, desde que autorizado pelos trabalhadores, em representação ou substituição do trabalhador, não o confinando à posição de mero assistente. Esta posição processual resultaria inevitavelmente da natureza individual dos direitos em questão>>[5].
Voltando ao caso dos autos, e mais concretamente ao conteúdo da p. i., constatamos que o A. alega que tem como associados numerosos trabalhadores que se encontram ao serviço da Ré, nomeadamente o ora representado; que o seu associado tem a categoria de revisor ou fiscal de transportes públicos, a mesma de outros dois colegas que auferem um salário superior; que a problemática dos autos integra a defesa de direitos e interesses coletivos dos trabalhadores que representa, já que tem repercussão em todas as demais situações idênticas e pede que seja decretado e a Ré condenada: a reconhecer a prática salarial ilícita aplicada ao seu representado desde que foi admitido na empresa, em comparação com os trabalhadores que exercem iguais funções, incluindo os que se encontram identificados; a reconhecer o direito do seu representado a auferir mensalmente, desde a sua admissão como revisor, em 01/02/2010, a mesma retribuição base dos seus colegas de trabalho, os quais exercem as mesmas funções, identificadas supra e a reconhecer o direito do seu representado a auferir, no futuro, uma retribuição igual à dos seus referidos colegas de trabalho.
Assim, e face ao que ficou dito a propósito do interesse coletivo, bem como ao pedido do A., facilmente se conclui que a sua pretensão não respeita a interesses coletivos, de todo o universo dos seus representados, mas apenas aos interesses do seu representado, sendo certo que não basta afirmar, como o faz o A., que a problemática dos autos tem repercussão em todas as demais situações idênticas.
E, desta forma, afastada fica a legitimidade do A. que é conferida pelo n.º 1, do artigo 5.º do C.P.T..
Acresce que, o A. não identificou os trabalhadores da Ré seus associados com a mesma categoria (com exceção dos supra referidos) ou em idêntica situação do seu representado; não alegou quais os direitos de natureza individual objeto de violação nem que esta assumia caráter de generalidade.
Voltando à legitimidade prevista no n.º 2, c), do mesmo artigo 5.º, trata-se do exercício do direito de ação por parte das associações sindicais, na defesa de um interesse alheio, perante a violação generalizada de direitos individuais de trabalhadores seus associados.
Assim sendo, somos levados a concluir que não estamos perante uma violação generalizada de direitos individuais de idêntica natureza, desde logo, porque, como já referimos, o A. nem sequer identificou quaisquer outros trabalhadores seus associados mas tão só o seu representado.
Como se refere na decisão recorrida, esta violação não se verifica em relação a um único trabalhador. Verifica-se apenas perante direitos de idêntica natureza e quando <<se reporte à generalidade do universo constituído pelos trabalhadores associados que se encontrem na mesma situação>>[6].
<<No caso da alínea c), há uma posição de representação, já não de apenas um trabalhador, mas de um conjunto de trabalhadores cujos direitos individuais de idêntica natureza foram violados, com carácter de generalidade (…)>>[7].
Concluímos, pois, que o A. também não goza da legitimidade prevista nesta alínea do n.º 2, do artigo 5.º do C.P.T., já que não estamos perante uma ação respeitante à violação, com caráter de generalidade, de direitos individuais de idêntica natureza de trabalhadores seus associados e, consequentemente, é parte ilegítima.
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Improcedem assim as conclusões formuladas pelo A. recorrente, impondo-se a manutenção da decisão recorrida.
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IV – Sumário[8]
1. As associações sindicais podem exercer o direito de ação no que respeita aos interesses coletivos que representam bem como à violação de direitos individuais mas com caráter de generalidade, ou seja, que respeitem à maioria dos trabalhadores seus associados - artigo 5º, n.ºs 1 e 2, c), do C.P.T..
2. Não se verifica a violação generalizada de direitos individuais se não foram identificados quaisquer outros trabalhadores associados mas tão só o representado do A..
3. Esta violação não se verifica em relação a um único trabalhador, verifica-se apenas perante direitos de idêntica natureza e quando <<se reporte à generalidade do universo constituído pelos trabalhadores associados que se encontrem na mesma situação>>.
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V - DECISÃO
Nestes termos, sem outras considerações acorda- se:
1-) em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
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Sem custas, por delas estar isento o A. recorrente.
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Porto, 2013/10/14
Paula Maria Roberto
Machado da Silva
Fernanda Soares
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[1] Acórdão do STJ de 24/02/1999, AD do STJ, Ano XXXVIII, n.ºs 452-453, p. 1155.
[2] Acórdão do STA, de 11/11/2010, disponível em www.dgsi.pt.
[3] Cfr. Ac. n.º 75/85.
[4] A legitimidade do sindicato no processo, Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Prof. Manuel Alonso Olea, Almedina, pág. 391.
[5] João Reis, obra citada, págs. 395 e 396.
[6] Ac. desta Relação de 14/03/2011, processo n.º 766/09.2TTBRG.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Carlos Alegre, Código de Processo do Trabalho, Anotado e Actualizado, 2003, Almedina, pág. 49.
[8] O sumário é da responsabilidade exclusiva do relator.